What you get is (not) what you see: para uma epistemologia não-colonial do Islã e dos direitos das mulheres(1)

Autor: César Auguto Baldi(2)
Servidor do TRF da 4ª Região, Professor de Direito Constitucional na ULBRA, Especialista em Direito Político pela UNISINOS, Mestre em Direito pela ULBRA
Publicado na Edição 15 - 22.11.2006


1. Repensar o Islã: desafios pós-coloniais e pós-orientalistas

Edward Said, ao analisar a cobertura da mídia a respeito dos fatos envolvendo o Islã, destaca que o termo definia “uma pequena porção do que realmente acontece no mundo islâmico, cujos membros são um bilhão de pessoas e que inclui dezenas de países, sociedades, tradições, linguagens e, inclusive, um infinito número de diferentes experiências.”(3) Segundo ele, revela-se, portanto, profundamente falso insistir que o Islã estabelece os marcos da sociedade de “cima para baixo”, que “dar al-Islam” é uma entidade coerente e singular, que “Igreja” e “Estado” são, em realidade, um só aspecto no Islã. Desta forma, “se você fala do Islã, você mais ou menos, automaticamente, elimina espaço e tempo, elimina complicações políticas, como democracia, socialismo e secularismo, e também o controle moral”.(4) Em outras palavras:(5)

“(...) a presente cobertura do Islã e das sociedades não-ocidentais, com efeito, canoniza certas noções, textos e autoridades. A idéia de que o Islã é medieval e perigoso, bem como hostil e ameaçador para ‘nós’, por exemplo, tem adquirido um lugar tanto na cultura quanto na política muito bem definido: autoridades podem ser citadas, rapidamente, para isto, referências podem ser feitas para tanto, argumentos sobre particulares aspectos do Islã podem ser aduzidos a partir disto – por qualquer um, não somente por experts ou jornalistas. E, por seu turno, tal idéia fornece uma forma de pedra-de-toque a priori que possa ser tida em conta por qualquer pessoa que queira discutir ou falar algo sobre o Islã. Sendo algo ‘fora’ de tudo, o Islã – ou, antes, o material invariavelmente associado com ele – é tornado, então, uma ortodoxia desta sociedade. (...) a tarefa de mudar isto é, de fato, muito difícil.”

Em realidade, na raiz da questão está a forma como o Islã – como manifestação de Oriente – foi sendo desenvolvida. Boaventura de Sousa Santos já salientara(6) que o Oriente foi sempre o espaço da alteridade: o Ocidente não existe fora do contraste com o não-Ocidente, seja este visto como civilização alternativa, como centro da história, seja como ameaça, seja como recurso. É desta forma que o “fundamentalismo islâmico” se transforma hoje numa ameaça e, portanto, portador de todos os males do mundo. Ou seja, o espaço da alteridade é o espaço, também, da diabolização do outro enquanto outro, da redução maniqueísta entre bem e mal, entre civilização e barbárie. Mas, ao mesmo tempo, é o exótico, e é por isso que o Oriente somente pode ser admirado pela opulência das cortes imperiais, pelas mil e uma noites, pela sensualidade. Apesar de ser fundamentalmente visto como temível e temido, o Oriente também é visto como recurso, como um imenso mercado a explorar, seja pelo número de habitantes (e a inclusão da China na OMC é o paradigma perfeito), seja pela dependência ocidental dos recursos (e a importância geoestratégica do Oriente Médio e do Golfo Pérsico fala por si mesma, bem como as invasões de Iraque e Afeganistão…).(7)

A concepção do não-Ocidente visto como o Oriente foi, sem dúvida, o orientalismo. Segundo Edward Said, orientalismo é a concepção do Oriente que domina nas ciências sociais e nas humanidades, a partir do final do século XVIII, baseada nos seguintes pontos principais: uma distinção total entre “nós” ocidentais e “eles” orientais; a superioridade do Ocidente desenvolvido, racional e humano contraposta ao Oriente aberrante, inferior, subdesenvolvido, despótico; o Ocidente é dinâmico, diverso, passível de autotransformação e autodefinição, ao passo que o Oriente é estático, eterno, uniforme, incapaz de auto-representação; e, por fim, o Oriente é temível e deve ser controlado pelo Ocidente (por meio de guerra, invasão, colonização, “pacificação”, etc.).(8) Ou seja, o orientalismo estudava o Islã e as outras civilizações a partir das “idéias européias de Deus, homem, natureza, sociedade, ciência e história e, em conseqüência, descobria que as culturas e civilizações não-ocidentais eram inferiores e estavam atrasadas” e, tal qual um espelho, codificava os “desejos ocidentais e os transformava em disciplinas acadêmicas” e depois projetava “seus desejos sobre seu estudo do Oriente”. (9)

A crítica que Ziauddin Sardar faz, em parte, à concepção de Said e que Walter Mignolo explicita é que “não pode haver um Oriente, como ‘outro’, sem o Ocidente como ‘o mesmo’”: o ocidentalismo “era a figura geopolítica que constelava o imaginário do sistema mundial colonial/moderno. Como tal, era também a condição da emergência do orientalismo”.(10) E as Américas, assim, não são diferentes da Europa (como o são Ásia e África), mas sim a sua continuação. Conseqüentemente: não existe modernidade sem a colonialidade, ainda quando existam livros sobre colonialismo e outros sobre modernidade (como entidades separadas que não se imbricam, nem interagem), ainda quando se afirme que a modernidade é uma questão européia, e a colonialidade, algo que ocorre fora da Europa. Veja-se, por exemplo, que Argélia dificilmente será “incluída como parte da história nacional francesa, apesar do fato de que uma história da Argélia, como nação, não pode ignorar a França”.(11)

Corolário dessa visão é que mesmo as altas culturas orientais têm sempre algo incompatível com a marcha da humanidade “rumo à modernidade e ao verdadeiro universalismo”: elas devem ficar “congeladas em suas trajetórias”, incapazes de qualquer modificação ou criação de alguma versão de modernidade “sem a intrusão de alguma força externa (ou seja, européia)”.(12) O reconhecimento, por outro lado, de que a Europa foi, até a descoberta da rota atlântica, uma zona marginal do mundo coloca a questão que Wallerstein, ironicamente, destaca: da mesma forma que Montesquieu perguntava como alguém poderia ser persa, o grande desafio atual seria “como alguém pode ser não-orientalista?”(13)

Como já alertara Gema Martín-Muñoz, o intento de “desmontar” os preconceitos esbarra, inclusive, no uso da linguagem e da terminologia, porque oculta a existência de um grupo reformista islâmico. A existência de outra corrente partidária do modelo liberal europeu, contemporânea ao movimento de “islâhuyyûn” muçulmana, mas que defendia a imitação do Ocidente, trouxe consigo “que a apresentação de ambas correntes se tenha definido, arbitrariamente, na imensa maioria dos estudos realizados até a atualidade em torno da divisória ‘modernistas’ (porque imitam o Ocidente) e ‘tradicionalistas’ (porque se remetem ao Islã)”.(14) São, dessa forma, os “modernistas” e, preferencialmente, “laicos” os que desfrutam de difusão midiática e capacidade de publicação, ofuscando a diferenciação entre os “tradicionalistas”, com ulemás conservadores e imobilistas, e os “reformistas”, que procuram um repensar do Islã.(15)

Ademais, os próprios ex-colonizadores continuam a querer manter sua “zona de influência”, de que são exemplos evidentes a invasão do Iraque, coincidentemente com apoio da Inglaterra, a “preocupação” da França com resoluções do Conselho de Segurança da ONU que digam respeito ao Líbano, o apoio (ou pelo menos o não-repúdio veemente) da França em relação ao cancelamento das eleições da Argélia em 1992 (quando tudo indicaria uma maciça eleição da Frente Islâmica em segundo turno).(16)

Um discurso que ficou mais evidente após o ataque às Torres Gêmeas e que essencializa o Islã, consensualizando a tese da decadência e do ressentimento muçulmano e procurando confirmar a superioridade do Ocidente que, “temporariamente abalado pelos desafios do pós-colonialismo e do multiculturalismo, de novo se afirma orgulhosamente exportador dos valores humanos universais”,(17) esquecendo-se, assim, a historicidade do percurso ocidental e as múltiplas diferenciações das sociedades européias e americanas, para projetar um único projeto para o mundo globalizado. Dessa forma, não só “fica excluída a possibilidade de se apreender o Islão como realidade significante vivida pelos próprios muçulmanos” como “não são conhecidos nem concebíveis os múltiplos e vigorosos debates, propostas e polémicas que espelham as diversidades nacionais e intranacionais e as fracturas, diálogos e articulações transnacionais que constituem a pluralidade do Islão contemporâneo e se projectam na re-imaginação de futuros islâmicos alternativos.(18)

2. Da complexidade do “direito islâmico”: conceituação, fontes e escolas jurídicas(19)

Analisar o “direito islâmico”, a partir desse quadro conceitual, implica algumas considerações adicionais. Ainda que os estudos políticos tenham se concentrado na globalização, os estudos de Direito Comparado e as respectivas classificações correntes – de René David a Zweigert & Kötz –, além de exagerarem a importância da divisão entre common law e civil law, têm dificuldade de trabalhar fora do âmbito do Estado-Nação, procurando confinar ordens jurídicas religiosas e costumeiras em “sistemas legais nacionais que somente os reconhecem para propósitos limitados”:(20) ou seja, mesmo tratando de pluralidades normativas, têm uma visão estatocêntrica do fenômeno.

Muhammad Masud salienta quatro ordens de problemas no tocante aos estudos de direito islâmico: a) tanto islâmicos quanto ocidentais têm-se concentrado nos textos legais, não se atendo ao direito que os sultões, os qadis ou muftis realmente aplicavam e, portanto, inclusive a distância entre a sharia e urf (os costumes); b) estão profundamente influenciados por teorias de positivismo jurídico, que consideram direito apenas aquilo que é sancionado pelo Estado e, por isso, tendem a ver como um direito “religioso, fossilizado e imodificável”; c) estão concentrados na teoria jurídica de Muhammad Idris al-Shafi’s (século IX), que era profundamente teológica e procurava refutar, naquela época histórica, outras teorias de direito islâmico, que reconheciam outras fontes jurídicas, tais como as práticas locais; d) os “scholars” ocidentais foram sempre particularmente interessados em traçar origens do direito islâmico a partir do direito romano, judeu ou bizantino. Todos esses fatores acabam ou por realçar o caráter não-jurídico do direito islâmico ou por tratá-lo como direito religioso, focalizando sua imutabilidade.(21)

O reconhecimento de que o que se entende como “direito islâmico” é, fundamentalmente, uma “invenção moderna” é destacado por Sardar:(22)

“O direito islâmico, que tem uma longa história e tradição, por exemplo, não foi simplesmente estudado pelos orientalistas; foi de fato construído por eles. O orientalismo jurídico apresentava o direito islâmico de forma essencialista e utilizava essa estratégia para sustentar que os muçulmanos são, basicamente, uns conservadores, atados a tradições e costumes atrasados.”

Também criticando as visões dos estudos de “direito comparado”, o jurista inglês William Twining destaca, nesse sentido, que o que se costuma denominar de “direito islâmico” não é somente importante em Estados islâmicos ou países nos quais há uma maioria muçulmana: “ele é uma tradição e um corpo de idéias e práticas que transcende as fronteiras nacionais. O direito islâmico é influente, tanto formal quanto informalmente, em meu próprio país, embora não seja reconhecido, geralmente, como fonte do direito”, e os tratados de direito islâmico têm demonstrado que os parlamentos e cortes têm tido que levar em conta as idéias e práticas islâmicas, ainda quando não o reconheçam como fonte formal de direito.(23)

Esse conjunto jurídico encontra-se estruturado, basicamente, como já salientado anteriormente, a partir do Corão e da Sunna. Esta, que é fonte secundária em relação à primeira e significa “claro caminho” ou “prática normativa”, pode ser um bom ou mau exemplo, dirigido ao indivíduo ou à comunidade, em geral dizendo respeito a tudo que se refira ao Profeta, seus atos, suas palavras e aquilo que tacitamente tenha aprovado.(24) Existe, de fato, divergência quanto ao fato de ser a Sunna uma fonte independente, mas é certo que ela pode consistir:

a) de regras que meramente confirmam e reiteram o Corão, ou seja, as regras são originárias do Corão e meramente corroboradas por esta;

b) de uma explanação ou clarificação para o Corão, seja pela ambivalência dos termos, seja para especificar termos gerais do Corão;

c) de regramentos para os quais o Corão é silente e em que, portanto, o regramento é originado da própria Sunna.(25)

Além dessas fontes jurídicas, ainda existe a ijma (consenso de opinião), que é, praticamente, uma prova racional e, para alguns teóricos, “nada menos que um universal consenso de todos expertos da comunidade islâmica como um todo pode ser aceito como uma conclusiva ijma. Essa noção, provavelmente, é inspirada na idéia da unidade política da Umma, antes que no total consenso em assuntos jurídicos”.(26) Aceita-se, ainda, a qiyas (dedução analógica), que, literalmente, significa “comparação” ou “similaridade entre duas coisas”: “o caso original é regulado por um dado texto, e qiyas procura estender a mesma regra textual para o novo caso”.(27) Isso tudo demonstra, ao contrário do tradicional entendimento ocidental, que racionalidade e fé não se encontram separadas no direito islâmico.

