Sumário: Prolegômenos. 1 O trabalhador rural no regime jurídico anterior à Lei 8.213/91. 2 O trabalhador rural no regime jurídico da Lei 8.213/91. 2.1 Enquadramento do trabalhador rural como segurado especial. 2.2 Algumas considerações sobre a aposentadoria por idade do segurado especial. 3 O benefício de pensão mensal vitalícia do “soldado da borracha”. Referências bibliográficas.
Prolegômenos
A situação dos aeroportos após o acidente da Gol em setembro de 2006, com atrasos exagerados, cancelamento de vôos e muita confusão, fez com que alguns cidadãos brasileiros escolhessem, no último feriado de Páscoa, o transporte por meio da precária malha rodoviária brasileira, que se encontra esfarelando em alguns trechos sob os nossos pés (ou rodas) e assim cheia de buracos. Esse contexto levantou o véu em certa medida para uma triste realidade, que é a miséria no campo, a miséria dos pequenos trabalhadores rurais, principalmente os lindeiros de rodovias.
Eles, que são qualificados pela lei previdenciária como segurados especiais, tentam muitas vezes vender sua produção rural em barracas à beira da estrada, mas com pouco ou nenhum retorno, de modo que abandonaram então as lides na lavoura e passaram a disputar espaços nas rodovias para taparem os buracos nas estradas, usando pás ou enxadas e depois passando o chapéu ou boné para os veículos, à espera de dinheiro. Nesse “bico”, sucedia que às vezes conseguiam mais do que no próprio trabalho rural, principalmente em virtude do grande desequilíbrio econômico entre os trabalhadores rurais e os empregadores rurais ou fazendeiros, do que decorre um salário muito baixo, aquém do salário mínimo e mais ainda de específicos pisos mínimos regionais estabelecidos por alguns Estados para esses trabalhadores, a exemplo do Paraná e do Rio de Janeiro.
Afora isso, os trabalhadores rurais também estão em evidência por conta do Plano de Aceleração Econômica – PAC, que, lançado com solenidade no final de janeiro de 2007, é a menina dos olhos do segundo mandato do Presidente Lula e no âmbito do qual se propõe uma mudança na contabilidade da Previdência Social para efeito de se retirar da despesa, entre outros benefícios, a aposentadoria rural por idade, ao argumento de que se trata de política social e por isso mesmo deve ser computada na conta do Tesouro Nacional.
De se esclarecer, desde logo, que os trabalhadores rurais se dividem em diversas classes de segurados: empregado, empregado doméstico, contribuinte individual, trabalhador avulso e segurado especial. À exceção do segurado especial, o regime jurídico-previdenciário dos demais trabalhadores rurais é igual (ressalvada a aplicação da regra do art. 143 da Lei 8.213/91) ao dos respectivos trabalhadores urbanos que estão classificados na mesma categoria de segurado, considerado o rol do art. 11 da Lei 8.213/91. Esse o motivo por que o presente trabalho cinge-se ao regime jurídico-previdenciário do segurado especial, um regime diferenciado que foi instituído tendo em conta a realidade dos trabalhadores do campo. De fato, o mundo gira, a Lusitana roda, mas a realidade desses trabalhadores continua sendo de trabalho em condições informais, de economias familiares de subsistência e de ausência de regular recolhimento de contribuição previdenciária para o regime geral de previdência social.
Por outro lado, há de se trazer à ribalta a atividade do seringueiro, que também é uma antiga atividade rural desenvolvida especialmente na Amazônia. Deveras, já o monumental EUCLIDES DA CUNHA, a partir de quando fora para o Acre, em 1904, como Chefe da Comissão de Reconhecimento das Nascentes do Rio Purus, chamava a atenção para a atividade desse “lutador excepcional”, recomendando a edição de leis trabalhistas para nobilitar o esforço desse “homem que trabalhava para escravizar-se”.(1)
Outrossim, adotando a metodologia acima declinada, justifica-se neste trabalho o estudo limitado ao regime jurídico singular dos chamados “soldados da borracha” – aqueles seringueiros que trabalharam na Amazônia durante a 2ª Guerra Mundial, ou seja, na “batalha da borracha” –, dado que os demais seringueiros que povoaram e povoam o norte do Brasil, em especial o Acre, desde quando essa região sequer era brasileira, mas ainda boliviana, submetem-se ao regime geral de previdência social como os demais trabalhadores rurais, igualmente conforme seu enquadramento no rol do art. 11 da Lei 8.213/91.
1 O trabalhador rural no regime jurídico anterior à Lei 8.213/91
A CF/34, inspirada na Constituição alemã de Weimar de 1919, já previa a proteção social para todo trabalhador brasileiro, inclusive do campo, nos termos do seu art. 121, sem que tivesse havido entretanto a concretização desse direito aos rurícolas. Somente em 1963, como resposta a movimentos populares, foi promulgada a Lei 4.214 – Estatuto do Trabalhador Rural, instituindo o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural – FUNRURAL, a partir de quando o rurícola ganhou visibilidade no âmbito da proteção social. No seu turno, com a edição da LC 11/71, foi instituído o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural – PRÓ-RURAL, a ser executado pelo FUNRURAL, bem assim pelo Instituto Nacional de Previdência Social – INPS, estabelecendo as seguintes prestações: aposentadoria por velhice, aposentadoria por invalidez, pensão, auxílio-funeral, serviço de saúde e serviço social (art. 2º), com vigência a partir de janeiro de 1972 (art. 11). Portanto, somente com a instituição do PRÓ-RURAL, em 1971, criaram-se as condições materiais e financeiras necessárias à efetiva inclusão dos trabalhadores rurais no sistema previdenciário-assistencial, prevista desde 1963, estabelecendo-se as fontes de financiamento e os direitos dos trabalhadores rurais.
A propósito do financiamento, vale ressaltar que, diversamente dos trabalhadores urbanos, os trabalhadores rurais não foram obrigados a contribuir com a previdência, até porque isso seria inviável e infactível, dada a realidade campesina. Em relação aos benefícios, esses não eram iguais nem equivalentes àqueles dos trabalhadores urbanos. Outro ponto a merecer destaque é o modo de gestão dos recursos do FUNRURAL, que era um inequívoco exemplo de clientelismo político. De fato, em cada Estado da federação, um escritório do FUNRURAL se encarregava de inscrever os trabalhadores rurais no sistema para recebimento dos benefícios. Mas como as relações de trabalho no campo sempre foram marcadas pela informalidade, o reconhecimento legal do indivíduo como trabalhador não era automático, mas dependia de uma declaração do empregador e do reconhecimento ou concordância do responsável pelo FUNRURAL em cada localidade, o qual, por sua vez, era indicado pelo deputado mais votado em cada Município. Não raro, o responsável utilizava seu poder de veto à demanda dos trabalhadores para efetivar uma troca: a concessão de benefícios em troca de voto ao deputado que lhe havia designado como diretor do escritório do FUNRURAL.
Era segurado ao PRÓ-RURAL o trabalhador rural, definido nos termos do art. 3º, § 1º, da LC 11/71, como: (i) a pessoa física que presta serviços de natureza rural a empregador, mediante remuneração de qualquer espécie; e (ii) o produtor, proprietário ou não, que sem empregado, trabalhe na atividade rural, individualmente ou em regime de economia familiar, assim entendido o trabalho dos membros da família indispensável à própria subsistência e exercido em condições de mútua dependência e colaboração.
A aposentadoria por velhice correspondia a uma prestação mensal equivalente a 50% do salário mínimo de maior valor no País, sendo devida apenas a um componente da unidade familiar, vale dizer, ao respectivo chefe ou arrimo da família (o marido, na maioria das vezes) que tivesse completado 65 anos de idade (art. 4º). A aposentadoria por invalidez era também concedida somente ao arrimo de família que ficasse total e definitivamente incapacitado para o trabalho, no mesmo valor da aposentadoria por velhice (art. 5º). A pensão por morte do trabalhador rural, concedida segundo ordem preferencial aos dependentes (geralmente o dependente que havia assumido a qualidade de novo chefe ou arrimo de família, que era, na maioria das vezes, a esposa), consistia numa prestação mensal equivalente a 30% do salário mínimo de maior valor no País (art. 6º).
Impende salientar que, assim como as aposentadorias, a pensão somente era devida quando da concretização do risco social pelo trabalhador rural chefe ou arrimo de família (o marido, na maioria das vezes), de modo que não procede o pedido de pensão por morte da esposa trabalhadora rural, cujo óbito tenha ocorrido antes da Lei 8.213/91, salvo nos casos em que a mesma detinha a condição de chefe ou arrimo de família, nos termos do art. 298, parágrafo único, do Decreto 83.080/79.(2) O auxílio-funeral, no seu turno, era devido, no importe de um salário mínimo regional, por morte do trabalhador rural chefe da unidade familiar ou seus dependentes e pago a quem, dependente ou não, houvesse comprovadamente providenciado, às suas expensas, o sepultamento respectivo (art. 9º).
Ainda nos termos da LC 11/71, os serviços de saúde eram prestados aos beneficiários, na escala que permitiam os recursos orçamentários do FUNRURAL, em regime de gratuidade total ou parcial segundo a renda familiar do trabalhador ou dependente (art. 12), sendo prestados, na maioria das vezes, pelos sindicatos rurais patronais ou dos trabalhadores, de maneira inconsistente. Já o Serviço Social visava a propiciar aos beneficiários melhoria de seus hábitos e de suas bastante precárias condições de existência, mediante ajuda pessoal, nos desajustamentos individuais e da unidade familiar e, predominantemente, em suas diversas necessidades ligadas à assistência prevista nesta Lei, sendo prestado com a pouca amplitude que permitiam os recursos orçamentários do FUNRURAL e segundo as possibilidades locais (art. 13).
Com o advento da LC 16/73, a caracterização da qualidade de trabalhador rural, para efeito da concessão das prestações pecuniárias do PRÓ-RURAL, passou a depender da comprovação de sua atividade pelo menos nos três últimos anos anteriores à data do pedido do benefício, ainda que de forma descontínua (art. 5º). Outrossim, a pensão por morte passou, a partir de janeiro de 1974, para 50% do maior salário mínimo, ficando expressamente vedada sua acumulação com o benefício de aposentadoria por velhice ou por invalidez previstos nos arts. 4º e 5º da LC 11/71, ressalvado ao novo chefe ou arrimo da unidade familiar (geralmente a esposa) o direito de optar pela aposentadoria quando a ela fizer jus (art. 6º). Entretanto, o STJ pacificou sua jurisprudência no sentido de admitir referida cumulação, a partir da vigência da Lei 8.213/91, emprestando-lhe uma retroatividade mínima ou aplicação imediata em favor dos rurícolas, tendo em vista a aposentadoria e a pensão decorrerem de fatos geradores distintos e derivarem de situações jurídicas diversas.(3)
A regulamentação da previdência social rural, estabelecida nos termos das leis complementares acima mencionadas, está na Parte II do Decreto 83.080/79 – Regulamento dos Benefícios da Previdência Social. De fato, nos sistemas previdenciários anteriores, regulados pelo Decreto 83.080/79 e, posteriormente, pelo Decreto 89.312/84 – Consolidação das Leis da Previdência Social de 1984 ou CLPS/84, havia separação entre os regimes de previdência social urbana e rural, valendo salientar que, a partir da edição do Decreto 89.312/84, a previdência social urbana passou a ser regulamentada por esse diploma, enquanto a previdência social rural continuou sob a égide do Decreto 83.080/79. Em outras palavras, a vinda a lume da CLPS/84 somente trouxe alterações para a previdência social urbana, em nada afetando a previdência social rural.
2 O trabalhador rural no regime jurídico da Lei 8.213/91
Com a promulgação da Constituição Cidadã, em 05 de outubro de 1988, por força do princípio constitucional da uniformidade e da equivalência de benefícios e serviços da seguridade social às populações urbana e rural (art. 194, parágrafo único, II, da CF/88), os rurícolas foram abrangidos pelo Regime Geral de Previdência Social – RGPS, instituído pela Lei 8.213/91, viabilizando destarte o direito a prestações iguais e equivalentes para todos os segurados, seja do meio urbano, seja do meio rural. Entretanto, o regime jurídico-previdenciário anterior perdurou até 05 de abril de 1991, a partir de quando passou a incidir retroativamente a Lei 8.213, de 24 de julho de 1991, nos termos do que dispunha o seu art. 145, concretizando destarte o comando constitucional previsto no art. 59 do ADCT/88. Em outras palavras, a dicotomia entre os regimes previdenciários urbano e rural, nos termos dispostos pelos Decretos 83.080/79 e 89.312/84, prevaleceu até a publicação da Lei 8.213/91, que, no tocante ao cálculo da renda mensal inicial, incidiu retroativamente.
Como já salientado, os trabalhadores rurais se dividem em diversas classes de segurados: empregado, empregado doméstico, contribuinte individual, trabalhador avulso e o segurado especial. Para este último, objeto do presente trabalho, a Lei 8.213/91 instituiu um regime jurídico-previdenciário diferenciado, que se consubstancia, em linhas gerais, na concessão de benefícios previdenciários no valor de um salário mínimo, via de regra, independente de contribuições, bem assim na faculdade de contribuição para a obtenção de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição e para receber as prestações do regime geral calculadas de acordo com os valores dos salários-de-contribuição (art. 39 da Lei 8.213/91). Vejamos então o seu enquadramento e alguns aspectos desse regime jurídico diferenciado, sempre com ênfase na jurisprudência predominante.
2.1 Enquadramento do trabalhador rural como segurado especial
A partir da CF/88, não só os produtores rurais, mas igualmente os respectivos cônjuges passaram a ser enquadrados como segurados da Previdência Social (art. 195, §8º), qualidade esta que foi estendida também aos filhos maiores de 14 anos, nos termos do art. 11, VII, da Lei 8.213/91. Entretanto, a idade mínima a ser considerada, após a EC 20/98, que deu nova redação ao art. 7º, XXXIII, da CF, passou a ser de 16 anos, como corretamente determina o art. 9º, VII, do Decreto 3.048/99 – atual Regulamento da Previdência Social, e o art. 7º, I, da IN INSS/PR nº 11/06, que atualmente estabelece critérios a serem adotados pela área de Benefícios.
Antes de entrar no tema propriamente dito do enquadramento do trabalhador rural como segurado especial para efeito de concessão de benefício previdenciário, convém advertir que essa análise demanda bastante atenção por parte do aplicador da lei para o caso concreto, dado o atual estado de coisas, assim sintentizado pelo então Ministro da Previdência Social JOSÉ CECHIN:
“O processo de reconhecimento do direito é obsoleto e subjetivo. Como basta ao segurado especial tão-somente comprovar o exercício da atividade rural, este somente se faz conhecido da Previdência Social nos momentos de requerimento de benefícios, quando então é informado da necessidade de apresentar documentos que comprovem o exercício da atividade. Não são raras as vezes em que o segurado não consegue. Gera-se, assim, enorme insegurança na concessão do benefício previdenciário, com indeferimento de benefícios a segurados que têm direito, mas que na prática não conseguem comprovar o cumprimento dos requisitos ou, contrariamente, no deferimento de benefícios a quem, de fato, não exerceu atividade rural, mas que consegue apresentar documentos indicando que exercera atividade rural.”(4)
Pois bem, a área do imóvel rural não traduz fator determinante ao enquadramento do segurado especial, porquanto a legislação previdenciária somente determina que as atividades rurais sejam exercidas individualmente ou em regime de economia familiar, nos termos do art. 11, VII e § 1º, da Lei 8.213/91. Ou seja, não há imposição de que seja o segurado especial vinculado a determinada dimensão de terra. Ademais, não está na definição de regime de economia familiar a extensão da propriedade, requisito específico da Lei 4.504/64 – Estatuto da Terra, que regula os direitos e obrigações concernentes aos bens imóveis rurais para fins de execução de reforma agrária e promoção da política agrícola. Logo, não se pode descaracterizar a condição de segurado especial com fundamento exclusivo na grande extensão da propriedade explorada pela família, pois que devem ser considerados para essa verificação outros fatores como condições financeiras de exploração total, cobertura vegetal, quantidade de membros da unidade familiar, etc.(5)
Nessa ordem de considerações, eventual classificação do trabalhador rural como "empregador rural II-B" no certificado de cadastro do INCRA não significa necessariamente a descaracterização do regime de economia familiar, pois tal classificação geralmente é baseada no tamanho da propriedade, sem considerar a efetiva existência de empregados permanentes, por força do art. 1º, II, b, do DL 1.166/71, que dispõe sobre enquadramento e contribuição sindical rural.(6) Além disso, o auxílio de terceiros, v.g., vizinhos e bóias-frias, em determinados períodos, não elide o enquadramento, consoante expressamente dispõe o art. 11, VII, da Lei 8.213/91, até porque se trata de prática comum no meio rural, especialmente a “troca de dias” ou realização de mutirão com vizinhos em época de plantio ou colheita. Ademais, a circunstância de o imóvel hoje localizar-se em zona urbana ou de o requerente residir em zona urbana, por si só, não descaracteriza a sua condição de segurado especial.(7)
O fato de o cônjuge ou outro membro da família exercer atividade diversa da rural também não serve para descaracterizar automaticamente a condição de segurado especial, salvo para aquela pessoa que exerce a referida atividade, sobretudo na hipótese em que a subsistência dela decorrer dessa atividade mesma, e não da atividade rural.(8) De fato, para os demais membros da família e eventualmente para o único membro da família considerado como trabalhador rural individual, sua situação continua a encontrar guarida no art. 11, VII, da Lei 8.213/91, e só pode ser desqualificada se ficar comprovado (e o ônus da prova recai sobre o INSS) que a subsistência da família era garantida pelo salário do membro que possuía outra atividade, e não pela atividade rural desenvolvida pelo trabalhador rural.(9) Outrossim, não descaracteriza a condição de segurado especial a renda oriunda da outorga de até 50% do imóvel rural, por meio de contrato de parceria ou meação, desde que o outorgante, bem assim o outorgado, continuem a exercer a exploração do imóvel individualmente ou em regime de economia familiar (art. 9º, § 18, do Decreto 3.048/99).(10)
Merece atenção particular o art. 25 da Lei 8.212/91, que, dispondo sobre o recolhimento da contribuição previdenciária assim do segurado especial, bem como do produtor rural pessoa física (comumente chamado de empregador rural, fazendeiro ou empresário rural), estabelece que o segurado especial deve recolher contribuição previdenciária obrigatoriamente sobre a receita bruta proveniente da comercialização de sua produção e, facultativamente, na forma como o faz o contribuinte individual. Logo, se o segurado especial recolher apenas a contribuição obrigatória sobre a comercialização de sua produção, não contribuindo facultativamente, nos termos do art. 21 da Lei 8.212/91, fará jus apenas aos seguintes benefícios previdenciários: aposentadoria por idade ou por invalidez, auxílio-doença, auxílio-reclusão e pensão, no valor de 1 salário mínimo, nos termos do art. 39, I, da Lei 8.231/91.(11)
Ou seja, para que o trabalhador rural qualificado como segurado especial possa ter e manter essa qualificação para efeito previdenciário, inclusive a concessão de benefícios, necessita contribuir obrigatoriamente sobre a receita bruta proveniente da comercialização de sua produção, a partir da vigência das Leis 8.212/91 e 8.213/91. Entretanto, não é razoável exigir, naquelas hipóteses de um sistema de produção voltado para a subsistência, a comprovação do recolhimento das contribuições sobre a receita bruta proveniente da comercialização de sua produção, dado que, se o regime de economia familiar se volta precipuamente à subsistência do grupo familiar, nem sempre haverá excedentes a serem comercializados.(12)
Nesses casos, a ausência de contribuições previdenciárias não tem o condão de descaracterizar a qualidade de segurado especial, antes e pelo contrário, a reforça. Com efeito, a experiência tem mostrado ser comum em localidades, especialmente as mais pobres, a presença de famílias de baixa renda moradoras da área rural, em que o marido exerce atividade urbana com remuneração mínima. Nesses casos, a mulher fica em casa e, com o auxílio dos filhos, se encarrega da ordenha da vaca leiteira, do trato dos porcos e galinhas, do cultivo de produtos básicos como feijão, batata, mandioca, etc. O marido, de regra, acaba auxiliando no trabalho da família, hipótese em que nada será comercializado formalmente, até porque as pequenas “sobras” serão trocadas entre vizinhos ou mediante algumas vendas informais de porta em porta na cidade, sem nota fiscal.