O conhecimento detalhado das distintas regras de direito islâmico em suas ramificações é chamado fiqh, ao passo que os métodos que são utilizados para a dedução de tais regras, a partir das suas fontes, denomina-se usul al-fiqh,(28) e o conhecimento das regras de fiqh deve ser adquirido diretamente de suas fontes. Boa parte dos tratadistas ocidentais, contudo, dedica-se apenas ao estudo do Corão e da Sunna, deixando de lado toda a complexidade do sistema jurídico, seja tratando de forma superficial as regras de interpretação, os comandos e as proibições, seja desprezando conceitos como qiyas, istihsan (eqüidade, para fins de solução de casos), istishab (presunção de continuidade), sadd al-dara’i (obstruir ou bloquear um significado para um determinado fim).(29)

O que é omitido, em geral, contudo, é que, apesar de constar de dois ritos básicos (sunita e xiita),(30) estes se organizam em distintas escolas jurídicas.(31) Dessa forma, a jurisprudência xiita baseia-se no Corão e nos pronunciamentos do Profeta tal como recolhidos pelos imans (os descendentes masculinos de sua filha Fátima e seu genro Ali) e considerada, assim, a única interpretação correta. No que diz respeito aos sunitas, existem quatro escolas principais. Hanbal e Malik viveram em Medina e estão, portanto, mais próximos do "ethos social" daquela cidade e, ao mesmo tempo, das formulações jurídicas que o Profeta fez ou disse. Shafi e Hinafi, por seu turno, viveram, respectivamente, nos atuais Egito e Iraque, sociedades com maior confluência de cultura e, dessa forma, são menos ortodoxos na metodologia. Enquanto os dois primeiros dão grande importância aos hadiths (ditos do Profeta), os dois últimos utilizam, de forma mais liberal, qiyas e ijma; os primeiros mais próximos dos ensinamentos de Meca e Medina; os dois últimos com influências de outras práticas. Tudo isso a indicar que, ainda que a fonte seja divina, a Sharia pode ser influenciada por situações humanas e incorporar mudanças, o que se verifica também com relação à questão da mulher.(32)

Essas são reconhecidas como as “quatro grandes escolas de pensamento” (todas sunitas), a que se incluiu, a partir de 1959, a escola Ja’fari, que, contudo, é xiita, nomeada a partir do sexto imã, Jafar al-Sadiq, e que reconhece quatro fontes jurídicas: Corão, Suna, consenso e razão humana, estabelecendo correlações entre razão e revelação. As outras escolas xiitas principais são Zaydis, segundo a qual o imã deve lutar por seus direitos e ser o legislador do Estado e que está mais próxima dos sunitas, não reconhecendo o imã como representante divino na Terra, sendo mais “puritana” nos ensinamentos morais; os Ismailis, nomeados após o sétimo imã (Ismail) e que constituíram a dinastia Fatímida (909-1171), no Egito e em parte do norte da África, são o maior grupo xiita, que estabeleceram distinções entre aspectos exotéricos (zahir) e esotéricos (batin) das escrituras religiosas e prescrições; e, por fim, os Ithna Asharis, que acreditam em doze imãs.

Se alguns, como An-na’im, sustentam que a porta da ijtihad (raciocínio pessoal) encontra-se fechada desde o século X, outros insistem num verdadeiro revival desse conceito, bem como a necessidade de a educação jurídica preparar para o exercício de tal habilidade, de forma a assegurar a harmonia desta com os princípios da Shari’a.(33) Muhammad Iqbal, por exemplo, via tal fechamento como “meramente fictício“, sugerido, em parte, pela “cristalização do pensamento jurídico no Islã e, em parte, pela preguiça intelectual que, sobretudo em períodos de decadência espiritual, convertem em ídolos os pensadores”.(34) Destacando que o Islã desfrutava de um momento histórico similar à Reforma, salientava que “nenhum povo pode rechaçar inteiramente seu passado, porque este é que forma sua identidade pessoal”,(35) o que é problemático em sociedades como a islâmica:

“O Islã não tem caráter territorial; sua meta consiste em proporcionar um modelo para a integração final da humanidade, reunindo seguidores de uma variedade de raças que se repelem mutuamente, e transformando este conjunto atomizado em um povo dotado de consciência de si mesmo.”

Para o pensador paquistanês,(36) o Islã afasta a visão estática do universo, e a suprema base espiritual de toda a vida, que é eterna, revela-se na variedade e na mudança: “uma sociedade baseada em tal concepção de realidade deve reconciliar, em sua vida, as categorias da permanência e da mudança”.(37) O verdadeiro princípio do movimento na estrutura islâmica é justamente a ijtihad, que significa, literalmente, “esforçar-se” com vistas a formar um juízo pessoal em relação a uma questão legal.(38) Embora admitida na teoria pelos sunitas, uma ijtihad completa foi sempre negada na prática: “uma atitude semelhante parece sumamente estranha em um sistema jurídico baseado sobretudo nos fundamentos do Corão, que encerra um critério essencialmente dinâmico acerca da vida”.(39) Daí, portanto, sua convicção de que “o muçulmano moderno está diante de uma tarefa gigantesca: tem que repensar todo o sistema islâmico sem romper completamente com o passado”.(40)

O revigoramento da ijtihad passa pelo reconhecimento de que ela “continua sendo o principal instrumento de interpretação da mensagem divina e relaciona-se com as condições mutáveis da comunidade islâmica em suas aspirações de atingir justiça, salvação e verdade”,(41) como principal instrumento para manter a harmonia entre revelação e razão. Kamali, nesse sentido, após destacar as contribuições que os ulemás e juristas fizeram para “a incessante busca das melhores soluções e mais refinadas alternativas”, destaca que os governantes devem desempenhar um importante papel na “preservação da melhor herança dos tradicionais métodos de ensino e encorajar os ulemás a realçar essas contribuições para o direito e desenvolvimento”,(42) treinando os operadores jurídicos não somente em modernas disciplinas, mas também nas tradicionais.

Se as distintas escolas jurídicas dentro do direito islâmico já produzem um diferencial razoável de padrões, comportamentos, tradições, fontes do direito e métodos de interpretação, a mescla desse direito com os diferentes níveis de legalidade presentes em cada país e, portanto, os sistemas jurídicos dentro dos quais estão relacionados, além do perfil histórico respectivo, acarretam uma heterogeneidade muito maior do que a expressão “direito islâmico” parece indicar. É pouco destacado, por exemplo, que a “indirect rule” do colonizador (em especial o britânico) tornou possível, em parte, a utilização, por parte do colonizado, de toda legislação que não fosse fundamentalmente contrária ao “princípio da repugnância” e, assim, os sistemas pós-coloniais – aí incluídos os sistemas islâmicos – vão ser, fundamentalmente, sistemas híbridos.

An-na’im é o responsável pelo primeiro grande intento de sistematização do direito islâmico, em perspectiva comparada, histórica e geográfica, no que diz respeito ao direito de família.(43) O autor destaca o desenvolvimento de formas de direito substantivo e jurisprudência que caracteriza como “Shari’a from below”,(44) que respondem às necessidades específicas das comunidades islâmicas.

Neste período de transformação atual, sustenta o autor, um fator crítico é o papel do Estado em mediar a relevância da Shari’a como parte de um amplo sistema político e legal de governo e organização social, além do desafio que se põe de mantê-la intelectual e normativamente viva, após o impacto do colonialismo europeu e da influência ocidental nos sistemas normativos.(45)

E salienta que a chamada elite modernizante prefere sacrificar a dignidade humana e os direitos da mulher para manter o poder político, o que, paradoxalmente, acaba por reconhecer que “a secularização de todos os outros aspectos do direito tem tido o efeito de reforçar o tom religioso do direito de família como o único campo remanescente deixado para o domínio da Shari’a”, ou seja, converte o direito islâmico de família em “bastião da religião” na administração da justiça.(46) O estudo de An’-na’im tem a grande vantagem de destacar a diversidade interna da comunidade islâmica, bem como o papel das ações humanas:(47)

“(...) enquanto Tunísia e Egito são, ambos, países do Norte da África, compartilhando muitas coisas em comum por sua própria história regional, o Direito de Família Islâmico na Tunísia é concebido e opera em formas marcadamente distintas daquelas do Egito. Como a informação constante neste livro deixa bem claro, isto é resultado das ações e decisões humanas, seja informada pelo projeto de construção nacional pós-colonial, seja pelos subseqüentes eventos na história política do país. Como a ênfase no contexto é tanto geográfica quanto histórica – na realidade, ambas são inseparáveis – o foco, aqui, é mostrar como tanto as dimensões históricas, quanto geográficas, além do fator político, necessitam ser tomadas em conta para o entendimento do Direito de Família Islâmico em cada país da região.”

A título meramente exemplificativo: o Bahrein, que fez parte do Império Otomano e foi protetorado britânico, adota como escola predominante a Ja’fari, mas as minorias sunitas seguem tanto o rito Shafi’i quanto a escola Maliki; o Irã tem predomínio Ja’fari, mas há minorias Hanafi, zoroastrianas, baha’i, cristãs e judaicas, e as religiões oficialmente reconhecidas têm legislação própria para o status pessoal; a Argélia, ex-colônia francesa, segue o rito Maliki; o Egito é predominantemente Hanafi, mas já foi majoritariamente Shafi’i e Isma’ili, e seus códigos, depois do Império Otomano, sofreram forte influência francesa; embora Marrocos (que foi disputado por França, Espanha e Inglaterra) e Tunísia sigam o rito Maliki, as cortes de Shari’a somente foram abolidas no segundo país; o Paquistão (que resultou da partição da Índia em 1947) é Hanafi, com minorias Ja’fari e Isma’ili; a Indonésia, que esteve sob dominação holandesa e é o maior país islâmico, tem predomínio da escola Shafi’i, da mesma forma que a Malásia e Cingapura (ainda que, neste país, a maioria da população seja budista), ambos os países, contudo, com forte influência do direito inglês. (48)

3. As tensões entre Islã e direitos humanos: a (re)construção das narrativas de Abdullahi An-na’im, Recep Senturk e Ebrahim Moosa

Se, como destaca An-na’im, a secularização dos outros campos do direito converte o “direito islâmico de família” no grande bastião da religião, é natural que a disputa pelo significado da “Sharia” seja objeto de calorosos debates, disputas e discussões.

Naquela que se tornou a reelaboração islâmica mais conhecida junto ao público lusófono, Abdullahi Ahmed An-na’im propõe uma “Reforma Islâmica”. Com o termo árabe “islah”, o professor sudanês, contudo, tem em mente não a evocação do processo europeu de secularismo, nem um revivalismo de um passado magnífico, mas sim uma “abordagem autêntica e nativa”, pois, segundo ele, é possível encontrar no espírito e nas melhores tradições da fé a resposta aos atuais “desafios intelectuais”.(49)

Neste sentido, é da própria tradição do Islã a capacidade de se adaptar e responder às necessidades, aspirações e particularidades dos povos que o adotaram.(50) A “Shari’a” é baseada no Corão e na Sunna (os ensinamentos do Profeta) e, dessa forma, não tem natureza divina, mas é “produto do raciocínio humano sobre a fundação de uma inspiração divina”: O Corão e a Sunna, sim, têm natureza divina, mas as outras fontes da “Sharia”, como a qiyas (analogia) e ijma (consenso) são, evidentemente, humanas e constituem elaborações realizadas cerca de 150-250 anos depois da morte de Maomé. São, portanto, reflexo do contexto socioeconômico e político da região nos séculos VIII e IX.

Segundo ele, a implantação do direito islâmico ocorre, hoje em dia, em contexto absolutamente distinto, e, dessa forma, a Sharia não pode ser implementada se não for repensada e recontextualizada.(51) Enquanto alguns autores sustentam que a porta da ijtihad (entendimento racional) foi fechada nos séculos IX e X, para An-na’im este conceito deve ser reelaborado: “significa o fenômeno de manter uma mente aberta – de ser original, ousado e imaginativo no trato do texto – e em relação a este –, perseguindo e interpretando a análise textual”.(52) Consistente com os novos tempos, um processo de raciocínio dialógico somente pode ser efetuado dentro da Umma geral, o que equivale a dizer que os ulemás (os expertos jurisprudenciais) exercitam a ijtihad através de um “engajamento democrático” com a comunidade, com a generalidade dos crentes da Umma.(53)

A partir desses pressupostos, propõe uma “interpretação iluminada”, por meio de discursos culturais internos e diálogos interculturais. De forma a aumentar a legitimidade cultural interna, ele explora as virtualidades de reinterpretação e reconstrução de valores, normas, conceitos e instituições da cultura islâmica: “os proponentes de uma visão cultural alternativa em matéria de direitos humanos devem procurar ampliar e dar uma efetiva aceitação às suas interpretações das normas culturais e instituições, mostrando a autenticidade e legitimidade daquela interpretação dentro do âmbito de sua própria cultura”.(54) Por outro lado, tendo em vista que as culturas estão sempre sendo modificadas e em constante contato mútuo, não é impossível introduzir elementos interculturais, que devem ser, contudo, sensíveis às necessidades de autenticidade e legitimidade internas: “nunca se deve aparecer como imposição externa de valores em defesa dos padrões de direitos humanos”.(55)

Isso não significa, contudo, repudiar o padrão universal dos direitos humanos, por duas razões fundamentais: a) eles são úteis como pontos de referência – algo suscetível a debate, concordância ou discordância, com ou sem modificação – num esforço de aperfeiçoar o conceito e articular padrões de “genuínos direitos humanos universais”; b) constituem uma ferramenta jurídica importante para ativistas que podem necessitar alguma proteção contra os padrões culturais existentes e como forma de implementar padrões culturais mais legítimos.(56)

Os esforços devem ser sensíveis à natureza interna da luta, enfatizando, na medida do possível, valores internos e normas, antes que fatores externos.(57) Isso implica, por outro lado, reconhecer que são possíveis revisões e reformulações dos padrões internacionais de direitos humanos, um processo que ele denomina de “legitimação retroativa”:(58)

“[...] que envolve a possibilidade, ainda que seja superficial, que as revisões e reformulações sejam necessárias. É, precisamente, a minha crença pessoal na universalidade dos direitos humanos que me conduz a sugerir que nós devemos verificar e demonstrar ou comprovar a genuína universalidade dos padrões existentes. Este exercício, contudo, não será crível, se não estamos abertos à possibilidade de revisões e/ou reformulações que pareçam ser necessárias.”

Reelaborando a tradição islâmica, a partir dos ensinamentos de Mahmoud Taha,(59) An-na’im demonstra que uma releitura do Corão e da Suna revela a existência de duas mensagens do Islã, em épocas distintas: uma, relativa ao período de Meca; outra, de Medina.(60) A primeira mensagem é, para ele, eterna e fundamental, porque destaca a dignidade de todos os seres humanos, e, portanto, de Umma inclusiva, da qual mulheres e não-muçulmanos (dhiimi) são partes. Considerada muito avançada para a época, a mensagem foi suspensa no período de Medina, em que, inclusive, se elaborou a “Convenção de Medina”, que basicamente respeitava os costumes e religiões tribais, fossem cristãs, judias ou culto de ídolos, não se compelindo à conversão. No entender de An-na’im, o contexto socioeconômico e histórico atual é propício para esta mensagem para o restabelecimento da mensagem “eterna”.(61)

Sua proposta, portanto, está, fundamentalmente, ancorada na “relevância e necessidade, para os direitos humanos, de uma perspectiva local, nativa”, diminuindo “formas de dependência intelectual e política”, de forma a ter, localmente, “formas sustentáveis de proteção de direitos humanos e democracia”.(62) No seu entender, direitos humanos implicam, basicamente, “uma luta pela dignidade humana e autodeterminação”, uma única luta “contra todas as formas de opressões estruturais e institucionalizadas opressões”.(63) Partindo do pressuposto de que todas as culturas e civilizações têm desenvolvido tais conceitos, questiona:(64)

“Se, por exemplo, quero falar sobre direitos humanos, liberdade de pensamento e racionalidade, porque deveria citar alguém como Kant? Por que não posso, como muçulmano, citar Ibn Rushd, que disse e escreveu as mesmas coisas centenas de anos antes de Kant? Esta é, para mim, a melhor forma, para nós, no mundo islâmico, de reavivar o debate sobre direitos humanos, individualismo, racionalidade e liberdade de pensamento e expressão. E é isto que eu entendo por desprender-se da dependência dos direitos humanos, que tem, pelo menos no passado, nos forçado a discutir o significado de direitos humanos em termos que não são, necessariamente, locais ou que não nos são próprios.”