Outrossim, se o segurado especial, além da contribuição obrigatória, contribuir também no modo facultativo para o sistema previdenciário, terá direito aos benefícios previstos na Lei 8.213/91, inclusive aposentadoria por tempo de serviço/contribuição, calculado com base no salário-de-benefício, vale dizer, levando-se em conta o valor de suas contribuições (art. 39, II, c/c art. 29 da Lei 8.213/91). Daí porque “O trabalhador rural, na condição de segurado especial, sujeito à contribuição obrigatória sobre a produção rural comercializada, somente faz jus à aposentadoria por tempo de serviço se recolher contribuições facultativas” (Súmula 272/STJ).
Cabe anotar que a mulher ainda encontra dificuldades para o reconhecimento de sua condição de segurada especial, notadamente porque é vista como a principal responsável pelos afazeres domésticos. Porém, a Lei 8.213/91 qualifica como segurado especial todo aquele cuja atividade é indispensável para a subsistência do grupo familiar, sendo fora de dúvida que a pessoa que se dedica à manutenção da casa e cuidados com a roupa e a comida, por exemplo, é indispensável para que os outros componentes da família se lancem às lides rurais propriamente ditas. Ademais disso, não se pode olvidar que algumas mulheres trabalham tanto quanto ou muitas vezes ainda mais que os homens, na já conhecida jornada dupla – realidade esta que inclusive justifica na lei previdenciária a redução da idade para a mulher se aposentar, considerada a idade exigida para o homem. Logo, a esposa do segurado, ainda que se dedique prioritariamente às atividades domésticas, deve ter reconhecida sua condição de segurada especial, nos termos do que dispõe o art. 11, § 1º, da Lei 8.213/91.
Quanto à comprovação do exercício da atividade rural, inclusive mediante justificação administrativa ou judicial, só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito (art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91)(13) e, excepcionalmente, quando se tratar de bóia-fria, como será explicitado mais adiante. Assim, na atual redação do art. 106 da Lei 8.213/91, dada pela Lei 9.603/95, é considerado prova material (i) para o período anterior a 16 de abril de 1994: contrato individual de trabalho ou Carteira de Trabalho e Previdência Social; contrato de arrendamento, parceria ou comodato rural; declaração do sindicato de trabalhadores rurais, desde que homologada pelo INSS; comprovante de cadastro do INCRA, no caso de produtores em regime de economia familiar; e bloco de notas do produtor rural; e (ii) para o período posterior a 16 de abril de 1994: a Carteira de Identificação e Contribuição – CIC.
Aqui, cinco observações.
Uma, o rol do art. 106 da Lei 8.213/91 é meramente exemplificativo, de modo que se admite prova material diversa daquelas ali enumeradas, considerando as dificuldades enfrentadas pelo trabalhador do campo que, muita vez, longe dos centros populacionais e desinformado, não guarda qualquer prova escrita de sua vida laboral. Assim, certidões de registro civil, eleitoral ou militar e escrituras de propriedade rural valem como início razoável de prova material, para comprovação do tempo de serviço rural.(14) Também se admitem documentos que comprovem o exercício da atividade rural, como notas fiscais de compra de instrumentos ou insumos agrícolas, bem assim declaração de ex-empregador, desde que contemporâneos àquele exercício e complementados por prova testemunhal idônea.
Duas, não há necessidade de prova material em profusão ou contínua ano a ano, desde que os documentos apresentados tenham sido emitidos em período próximo ao alegado exercício da atividade rural e indiquem a continuidade dessa atividade. Logo, é irrelevante o fato de os documentos não comprovarem, ano a ano, o alegado exercício da atividade campesina. De um lado, porque se presume a continuidade nos períodos imediatamente próximos, dado que o reconhecimento da condição de lavrador traz ínsita a idéia de continuidade da atividade rural, e não de eventualidade. De outro, porque, como já enfatizado, a escassez documental é inerente à informalidade do trabalho campesino.(15)
Três, os documentos apresentados em nome de terceiros, sobretudo quando dos pais ou do cônjuge, consubstanciam início de prova material do labor rural, haja vista que o trabalho com base em uma única unidade produtiva tem como regra antiga mas ainda persistente, a documentação emitida em nome de uma única pessoa, o pater familiae, que representa o grupo familiar perante terceiros, função esta exercida, normalmente, pelo pai ou cônjuge masculino.(16) De se salientar que em algumas localidades nas quais os sindicatos de trabalhadores rurais são particularmente mais atuantes, os trabalhadores rurais têm apresentado documentos mais recentes em nome da mulher.
Quatro, a lei previdenciária não exige que os contratos de arrendamento, parceria ou comodato rural contenham firmas reconhecidas em cartório, bem como transcrição no registro público ou, ainda, que a cópia do contrato juntada aos autos esteja autenticada. Na realidade, tais contratos, na maior parte das vezes, têm como fim apenas oficializar situação de fato preexistente, uma vez que é de praxe no meio rural que os contratos sejam realizados verbalmente,(17) mesmo porque a informalidade do trabalho rural não abrange apenas o bóia-fria, mas também outros regimes de trabalho, como os de porcentagem e arrendamento, principalmente quando desenvolvidos em pequenas áreas.
Cinco, a inexistência da Carteira de Identificação e Contribuição – CIC prevista no art. 106 da Lei 8.213/91 não é óbice ao reconhecimento da condição de segurado especial, mesmo após 16 de abril de 1994. Vale dizer, a partir dessa data, a prova da atividade rural não se faz única e exclusivamente por meio da CIC. De fato, embora a expedição do referido documento, via de regra, ocorra após a comprovação da atividade rural perante a própria Autarquia Previdenciária, tal circunstância não impede que o segurado, em Juízo, busque o reconhecimento da atividade rural por outros meios de prova.(18)
A propósito da prova da qualidade da mulher como segurada especial, essa é ainda mais difícil, pois, quando existem documentos, especialmente no período anterior à Lei 8.213/91, os apontamentos acerca da sua qualificação, via de regra, eram feitos no sentido de estarem ligadas às lides domésticas (na lacônica expressão “do lar” ou “doméstica”), ou eram lançados em nome do chefe da família que, no regime anterior, era o único membro familiar a possuir direito à aposentadoria. Assim, vale a pena enfatizar que é possível atribuir à mulher a qualidade de trabalhadora rural, mesmo em face da inexistência de documento em nome próprio, qualificando-a como tal.(19)
De se registrar, outrossim, que algumas vezes o INSS alega, na contestação apresentada ao processo judicial, a ineficácia probante de determinado documento, sem apresentar contudo irregularidade séria e capaz de levantar alguma dúvida acerca de sua idoneidade, o que não se pode admitir para desconsiderar o referido documento, mormente quando não é instaurado o incidente de falsidade, nos termos do que dispõe o art. 390 do CPC. Nesse contexto, impende salientar que as “entrevistas” ou “pesquisas” feitas no âmbito administrativo do INSS não guardam caráter jurisdicional a ponto de emprestar-se-lhes maior valor do que aos depoimentos colhidos em Juízo, com todas as garantias do contraditório. Assim, privilegiá-las seria supervalorizar o trabalho feito pela própria parte, em detrimento daquele realizado em processo regular, com a isenção e o contraditório peculiares à prestação jurisdicional, o que por isso mesmo não pode ser admitido, já não se tratando de imputar inverídicas as informações do INSS, mas de prestigiar a imparcialidade que caracteriza a prova produzida no curso de processo jurisdicional.
Cabe referir, enfim, que o reconhecimento do tempo de serviço rural, com sua averbação para efeito de expedição de certidão de tempo de serviço/contribuição, bem assim sua contagem para efeito de concessão de aposentadoria, constitui ato administrativo vinculado, obrigando ao administrador reconhecer o tempo de serviço, uma vez preenchidos os requisitos legais. Tratando-se de ato administrativo vinculado, a averbação do tempo de serviço rural não está pois sujeita à revogação, mas unicamente à invalidação, uma vez configurada ilegalidade, fraude ou erro administrativo, cujo ônus da prova é do próprio INSS, em virtude da presunção de legitimidade do ato administrativo. Assim, não pode a Autarquia Previdenciária revisar a certidão de tempo de serviço/contribuição ou benefício previdenciário mediante revaloração de prova e/ou mudança de critério interpretativo,(20) o que infelizmente ainda acontece na prática, muitas vezes sob a singela motivação de “fraude na concessão de benefício”.
2.2 Algumas considerações sobre a aposentadoria por idade do segurado especial
Como já enfatizado, a partir da CF/88, não só os produtores rurais, mas igualmente os respectivos cônjuges passaram a ser enquadrados como segurados da Previdência Social (art. 195, § 8º), qualidade esta que foi estendida pela Lei 8.213/91 aos filhos maiores de 16 anos. A CF/88 também inovou quanto à idade para a aposentadoria dos trabalhadores rurais, que passou a ser devida aos 60 anos, para o homem, e aos 55 anos, para a mulher (art. 202, I, redação original, e art. 201, § 7º, II, redação dada pela EC 20/98), vale dizer, com redução de 5 anos para ambos os sexos, considerado o regime anterior.
A aposentadoria antecipada dos agricultores se justifica em face do envelhecimento prematuro desses trabalhadores em razão das condições intrínsecas do trabalho na lavoura, dada a natureza do trabalho sob céu aberto, sujeitos especialmente à inclemência do sol, ventos, frio, chuva, umidade, etc. e porque necessitam de sua melhor condição física para o desempenho da extenuante e diuturna atividade rural. É bom lembrar, nestes tempos de valorização do etanol enquanto combustível alternativo, que o cultivo de cana-de-açúcar é uma das atividades rurais mais penosas, assim pela presença de folhas cortantes e animais peçonhentos, bem como devido à enorme cota diária de cada trabalhador e ao modo de remuneração, que é por produção, sucedendo que a média é o corte diário de 11 toneladas de cana-de-açúcar, havendo trabalhadores que cortam até 20 toneladas diárias!