O professor turco Recep Senturk, mais do que An-na’im, está preocupado com a necessidade de legitimação interna dos discursos:(65)

“sustento que não existe um só modo de justificação para os direitos humanos. E nem deveria haver. Não há razão para excluir a possibilidade que os direitos humanos possam ser justificados em miríades de formas por meio de argumentos originados de diferentes níveis e dimensões de análises. (...) podem ser múltiplos e variados os fundamentos para os direitos humanos, emanando tanto do Leste quanto do Oeste, de pensamentos religiosos ou seculares. Cada religião ou cultura universal oferece direitos humanos universais dentro de sua própria linguagem. (...) E em cada cultura deve ser possível de emergir muitas formas de justificar os direitos humanos.”

Segundo ele, a variedade interna de cada cultura vai permitir distintos argumentos. Assim, os racionalistas Mutazilitas não usarão a mesma linguagem que os místicos sufis. Da mesma forma, é necessário aclarar conceitos,(66) tais como “Adam”, que é utilizado no Corão para significar “ser humano” (e sua origem na terra, “adama”, de onde saem “âdami” – homem – e “âdamiyya” – mulher); “âdamiyyah”, que denota “humanidade”, no sentido de “qualidade de ser humano”; “ismah”, que designa “inviolabilidade”, no que diz respeito aos direitos de sua vida, propriedade, religião, razão, família e honra, nessa exata ordem hierárquica. Na tradição islâmica, segundo ele, haveria uma tensão entre “ismah” (inviolabilidade) e “âdammyyah” (humanidade), representada por duas visões principais.

Abu Hanifa, fundador da escola Hanafi, vai estabelecer uma inquebrável relação entre os dois conceitos, de tal forma que ser uma “criança de Adam” ou um ser humano, seja muçulmano ou não, serve como fundamento jurídico para ter os direitos básicos – os direitos humanos básicos são garantidos a todos os seres humanos em virtude de sua humanidade. Ainda que tal “visão universalista” seja majoritária entre os hanafitas, é também defendida por Ghazzali (da escola Shafii), Ibn Taymiyya (da escola Hanbali), Averróes e Shatibi (da escola Malikita) e Jawad Maghniyyah (da escola xiita Já’fari) e constitui o discurso da maioria dos schollars do Império Otomano.(67) A humanidade é considerada como um todo e tratada como igual no que diz respeito à inviolabilidade – o direito à inviolabilidade é “daruri” (necessário, auto-evidente, axiomático ou dado). Sendo assim, os não-islâmicos são “outros” apenas no nível religioso, mas não ao nível da humanidade e dos direitos humanos; e a humanidade como um todo é vista como a Umma do profeta Maomé. As populações não-muçulmanas podem ter suas práticas reguladas por suas próprias leis, desde que não violem os direitos básicos.

Isso significa, por outro lado, que: a) a todos os seres humanos é garantida sua santidade e liberdade; b) o não-crente não é prejudicial, exceto se engajado numa guerra contra os muçulmanos; c) compulsão em religião é proibida; d) que o objetivo de eventual guerra não é o extermínio do inimigo, mas sim fazer a paz e, se requerida, pagar taxas; e) a guerra é a causa da guerra; f) os não-islâmicos são protegidos em tempos de paz pelo fato de serem seres humanos, não sendo a diferença de religião uma causa para a guerra, e a “âdammiyyah” nunca deixa de existir, mesmo em tempos de guerra. A categoria de “humanidade” é mais ampla que “o povo do livro”, incluindo politeístas e adoradores de ídolos, e, segundo sustenta Al-Miydani (século XIX), mesmo a punição, em virtude da prática de um crime, não lhe retira a inviolabilidade. A inviolabilidade é apenas condicionalmente suspensa “na área em que a punição será aplicada”.

Por outro lado, a doutrina Shafi’ita e boa parte dos seguidores de Malik e Hanbali não trabalham com o conceito de “âdamiyyah” e, dessa forma, a inviolabilidade é devida em virtude da fé no Islã ou deriva da segurança no estado islâmico. A não-crença (kufr) é uma rebelião contra Deus e não pode ser aceita, por ser o pior pecado. Tal “status” somente pode ser alterado de duas formas: pela adesão voluntária ao Islã ou pela aceitação da cidadania em estado islâmico. Daí a crítica da visão universalista: se a não-crença fosse o requisito para não se ter inviolabilidade, o “status” de dhimmi nunca teria a inviolabilidade (afirmação que nenhuma escola jurídica sustenta nem endossaria). Tal visão foi muito influente no Egito, na Espanha, no Irã e no norte da África até o Império Otomano.

Dessa forma, as implicações principais das duas visões seriam: a) para universalistas, o sujeito de direito é a humanidade, enquanto para os comunalistas seria a cidadania (fossem islâmicos ou não); b) o estado das relações internacionais entre muçulmanos e não-muçulmanos é a paz para os primeiros (“todos os inimigos devem ser infiéis, mas nem todos os infiéis são inimigos”) e a guerra para os segundos (“a causa da guerra é a infidelidade – kufr”); c) “ismah” é garantida a todos que estão sob a jurisdição do Islã, para os universalistas, ao passo que os comunalistas somente asseguram-na para os cidadãos; d) na primeira visão, a apostasia somente é crime se acompanhada de uma conspiração para prejudicar a santidade da religião do Islã; na segunda visão, a apostasia, em si mesma, é um crime. Essas complexas relações entre as duas visões, segundo o autor, foram esquecidas com o advento da República Turca, criando o que ele denomina de “dependência dos intelectuais muçulmanos em relação ao discurso jurídico ocidental”. Assim:(68)

“Reitero minha afirmação de que ‘Eu sou, logo eu tenho direitos’. A minha mera existência justifica meus direitos. Eles são indivisíveis e inalienáveis. Ainda, isto significa, ao mesmo tempo, que ‘eu sou, logo, eu tenho deveres’. Meus direitos são justificados pelos meus deveres. (...) É um dever para mim reconhecer todos meus companheiros seres humanos como pessoas iguais e proteger seus direitos da mesma forma que eu faço para os meus direitos.(...). Tendo em vista que a sociedade é uma rede de relações interdependentes, os deveres de uns são os direitos de outros. (...) De outra forma, os direitos permanecem como meras abstrações.”

Para o sul-africano Ebrahim Moosa, “o sucesso da moderna teoria islâmica dos direitos humanos” dependerá da extensão que o pensamento islâmico moderno “puder se abrir para uma revisionista ou reconstrucionista abordagem em orientação filosófica e ética”: o pensamento islâmico deve ser hábil para “produzir um sistema de direitos” baseado “em premissas éticas e morais distintas, mas não dissimilares das declarações seculares de direitos humanos”.(69) Os direitos são culturalmente construídos, e em “cada cultura ética e moral há não só um senso do quê os direitos significam, mas também de como os direitos são criados”,(70) de tal forma que a extensão que as perspectivas podem ser compartilhadas, rejeitadas, apropriadas ou modificadas depende dos diálogos interculturais que podem ser realizados em contextos concretos. (71)

Se o moderno conceito de direitos humanos está enraizado na evolução do Estado-nação como sistema político, e a inviolabilidade deles decorre do simples fato de que alguém é um ser humano, em árabe a palavra “haqq” (plural huquq) é multivalente, podendo significar “o que é prescrito”, “aquilo devido a Deus ou ao homem”, “realidade”, “verdade”, “o que é estabelecido e não pode ser negado”, dependendo do contexto em que é utilizada.

O jurista Ibn Nujaym (século XVI) argumentava que um direito era uma capacidade conferida ao indivíduo ou a entidades coletivas e podia ser de três ordens: a) direitos de Deus, ou seja, os direitos e deveres com fundamento religioso, tais como os cinco pilares do Islã; b) direitos das pessoas, com uma racionalidade secular, tais como direito à saúde, a ter filhos, à segurança, à propriedade; c) “direitos duais”, híbridos. Nesse sistema jurídico, as obrigações civis e devocionais têm o mesmo “status” moral, alguns tipos de direitos podem ser transferidos, e a cada direito (haqq) corresponde uma obrigação (wajib) recíproca. Tal discurso, contudo, não é monolítico, e, por exemplo, a tradição Mu’tazili privilegiou a razão e liberdade para produção de discursos universalistas, enquanto a tradição Ash’ari defendeu o teocentrismo.

Da mesma forma, a tendência a aceitar construções e interpretações medievais faz parecer que o sistema jurídico islâmico é absoluto, imodificável e religiosamente inabalável, quando é visível uma tensão entre três tendências: a) uma, de valorizar apenas as interpretações canônicas que foram estabelecidas pelas escolas jurídicas, com a evidente dificuldade de compatibilizar tradições muito distintas; b) outra, que entende que cada geração poderia, livremente, acessar os textos jurídicos e produzir derivações e interpretações distintas das fontes primárias do direito (Corão e sunna), com o risco de falta de legitimação; c) e, finalmente, uma intermediária de considerar as tradições canônicas de forma aberta, providenciando interpretações criativas.

Assim, no entender de Moosa, as diferenças de fundamentação entre os modelos de direitos islâmicos e de direitos humanos não podem ser minimizadas como se o simples “transplante da retórica de direitos humanos seculares” solucionasse a questão.(72) Destaca, para tanto, três áreas problemáticas: a conversão, o “status” dos não-islâmicos e o “status” das mulheres. No primeiro caso, a aparente violação do art. 18 da Declaração Universal (que confere a liberdade de pensamento, consciência e religião, inclusive quanto à mudança de crença) com a proibição de o muçulmano converter-se a outra religião e sujeitar-se à “apostasia”, é compatibilizada com a idéia corânica de que inexiste compulsão à religião e se dá grande liberdade de escolha, de tal forma que a apostasia não é ofensa punível pela religião, mas sim pelo Estado que se transformara em guardião da fé. Ademais, a apostasia não se encontra prevista no Corão, mas sim de “hadits” que poderiam ter sido transmitidos erroneamente.

No segundo caso, a teoria clássica de uma abóbada de jurisdição do Islã (dar al Islam), em que prevalece a suserania islâmica, e outra jurisdição da guerra (dar al harb), em que a autoridade islâmica está ausente, tem dado a justificar o medo de que a ascensão de partidos islâmicos ao poder poderia relegar os não-islâmicos a um estatuto secundário (dhimmi) de “cidadão protegido”, que poderia ser impedido de desfrutar de algumas liberdades civis a que os muçulmanos teriam direito. A par de tal concepção ser juridicamente obsoleta, a história islâmica comprova justamente o contrário, ou seja, a possibilidade de ascensão a altos cargos governamentais. Ademais, “o tratamento discriminatório das comunidades islâmicas no Ocidente” não pode servir de “relativização da ética muçulmana”.(73) Por fim, as formulações medievais que entendem que a mulher não teria maioridade legal para determinadas transações têm sido objeto de grandes debates, de que a legislação egípcia no tocante ao divórcio e as leituras mais sensíveis à questão de gênero são apenas alguns exemplos a serem mais bem analisados a seguir.

Recordando que o discurso dos direitos humanos não pode ser encarado sem o fato do colonialismo e como parte de um processo de globalização que procura atender interesses econômicos das grandes potências, de que decorre, em parte, um (ab)uso seletivo do discurso, por outro lado, o autor reitera as aspirações comuns de lutas para responder a condições e problemas particulares com fontes religiosas diversas e muito ricas. Assim, da “mesma forma que uma tradição não é estática, mas constantemente se reinventa a si mesma, similarmente o equivalente cultural de direitos humanos não é fixo”,(74) e outras abordagens podem ser hábeis para encontrar uma “linguagem comum” entre o discurso de direitos humanos e de direitos islâmicos, de tal forma que os pensadores islâmicos devem ter em conta “as transformações sociológicas, econômicas e políticas que têm ocorrido nas sociedades islâmicas”.

Assim, por exemplo, sustenta que a tradição jurídica islâmica tem ignorado a forte tensão entre “status” e “contrato”: o colonialismo transformou sociedades de “status” em sociedades de modelo “contratual”, com a codificação, o primado do direito e noções de cidadania; as ditaduras têm revertido sociedades democráticas contratuais em sistemas autocráticos de “status”. Mas isto tudo somente evidencia, para ele, que “é a localização do intérprete, a leitura do texto e as condições sociais que geram diferentes respostas a situações como direitos humanos”, e que “a pluralidade é o resultado de tradições vivas”.(75) E recorda todo o movimento progressista de luta contra o apartheid realizado a partir de pressupostos islâmicos na África do Sul, de que a injustiça racial colidia com uma visão de justiça islâmica, bem como os questionamentos da noção tradicional de liderança (imama) para inovações políticas de governo representativo, “dos quais a democracia é somente um dos vários modelos”.(76) Em suma, o discurso dos direitos humanos no Islã atravessou muitas fases, “produzindo um caleidoscópio de visões”,(77) e um fundamental repensar necessita tomar lugar “de forma a produzir versões credíveis de direitos humanos em diálogo com ambas as tradições anteriores e o presente.”(78)

4. Sobre “epistemologia corânica” e as múltiplas formas de “gender jihad(79)

As releituras da tradição podem ser vistas no que tem sido denominado de “feminismo islâmico” e que, conforme bem salienta Asma Barlas, é uma expressão no máximo parcialmente correta, porque os conceitos de igualdade de gênero e justiça social estão absolutamente embebidos na tradição corânica e introduzidos para os muçulmanos catorze séculos atrás. Trata-se, portanto, de um entendimento de ambos os conceitos a partir uma “epistemologia corânica”, e não feminista.(80)

Para tanto, procede à ilustração de sua tese de que diferentes leituras do mesmo texto produzem “fundamentalmente diferentes Islãs” para as mulheres, sendo necessário verificar quem lê, como e em que contexto, de forma a extrair uma leitura que não dá suporte às modernas formas de patriarcado nem à manutenção de papéis delimitados pela biologia.