Daí bem se vê, portanto, que a sobredita redução etária para o jubilamento do rurícola tem uma justificativa social e científica – o que nem sempre acontece com as leis editadas no Brasil, não só de hoje, mas também de ontem... Entretanto, esse direito previdenciário previsto pela CF/88 somente se concretizou a partir da Lei 8.213/91, já porque a sobredita norma constitucional foi considerada de eficácia limitada pelo STF.(21) Desse modo, somente a partir da referida lei é que os rurícolas podiam aposentar-se com a idade reduzida.
São requisitos para a concessão da aposentadoria rural por idade: a comprovação da qualidade de segurado especial, a idade mínima de 60 anos para o sexo masculino ou 55 anos para o feminino, bem como a “carência”, sem necessidade de recolhimento das contribuições.
A comprovação da idade pode ser feita pelos seguintes documentos: certidão de registro civil de nascimento ou de casamento, que mencione a data do nascimento; título declaratório de nacionalidade brasileira, se segurado naturalizado; certificado de reservista; título de eleitor; carteira de identidade ou qualquer outro documento emitido com base no registro civil de nascimento ou casamento, desde que constem os dados do registro de nascimento ou casamento (art. 104, § 2º, da IN INSS/PR nº 11/06). Calha referir, ademais, que a certidão de nascimento devidamente expedida por órgão competente e dentro dos requisitos legais não pode ser simplesmente rejeitada pelo INSS, devendo a Autarquia Previdenciária, para esse efeito, diligenciar previamente no sentido de comprovar a existência de erro ou falsidade do registro (art. 104, § 5º, da IN INSS/PR nº 11/06).(22)
A propósito da “carência”, cujas aspas se justificam na circunstância de que não é exigível um número mínimo de contribuições mensais (art. 26, III, da Lei 8.213/91), vale referir que no caso em que o requerimento administrativo e o implemento da idade mínima tenham ocorrido antes de 31 de agosto de 1994 (data da publicação da Medida Provisória n. 598, posteriormente convertida na Lei 9.063/95, que introduziu alterações na redação original do art. 143 da Lei 8.213/91), o agricultor deve comprovar o exercício de atividade rural, anterior ao requerimento, por um período de 5 anos (60 meses), nos termos do que dispunha o art. 143, II, da Lei 8.213/91, em sua redação original, não se aplicando destarte a tabela do art. 142 da Lei 8.213/91. Já as aposentadorias com requerimento entre 1º de setembro de 1994 e 28 de abril de 1995 estão condicionadas à comprovação do labor rural correspondente ao período de carência, considerada a tabela do art. 142 da Lei 8.213/91 em relação ao ano da data de entrada do requerimento administrativo. Finalmente, para os benefícios com requerimento na vigência da Lei 9.032/95, que alterou o mencionado art. 142, vale dizer, a partir de 29 de abril de 1995, o período de carência a ser considerado é relativo ao ano em que cumprido o requisito etário, e não mais ao ano da data de entrada do requerimento administrativo.
Nesse contexto, o ano-base para a verificação da “carência”, nos processos atualmente em trâmite na Justiça, é geralmente o ano em que o segurado completou a idade mínima, desde que até então já disponha de tempo rural suficiente para o deferimento do benefício. Em tais casos, o termo inicial do período a ser considerado como de efetivo exercício de labor rural, a ser contado retroativamente, é justamente a data do implemento do requisito etário, mesmo se o requerimento administrativo ocorrer em anos posteriores, em homenagem ao princípio do direito adquirido, positivado inclusive no art. 102, § 1º, da Lei 8.213/91. Entretanto, se o segurado, completando a idade necessária, ainda não possui o tempo rural necessário, deve permanecer exercendo atividade agrícola até a ocasião em que implementar o número de meses suficientes para a concessão do benefício, caso em que o ano-base será justamente a data da implementação do tempo equivalente à “carência”.(23)
Daí porque a disposição contida no art. 39, I, e no art. 143, ambos da Lei 8.213/91, no sentido de que o exercício da atividade rural deve ser comprovado no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, há de ser interpretada em favor do segurado. Assim, tal regra somente se aplica àquelas situações em que ao segurado é mais fácil ou conveniente a comprovação do exercício do labor rural no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo, até porque a tese de que a prova da atividade rural deve ser contemporânea ao período imediatamente anterior ao requerimento do beneficio, em número de meses idêntico à carência do referido benefício, adotada pelo Ministro HAMILTON CARVALHIDO, voto vencido no julgamento pelo STJ da AR 755, não vingou nos embargos infringentes interpostos pelo INSS.(24)
Importa referir, neste passo, que a jurisprudência já vinha decidindo, de longa data, não ser necessário que ambos os requisitos (carência e idade mínima) fossem preenchidos simultaneamente, com base na inteligência do art. 102, § 1º, da Lei 8.213/91.(25) Ou seja, podia dar-se a reunião dos requisitos em diferentes momentos, mesmo quando o preenchimento da idade ocorresse em época quando o rurícola já tinha perdido a condição de segurado – em virtude, por exemplo, de mudança do campo para a cidade onde mora determinada filha em melhor situação socioeconômica –, se anteriormente cumprido o requisito de carência. Esse entendimento jurisprudencial foi positivado no art. 3º, § 1º, da Lei 10.666/03, ao estabelecer que, “Na hipótese de aposentadoria por idade, a perda da qualidade de segurado não será considerada para a concessão desse benefício, desde que o segurado conte com, no mínimo, o tempo de contribuição correspondente ao exigido para efeito de carência na data do requerimento do benefício”, mostrando uma vez mais o que sói acontecer: a legislação vem a reboque da boa jurisprudência.
Em relação ao período anterior às Leis 8.212/91 e 8.213/91, o tempo de atividade rural pode ser computado para efeito de aposentadoria (rural ou urbana, por idade ou por tempo de serviço) independentemente do recolhimento das contribuições correspondentes, exceto para efeito de carência (art. 55, § 2º, da Lei 8.213/91).(26) Essa regra de isenção – que se fez necessária diante da unificação dos regimes previdenciários urbano e rural – vale tanto para o arrimo de família, que já era segurado antes da Lei 8.213/91, bem assim para os demais dependentes do grupo familiar que com ele laboraram,(27) sendo de grande importância prática, dado que muitos trabalhadores que hoje estão em idade de se aposentar nasceram na área rural e lá se criaram até determinada idade, sendo por isso mesmo bastante comum ações judiciais previdenciárias objetivando a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição, mediante o reconhecimento do exercício de atividade rural.
Entretanto, a referida isenção cinge-se ao regime geral de previdência social, sendo destarte exigível, para fins de contagem recíproca junto ao serviço público, a respectiva indenização das contribuições previdenciárias diante da necessária compensação financeira entre os regimes de previdência social, nos termos do que dispõe o art. 201, § 9º, da CF/88 e o art. 96, IV, da Lei 8.213/91.(28) Logo, o servidor público, que pretende utilizar a atividade rural para se aposentar deve necessariamente indenizar o INSS.
Ainda em relação ao período de atividade rural anterior às Leis 8.212/91 e 8.213/91, vale salientar que pode ser computado o período de trabalho rural inclusive quando o rurícola tinha menos de 14 anos, pois o art. 7º, XXXIII, da CF/88, ao proibir o trabalho em idade inferior a 14 anos, objetivou a proteção do menor, não podendo por isso mesmo se aplicar a norma em prejuízo de seu destinatário, até porque a Constituição anterior autorizava o trabalho de menores a partir dos 12 anos (art. 158, inc. X, da CF/67).(29)
Vale referir outrossim que o art. 143 da Lei 8.213/91, ao estabelecer a concessão de aposentadoria rural por idade no valor de um salário mínimo ao trabalhador rural, independente de contribuição, durante quinze anos, contados a partir da data de vigência da referida lei, tratava-se de uma norma assistencial temporária dentro do novo regime previdenciário, tendo por isso mesmo vigência limitada no tempo, mais precisamente até 25 de julho de 2006.
Essa limitação temporal, entretanto, não prejudicaria o direito do segurado especial, considerada a vigência do art. 39, I, da Lei 8.231/91, que dispensa em certos casos o recolhimento de contribuição, como visto alhures, ensejando destarte a concessão de benefícios formalmente previdenciários, mas materialmente assistenciais. Não prejudicaria também o direito dos segurados empregado rural e trabalhador avulso, pois suas contribuições presumem-se recolhidas regularmente, nos termos do que dispõe o art. 33, § 5º, da Lei 8.212/91. Logo, somente prejudicaria, em linha de princípio, o trabalhador rural denominado bóia-fria (arrolado originalmente na alínea a do inc. IV do art. 11 da Lei 8.212/91 e, a partir da Lei 9.876/99, na alínea g do inc. V do mesmo artigo), observado o direito adquirido daqueles que preencheram todos os requisitos antes de 25 de julho de 2006, independente de o requerimento ocorrer depois daquela data.
Ora, pois, de todos os trabalhadores rurais, o bóia-fria é aquele que se encontra na mais precária situação social no campo, onde as condições de trabalho são degradantes e está cada dia mais difícil sobreviver, quanto mais viver com uma parcela mínima sequer da tão decantada dignidade da pessoa humana. Nessa compreensão, o bóia-fria exerce essa atividade justamente porque não tem acesso a qualquer outra que lhe dê sustentação, não se justificando destarte um tratamento jurídico-previdenciário mais restritivo a quem mais precisa da seguridade social.
Aliás, por conta dessa situação sui generis da atividade rural desenvolvida na qualidade de bóia-fria é que a jurisprudência tem acolhido excepcionalmente a prova exclusivamente testemunhal, forte no art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil – LICC. Se assim não o fizesse, acabaria por negar o benefício respectivo a todas aquelas pessoas que, embora realmente tivessem trabalhado em terras de terceiros, não disponham de documentos suficientes a ensejar um início razoável de prova material, ensejando destarte uma grave injustiça,(30) considerando que esse estado de coisas decorre justamente da condição mesma dessas pessoas, que são as mais carentes, com menos instrução e pouquíssimo ou nenhum acesso à informação, tirante alguma vez aquela informação obtida pelo bom e velho rádio de pilha.
Outro ponto sobre o bóia-fria a merecer consideração é a possibilidade de ele manejar ação judicial independente de prévio requerimento na via administrativa. Com efeito, o entendimento jurisprudencial no sentido da necessidade de prévia formulação do pedido perante o INSS (mesmo sem haver necessidade de exaurimento da via administrativa, a teor da Súmula 213/ex-TFR), sob pena de se configurar a falta de interesse processual do Autor da ação nas hipóteses em que não há resistência do INSS manifestada em contestação adentrando o mérito da pretensão vestibular, esse entendimento então não se aplica aos trabalhadores informais, como os bóias-frias, por subsistir, neste caso específico, um interesse processual presumido, por ser fato notório a negativa sistemática da Autarquia Previdenciária ao processamento de pedido de benefício previdenciário formulado por trabalhadores informais que não apresentam documentos a amparar o requerimento administrativo.(31)
Ademais disso, o bóia-fria nunca contribuiu e não tem condições de contribuir, de modo que sua qualificação como contribuinte individual, categoria na qual se enquadra aprioristicamente, o deixaria absolutamente à margem de toda e qualquer prestação previdenciária – o que poderia agravar ainda mais os problemas sociais no campo e também nas cidades, considerando que a realidade tem mostrado que os desempregados das cidades e do campo aglomeram-se nos grandes centros urbanos em bolsões de pobreza e, excluídos do processo produtivo, suas opções de trabalho são o mercado informal e o mercado paralelo, dominados pela criminalidade em geral –, salvo se a situação concreta permitir seu enquadramento como segurado especial ou empregado rural, sendo ambas as hipóteses bastante comuns na prática.
De fato, algumas pessoas são recrutadas para trabalhar em propriedades adjacentes às suas, onde a família exerce agricultura de subsistência, hipótese em que pode haver o enquadramento como segurado especial. Outras pessoas, especialmente quando arregimentadas pelo “gato” em locais afastados ao da propriedade rural, algumas até no meio urbano, estabelecem inegável vínculo empregatício em períodos não regulares com o contratante, a despeito da realidade antiga, mas ainda persistente de não se reconhecer a referida relação de emprego, nem recolher as contribuições previdenciárias respectivas. Não há, nesse contexto, como nem por onde se enquadrar o trabalhador rural como contribuinte individual. Desse modo, uma vez reconhecido em Juízo o vínculo empregatício do bóia-fria para efeito previdenciário, a hipótese há de trazer conseqüências para o empregador rural, que deverá então recolher todas as contribuições previdenciárias correspondentes, cuja execução far-se-á por iniciativa da Procuradoria Federal Especializada no INSS. Esse talvez o motivo da prorrogação da vigência do art. 143 da Lei 8.213/91, por mais 2 anos, nos termos da MP 312/06, convertida na Lei 11.368/06, fazendo menção ao “trabalhador rural empregado” (art. 1º).
De tudo quanto posto, observa-se que a situação jurídico-previdenciária do bóia-fria, no que pertine à aposentadoria rural por idade, demanda uma atenção maior ainda do aplicador da lei, a fim de concretizar a justiça social.
À guisa de arremate, calha registrar que os demais benefícios previdenciários do segurado especial são regidos pelas regras gerais aplicáveis a todos os segurados do Regime Geral de Previdência Social – RGPS, motivo por que fogem do escopo deste trabalho, cujo foco não está na regra geral, e sim na regra especial ou singular.
3 O benefício de pensão mensal vitalícia do “soldado da borracha”
Durante a Segunda Guerra Mundial (1939 a 1945), cerca de 100 mil brasileiros, em sua grande maioria nordestinos flagelados da seca, foram aliciados ou atraídos pela promessa de melhoria de vida formulada pelo Governo e recrutados para a extração do látex e produção da borracha na tropicalíssima Amazônia, contribuindo com o suado produto de seu trabalho como seringueiros para o esforço de guerra, pois a Ásia, dominada pelos japoneses, já não fornecia borracha suficiente para o Ocidente, voltando-se os olhos da comunidade internacional em guerra para o Brasil, que passou a fornecer mais do que fornecia antes do conflito para os países aliados. Essas pessoas ficaram conhecidas como “soldados da borracha”.
Um quadro da vida difícil dos seringueiros na Amazônia, cujo número já significativo fora engrossado pela vinda dos “soldados da borracha”, foi imortalizado pelo monumental EUCLIDES DA CUNHA, quando de sua viagem para o Acre, em 1904, como Chefe da Comissão de Reconhecimento das Nascentes do Rio Purus, merecendo transcrição o seguinte excerto, verbis:
“De feito, o seringueiro – e não designamos o patrão opulento, senão o freguês jungido à gleba das ‘estradas’ –, o seringueiro realiza uma tremenda anomalia: é o homem que trabalha para escravizar-se.
Demonstra-se esta enormidade precitando-a com alguns cifrões secamente positivos e seguros.
Vede esta conta de venda de um homem:
No próprio dia em que parte do Ceará, o seringueiro principia a dever: deve a passagem de proa até ao Pará (35$000), e o dinheiro que recebeu para preparar-se (150$000). Depois vem a importância do transporte, numa ‘gaiola’ qualquer de Belém ao barracão longínquo a que se destina, e que é, na média, de 150$000. Aditem-se cerca de 800$000 para os seguintes utensílios invariáveis: um boião de furo, uma bacia, mil tigelinhas, uma machadinha de ferro, um machado, um terçado, um rifle (carabina Winchester) e duzentas balas, dois pratos, duas colheres, duas xícaras, duas panelas, uma cafeteira, dois carretéis de linha e um agulheiro. Nada mais. Aí temos o nosso homem no ‘barracão’ senhoril, antes de seguir para a barraca, no centro, que o patrão lhe designará. Ainda é um ‘brabo’, isto é, ainda não aprendeu o ‘corte da madeira’ e já deve 1:135$000. Segue para o posto solitário encalçado de um comboio levando-lhe a bagagem e víveres, rigorosamente marcados, que lhe bastem para três meses: 3 paneiros de farinha de água, 1 saco de feijão, outro, pequeno, de sal, 20 quilos de arroz, 30 de xarque, 21 de café, 30 de açúcar, 6 latas de banha, 8 libras de fumo e 20 gramas de quinino. Tudo isto lhe custa cerca de 750$000. Ainda não deu um talho de machadinha, ainda é o ‘brabo’ canhestro, de quem chasqueia o ‘manso’ experimentado, e já tem o compromisso sério de 2:090$000.
Admitamos agora uma série de condições favoráveis, que jamais concorrem: a) que seja solteiro; b) que chegue à barraca em maio, quando começa o ‘corte’; c) que não adoeça e seja conduzido ao barracão, subordinado a uma despesa de 10$000 diários; d) que nada compre além daqueles víveres – e que seja sóbrio, tenaz, incorruptível; um estóico firmemente lançado no caminho da fortuna arrostando uma penitência dolorosa e longa. Vamos além – admitamos que, malgrado a sua inexperiência, consiga tirar logo 350 quilos de borracha fina e 100 de sernambi, por ano, o que é difícil, ao menos no Purus.
Pois bem, ultimada a safra, este tenaz, este estóico, este indivíduo raro ali, ainda deve. O patrão é, conforme o contrato mais geral, quem lhe diz o preço da fazenda e lhe escritura as contas. Os 350 quilos remunerados hoje a 5$000 rendem-lhe 1:750$000; os 100 de sernambi, a 2$500, 250$000. Total 2:000$000.
É ainda devedor e raro deixa de o ser. No ano seguinte já é ‘manso’: conhece os segredos do serviço e pode tirar de 600 a 700 quilos. Mas considere-se que permaneceu inativo durante todo o período da enchente, de novembro a maio – sete meses em que a simples subsistência lhe acarreta um excesso superior ao duplo do que trouxe em víveres, ou seja, em números redondos, 1:500$000 – admitindo-se ainda que não precise renovar uma só peça de ferramenta ou de roupa e que não teve a mais passageira enfermidade. É evidente que, mesmo neste caso especialíssimo, raro é o seringueiro capaz de emancipar-se pela fortuna.
Agora vede o quadro real. Aquele tipo de lutador é excepcional. O homem de ordinário leva àqueles lugares a imprevidência característica da nossa raça; muitas vezes carrega a família, que lhe multiplica os encargos; e quase sempre adoece, mercê da incontinência generalizada.
(...)
É natural que ao fim de alguns anos o ‘freguês’ esteja irremediavelmente perdido. A sua dívida avulta ameaçadoramente: três, quatro, cinco, dez contos, às vezes, que não pagará nunca. Queda, então, na mórbida impassibilidade de um felá desprotegido dobrando toda a cerviz à servidão completa. O ‘regulamento’ é impiedoso: ‘Qualquer ‘freguês’ ou ‘aviado’ não poderá retirar-se sem que liquide todas as suas transações comerciais...’ Fugir? Nem cuida em tal. Aterra-o o desmarcado da distância a percorrer. Buscar outro barracão? Há entre os patrões acordo de não aceitarem, uns os empregados de outros, antes de saldadas as dívidas, e ainda há pouco tempo houve no Acre numerosa reunião para sistematizar-se essa aliança, criando-se pesadas multas aos patrões recalcitrantes.”(32)
Daí bem se vê, pois, que se a vida desses homens não era pior que a “vida severina”, dos que morrem “de velhice antes dos trinta, de emboscada antes dos vinte, de fome um pouco por dia”, nas palavras do poeta JOÃO CABRAL DE MELO NETO, também não era melhor. Por iniciativa sobretudo louvável dos parlamentares da Amazônia – que eram dos poucos políticos que tinham consciência dessa triste realidade, bem assim de suas conseqüências sociais, absolutamente desconhecidas da grande maioria dos políticos, à exceção do saudoso DARCY RIBEIRO, sociólogos, juristas e diletantes do Brasil –, o Poder Constituinte de 1988 lançou então as luzes da ribalta merecidamente sobre esses protagonistas do desbravamento da Amazônia e da integração nacional do norte do país.