Rechaçando, por exemplo, a interpretação de que a prática da poligamia seria aceita pelo Corão, sem exceções, a autora destaca a necessidade de tratamento igualitário entre homens e mulheres, inclusive porque seria uma incongruência que as mulheres sejam iguais aos homens perante Deus, mas desiguais perante os homens. O fato de o Corão tratar homens e mulheres de forma diferenciada em alguns casos não “significa que ele os trata de forma desigual ou que sua visão deles seja de seres desiguais”, porque “diferença não é sinônimo de desigualdade” e o “Corão nunca sugere que homens e mulheres são opostos uns aos outros ou incompatíveis, incomensuráveis ou desiguais, no sentido que defendem os muçulmanos misóginos”.(81)

Para tanto, ela sustenta que o conceito corânico de Tawhid, que afirma a unidade e soberania divina, é uma doutrina sobre a natureza de Deus e dos seres humanos, porque a “submissão” (islam) somente pode ser em relação a Deus e deve ser livremente escolhida; em outras palavras, “não poderia haver coerção em religião”.(82) Ademais, Deus é justo, e a “justiça de Deus reside em nunca fazer zulm para os seres humanos”, conceito este que, no Corão, significa “transgredir seus direitos”, de forma que a justiça divina é o “reconhecimento do direito dos seres humanos a serem protegidos contra a transgressão”.(83) Da mesma forma, o Corão ensina que “homens e mulheres originaram-se de um mesmo self (nafs) e são ambos os representantes de Deus (khilafa) na terra, igualmente dotados de ações morais e capacidade para escolha moral e consciência divina (taqwa)”, ou seja, “Deus colocou seu amor e compaixão (sukun) entre esposas e maridos e os fez um do outro guia e amigo (awliya), e, portanto, ambos têm a obrigação de praticar o bem e se opor ao mal”. Serão, dessa forma, ambos julgados não pelo sexo biológico, mas pelos mesmos parâmetros e padrões. Toda sua leitura se debruça sobre quatro palavras – darajah, faddala, qawwarmun, daraba – das quais alguns muçulmanos extraem leituras patriarcais.(84)

Sua leitura é radicalmente antipatriarcal, entendendo por “patriarcado”, em sentido estreito, como um “historicamente específico modo de regras pelos pais que, em suas formas religiosas e tradicionais, assume um real e simbólico continuum entre uma visão patriarcalizada de Deus como pai/masculino e uma teoria de direito paterno, estendendo a pretensão do marido de estabelecer domínio sobre sua esposa e seus filhos”. Em sentido amplo, patriarcado é uma política de “diferenciação sexual que privilegia homens, transformando o sexo biológico em gênero politizado, priorizando o masculino em detrimento do feminino, como desigual ou ‘outro’.“(85)

Dessa forma, o Corão nunca representa Deus como pai ou como masculino e, explicitamente, proíbe qualquer forma de sacralização da figura paterna e de seu poder (no seu entender, há um conflito fundamental entre monoteísmo e patriarcado): “desde que o patriarcado transgride (“zulm”) os direitos das mulheres, oprimindo-as, sustento que o Corão não pode endossar tais conceitos e não podemos ler suas prescrições e versos com tal idéia em mente”.(86) Se Deus não é Pai no céu, nem em sentido literal, nem simbólico, os pais “não podem representar seu domínio na terra como réplica de um patriarcado divino” nem tomar literalmente a idéia de que o “homem” é feito à imagem de Deus e que Deus é “masculino”.(87)

Reconhecendo as possibilidades de interface entre teologia e tecnologia para fins de novas lutas contra a opressão, também salienta que os islâmicos devem lutar para criar novos horizontes específicos para sua existência e relevantes para o exame de suas possibilidades. Criticando alguns discursos pós-coloniais que não visualizam formas de lutas espirituais (tanto no Islã quanto no hinduísmo) como formas de lutas políticas,(88) estando extremamente presos ao secularismo ocidental, aponta que “a linguagem dos direitos necessita ser empregada não somente para assegurar direitos iguais às mulheres em sociedades islâmicas, mas também para assegurar às sociedades islâmicas direitos iguais numa emergente esfera pública global”(89) na qual se possa pensar para além da hegemonia dos Estados Unidos. “Globalizar igualdade” significa “a necessidade de assegurar a igualdade para as mulheres islâmicas indiferentemente do lugar onde vivam”: “Teologia versus secular, leste versus oeste, Islam versus democracia todas essas polarizações ignoram o complexo, envolvente diálogo a respeito de igualdade de gênero em uma vigorosa sociedade civil”.(90)

No intento de Asma Barlas, fica evidente o questionamento da epistemologia ocidental no que diz respeito a duas questões centrais: 1) à associação linear entre direitos das mulheres e secularismo, procurando demonstrar a possibilidade de uma “epistemologia corânica” que fundamente direitos humanos e direitos das mulheres, sem passar, necessariamente, por uma linguagem secular; 2) à legitimidade de as lutas contra opressão serem configuradas em matriz religiosa, e não, necessariamente, “científica”, rompendo com uma epistemologia que somente asseguraria status científico para uma visão centrada nas ciências sociais para as questões de gênero. Mais que isso: salienta o paradoxo liberal que é “fomentar a ilusão de que a tolerância da diferença constitui respeito por ela”.(91)

Amina Wadud,(92) por outro lado, dá especial atenção ao contexto, à gramática e à sintaxe do texto corânico e, seguindo essa matriz, faz uma releitura do Corão a partir da ótica da mulher.(93) Ao destacar que, no processo histórico de colonização, a população de muitos países que hoje são islâmicos foram pluralizados em termos de raça e credo, o desafio se constituiu na tarefa pós-colonial de construir um Estado-Nação e também de fundar uma nova ordem social plural deixada pelo colonialismo. Para esse novo contexto, é necessária uma “nova metodologia de interpretação corânica”, a partir de um entendimento distinto da sharia, uma flexibilização da leitura, que não seja radical, mas sim consistente com a ética e os imperativos do Corão:(94) “a herança jurídica do Islã é flexível com a rica capacidade para adaptação” e, dessa forma, deve-se, “inteligentemente”, avaliar as “possibilidades interpretativas – em nossos próprios interesses e no interesse mesmo do Islã”.(95) A crise, em realidade, não é do Islã, mas “daqueles muçulmanos que têm desvirtuado as promessas democráticas islâmicas e sua visão de mundo inerentemente igualitária e justa” e, uma vez que “o problema é de nossa própria realização, nós (muçulmanos) devemos também ser os melhores para refazê-lo”.(96)

Por outro lado, a autora também não ignora as profundas conexões entre raça, etnicidade e discriminação no que diz respeito aos islâmicos, em particular nos Estados Unidos, e retira da luta contra o racismo e o etnocentrismo forças para “uma efetiva unidade que possa superar os obstáculos externos para o empoderamento” como minoria, ao mesmo tempo em que “reconhece a necessidade de compartilhar específicas heranças de nossas plurais ‘nações e tribos’ como parte do corânico mandato de estabelecer taqwa como base de avaliação entre nós”.(97)

Sua ênfase atual é na “gender jihad”,(98) a “luta para estabelecer justiça de gênero no pensamento e na práxis muçulmana”, entendendo “justiça de gênero” como “inclusão da mulher em todos os aspectos da prática muçulmana, performance, construção de políticas e lideranças tanto políticas quanto religiosas”, sem procurar “erradicar todas as práticas, públicas ou privadas, de injustiça para a inteira humanidade da mulher, em nome do Islã”, bem como “não-muçulmanos” e “não-heterossexuais muçulmanos”.(99)

A partir de uma hermenêutica com base nos ensinamentos de Fazlur Rahman, destaca que alguns versos corânicos são “am” (específicos) e outros, “khass” (gerais), devendo os últimos ser interpretados de forma mais extensiva possível, ao passo que os primeiros estão mais relacionados com o contexto da revelação (século VII) e devem ser interpretados restritivamente.(100) Por exemplo: o contexto do século VII tem em conta as religiões do livro (judaísmo, Islã e cristianismo), os politeísmos (mas não conhece hinduísmo nem religiões africanas) e adoradores de ídolos (mas desconhece religiões indígenas, animistas), e, no que diz respeito às discussões de fé, estão excluídos budismo, taoísmo e confucionismo.(101)

Dessa forma, uma interpretação descontextualizada dos tempos atuais e fossilizada na linguagem do século VII da Arábia deve ser rechaçada: seria o mesmo que estabelecer que “deveríamos viajar através do deserto utilizando camelos e viver sem ar-condicionado, bem como escravizar outros seres humanos, aceitar o silêncio como concordância da mulher e pensar que o Sol se move ao redor da Terra, aparecendo no leste e se pondo no oeste, enquanto a Terra permanece como centro do Universo”.(102)

Margot Badran, analisando as leituras de Asma Barlas e Amina Wadud, entende que o “feminismo islâmico” não somente quebra “o binário leste-oeste, mas também dissolve a polaridade, historicamente criada, religioso-secular. Islã (como religião e como cultura) é (...) religião e mundo. (...) Pessoas do mundo inteiro chegam a conceitos de igualdade de gênero e justiça social por meio de diferentes rotas, através de diferentes textos – religiosos ou seculares.(103)

Heba Ezzat, professora de Ciência Política na Universidade do Cairo (Egito), sustenta que a “Sharia law” não somente é compatível com os direitos humanos, mas também o caminho mais efetivo para conquistá-los: “as violações de direitos humanos nos países islâmicos – cujos regimes são, usualmente, sustentados por aliados ocidentais – não são devidos à Sharia law”,(104) mas principalmente exercida pelo próprio Estado e resulta, muitas vezes, de regimes seculares e socialistas totalitários. Nesse sentido, “na luta contra os regimes totalitários, os (modernos intelectuais islâmicos) queriam e querem trazer de volta o direito da Sharia”, pois “somente através desta é que a força do Islã pode ser recapturada”: a luta, pois, é uma questão de poder, “com religião sendo usada e abusada por ambos os lados”.

Procurando dissociar extremismo, violência e Islã, salienta, por exemplo, que a “Irmandade Muçulmana”,(105) movimento banido no seu país, advoga a adoção da Sharia e participou do processo eleitoral durante mais de uma década, aceitando o primado do direito. No seu entender, reduzir o Islã a uma dimensão moral individual significa perder seu coração – uma progressiva teologia da libertação com uma visão de sociedade justa –, e a Sharia é, pois, “uma plataforma progressista que empodera o povo e protege seus direitos contra o totalitarismo e o ultracapitalismo utilitário”, uma forma de “resistência à ordem capitalista global que os muçulmanos sentem que está infringindo seus direitos nacionais e comunais.” Ainda que alguns procurem impor a Sharia por meios violentos, deve ser lembrado que milhões de ativistas civis a vêem como uma fonte legítima de dignidade e liberdade: “de forma a respeitar o direito dos islâmicos a uma visão alternativa de mundo, a nova visão necessita ser estabelecida entre a forma como os muçulmanos e a sociedade civil global interagem". A luta, portanto, é, num mundo globalizado, “unir-se para além de ideologias, religiões e culturas para nos defendermos dos extremistas de todos os matizes”, recapturando-se a mensagem de justiça, poder compartilhado e misericórdia, presentes no Islã.

Segundo ela, “secularismo” não é meramente a separação entre estado e igreja, mas basicamente uma visão que começa por marginalizar Deus e algumas vezes anuncia sua morte, colocando o homem no centro do universo como seu “logos”, e, assim, tentar contextualizar feminismo e entender sua arqueologia é muito mais estabelecer suas ligações com a história da secularização da mente e das ciências européias.(106) Num diálogo de culturas, é possível aprender com o Ocidente: “nós devemos nos abrir a novas idéias, mas nós não temos que repetir os mesmos erros, caindo nas mesmas armadilhas que poderiam ser previstas quando o projeto iluminista se iniciou. Nós temos uma oportunidade de ouro de construir nossa própria modernidade e ver, cuidadosamente, onde as coisas estavam erradas”.(107)

Criticando os secularistas que, em nome de ijtijad, procuram desconstruir as tradições religiosas, sinaliza a necessidade de estudar os “limites sociológicos e filosóficos do discurso feminista ocidental”(108) e sua “validade intercultural” auto-evidente e sem necessidade de comprovação, bem como as vinculações do capitalismo com o quadro teórico secular. Dessa forma, deve-se aprender com o Ocidente, mas este “também tem lições a aprender a partir de seu próprio passado e de seu presente, de forma a nos ser útil para um futuro promissor”, e o diálogo deve ter em conta “as nossas perguntas, anseios e questões cruciais, e repensar alguns de seus pressupostos e conceitos à luz das nossas críticas, da mesma forma que nós tentamos ler seus escritos, examinar seus argumentos e entender seus pontos de vista. Somente tal boa vontade de um aprender com o outro e procurar elementos humanos comuns fará esse encontro altamente promissor.”(109)

A egípcia vai propor, então, “um secularismo islamicamente democrático”, um sério repensar das noções de “umma” (comunidade islâmica), “civilidade”, política, estado e secularismo, de forma a abraçar uma “pacífica luta por uma ‘civil jihad’ contra a pobreza e a discriminação”, desenvolvendo, assim,(110) um:

“entendimento de uma política da presença, deliberação, comunicação e negociação na vida diária, bem como de um ativo papel das mulheres e das minorias na política local – em resumo, todos estes aspectos esquecidos quando o enfoque está concentrado nos partidos políticos e na retórica política de baixa intensidade. Embora a analogia raramente tenha sido utilizada, muitos debates correntes no mundo islâmico a respeito de um democrático e progressista Islã são relevantes para os debates sobre democracia radical e reforma da democracia no mundo ocidental. (...) estes debates nunca são comparados ou colocados em rede.”