De fato, o art. 54, caput, do ADCT/88 estabeleceu uma pensão especial no valor de dois salários mínimos aos seringueiros recrutados nos termos do DL 5.813/43, que aprovava o acordo sobre recrutamento, encaminhamento e colocação de trabalhadores para a Amazônia, celebrado pelo Coordenador da Mobilização Econômica e pelo Presidente da Comissão de Controle dos Acordos de Washington com a Rubber Development Corporation (art. 1º), e amparados pelo DL 9.882/46, que autorizava a elaboração de um plano para a execução de um programa de assistência imediata aos trabalhadores encaminhados ao Vale Amazônico, durante o período de intensificação da produção da borracha para o esforço de guerra (art. 1º), vale dizer, para os “soldados da borracha”, desde que sejam carentes.
O sobredito benefício de pensão mensal vitalícia se estende também aos seringueiros que, atendendo a apelo do Governo brasileiro, contribuíram para o esforço de guerra, trabalhando na produção de borracha, na Região Amazônica, durante a Segunda Guerra Mundial, desde que também sejam carentes (art. 54, § 1º, do ADCT/88). Em outras palavras, estende-se aos seringueiros que já estavam na Amazônia e lá permaneceram durante o período da mencionada guerra, os quais, registre-se, eram a grande maioria e seus esforços é que definiam verdadeiramente a produção da borracha, motivo por que a eles também se convencionou usar indistintamente a designação de “soldados da borracha”.
Logo, trata-se de um benefício de natureza assistencial, e não previdenciária, sendo devido aos carentes, independente de recolhimento de contribuição previdenciária. Daí porque não gera o pagamento de gratificação natalina,(33) assim como o benefício assistencial de prestação continuada (art. 203, V, da CF e art. 20 da Lei 8.742/93) não gera o referido pagamento. Calha referir, neste ponto, que, apesar de o benefício ser nominado pensão, trazendo por isso mesmo à memória uma regra quase automática de que “pensão não gera pensão”, a pensão mensal vitalícia do seringueiro pode ser transferida aos dependentes, desde que estes também sejam carentes, nos termos do art. 54, § 2º, do ADCT/88 e do art. 2º da Lei 7.986/89, que regulamenta o referido dispositivo constitucional.
Para efeito deste benefício de legislação especial, é de ser considerado carente aquele que não possui meios para sua subsistência e da sua família. Tenho para mim que não se pode aplicar aqui, para efeito de verificação da hipossuficiência econômica, o critério previsto especificamente para o benefício assistencial de prestação continuada, vale dizer, ¼ do salário mínimo como renda familiar per capita, nos termos do que dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93. Isso porque, muito embora o Plenário do STF tenha considerado legítimo esse critério, por ocasião do julgamento da ADI 1.232,(34) o referido critério só prevalece para o benefício assistencial de prestação continuada regulamentado pela Lei 8.742/93, de modo que para os demais benefícios assistenciais, incluindo a pensão mensal vitalícia ora em análise, vale o critério estabelecido no art. 5º, I, da Lei 9.533/97, que autorizava o Poder Executivo a conceder apoio financeiro aos Municípios que instituíssem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas, e no art. 2º, § 2º, da Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação – PNAA, ou seja, ½ do salário mínimo como renda familiar per capita, mesmo porque mais consentâneo com a realidade e com o princípio da dignidade da pessoa humana.(35)
Vale salientar, neste passo, que têm direito à pensão vitalícia todos aqueles que participaram, durante a 2ª Guerra Mundial, do esforço de guerra para produção de borracha, ainda que há época não tivessem preenchido o limite mínimo de idade, seja para o serviço militar (18 anos), seja para o trabalho com carteira assinada (14 anos). De fato, tão comum como hoje é viver até os 75 anos, do mesmo modo era comum, há 75 até 50 anos atrás, a criança com cerca de 10 ou 12 anos de idade já ter responsabilidades para com o sustento da família, ou seja, não havia adolescência naquela época, como existe hoje, até porque naqueles tempos a expectativa de vida era bem menor e o amadurecimento do jovem ocorria bem mais cedo.
A propósito da comprovação da qualidade de “soldado da borracha”, calha referir que, muito embora a MP 1.663-15, de 22.10.1998, convertida na Lei 9.711/98, tenha alterado o art. 3º da Lei 7.986/89, passando a exigir início de prova material para efeito do recebimento da pensão mensal vitalícia, tal alteração deve ser interpretada com bom senso, ou seja, com os pés na realidade, de maneira a não inviabilizar a vontade inequívoca do Constituinte. Isso porque, em muitos casos, não há como se exigir prova material (lançamentos em conta-corrente do armazém/barracão do empregador, carteira de trabalho, documentos emitidos pela Comissão Administrativa de Encaminhamento de Trabalhadores para a Amazônia – CAETA, carteira de seringueiro, etc.) do exercício de uma atividade desenvolvida por pessoas que sequer sabiam ler,(36) há mais de cinqüenta anos, nos confins da selva amazônica e em regime de trabalho que tangenciava o crime tipificado no art. 149 do CP, qual seja, a redução à condição análoga à de escravo, particularmente considerada a interpretação autêntica dada a posteriori pelo legislador à referida norma, por meio da Lei 10.803/03.(37)
Nesse sentido, já decidiu o TRF 1ª Região, mantendo sentença que julgou procedente o pedido do Ministério Público Federal em ação civil pública ajuizada contra o INSS, com a finalidade de corrigir procedimento adotado pela Autarquia Previdenciária de não aceitar justificação judicial, sem início de prova material, na comprovação de atividade de seringueiro, exercida durante a 2ª Guerra Mundial.(38) Sobre a questão, faz-se absolutamente imprescindível registrar o seguinte excerto do voto do Relator, o Desembargador Federal EUSTÁQUIO SILVEIRA, no que se reporta à excelente manifestação ministerial nas contra-razões de apelo, acatando a tese de que as circunstâncias em que se deu o trabalho dos seringueiros traduzem o motivo de força maior ou caso fortuito referido no art. 54, § 3º, da Lei 8.213/91, a dispensar destarte início de prova material e autorizando assim a prova exclusivamente testemunhal, verbis:
“Conforme a justificação do projeto de Lei 1.370 – A, de 1983, que originou a Lei 7.986/89 regulamentadora da pensão mensal vitalícia, este fato não é só do conhecimento de toda nação como deve ser causa de diferenciado tratamento aos que dele participaram, verbis:
‘Ainda está presente, na memória nacional e patriótica, a contribuição dada pelos nominados ‘Soldados da borracha’, durante o período de guerra do último conflito mundial. Como é do conhecimento de toda Nação, o Brasil colaborou com países aliados, em projetos econômicos de grande significação para o esforço de guerra comum, além das participações efetivas no envio de tropas para os campos de batalha da Europa Ocidental. Uma dessas metas econômicas foi a da extração da borracha nos imensos vazios demográficos da Amazônia. Foi assim que, atraídos pelas promessas de melhoria de vida formulada pelo Governo, numerosos brasileiros, sobretudo da região nordestina, demandaram à inóspita região amazônica, empenhando-se no esforço de guerra a que se comprometera o País. Cremos ser despiciendo, nesta oportunidade, relembrar o que representou de sacrifícios, a participação desses brasileiros na epopéia da extração da borracha na região amazônica.
De fato, muito já foi escrito sobre esse assunto em que, ao lado da fantasia, não se pode negar, também, há grande dose de verdade que cerca os relatos impressionantes que, de modo geral, dominaram a existência daquela comunidade de verdadeiros abnegados.
Se, porém, temos orgulho de constatar que foram brasileiros os desbravadores da Amazônia, de outra parte, constrange-nos verificar que, até hoje, nada se fez em benefício daqueles pioneiros que sobreviveram à batalha da borracha, certamente tão cruenta como aquela que nossos pracinhas tiveram de enfrentar nos campos da Itália, nos espaços aéreos e no Atlântico Sul.’
Esses abnegados trabalhadores da borracha, seja oriundos do nordeste, seja do sul, seja da própria região, além de ter de enfrentar a inóspita realidade amazônica, viviam sob condições de trabalho absolutamente injustas, onde a quase totalidade se submetia aos caprichos dos donos dos seringais num sistema de ‘aviamento’, em que sua força de trabalho era trocada não por salário, mas por comida e mantimentos. Como se exigir que relações de trabalho injustas sejam comprovadas por documentos, e depois de cinqüenta anos!!!
Os próprios seringais já não mais existem, foram desativados. A economia da região hoje é baseada em incentivos para a indústria, como a Zona Franca de Manaus. A maioria dos seringueiros ou morreu ou vive miseravelmente nas grandes cidades. É o que se vê pelo relato dramático da situação desses sobreviventes, na justificativa da lei apresentada pela Deputada Federal Beth Azize, verbis:
‘Recrutados, encaminhados na Amazônia, pelo acordo de Washington com a Ruber Corporation, celebrado em 6 de setembro de 1943, o Decreto-Lei n. 5.813, de 14 de setembro de 1943, transformou amazônidas e nordestinos em soldados da borracha. Objetivo: deslocar brasileiros, assentando-os em seringais da Amazônia, com o fim de incrementar a produção da borracha, durante a Segunda Guerra Mundial.
Finda a guerra, estava resolvido o acordo oficializado entre o Governo brasileiro e Washington. No Brasil, um exército formado por soldados miseráveis entregues ao abandono, à fome e à distância intransponível por falta de recursos e de comunicação. Desativados os seringais, foram submetidos ao trabalho escravo, sem salário, sem o abrigo da legislação trabalhista, e ali envelheceram, e ali morreram. Os que conseguiram sobreviver, o fizeram longe das barrancas dos rios amazônicos, nas cidades, onde pelo avançar da idade não lhes restava mais nada a fazer. Não tiveram sequer o reconhecimento da nação.
Nenhum governo sensibilizou-se com o seu drama. De 100 mil que eram, hoje não sabemos quantos são, porque a maioria já morreu, muitos sobreviveram na mata e outros afavelaram-se nas grandes cidades. Em Manaus, eles chegam a 1.000, segundo estimativa grosseira. Quarenta e seis anos depois, a Constituinte de 1988, por iniciativa de parlamentares da Amazônia, sob olhares curiosos dos constituintes de regiões mais desenvolvidas, agasalha em suas disposições transitórias a concessão de pensão vitalícia aos ‘soldados da borracha’, estendendo-a a seus dependentes. A norma constitucional também resguardou a competência do Poder Executivo, assinando-lhe o prazo de 150 dias da promulgação, para propor a lei regulamentadora da concessão. O prazo terminou em 5 de março. O Congresso Nacional não pode continuar insensível a esse problema, cuja iniciativa de lei para regulamentar a concessão da pensão não vai aumentar em nada o déficit público, mas vai trazer a morte com dignidade de um punhado de brasileiros valorosos, que estiveram no mais feroz campo de batalha: a selva amazônica.’
É interessante notar que essa situação, que juridicamente se enquadra no conceito de caso fortuito e de força maior, porque baseada no decurso do tempo e nas condições injustas de trabalho, já foi considerada válida pelo INSS, em deferimentos de pensões baseadas somente em prova testemunhal. Como dissemos na inicial, e reconhecido pelo próprio órgão previdenciário nas razões de recurso, o INSS concedeu,durante sete anos, mais de 20.000 pedidos de pensão mensal vitalícia, reconhecendo na maioria o direito ao benefício somente com base na justificação judicial. E isto baseado numa interpretação sistemática da norma, lastreada por pareceres internos do órgão.”
Vale, portanto, para efeito da comprovação da qualidade de “soldado da borracha”, o mesmo raciocínio aplicável para os bóias-frias:(39) ubi eadem ratio, ibi eadem jus. O mesmo se diga sobre a possibilidade de ele manejar ação judicial independente de prévio requerimento na via administrativa, como mencionado alhures.
Impende salientar, neste passo, que, embora não haja vinculação do valor de benefício previdenciário ao número de salários mínimos, pois não há previsão de equivalência entre os indexadores do salário mínimo e os índices de reajuste dos benefícios previdenciários, o que ocorreu excepcionalmente tão-só no período de vigência do art. 58 do ADCT/88, tal ilação não é válida para a pensão mensal vitalícia do “soldado da borracha”. Com efeito, o referido benefício especial tem seu valor vinculado ao salário mínimo, de modo que deve corresponder sempre e sempre a dois salários mínimos, reajustando-se seu valor destarte na mesma data e pelos mesmos índices do salário mínimo, não se lhe aplicando pois os índices de reajuste dos benefícios previdenciários em geral (IPC-r, INPC, IGP-DI, etc).
A IN INSS/PR nº 11/06, que estabelece critérios a serem adotados pela área de Benefícios, veda a percepção cumulativa da pensão mensal vitalícia com qualquer outro benefício de prestação continuada mantido pela Previdência Social, ressalvada a possibilidade de opção pelo benefício mais vantajoso (art. 619). Ocorre que essa restrição – a qual se justificaria em tese na presunção de que a percepção de benefício previdenciário exclui a situação de carência para o seu titular – não encontra respaldo legal, sendo por isso mesmo ilegítima, pois não pode a Administração, por meio de ato regulamentar, inovar no mundo jurídico, impondo restrição inexistente na lei.(40) Desse modo, é possível a cumulação da pensão mensal vitalícia com aposentadoria rural por idade – como ocorre na maioria das vezes –, até porque os fatos jurígenos de uma e de outra são diversos. Entretanto, não se pode admitir, por exemplo, a cumulação com uma aposentadoria por tempo de serviço no valor hipotético de R$ 1.500,00, pois aí não há sequer a situação de carência a justificar a concessão da pensão mensal vitalícia, nos termos do que dispõe o art. 1º da Lei 7.986/89.
Cabe aqui um último registro, com ares de testemunho pessoal, no sentido de que apesar de tudo por que essa brava gente brasileira passou na exploração da Amazônia e vem passando até os dias atuais, em que os problemas da pobreza são parcialmente minorados antes pelo Bolsa Família do que pela existência de políticas públicas de efetiva inclusão social no norte do país, a esmagadora maioria dos “soldados da borracha” ainda mantém, com as peculiaridades de sua história pessoal, os valores humanistas e a alegria, que é a saúde da alma. Desse modo, sabendo que esta pensão mensal vitalícia, enquanto benefício assistencial, é proporcionada pelo dinheiro de todos nós, cidadãos brasileiros, tenho para mim que eles merecem esse benefício do Estado, pois, invocando CAMÕES, “Depois de procelosa tempestade, noturna sombra e sibilante vento, traz a manhã a serena claridade, esperança de porto e salvamento...”.
Impende salientar, à guisa de conclusão e de justificativa, que o sobredito registro advém da realidade apreendida durante o Juizado Especial Federal Itinerante de Sena Madureira/AC (audiências de instrução e julgamento realizadas em novembro de 2006), iniciativa louvável do TRF 1ª Região, cuja imensa área de jurisdição, a englobar aproximadamente 80% do território nacional, levou a Coordenação dos Juizados Especiais Federais – COJEF a implementar, a partir de 2002, os Juizados Especiais Federais Itinerantes como forma de a Justiça Federal resgatar a dignidade e concretizar a cidadania dos desassistidos nos rincões mais afastados e pobres do País.
Com efeito, muitas pessoas carentes vão requerer seu benefício previdenciário, gastando quantias de dinheiro que, apesar de pequenas, impactam sobremodo sua renda de sobrevivência e, quando chegam ao Posto do INSS, falta um determinado documento ou outra exigência qualquer, que elas desconheciam absolutamente, dado o seu contexto cultural adverso. Assim, em virtude do custo do retorno para cumprir a referida exigência, muitas vezes essas pessoas acabam deixando de lado o oneroso exercício de seus direitos previdenciários, o que levou inclusive à edição do Enunciado nº 80/FONAJEF, verbis:
“Em juizados itinerantes, pode ser flexibilizada a exigência de prévio requerimento administrativo, consideradas as peculiaridades da região atendida”.
Aí entra em cena o Juizado Especial Federal Itinerante que, além de oportunizar a essas pessoas carentes de recursos a rápida solução de suas demandas, representa economia daquele custo para requerer o benefício previdenciário no Posto do INSS e também na própria sede da Justiça.
Referências bibliográficas
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CECHIN, José. Livro Branco da Previdência Social. Brasília: MPAS/GM, 2002.
CLEMENTINO, Edilberto Barbosa. A aposentadoria rural por idade e as conseqüências do término do prazo de 15 anos previsto no art. 143 da Lei 8.213/1991. Revista de Previdência Social nº 308, São Paulo: LTr, jul. 2006, p. 475-491.
CUNHA, Euclides da. À Margem da História. Disponível em:
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DEMO, Roberto Luis Luchi. Jurisprudência Previdenciária. São Paulo: Ltr, 2003.
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STEPHANES, Reinhold. Reforma da previdência sem segredos. Rio de Janeiro: Record, 1998.
Notas:
1. Vide, a propósito, a primeira parte (Na Amazônia, Terra Sem História) do seu indispensável livro À Margem da História. Disponível em:<http://www.cce.ufsc.br/~nupill/literatura/margem.html> Acesso em: 30 jan. 2007.
2. Nesse sentido: “PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO DE PENSÃO POR MORTE DE TRABALHADORA RURAL. DESCABIMENTO. ÓBITO OCORRIDO ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI 8.213/91. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E IMPROVIDO. 1. Por força do princípio tempus regit actum, a lei que rege a concessão de benefício por morte é aquela vigente quando da ocorrência do fato gerador, ou seja, a data do óbito do segurado. 2. In casu, quando do óbito, em junho/1990, a legislação vigente – art. 298, parágrafo único, do Decreto 83.080/79 – exigia, para concessão do benefício de pensão por morte ao cônjuge varão de trabalhadora rural, a comprovação de que a falecida esposa fosse chefe ou arrimo de família. Precedentes do Supremo Tribunal Federal. 3. Recurso especial conhecido e improvido” (STJ, REsp 413.221, ARNALDO ESTEVES LIMA, 5ª T, DJ 18.12.2006). Vide também: TRF 4ª Região, AC 2000.04.01.087096-9, SERGIO TEJADA GARCIA, 5ª T, DJU 11.07.01.
3. Vide: STJ, EREsp 168522, JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, 3ª SEÇÃO, DJ 18.06.2001; e EREsp 246512, JORGE SCARTEZZINI, 3ª SEÇÃO, DJ 01.07.2004.
4. in Livro Branco da Previdência Social. Brasília: MPAS/GM, 2002, p. 90
5. TRF 4ª Região, AC 200004010016387, ELIANA PAGGIARIN MARINHO, 6ª T, DJ 04.07.2001.
6. TRF 4ª Região, AC 200404010044583, OTÁVIO ROBERTO PAMPLONA, 5ª T, DJ 16.03.2005.
7. TRF 4ª Região, EIAC 9604203932, RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, 3ª SEÇÃO, DJ 11.02.2004
8. Do contrário, ou seja, embora haja outra atividade, mas essa atividade não prepondera absolutamente sobre a atividade rural, a exemplo da atividade de costureira exercida nos horários de folga tão-somente para implementar a renda familiar, nesse caso não ocorre a descaracterização da qualidade de segurado especial. Confira-se: TRF 4ª Região, AC 200204010385225, LUCIANE AMARAL CORRÊA MÜNCH, Turma Suplementar, DJ 30.08.2006. Nesses termos é que deve ser compreendido o art. 9º, § 8º, I, do Decreto 3.048/99, o qual não considera segurado especial o membro do grupo familiar que possui outra fonte de rendimento, qualquer que seja sua natureza, com exceção de alguns benefícios previdenciários ali enumerados.