Azizah al-Hibri, professora de Direito Constitucional (Richmond University) e fundadora da ONG KARAMAH (que em árabe significa “dignidade”), analisa a sura 4: 34, base de muitas interpretações que buscam justificar a supremacia masculina,(111) a partir da polissemia de algumas palavras constantes no verso:(112)

“Os homens são qawwamun sobre as mulheres bima Deus fadala alguns deles sobre outros, e bima eles gastem de seu próprio dinheiro. As mulheres corretas são qanitat e guardam al-gaib bima Deus guardado”

Assim, a palavra “qawwam” (singular de qawwamun) pode ser interpretada como “cabeça”, “chefe”, “líder”, “protetor”, “mantenedor”, “guia” e “conselheiro”, mas pode ser vista em forma não hierárquica ou patriarcal, no sentido de “qiyam” (preservação ou melhora) e de “qayyim” (aquele que dirige ou administra os assuntos do povo, que lidera). O verbo “fadala”, usualmente utilizado no sentido de “ser superior” e “ter preferência de um sobre o outro”. “Bima” é composto de duas palavras (“bi” e “ma”) e tem uma relação de causalidade, podendo ser lido como “porque”, “em circunstâncias onde”. Já a palavra “qunut”, da qual deriva “qanitat”, é o ato de ser devotamente obediente a Deus, enquanto “al-gaib” se refere ao desconhecido (ao futuro em que somente Deus sabe), embora tenha sido interpretada, usualmente, como se referindo à ausência do marido e, dessa forma, ao dever de a mulher guardar sua castidade e as propriedades dele em sua ausência.

E, dessa forma, uma segunda leitura possível da sura seria:

“Os homens são (conselheiros/provedores de direção) das mulheres (porque/em circunstâncias onde/tais) Deus fez alguns deles diferentes dos outros e (porque/em circunstâncias onde/tais) eles gastam de seu próprio dinheiro”.

Neste contexto, a autora sustenta que os homens somente são “qawwamun” das mulheres se: a) Deus providenciou o homem com alguma habilidade, característica que falta, especificamente, à mulher em particular; b) o homem sustenta essa mulher em particular. Somente cumpridas as duas condições estaria prevista a condição de “qawwamun”. Mas “Deus deu ao homem que sustenta a mulher a responsabilidade (taklif, mas não o privilégio) de oferecer-lhe direção e aconselhamento nas áreas em que ela não seja experiente ou qualificada. A mulher, por outro lado, pode rejeitar ambas (de outra forma, o papel de aconselhamento não é, realmente, aconselhamento)”. (113)

É verdade que Azizah al-Hibri não analisa a segunda parte da sura, considerada, em geral, mais “difícil”.(114) Segundo Wadud, em nenhuma circunstância, contudo, os versos corânicos autorizam a submissão da esposa ao marido, tendo em vista que, no casamento, ambos devem viver em harmonia (sura 4:128), com amor e misericórdia (sura 30: 21). Barlas reconhece a polissemia da expressão “daraba”, mas reitera a radical incompatibilidade de uma leitura que permita qualquer forma de violência contra a mulher, a partir do Corão, contradizendo a visão “de igualdade sexual e os ensinamentos de que o casamento deveria ser baseado no amor, perdão, harmonia e sukun”.(115)

Kecia Ali, por sua vez, destaca a diversidade de tratamento das escolas jurídicas em relação a divórcio, direitos contratuais, casamento e relações sexuais e sustenta que, dentro de um sistema altamente patriarcal e hierárquico, os juristas tendiam a associar casamento e escravidão, maridos e mestres, esposas e escravas, de tal forma que o mais importante dever marital da esposa era a “disponibilidade sexual”,(116) um discurso que vem sendo reforçado pelos neo-conservadores islâmicos. Para ela, é necessário questionar o “tradicional modelo que obriga o marido a sustentar a esposa e lhe garante o direito a controlar os movimentos e esperar sexo”, ou seja, “um radical repensar do casamento islâmico, começando com uma abordagem mais nova do Corão”,(117) que, todavia, não esqueça o desenvolvimento da jurisprudência, sob pena de deixar tal campo somente aos tradicionalistas. Essa jurisprudência é fruto de atos de interpretação e, assim, uma renovada jurisprudência deve ser buscada:(118)

“Uma legislação de casamento que coloque em primeiro plano a mútua proteção entre homens e mulheres (sura 9:71), antes que a manutenção pelo homem (sura 4:34), ou que tenham foco na cooperação e harmonia entre os esposos na corânica declaração de que os esposos são ‘vestimentas’ um do outro (sura 2:187), pode representar um marco inicial para uma nova jurisprudência do casamento. O resultado será uma aproximação – mas ainda assim humana e, portanto, falível – da divinamente revelada Shari’a que atualmente existe.”

Segundo a autora, é fácil encontrar suporte para pensar a mulher como “inteiramente humana” e “inteiramente moral”: “é mais desafiante, mas não impossível, ver a mulher como inteiramente sexual de um modo que reconheça seu status como agente moral”.(119) Todo seu trabalho de exegese vai procurar apresentar as divergências entre as inúmeras escolas jurídicas e as possibilidades de interpretação mais emancipatórias que têm sido sugeridas, ainda que a autora admita que, no tocante ao divórcio, casamento e poligamia, os versos reflitam as normas sociais do patriarcado, mas esteja menos convencida no que diz respeito às relações íntimas sexuais entre marido e esposa.(120)

5. “Torcendo” os direitos humanos: que dizer, então, de uma “queer jihad”?

Se as múltiplas resistências anteriormente narradas já demonstram a pluralidade de pensamentos, divergências, convergências e estratégias no que diz respeito aos direitos das mulheres e alertam para o viés etnocêntrico de procurar ver, nessas lutas, o mesmo “desenvolvimento” daquelas que vêm sendo (re)elaboradas no pensamento feminista ocidental ou a necessidade de utilização de mesmos parâmetros de análise, não é menor o desafio para (re)pensar as relações homoeróticas – tanto masculinas, quanto femininas – dentro/além/contra um referencial ou contexto islâmico.

No campo dos estudos europeus e norte-americanos e contra o processo de “normalização” da “cultura gay”, em sua maioria masculina, branca, de classe média ou alta, com empregos estáveis, é que se produziu o que se denominou “teoria queer”.(121) Ao utilizar uma expressão que seria equivalente ao “maricón” espanhol ou ao nosso “bicha” ou “machorra” do português, ou seja, um insulto, vários coletivos vão se apropriar da palavra salientando serem diferentes, “errados”, “torcidos”, “tortos”, pessoas que reivindicam a importância da raça e da classe social nas lutas políticas e que, dessa forma, utilizam a expressão, ironicamente, contra o sistema heterocentrado e contra a nova “ordem gay” que “busca a integração social e o desfrute da sociedade capitalista”.(122) Não se trata, assim, de “pedir tolerância” ou “aceitação por uma ordem que é excludente e normativa”.(123) Neste sentido, por exemplo, Eva Kosofsky Sedgwik vai questionar a existência de apenas dois sexos, a idéia de que são “opostos” (afinal, em que sentido homem e mulher são, efetivamente, opostos?), ou de que um sexo é idêntico a si mesmo (ou seja, não existem diferenças entre os parceiros homossexuais? Como dizer que o meu sexo de homem é igual ao sexo de outro homem?).(124)

Insistindo nos silêncios construídos entre as relações de raça, identidade e subjetividade nas práticas das homossexualidades e criticando as identidades sexuais como imutáveis, a “teoria queer” vai destacar o “nomadismo”, a “futilidade de buscar uma estabilidade definitiva em relação a corpo, ao gênero e à sexualidade e o que pode dissolver os dispositivos de normalização”.(125) Daí porque a espanhola Beatriz Preciado afirma que tais grupos são hiperidentitários e pós-identitários: “hiperidentitários desde o momento em que fazem um uso intensivo dos recursos políticos da produção performativa das identidades marginais (...) sua vontade de potenciar o que se supõe seja um ‘sujeito mau’ (os soropositivos, as lésbicas, as loucas...) para fazer disso um foco de resistência contra a homogeneização, a norma hétero, branca e colonial”.(126)

Assim, o grupo “Progressive muslim” – com Scott Kugle à frente – tem vindo tematizar as relações “homossexuais” dentro de um referencial teórico islâmico.(127) Destacando que, nos ensinamentos de Maomé e do Corão, a sexualidade não é vista, no geral, como um obstáculo à espiritualidade, nem o desejo sexual foi responsável por eventual “queda” do Paraíso, o que já evidencia um “rompimento” com as demais tradições “abraâmicas”, o autor reitera que, historicamente, as relações sexuais – no âmbito islâmico – não estão limitadas ao matrimônio formal (nikah), incluindo relações fora do casamento com escravas e concubinas,(128) e a aceitação sexual do prazer como bom em si mesmo – não limitado apenas à procriação – explica a abertura para o uso da contracepção.

Manifestando relutância na utilização do termo “homossexualidade”,(129) que julga moderno e não pode ser aplicado indistintamente para experiências fora do espaço europeu e antes da própria modernidade eurocentrada, parte de uma estratégia questionadora das interpretações dominantes, para centrar-se em determinados princípios básicos.(130) Assim, a radical idéia de diversidade na religião, segundo a qual Allah teria muitos profetas, falando em distintas línguas, levando ensinamentos éticos para diferentes nações, com diversos ritos, práticas e normas legais, tem como corolário a aceitação da diversidade dos agrupamentos tribais, étnicos e nacionais: “nós criamos vocês em diferentes nações e tribos de forma que se conheçam uns aos outros e reconheçam que o mais honrado dentre vocês é o mais temente a Deus” (sura 49:13). A celebração da igualdade de homens e mulheres, porque ausente a criação de Eva a partir da costela de Adão, reitera a diversidade da natureza humana (“dentre os vários sinais de Allah está a criação dos céus e da terra e a diferenciação de línguas e a variedade de cores [alwan] – sura 30:22),(131) em evidente contraste com a narrativa bíblica majoritária da Torre de Babel (de punição dos homens pela rivalidade com Deus).(132) Os termos utilizados, atualmente, para designar relações sexuais do mesmo sexo (Liwat para os atos e Lut para as pessoas) não estão presentes no Corão, que, por sua vez, não contém termos que designem desejo (ragba), nem apetite luxurioso (shahwa) e sequer condutas hetero ou homossexuais. Dessa forma, as várias maneiras de se ler um texto, que dependem de nossas pré-compreensões, preconceitos, experiências e “pré-entendimentos”,(133) devem estar atentas ao local, ao tempo e ao entendimento de como os princípios e diretivas respondem ao contexto atual.

Propõe, portanto, uma interpretação que seja “sexualmente sensível”, atenta ao fato de que as sexualidades são sempre múltiplas na sociedade.(134) Dá grande destaque à reinterpretação da narrativa do profeta “Lut” (na tradição bíblica, Lot) e da destruição de Sodoma e Gomorra, associada, usualmente, à questão da “homossexualidade”. Na leitura que faz a partir de “hadiths” e da sura 29 (ayat 26-35), tanto da etimologia dos termos referidos, a mensagem deixada no Corão e na tradição é a de que a hospitalidade, a generosidade e o cuidado com os pobres, estrangeiros e viajantes, que era exibido por Ibrahim e Lut, contrastam, vivamente, com as “práticas do povo de Lut”: eles não hospedavam os viajantes, mas os perseguiam; não os alimentavam, mas sim os roubavam; e, por fim, os violentavam sexualmente. Assim, “os atos sexuais da narrativa são atos de violência, mais que atos de prazer sexual; são contíguos com os atos de coerção e roubo.”(135) Ademais, se o ato reprovável fosse a “homossexualidade”, não se explicaria porque crianças e velhos foram incluídos na punição. O desafio ético fundamental, portanto, é, no sentido negativo, a utilização do sexo como força de coerção e, ao mesmo tempo, no sentido positivo, a ênfase na reciprocidade, acordo mútuo e cuidado nos atos sexuais e nas relações.(136)

Por outro lado, contesta a idéia de algumas escolas jurídicas, que associam práticas homossexuais a crimes hadd, por analogia a “zina” (adultério ou fornicação). Primeiro, porque mesmo os autores clássicos prevêem para o adultério penas de açoite (para não-casados) e de apedrejamento (se a pessoa é casada), nunca a pena capital, sendo, ainda, discutível a aplicação de tais penalidades.(137) Segundo, porque os hadd, sendo penas-limite, devem ser interpretadas restritivamente, e não por analogia,(138) inclusive porque existem “hadiths” que asseguram que “aplicar uma penalidade hadd para um crime que não é hadd crime é cometer uma injustiça e opressão” e sequer há qualquer evidência de repreensão do profeta Maomé por conta de atos não-heteronormativos.

Deve-se, pois, segundo o autor, reconhecer os aspectos do patriarcado que oprimem as pessoas que têm desejos pelo mesmo sexo, que não são diversas de outras lutas contra preconceitos realizadas no passado:(139)

“Como islâmicos progressistas, nós temos focado nosso senso de justiça, demandado por radical tawhid, nos campos da organização política, propriedade econômica e normas de gênero. Por que parar aqui? Por que não continuar a estender este desafiante foco de justiça para as esferas mais íntimas de nossas vidas sexuais, de forma a pensar de forma mais clara como as nossas vidas eróticas se cruzam com as nossas vidas espirituais?”

Kecia Ali, lembrando que, em poucas vezes, a discussão jurídica diz respeito à prática entre mulheres (e, neste caso, se referindo à questão do dote),(140) destaca a aceitação do “antigo padrão mediterrâneo”,(141) com um paralelo senso de “não pergunte, não diga”, bem como estratégias de legitimação que ora sustentam a liberdade da escolha, ora destacam ser inata a “homossexualidade”,(142) ao mesmo tempo em que, indiretamente, entendem ser “islâmica” a proibição, ambas alternativas problemáticas: se o desejo é inato e não uma livre escolha, isso se confronta com uma “injustiça divina” que não providencia meios de satisfazer legalmente a “necessidade básica de expressão sexual”; se, por outro lado, é livre escolha, nem resulta culpabilidade perante Deus, não se questiona o caráter de “ilegalidade” da conduta.(143)

Por fim, a autora sustenta que as reivindicações de “same sex marriage”, bem como operações de mudança de sexo, desafiam “a base estrutural do casamento como um contrato”: “não é somente no ato sexual que homens e mulheres são diferenciados, mas também no controle legal de tal ato, no direito legal de reivindicá-lo, no direito legal de formar o relacionamento permitido”, de tal modo que “as fronteiras do sexo permitido na jurisprudência islâmica” requerem “um exclusivo domínio” para a correlata licitude: somente os homens podem ser “possuidores” nesse sentido, e as mulheres, “possuídas”,(144) porque os “papéis sexuais também estão associados ao sexo/gênero da pessoa”. Confrontar-se com atos e relações do mesmo sexo desafia, dessa forma, “a definir a ilicitude e a ética sexuais para todas parcerias da intimidade, incluindo aquelas entre homens e mulheres”.(145)

6. A necessidade de romper com a “epistemologia da cegueira”

A problemática envolvendo os direitos humanos tem sido debatida e discutida, a partir da perspectiva de que, afinal, a diversidade cultural tem sido colocada em contato e, portanto, é necessário verificar parâmetros de diálogos e possibilidades de mútuas inteligibilidades.