9. TRF 4ª Região, AC 200670990006753, JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, 6ª T, DJ 16.08.2006.
10. Do mesmo modo, “O fato de haver parceria estabelecida com empresa de abate de aves não descaracteriza o caráter de subsistência e indispensabilidade do labor dos membros da família.” (TRF 4ª Região, AC 2005.04.01.044365-2, JORGE ANTÔNIO MAURIQUE, Turma Suplementar, DJ 30.08.2006)
11. Já o produtor rural pessoa física, para ter direito aos benefícios previdenciários nos termos da Lei 8.213/91, deve contribuir sobre a receita bruta proveniente da comercialização de sua produção e, ainda obrigatoriamente, na forma como é obrigado o contribuinte individual. A disparidade, considerado o segurado especial, justifica-se no princípio constitucional da equidade na forma de participação no custeio da seguridade social (art. 194, p.u., V, da CF/88)
12. TRF 4ª Região, AC 200270050091607, OTÁVIO ROBERTO PAMPLONA, 2ª TURMA SUPLEMENTAR, DJ 05.10.2005.
13. “A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário” (Súmula 149/STJ). Merece registro aqui a técnica de decisão judicial segundo a qual o pedido de reconhecimento de atividade rural em determinado período desamparado de documento bastante a alcançá-lo, tem sido rejeitado e extinto o processo nesta parte sem resolução de mérito, nos termos do que dispõe o art. 267, VI, do CPC, ao invés de ser julgado improcedente, o que seria de rigor, nos termos do art. 269, I, c/c art. 333, I, ambos do CPC. No caso, a solução heterodoxa se justifica em virtude da natureza pro misero que informa o Direito Previdenciário. De fato, a aplicação da lei processual a ferro e fogo poderia resultar no não-reconhecimento de um direito efetivo do hipossuficiente, o que seria uma injustiça, consideradas as adversidades culturais inerentes ao meio de vida a que está submetido, as quais muitas vezes impedem ou dificultam a obtenção dos documentos comprobatórios do labor campesino à época do ajuizamento da lide originária. Aliás, tendo em conta justamente esse contexto adverso, é que a jurisprudência tem admitido, nas demandas visando à concessão de aposentadoria rural por idade, que os documentos preexistentes à decisão rescindenda, mas não encontrados à época ou cuja existência era ignorada, permitam a rescisão de julgado com fulcro no art. 485, VII, do CPC, adotando-se, nesses casos específicos, a solução pro misero. Nesse sentido: STJ, AR 843, FERNANDO GONÇALVES, 3ª SEÇÃO, DJ 04.12.2000; TRF 4ª Região, AR 200204010070767, VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS, 3ª Seção, DJ 13.09.2006.
14. STJ: REsp 231315, EDSON VIDIGAL, 5ª T, DJ 21.02.2000, e REsp 136842, VICENTE LEAL, 6ª T, DJ 15.09.1997.
15. TRF 4ª Região, AC 1999.71.08.007310-4, PAULO AFONSO BRUM VAZ, 5ª T, DJ 08.01.2003.
16. STJ, REsp 506959, LAURITA VAZ, 5ª T, DJ 10.11.2003, e “Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental.” (Súmula 73/TRF 4ª Região)
17. TRF 4ª Região, AC 2000.04.01.002219-3, JOÃO SURREAUX CHAGAS, 6ª T, DJU 21.6.00.
18. TRF 4ª Região, AC 2004.04.01.0329528, CELSO KIPPER, 5ª T, DJ 30.11.2005.
19. STJ, REsp 222682, HAMILTON CARVALHIDO, 6ª T, DJ 29.05.2000.
20. TRF 4ª Região, AC 2002.71.11.003831-0, ELOY BERNST JUSTO, 2ª TURMA SUPLEMENTAR, DJU 19.04.2006.
21. vide: STF, MI 183, MOREIRA ALVES, PLENO, DJU 28.2.1992, e STF, RE 167.474, MARCO AURÉLIO, 2ª T, DJ 17.04.1998. Confira-se também: TRF 4ª Região, AC 9104221133, MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE, TURMA DE FÉRIAS, DJ 18.03.1998.
22. Nesse sentido: TRF 1ª Região, REO 199937000082024, GONZAGA BARBOSA MOREIRA, 1ª T, DJ 30.08.2004.
23. TRF 4ª Região, AC 2003.70.04.001689-7, CELSO KIPPER, 5ª T, DJ 13.09.2006. Calha mencionar o exemplo constante do voto do relator: “se o segurado tiver implementado a idade mínima em 1997 e requerido o benefício na esfera administrativa em 2001, deverá provar o exercício de trabalho rural em um dos seguintes períodos: a) 96 meses antes de 1997; b) 120 meses antes de 2001; c) períodos intermediários (102 meses antes de 1998, 108 meses antes de 1999, 114 meses antes de 2000)”.
24. Vide meu Jurisprudência Previdenciária, São Paulo: Ltr., 2003, p. 159.
25. STJ: EREsp 175265, FERNANDO GONÇALVES, 3ª SEÇÃO, DJ 18.09.2000; e EREsp 502420, JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, 3ª SEÇÃO, DJ 23.05.2005. Vide também: TRF 4ª Região, AC 2006.72.99.000872-9, EDUARDO VANDRÉ O. L. GARCIA, 6ªT, DJU 23.08.2006.
26. Calha referir que a redação original do mencionado art. 55, § 2º, da Lei 8.213/91 foi alterada pela MP 1.523/96, que restringiu o cômputo “exclusivamente para fins de concessão do benefício previsto no art. 143 desta Lei e dos benefícios de valor mínimo”. Ocorre que o STF, no julgamento da ADIMC 1.664/UF, suspendeu a eficácia dessa expressão. Sinalizada a ilegitimidade da restrição, a Lei 9.528/97, lei de conversão da MP 1.523, restaurou sua redação original.
27. STJ, EREsp 576741, HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, 3ª SEÇÃO, DJ 06.06.2005.
28. STF, ADIMC 1.664, OCTAVIO GALLOTI, PLENO, DJ 19.12.1997.
29. STJ, AgRg no REsp 419601/SC, PAULO MEDINA, 6ª T, DJ 18.04.2005, TRF 4ª Região, EIAC 200104010252300, RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, 3ª SEÇÃO, J 12.03.2003
30. STJ, REsp 55438, LUIZ VICENTE CERNICCHIARO, 6ª T, DJ 03.04.1995.
31. TRF 4ª Região, AG 200604000204434, OTÁVIO ROBERTO PAMPLONA, Turma Suplementar, DJ 27.09.2006.
32. Livro À Margem da História, primeiro capítulo (Impressões Gerais) da primeira parte (Na Amazônia, Terra Sem História). Disponível em: <http://www.cce.ufsc.br/~nupill/literatura/margem.html> Acesso em: 30 jan. 2007.
33. TRF 1ª Região, AC 1999.01.00.068463-7, MIGUEL ANGELO DE ALVARENGA LOPES, 2ª TURMA SUPLEMENTAR, DJ 26.05.2004.
34. STF, ADI 1.232, Rel. p/ac. Ministro NELSON JOBIM, DJU 1º.06.2001. Valendo ressaltar, entretanto, que a jurisprudência, tanto do STJ bem assim dos TRFs, continua firme no sentido de se admitir a comprovação da carência no caso concreto por outros meios de prova. Vide, a propósito: STJ, REsp 756119, HAMILTON CARVALHIDO, 6ª T, DJ 14.11.2005; TRF 1ª Região, AC 200401990134556, NEUZA MARIA ALVES DA SILVA, 2ª T, DJ 13.07.2006; e TRF 4ª Região, EIAC 200170060006130, JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, 3ª SEÇÃO, DJ 12.07.2006. No mesmo sentido, a Súmula 11, da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais: “A renda mensal per capita familiar superior a ¼ (um quarto) do salário mínimo não impede a concessão de benefício assistencial previsto no art. 20, § 3º, da Lei 8.742 de 1993, desde que comprovada, por outros meios, a miserabilidade do postulante.”
35. Esse critério, porém, há de ser utilizado juntamente com aquele estabelecido no art. 617, I, da IN INSS/PR nº 11/06, qual seja, não auferir rendimento, sob qualquer forma, igual ou superior a 2 salários mínimos, aplicando-se no caso concreto o critério que for mais favorável ao trabalhador.
36. De fato, gerentes, guarda-livros e caixeiros eram dos poucos que, além do seringalista, tinham instrução e sabiam ler nos seringais.
37. Infelizmente, o trabalho escravo ainda existe no Brasil, porém de maneira mais sutil. A servidão por dívida, a retenção de documentos, as dificuldades de acesso e a presença de guardas armados nos locais onde o trabalho é exercido em condições subumanas, com absoluto desrespeito à dignidade da pessoa, continuam sendo as formas mais comuns de cerceamento da liberdade individual. Nos dias atuais, entretanto, a maioria dos trabalhadores encontrados em situação de escravidão foram arregimentados para desmatar e destocar áreas para servirem de pastagem, ou seja, atuam na atividade pecuária.
38. TRF 1ª Região, AC 200001000442553, EUSTÁQUIO SILVEIRA, 1ª T, DJ 20.09.2002.
39. A propósito, vale mencionar excerto do voto do Ministro LUIZ VICENTE CERNICCHIARO, por ocasião do julgamento do REsp 55.438/SP, 6ª T, DJ 03.04.1995, verbis: “o Poder Judiciário só se justifica se visar à verdade real. Corolário do princípio moderno de acesso ao Judiciário, qualquer meio de prova é útil, salvo se receber o repúdio do Direito. A prova testemunhal é admitida. Não pode, por isso, ainda que a lei o faça, ser excluída, notadamente quando for a única hábil a evidenciar o fato. Os negócios de vulto, de regra, são reduzidos a escrito. Outra, porém, a regra geral quando os contratantes são pessoas simples, não afeitas às formalidades do Direito. Tal acontece com os chamados 'bóias-frias', muitas vezes impossibilitados, dada à situação econômica, de impor o registro em carteira. Impor outro meio de prova, quando a única for a testemunhal, restringir-se-á à busca da verdade real, o que não é inerente do Direito Justo".
40. Nesse sentido: STJ, REsp 501.035, PAULO GALLOTTI, 6ª T, DJ 06.12.2004, e TRF 1ª Região, AC 2004.41.00.001324-7, JOSÉ AMILCAR MACHADO, 1ª T, DJ 29.05.2006. De se lembrar que, diversamente, em relação ao benefício assistencial de prestação continuada, há vedação legal expressa no art. 20, § 4º, da Lei 8.742/93, de modo que no caso então se justifica a não-cumulatividade.
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