O que tem prevalecido, contudo, é uma autêntica “epistemologia da cegueira” ou “sociologia das ausências”, uma verdadeira produção de não-existência em relação a tudo que não cabe na totalidade eurocentrada e no tempo linear: o ignorante, o residual, o inferior, o local e o improdutivo. Como salienta Boaventura de Sousa Santos:(146)

“Trata-se de formas sociais de inexistência porque as realidades que elas conformam estão apenas presentes como obstáculos em relação às realidades que contam como importantes, sejam elas realidades científicas, avançadas, superiores, globais ou produtivas. São, pois, desqualificadas de totalidades homogêneas, que, como tal, apenas confirmam o que existe e tal como existe. São o que existe sob formas irreversivelmente desqualificadas de existir.”

O pressuposto básico, aqui, foi destacar as múltiplas formas de resistências, tanto no que diz respeito aos direitos das mulheres e de minorias sexuais, mas também das complexas relações entre direitos humanos e Islã. Insistiu-se, nesse particular, na pluralidade interna do pensamento muçulmano, rompendo com a visão eurocentrada e etnocêntrica, que não somente não atribui “status” jurídico ao “direito islâmico”, mas também não reconhece como legítimas as lutas que não sejam veiculadas em linguagem secular. Procurou-se verificar se (e de que forma) era possível encontrar fundamentações e discursos que, sendo produzidos internamente na mesma cultura e utilizando o respectivo referencial teórico, podiam ampliar o grau de reciprocidade e estabeleciam visões mais amplas de “dignidade humana” (ou, na linguagem islâmica, “karamah”).

Não é, aqui, o espaço para proceder a tal rediscussão,(147) mas deve-se destacar que as críticas feitas a partir de outros pressupostos jurídico-culturais (aqui, no caso, islâmico, mas isso poderia ser estendido a hindus, africanos, asiáticos, budistas, etc) podem ser a “única via pela qual os direitos humanos podem ser redimidos e universalizados”.(148) Se essa condição é necessária, ela não é, contudo, suficiente: os “direitos humanos”, como conceito, são tão “regionais” e “provinciais” quanto a Umma, adamyyia e karamah islâmicas. Devem, pois, ser “desprovincializados” e, fundamentalmente, “descolonizados”, não no sentido da construção de uma “universalidade”, mas sim de “pluriversalidade” de discursos, de resistências e de projetos emancipatórios, expressando as múltiplas “vozes do sofrimento” e as distintas construções históricas de dignidade, numa crítica radical a todas as formas de fundamentalismo. (149)

Nesse contexto, a “diferença cultural” é, de fato, uma invenção do moderno discurso imperial que funciona pela diferença de poder:(150)

a diferença é, de fato, ‘colonial’, antes que ‘cultural’. Ou seja, é a diferença que justifica a exploração, o controle e a dominação de um setor da população sobre outros. ‘Racismo’ e ‘racialização’ são conseqüências da ‘diferença colonial’. Enquanto a ‘diferença cultural’ remete ao relativismo, a ‘diferença colonial’ remete à libertação dos poderes imperiais epistêmicos. A descolonização epistêmica (legal, econômica, religiosa) é predicada na necessidade de ‘libertar’ as opressoras vida natural e relações sociais através da reprodução da ‘diferença colonial’, ou seja, definindo e hierarquizando povos e nações em relação a um padrão ideal de sociedade, de liberdade, de democracia, de mercado, de relações laborais e da organização legal.”

Em suma, nossas concepções jurídicas devem ser fertilizadas pelos estudos feministas e pós-coloniais (e os direitos das mulheres e das relações não-heteronormativas são um campo farto para tanto) e, como nos alerta Ziauddin Sardar: “se o Islã tem sido construído como problema, então o Islã é também o ingrediente essencial nesta solução.”(151)

Notas

1. Adota-se, aqui, a sugestão de AbdoolKarim Vakil, no sentido de utilização da expressão Islã (no Brasil) e Islão (em Portugal): “o Islão é uma das poucas religiões que se autodenominou: as outras vieram a assumir como suas designações com que foram rotuladas por opositores ou por elementos externos. O Islão tem o seu próprio nome, isto é, tem o nome que se deu a si próprio: Islam. [...] Islamismo é uma forma de alienação porque representa uma maneira de designar essa religião com um termo que lhe é externo, que lhe é imposto por conveniência lingüística de equivalência com as outras religiões: judaísmo, cristianismo, hinduísmo, budismo, etc”. VAKIL, AbdoolKarim. O Islão em contextos minoritários: comunitarismo, cidadania e diálogo intra e inter-religioso. In: Fórum Eugênio de Almeida, 22 e 23 de outubro de 2003, Évora, p. 17. Texto disponibilizado, gentilmente, pelo autor.

2. Sou profundamente grato a AbdoolKarim Vakil (King’s College, Londres), pela sucessão de informações, sugestões de leituras e conhecimento sobre o Islã e pelo contato com Heba Ezzat (University of Cairo) e Ziauddin Sardar; Recep Senturk (Center for Islamic Studies, Istambul), por permitir acesso a seus textos, em que procura repensar interna e criticamente o Islã; Azizah al-Hibri, que me pôs em contato com a organização pelos direitos das mulheres islâmicas- KARAMAH; William Twining, que está profundamente empenhado na revitalização da teoria geral do direito e dos estudos de Direito Comparado; Asma Barlas, pela gentileza, rapidez e generosidade com que atendeu a todos os meus pedidos, dúvidas e solicitações de material; e Chandra Muzaffar (Kuala Lumpur), um autêntico “cidadão peregrino” (como o próprio Richard Falk reconhece), que, a despeito de distintas limitações de ordem pessoal e de perseguições políticas, prossegue no seu generoso trabalho junto à ONG JUST e que me possibilitou acesso ao rico material e trabalho da “Sisters in Islam” (Malásia). Ainda que eventuais incorreções, imprecisões e erros sejam somente a mim debitados, o texto, com certeza, não teria sido possível sem a colaboração – direta e indireta – inestimável dessas pessoas.

3. SAID, Edward. Covering Islam; how the media and the experts determine how we see the rest of world. New York: Vintage, 1997, p. XVI.

4. Ibidem, p. 41.

5. Ibidem, p. 157.

6. SANTOS, Boaventura de Sousa. A gramática do tempo: para uma nova cultura política. São Paulo: Cortez, 2006, p. 182-185.

7. Boaventura de Sousa Santos ainda salienta que um Ocidente sitiado e altamente vulnerável tende a ampliar o tamanho do Oriente, diminuindo seu próprio tamanho, acarretando a perversão de constituição de Orientes dentro do Ocidente: “Foi este o significado da Guerra de Kosovo: o Ocidente eslavo transformado numa forma de despotismo oriental. Foi por isso que os kosovares, para estarem do ‘lado certo’ da história, não puderam ser islâmicos durante o conflito. Tiveram que ser apenas minorias étnicas” (Idem, ibidem, p. 185)

8. SAID, Edward. Orientalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p. 50-70.

9. SARDAR, Ziauddin. Extraño Oriente: historia de un prejuicio. Barcelona: Gedisa, 2004, p. 22.

10. MIGNOLO, Walter D. Histórias locais/projetos globais: colonialidade, saberes subalternos e pensamento liminar. Belo Horizonte: UFMG, 2003, p. 82.

11. Idem, ibidem.

12. WALLERSTEIN, Immanuel. European universalism: the rethoric of power. New York: New Press, 2006, p. 33.

13. Ibidem, p. 44. Ainda que, neste mais recente trabalho, Wallerstein associe a discussão sobre a intervenção das potências européias e o discurso sobre a conquista das Américas (seminários de Valladolid, com os argumentos de Bartolomé de las Casas e Sepúlveda), sua crítica ainda não destaca, suficientemente, o processo colonial como constitutivo da própria problemática, nem sequer identifica o processo atual como sendo “neocolonial”. Os argumentos estão relacionados aos direitos humanos, ao universalismo e à possibilidade de intervenção. Daí porque Mignolo saliente que sua crítica é uma crítica não-eurocêntrica do eurocentrismo. Para uma discussão que associa universalismo e relativismo com a questão colonial e os dualismos “bárbaros/civilizados” e “tradição/modernidade”, vide: RAJAGOPAL, Balakrishnan. International law from below: development, social movements and Third World resistance. Cambridge: Cambridge University, 2003, p. 202-232

14. MARTIN-MUÑOZ, Gema. Prólogo. IN: RAMADAN, Tariq. El reformismo musulmán: desde sus orígenes hasta los Hermanos Musulmanes. Barcelona: Bellaterra, 2000, p. 15.

15. Uma divisão, portanto, que, ignorando as diferenciações históricas da relação Estado-religião, bem como as manifestações públicas de religiosidade nos países ocidentais (de que são evidentes o Círio de Nazaré e a procissão de Nossa Senhora Aparecida, no Brasil), não problematiza a própria discussão interna do Islã sobre a relação entre religião e política, bem como as propostas de “secularismo islâmico” (ver discussão adiante).

16. Se este discurso não problematiza o próprio fato da colonização, como se o Islã atual não fosse, em parte, o resultado do processo colonial, por outro lado, ele é reproduzido no discurso atual pelo modelo “bons” e “maus” muçulmanos, um modelo que Mahmood Mamdani denomina de “culture talk” e que não pode ser separado da história da modernidade política européia e, portanto, de suas vítimas internas na construção do Estado e de suas vítimas externas decorrentes do processo de expansão colonial: “a violência anticolonial não é uma manifestação irracional, mas pertence ao próprio script da modernidade e do progresso”, e o Islã político foi produzido no encontro com o poder ocidental e nasceu, pois, no período colonial. Vide: MAMDANI, Mahmood. Good muslim, bad muslim: America, the Cold War and the roots of terrorzPetaling Jaya: Forum, 2005, p. 5-6, 14 e 17-62.

17. VAKIL, AbdoolKarim. Pensar o Islão: questões coloniais, interrogações pós-coloniais. Revista Crítica de Ciências Sociais, (71): outubro 2004, p. 18.

18. Ibidem, p. 19.

19. A caracterização do direito islâmico retoma, em boa parte, os argumentos já desenvolvidos em: BALDI, César Augusto. Os direitos humanos e as concepções não-ocidentais: o que o Islã tem a ver com isto? Revista da Procuradoria-Geral do Estado RS (59): junho de 2004, p. 117-136.

20. TWINING, William. Lecture IV: Generalizing about law: the case of legal transplants. The Tilburg-Warwick Lectures, 2000. Disponível em: Acesso em 12 jul.2004.

21. MASUD, Muhammad Khalid. Muslim jurists’ quest for the normative basis of Shari’a. Netherlands: ISIM, 2001. Disponível em: http://www.isim.nl/files/inaugural_masud.pdf p. 11-12. O etnocentrismo dos estudos de direito comparado pode ser percebido inclusive no clássico René David, que salienta que “todos os Estados, é verdade, fizeram uma concessão às idéias do Ocidente, porque isso lhes pareceu necessário para manter sua independência e realizar determinados progressos. (...) Todos reconhecem, sem dúvida, a superioridade técnica do Ocidente; as opiniões estão, entretanto, divididas quanto à superioridade, em bloco, da civilização ocidental.” ( DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 21-22). Visível, portanto, a idéia da “missão civilizatória do Ocidente”, de sua superioridade técnica e a ocultação do colonialismo como parte da “concessão às idéias do Ocidente”.

22. SARDAR, op. cit., p. 25-26.

23. TWINING, op. cit., p.15-6.

24. KAMALI, Mohammad Hashim. Principles of Islamic Jurisprudence. 2.nd edit. Petaling Jaya: Ilmiah, p. 44, 2004.

25. Idem, ibidem, p. 61-2.

26. Idem, ibidem, p. 168.

27. Idem, ibidem, p. 197.

28. Idem, ibidem, p. 1-2.

29. Idem, ibidem, preface XIII.

30. Originalmente, a cisão está vinculada à própria criação do califado. Não havendo nenhuma ordem sucessória estabelecida pelo Profeta, o califa deveria ser designado por eleição pela comunidade, sendo um simples mandatário da comunidade, sem poderes para legislar ou introduzir reformas religiosas. O califa não é mais que a sombra de Deus na Terra, somente é designado pelo consenso dos crentes. Estes são os sunitas, para quem a Sunna contém revelações e ditos do profeta. Para os xiitas, Maomé teria designado, já em vida, seu genro Ali como sucessor, de tal forma que o califa não deveria ser eleito: somente os descendentes de Ali tinham a revelação secreta do profeta para a forma autorizada de governo. Vide: BRIEUX, Pablo Mandirola. Introducción al derecho islámico. Madrid: Marcial Pons, p. 17-22, 1998.

31. A explanação aqui constante advém de: ENGINEER, Asghar Ali. Islam, women and gender justice. Disponível em: Acesso em: 12 jul. 2004.

32. A análise desta questão, relativamente às escolas jurídicas, encontra-se no citado texto de Asghar Ali Engineer.

33. KAMALI, op. cit., p. 391.

34. IQBAL, Alamah Muhammad. La reconstrucción del pensamiento religioso en el Islam. Madrid: Trotta, p. 165, 2002.

35. Idem, ibidem, p. 157.

36. Observe-se que ainda não existia, na época, o Paquistão como Estado-nação, fruto, em parte, inclusive, da luta deste pensador e ativista político contra o domínio britânico.

37. Idem, ibidem, p. 142.

38. Idem, ibidem, p. 142-3.

39. Idem, ibidem, p. 143. Uma análise da atualidade do pensamento de Muhammad Iqbal é encontrada em: ENGINEER, Asghar Ali. Iqbal and reconstruction of religious though in Islam. May 2004. Disponível em: Acesso em: 10 jun.2004.

40. Idem, ibidem, p. 101.

41. KAMALI, Mohammad Hashim. Principles of Islamic Jurisprudence. Op. cit., p. 366.

42. Idem, ibidem, p. 391-2.

43. AN-NA’IM, Abdullahi A. (ed) Islamic Family Law in a changing world: a global resource book. London/New York: Zed Books, 2002

44. Ibidem, p. 9.

45. Ibidem, p. 15.

46. Ibidem, p. 18.

47. Ibidem, p. 20.

48. Os estudos pós-orientalistas e, na sua esteira, os jurídicos e sociológicos têm que destacar que nem todo árabe é islâmico, e nem todo islâmico é árabe (estes constituem, em realidade, apenas 13% num universo de mais de um bilhão de crentes). Da mesma forma, ainda que a Indonésia tenha a maior população islâmica (mais de 200 milhões), e com uma tradição de relativo convívio pacífico entre as distintas religiões (até recentemente), os estudos sobre direito islâmico, a situação da mulher e sobre o próprio Islã ignoram esse país, de forma impressionante. No tocante à relação Islã e mulher, vide: HASYIM, Syafiq. Understanding women in Islam: a indonesian perspective. Jakarta: Equinox, 2006. Por outro lado, as comunidades islâmicas do Sudeste Asiático têm uma rica tradição de convivência e pluralidade com o confucionismo em especial; e o sufismo, por sua vez, representou um elo no diálogo entre Islã e hinduísmo. Vide, neste sentido: BAKAR, Osman & GEK NAI, Cheng. Islam and Confucianism: a civilization dialogue. Kuala Lumpur: Centre for Civilizational Dialogue/University of Malaysia, 1997; ENGINEER, Ashgar Ali. Islam in India: the impact of civilizations. New Delhi: Shipra, 2002.

49. AN-NA’IM, Abdullahi Ahmed. Towards an islamic reformation: Islamic law in history and society today. In: OTHMAN, Norani. Shari’a Law and the modern Nation-State. Kuala Lampur: Sisters in Islam, p. 7-8, 1994.

50. Idem, ibidem, p. 9.

51. Idem, ibidem, p. 11-3.

52. AN-NA’IM, Abdullahi Ahmed. Towards an islamic reformation: Islamic law in history and society today. In: OTHMAN, Norani. Shar’a Law and the modern Nation-State. Op. cit., p. 14.

53. Idem, ibidem, p. 15.

54. Idem. Introduction. In: _____ (ed). Human rights in cross-cultural perspectives, a quest for consensus. Op. cit., p. 4.

55. Idem, ibidem, p. 5.

56. AN-NA’IM, Abdullahi Ahmed. Towards an islamic reformation: Islamic law in history and society today. In: OTHMAN, Norani. Shar’a Law and the modern Nation-State. Op. cit., p. 5.

57. Idem, ibidem, p. 27.

58. AN-NA’IM, Abdullahi Ahmed. Introduction. Op. cit., p. 6. Este aspecto do pensamento de An-na’im é pouco destacado por seus comentadores, incluindo Boaventura de Sousa Santos, que destaca a aceitação acrítica e a-histórica dos padrões de direitos humanos. Ainda que An-na’im não tenha se mostrado, desde o início, crítico do direito internacional dos direitos humanos e seu pensamento tenha se concentrado na Declaração Universal de 1948, o desenvolvimento de seu raciocínio tem questionado, aos poucos, o caráter colonial das declarações e alguns pressupostos ocidentais. Na análise da “legitimação retroativa”, vide também: FRANCISCO, Rachel Herdy de Barros. Diálogo intercultural dos direitos humanos. Disponível em: , p. 36 e 52. Acesso em 20 abr. 2004. An-na’im, aliás, é explícito no sentido de que devem ser combinadas duas abordagens: a) extrapolar, tanto quanto seja possível, o conceito de direitos humanos universais, por meio da leitura dos padrões aceitos, com a possibilidade de revisões quando necessárias; b) trabalhar, tanto quanto seja possível, dentro da cultura, para criar pontes para reduzir a distância entre os presentes padrões internacionais, de um lado, e as normas e valores de uma cultura, de outro. AN-NA’IM, Abdullahi Ahmed. Conclusion. In: ______(ed), op. cit., p. 432.

59. TAHA, Mahmoud Mohammed. The second message of Islam. Syracuse: Syracuse University, 1987. Existe também uma tradução francesa: Um islam à vocation libératrice. Paris: L’harmattan, 2002.

60. Muhammad Masud, discutindo as bases normativas da Sharia, destaca que tal distinção já era realizada por um jurista de Granada, Abu Ishaq al-Shatibi (séc. XIV), ao salientar que os versos de Meca se referiam às normas básicas ou universais e constituíam os objetivos do direito islâmico; já os versos de Medina diziam respeito ao direito substancial, ou seja, “eram aplicações locais dos princípios universais de Meca” (op. cit., p. 9). Para uma discussão pormenorizada do pensamento deste jurista: MASUD, Muhammad Khalid. Shatibi's Philosophy of Islamic Law. New Delhi: Kitab Bhavan, 1997.

61. O desenvolvimento de toda a teoria está em: AN-NA’IM, Abdullahi Ahmed. Toward an islamic reformation. Syracuse: Syracuse University, 1996: “Os textos do Corão que enfatizam a exclusiva solidariedade islâmica foram relevados durante o período de Medina, para prover a comunidade islâmica emergente com o suporte psicológico em face da violenta adversidade de não-muçulmanos. Em contraste com tais versos, a fundamental e eterna mensagem do Islã, tal como revelada no Corão do período de Meca, pregava a solidariedade de toda a humanidade. Tendo em vista a vital necessidade de coexistência pacífica na global sociedade humana de hoje, os muçulmanos devem enfatizar a eterna mensagem da universal solidariedade do Corão do período de Meca, antes que a exclusiva solidariedade do período transitório de Medina” (p. 180). A versão de An-na’im foi amplamente divulgada em: SANTOS, Boaventura de Sousa. Por uma concepção multicultural dos direitos humanos. In: BALDI, César Augusto (org). Direitos humanos na sociedade cosmopolita. Op. cit., p. 261-2 (existem inúmeras versões do mesmo texto, de diferentes épocas, a última delas, agora intitulada “intercultural”, no livro citado na nota 6 ).

62. AN-NA’IM, Abdullahi. Muslim must realize that there is nothing magical about the concept of human rights. IN: NOOR, Farish. New voices of Islam. Netherlands: ISIM, 2002, p. 11. Disponível em : http://www.isim.nl/files/paper_noor.pdf

63. Ibidem, p. 9

64. Ibidem, p. 11.

65. SENTURK, Recep. Sociology of rights: inviolability of the other in Islam between Universalism and Communalism. IN: SAID, Abdul Azis, ABU-NIMER, Mohammed & Sharify-Funk, Meena (ed). Contemporary Islam: dynamic, not static. London: Routledge, 2006.

66. Para a explicitação do pensamento do autor, veja-se o desenvolvimento da teoria tal como exposta no artigo citado na nota anterior, bem como: SENTURK, Recep. Sociology of Rights: “I am therefore I have rights”: Human rights in Islam between Universalistic and Communalist Perspectives. IN: BADERIN, Mashood; MONSHIPOURI, Mahmood; WELCHMAN, Lynn & MOKHTARI, Shadi. Islam and Human rights: advocacy for social change in local contexts. New Delhi: Global Media, 2006, p. 375-416; SENTURK, Recep. Minority in Islam: from Dhimmi to citizen. IN: HUNTER, Shireen & MALIK, Huma (org). Islam and Human Rights: advancing a US-Muslim Dialogue. Washington: CSIS, 2005.

67. SENTURK, op. cit.

68. SENTURK, I am therefore I have rights, p. 406-407.

69. MOOSA, Ebrahim. The dilemma of Islamic Rights Schemes. Works and Knowledges Otherwise (WKO), v. I, dossier 1 (Human rights, democracy and Islamic law), number I, fall 2004, Disponível em : http://www.jhfc.duke.edu/wko/dossiers/1.1/MoosaE.pdf

70. Ibidem, p. 3.

71. Ibidem, p. 4.

72. Outra análise interessante da fundamentação dos direitos humanos, a partir de uma perspectiva corânica, em contraste com a fundamentação secular, que mereceria uma análise em separado, inclusive pela ligação com um “Islã de diáspora” e um “Islã europeu”, crítico do processo de globalização e da utilização colonial da linguagem dos direitos humanos, pode ser encontrada em: RAMADAN, Tariq. Islam, the West and the challenges of modernity. Leicester: Islamic Foundation, 2001, especialmente p. 22-30 e 97-118.

73. Ibidem, p. 13.

74. Ibidem, p. 16.

75. Ibidem, p. 17

76. ibidem, p. 21.

77. A imagem do caleidoscópio também foi usada, recentemente, por Ziauddin Sardar, para as relações culturais, lembrando, contudo, que há um olho e uma mão providenciando o ponto de perspectiva e embaralhando as cores e configurações. Para ele, a modernidade tem sido o olho através do qual vemos o “caleidoscópio da diversidade”, enquanto o multiculturalismo é a mão. O autor propõe, portanto, um transmodernismo e uma diversidade mutuamente assegurada para contrapor tal modelo: SARDAR, Ziauddin. Beyond difference: cultural relations in the new century. Disponível em: http://www.counterpoint-online.org/download/236/Beyond-Difference.pdf. Incluído na coletânea: MASOOD, Ehsan ( ed). How do you know? Reading Ziauddin Sardar on Islam, Science and Cultural relations. London: Pluto, 2006.

78. Ibidem, p. 21

79. A escolha das autoras se deu em função, primordialmente, do conhecimento do árabe, ainda que veiculado o pensamento em inglês, consciente de que a “geopolítica do conhecimento” regionalizou o chinês, o árabe, o quíchua, o bengali, o hindi como “línguas de cultura”, mas não como “línguas de conhecimento”, conforme adverte Walter Mignolo.

80. BARLAS, Asma. Towards a theory of gender equality in muslim societies. CSID Annual Conference, Washington, May 29 2004. Disponível em: Acesso em 29 agosto 2006. A autora sustenta que admitiria o rótulo de feminista se por feminismo islâmico fosse entendido “um discurso de igualdade de gênero e justiça social que deriva seu entendimento e mandato do Corão e procura a prática de direitos e justiça para todos os seres humanos na totalidade de sua existência num continuum de público-privado” (Idem. Islam, feminism and living as the ‘muslim women’ . Disponível em: http://www.muslimwakeup.com/main/archives/2004/03/islam_feminism.php Acesso em: ago. 2006).

81. BARLAS, Asma. Towards, op. cit., p. 4.

82. Quando criticada no sentido de que sua definição de agência moral no Islã como voluntária submissão a Deus era algo paradoxal e socialmente irresponsável, contestou que “o paradoxo é facilmente resolvido: as idéias ocidentais de contrato social, aquela fábula imaginária, não assumem que o povo, voluntariamente, aceita certos limites e restrições como pré-condições à liberdade? Esta concessão não envolve submissão a Deus, mas também invoca a mesma ‘bizarra’ idéia de auto-restrição, autolimitações e autodisciplina que os islâmicos também invocam quando teorizam agência e liberdade como voluntária submissão” (BARLAS, Asma. Muslim women & sexual oppression: reading liberation from the Quran. Disponível em: http://www.asmabarlas.com/PAPERS/Macalester.pdf)

83. Idem, ibidem, p. 7.

84. A sua releitura do Corão está explicitada em: BARLAS, Asma. Believing women in islam: unreading patriarcal interpretations of the Qur’an. Austin: University of Texas Press, 2002, especialmente p. 129-202.

85. BARLAS, Asma. Islam, Muslims and the US: essays on religion and politics. New Delhi: Global Media, 2004, p. 82.

86. Ibidem, p. 84.

87. BARLAS, Asma. One Father, Three Dysfunctional Offspring: on the ‘problematic’ aspects of Monotheism. Palestra proferida no Snowstar Institute for Religion, Toronto, Canada, June 4, 2006. Disponível em: http://www.asmabarlas.com/TALKS/One_Father_Toronto.pdf

88. Vide a situação de Gandhi, também destacada por Ashis Nandy, no sentido de considerar-se sua luta anti-ocidental, a partir de seu viés marxista, e não de sua religiosidade hindu.

89. BARLAS, Asma. Globalizing equality: muslim women, theology, and feminism. IN: NOURAIE-SIMONE, Fereshteh. On shifting ground: Midle Eastern women in the global era. New York: Feminist Press, 2005, p. 104 e 106. Também disponível em: http://www.asmabarlas.com/TALKS/20040326_LibCongress.pdf.

90. Idem, op. cit. p. 107.

91. BARLAS, Muslim women & sexual oppression..., p. 19.

92. Observe-se que “Wadud” é um dos noventa e nove nomes de Allah – “o amoroso, o afetuoso” Deus da Justiça. De lembrar também que Abdool significa “escravo de” e, tendo em vista que somente se pode ser submisso de forma absoluta à vontade de Deus, o nome seguinte deve, necessariamente, corresponder a um dos epítetos de Allah. Dessa forma, AbdoolKarim, onde “Karim” é “o generoso”. Para os nomes de Deus no Corão, vide: MANDEL, Gabriele. Os 99 nomes de Deus no Alcorão. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 112 e 123.

93. WADUD-MUHSIN, Amina. Qur’an and woman: rereading sacred text from a woman’s perspective. New York: Oxford University Press, p.15-29 e 62-94, 1999.

94. Idem. The Qur’an, Shari’a and the citizenship rights of muslim women in the Umma. In: OTHMAN, Norani. Shari’a Law and the Modern Nation-State. Kuala Lumpur: Sisters in Islam, p. 78-9,1994.

95. WADUD-MUHSIN, Amina. The Qur’an, Shari’a and the citizenship rights of muslim women in the Umma. Op. cit., p. 80.

96. BARLAS, Asma. Towards a theory of gender equality in muslim societies. Op. cit., p. 10.

97. WADUD, Amina. American muslim identity: race and ethnicity in progressive muslim. IN: SAFI, Omar. Progressive muslims. Oxford: Oneworld, 2003, p. 270-285, em especial p. 278 e 283. “Taqwa” é um estado mental de responsabilidade moral e atitude dentro do quadro teórico islâmico (p. 274), podendo significar virtude, prudência, conduta correta, consciência de Deus (ESPOSITO, John L. The Oxford Dictionary of Islam. New York: Oxford University, 2003, p. 314). Na concepção da autora, o conceito, embora traduzido geralmente como “piedade”, é a motivação para realizar todas as ações e é “essencial para a atitude moral do agente como indivíduo e como membro da sociedade, desde que ele ative o princípio do tawhid, seja como questão de prática pessoal, seja como base para uma extensa reforma legal islâmica. A injustiça é um sinal de negligência destes princípios. As mulheres têm sido vítimas de tais injustiças em suas casas, nas práticas culturais islâmicas, e nas políticas públicas, em várias maneiras na modernidade, como a idéia do império é transformada em Estado-nação” (WADUD, Inside the gender..., p. 40 e 42).

98. Literalmente, a palavra significa “esforço” e pode ser utilizada como “luta”, sem qualquer conotação de “guerra religiosa” ou “cruzada” (o que já demonstra a leitura orientalista, a partir de uma realidade européia). Para uma análise das leituras corânicas de “jihad”, vide: BARLAS, Asma. Jihad = Holy War = Terrorism: The politics of conflation and denial. Disponível em: http://www.asmabarlas.com/PAPERS/2003_AJISS.PDF. Vide também: SARDAR, Ziauddin. What do muslims believe? London: Granta, 2006, p. 75-77.

99. WADUD, Amina. Inside the gender jihad: women’s reform in Islam. Oxford: Oneworld, 2006, p. 10.

100. Idem, op. cit., p. 193-4.

101. Idem, op. cit., p. 194-5.

102. Idem, op. cit., p. 213.

103. apud BARLAS, Asma, Globalizing equality, p. 107.

104. QURESHI, Emran & EZZAT, Heba Raouf. Are Sharia Laws and Human Rights compatible? Disponível em: http://www.qantara.de/webcom/show_article.php/_c-373/_nr-6/i.html. Trata-se, em realidade, de uma troca de cartas entre o jornalista e a professora de Ciência Política, no período de junho a agosto de 2004, e publicada, originalmente, no jornal alemão Frankfurter Rundschau, em 4 de outubro de 2004.

105. Para uma análise do referido movimento reformista, vide o livro de Tariq Ramadan já citado.

106. EZZAT, Heba Raouf. Political Reflections on the question of equality. IN: Islam & Equalty. New York: Lawyers Committee for Human Rights, 1999, p. 176-177.

107. Idem, op. cit., p. 181-182.

108. Idem, op. cit., p. 183.

109. Idem, op. cit., p. 184.

110. EZZAT, Heba Raouf & ABDALA, Ahmed Mohammed. Towards an islamically democratic secularism. IN: AMIRAUX, Valérie et allii. Faith and secularism. London: British Council, 2004, p. 50.

111. Na tradução disponível, em português, do Corão, consta: “Os homens são os protetores das mulheres, porque Deus dotou uns com mais (força) do que as outras, e pelo seu sustento do seu pecúlio. As boas esposas são as devotas, que guardam, na ausência (do marido), o segredo que Deus ordenou que fosse guardado. Quanto àquelas, de quem suspeitais deslealdade, admoestai-as (na primeira vez), abandonai os seus leitos (na segunda vez) e castigai-as (na terceira vez); porém, se vos obedecerem, não procureis meios contra elas. Sabei que Deus é Excelso, Magnânimo.” (Disponível em: http://www.islamhoy.org/principal/portugues/corao/004.htm)

112. Toda a argumentação seguinte está desenvolvida em: AL-HIBRI, Azizah. Islam, law and custom: redifining muslim women’s rights. p. 25-34. Disponível em: http://www.karamah.org/docs/au_redefiningmwr.pdf

113. Amina Wadud interpreta tais versos no sentido de uma maior responsabilidade social, não reduzida ao âmbito familiar, nem reduzida a sustento material, mas englobando “qiwamah” em sentido moral, intelectual, psicológico e espiritual (WADUD, Qur’an ..., p. 69-74).

114. Por outro lado, a autora tem trabalhado, insistentemente, contra a violência doméstica: An islamic perspective on domestic violence. Disponível em: http://www.karamah.org/docs/DomViolfinal.pdf

115. BARLAS, “Believing women’... , p. 184-189. “Sukun” é uma expressão utilizada para amor, no sentido de gratificação sexual e paz mental, estabelecendo, portanto: a) que tanto homens quanto mulheres têm desejos sexuais, e que as relações sexuais e maritais devem ser baseadas no mútuo amor e harmonia; b) sendo o sexo um “mútuo prazer”, ele não tem apenas a finalidade de procriação, mas sim é uma atividade “alegre” (p. 153-154). Vide, no mesmo sentido, a discussão de Scott Kugle a seguir.

116. ALI, Kecia. Progressive muslim and islamic jurisprudence: the necessity of critical engagement with marriage and divorce law. IN: SAFI, Omar. Progressive muslims. Oxford: Oneworld, p. 168-9

117. Idem, ibidem, p. 181.

118. Idem, ibidem, p. 183.

119. ALI, Kecia. Sexual ethics & Islam: feminist reflections on Qur’an, hadith, and jurisprudence. Oxford: Oneworld, 2006, p. 154.

120. Idem, ibidem, p. 112-132. Não é, aqui, também o espaço para a discussão das interpretações a respeito do divórcio, em suas versões talak (declaração unilateral pelo marido) ou khul (recurso unilateral pela esposa), esta última legalmente reconhecida no Egito desde 2001, nem das reformas legislativas do direito de família islâmico (algumas das quais, como a do Marrocos, de 2004, reivindicando sua legitimidade islâmica, ao estabelecer o estatuto de igualdade, e sustentando com princípios corânicos cada uma das modificações, conforme se verifica do texto integral em: http://www.justice.gov.ma/MOUDAWANA/Codefamille.pdf , em especial p. 7-14 ). Para um amplo painel do processo de reformas da legislação no mundo islâmico, vide o boletim Baraza, da “Sisters in Islam” (Malásia): http://www.sistersinislam.org.my/Baraza_2005V1_1h.pdf . No que diz respeito à “mutilação genital” e à discussão quanto ao caráter “islâmico” ou não, vide ALI, Sexual ethics..., p. 97-111, e RAHMAN, Anika & TOUBIA, Nahid. Female genital mutilation: a practical guide for worldwide laws and policies. London: Zed Books, 2000, em que se salienta, por exemplo, a diferenciação de rotas de entrada de tal prática (na Ásia, a chegada do Islã, vindo da Arábia para o Irã, não incluiu tal prática; vindo do Vale do Nilo, sim; da mesma forma, em algumas comunidades, não é a filiação religiosa – cristã, animista, islâmica – que determina a prática), bem como a legitimação interna dos discursos para sua redução ou extinção.

121. Para uma tematização, simultânea, da “teoria queer” e do “feminismo da diversidade” como duas distintas e ocultadas vertentes do discurso feminista e no sentido de uma crítica da “epistemologia branca heteronormativa”, vide: BALDI, César Augusto. Mulheres, direitos e histórias: repensando narrativas, reconfigurando espaços e tempos. IN: SELBACH, Jéferson Francisco (org). Mulheres, história e direitos. Cachoeira do Sul: ed. Autor, 2005, p. 47-87. Para uma discussão dos distintos feminismos, vide: EISENSTEIN, Zillah. Against Empire: feminisms, racism and “the” West. London: Zed Books, 2006. Para uma reavaliação dos “feminismos” islâmicos, vide: BADRAN, Margot. Islamic feminism revisited. Al Ahram Weekly on line. 9 - 15 February 2006, Issue No. 781. Disponível em: http://weekly.ahram.org.eg/2006/781/cu4.htm

122. SÁEZ, Javier. Teoría queer y psicoanálisis. Madrid: Síntesis, s.d, p. 30. A expressão, portanto, acaba fazendo um jogo de palavras entre “torto” e “direito”, entre “normal” e “anormal”, entre “certo” e “errado”.

123. Ibidem, p. 30.

124. Ibidem, p. 128-129.

125. SÁEZ, op. cit., p. 134.

126. Apud BAILLY, Cécil. Beurs, bears, punks: ces minorités qui dérangent 360° magazine, juillet-août 2002. Disponível em http://www.360.ch/presse/2002/07/beurs_bears_punks_ces_minorites_qui_

derangent.php

127. Vide também: KUGLE, Scott. Queer Jihad: a view form South Africa. Disponível em: http://www.isim.nl/files/Review_16/Review_16-14.pdf ; ANWAR, Ghazala. Female homoeroticism in Islam. Encyclopedia of Homosexuality. ( volume on lesbianism) Taylor and Francis, 1990; bem como os sites http://www.al-fatiha.org e http://www.theinnercircle-za.org .

128. KUGLE, Scott Siraj al-Haqq. Sexuality , diversity and ethics in agenda of progressive muslim. IN: SAFI, Omar. Progressive muslims. Oxford: Oneworld, 2003, p. 192-193.

129. Ademais, o autor prefere a expressão “queer”, inclusive porque a palavra utilizada em árabe para designar “homossexualidade”- “shudhudh" significa, literalmente, “raro” ou “não-usual”, com a vantagem de destacar as práticas sexuais que têm em comum serem diferentes da “sexualidade heteronormativa”, ao mesmo tempo que as práticas sexuais do passado podem parecer “queer” para os heterossexuais do presente (op. cit., p. 199)

130. O desenvolvimento dos argumentos está presente no texto citado na nota 125, p. 190-234.

131. Kugle destaca que o termo “alwan”, sendo plural de “lawn”, significa, literalmente, “cor” e pode ser usado no sentido de textura, sabor e forma (p. 196).

132. É possível fazer uma outra leitura, no sentido de que a diversidade lingüística, ao invés de ser considerada um demérito, deve ser tida como incentivadora do diálogo entre as distintas culturas e da necessidade de criação de mútuas inteligibilidades.

133. Vide, nesse sentido, a discussão hermenêutica posta a respeito de pré-compreensões, presente em: ESACK, Farid. Qur’an, liberation and pluralism: an Islamic perspective of interreligious solidarity against oppression. Oxford: Oneworld, 1997, p. 61-81. Tanto no pensamento de Kugle quanto no de Asma Barlas, visível a influência hermenêutica de IZUTSU, Toshihiko. God and man in the Qur’an: studying the Qur’anic ‘weltanschauung. Kuala Lumpur: Islamic Book Trust, 2000.

134. Idem, ibidem, p. 203.

135. Idem, ibidem, p. 213.

136. Idem, ibidem, p. 223.

137. Vide, neste sentido, a discussão posta em: TALBI, Mohamed. Humanismo do Alcorão. Humanizar a Charia – Leitura Vetorial do Alcorão e da Charia. IN: DAL RI JR., Arno & ORO, Ari Pedro (orgs). Islamismo e Humanismo latino: diálogos e desafios. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 159-169.

138. Diferem, contudo, as escolas jurídicas. Assim, os juristas Maliki e Shafi’i insistem que sexo anal entre homens é crime hadd punível com a morte, ao passo que os juristas Hanafi entendem que, ainda que possa ser um ato imoral e talvez até proibido, não pode ser qualificado como crime hadd (p. 217), cabendo a cada governo estabelecer eventual penalidade que entenda mais apropriada.

139. Idem, ibidem, p. 227.

140. ALI,Kecia. Sexual ethics..., p. 80.

141. Comum também entre a elite greco-romana, baseado em “hierárquicas noções de penetração”, estigmatizando quem “sofre a penetração”, com uma preferência por jovens imberbes como “aceitável” e não incluída como indicativo de especial orientação sexual (idem, p. 84).

142. Assim, para o grupo “Rainbow Crescent”, não se trata de escolha, mas sim de “realidade divinamente criada”, de forma que a exclusão do “gay people” do Islã seria “excluir uma inteira dimensão da Criação e isso poderia solapar a reivindicação de ser o Islã a Verdade” (http://www.geocities.com/WestHollywood/7563/page2.html), uma estratégia que entendem permite pressionar por uma aceitação religioso-jurídica das relações entre pessoas do mesmo sexo.

143. ALI, Kecia. Sexual ethics..., p.

144. Idem, op. cit., p. 94. Nesse sentido, ela relembra que a jurisprudência admite sexo entre homem e uma escrava, mas não com um escravo; nem a mulher pode ter acesso sexual aos escravos de outro sexo. Por outro lado, a mulher não pode ter “controle” da relação, assumindo o papel de “marido”. Procurando mostrar as implicações dessa situação, questiona: “numa relação entre dois homens, qual deles teria o direito de se casar com três outros maridos? “(p. 179, nota 68). Baseado nesses parâmetros, num casamento de lésbicas estas somente poderiam ser monogâmicas, presumivelmente, mas “qual seria o fundamento racional para tal monogamia”, se não seria possível nem a gravidez, nem necessária a definição de paternidade?

145. Idem, op. cit., p. 96.

146. SANTOS, Boaventura de Sousa. A gramática do tempo: para uma nova cultura política. São Paulo: Cortez, 2006, p. 104.

147. Para a análise de alguns destes pressupostos, verificar os artigos citados nas notas 13, 19, 58 e 61. Vide, também, BALDI, César Augusto. Sobre invisibilidades, visibilidades e heresias: algumas reflexões sobre os direitos humanos no Brasil. IN: AXT, Gunter & SCHÜLER, Fernando. Brasil Contemporâneo: Crônicas de um País Incógnito. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 2006; bem como os artigos incluídos na primeira parte da coletânea: BALDI, César Augusto (org). Direitos humanos na sociedade cosmopolita. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.

148. MUTUA, Makau. Savages, victims and saviors: the metaphor of human rights. Harvard International Law Journal, 42(1): 2001, p. 243. Disponível também em: http://www.law.harvard.edu/students/orgs/ilj/42WinterMutua.doc

149. Ver, neste sentido: MIGNOLO, Walter. The many faces of cosmo-polis: border thinking and critical cosmopolitan. Disponível em: www.duke.edu/~wmignolo/InteractiveCV/Publications/ManyFacesCosmo.pdf p. 12-15; BAXI, Upendra. The future of human rights. Oxford: Oxford University, 2006; SANTOS, Boaventura de Sousa. Por uma concepção multicultural dos direitos humanos. IN: Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitismo cultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 427-461; MIGNOLO, Walter. Prophets facing sidewise: the geopolitics of knowledge and the colonial difference. Social Epistemology, (10): 1, january-march 205, p. 111-127. Disponível em: http://www.duke.edu/~wmignolo/publications/prophets%20facing
%20sidewise.pdf

150. MIGNOLO, Walter. Second Thoughts on The darker side of the Renaissance: afterword to the second edition. Disponível em: http://www.duke.edu/~wmignolo/InteractiveCV/Publications/darker2nded.pdf p. 440.

151. SARDAR, Ziauddin. The struggle for Islam’s Soul. New Statesman, 18 july 2005. Disponível em: http://www.newstatesman.com/200507180004

 

Referência bibliográfica: (de acordo com a NBR 6023: 2002/ABNT):
. Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n., novembro 2006. Disponível em:
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Acesso em: .