A governância e o Princípio da Coerência: considerações preambulares

Autor: Antônio César Bochenek
Juiz Federal
Publicado na Edição 23 - 29.04.2008

Considerações iniciais

As condições complexas de pós-modernidade(1) determinam um novo e acelerado ritmo às inovações e às modificações da sociedade, que são cada vez mais constantes e dinâmicas. As sociedades plurais e abertas requerem algo a mais do que os conceitos clássicos. As exigências são cada vez maiores e mais diversificadas. Os cidadãos esperam que a classe política encontre soluções para os grandes problemas (ambientais, proteção civil, saúde pública, segurança, direitos humanos), ao mesmo tempo em que depositam menos confiança nas instituições e na política. Os sistemas jurídico-políticos, cada vez mais complexos e mal compreendidos, devem ser atualizados e remodelados sob pena de sucumbirem perante os mais diversos anseios sociais.

No direito, também há propostas de substituição, alteração ou aprimoramento dos velhos e dos recentes institutos jurídicos. É necessário responder aos novos problemas e empreender esforço para uma nova compreensão dos velhos problemas. O retorno ao conceito das velhas teorias sempre deve estar acompanhada de uma roupagem nova e adaptada à realidade do momento.

Assim, também ocorre com o constitucionalismo. O direito constitucional pode ser comparado à geologia que aumenta a sua massa rochosa como resultado das teorias da constituição, da ponderação dos princípios, da concretização dos direitos fundamentais, da democracia, do Estado de direito. Esses elementos representam estratos sedimentados e sedimentadores da mudança e da continuidade quanto aos temas, problemas e paradigmas do direito constitucional.(2) Ao lado, uma nova estratificação começa a ganhar consistência no campo do direito constitucional, porém os movimentos e contornos não são fáceis de identificar.

A teoria da constituição manteve uma relativa cumplicidade com o direito constitucional do Estado. Por isso, foi incapaz de responder ao "desencantamento" objetivista e ao materialismo de uma ordem global pautada pela lei do mercado, espaço virtual, e não somente pela lei fundamental, ou seja, a teoria da constituição não compreendeu a diferenciação funcional das sociedades complexas.(3)

As propostas de substituição do velho constitucionalismo(4) não se limitam aos desafios auto-referenciais do constitucionalismo societário. Surge um conceito-idéia de "good governance" no contexto do constitucionalismo global para empunhar a força normativa outrora atribuída à Constituição.(5) Trata-se de um conceito de enormes potencialidades para se compreender as instituições políticas de um novo Estado constitucional.(6)

1 As transformações dos conceitos

As teorias e os pensamentos dos séculos XVII e XVIII representaram uma profunda transmutação semântica de diversos conceitos estruturantes da teoria clássica das formas de Estado.(7) Por exemplo, o termo governo (government) significava a organização e o exercício do poder político, não se identificando com o poder executivo, como veio a acontecer nas doutrinas modernas da divisão de poderes.(8) Com a consolidação do constitucionalismo nos últimos dois séculos, a idéia de governo esteve atrelada ao poder executivo e à direção e à condução da política por meio da superintendência da administração pública.

Na concepção clássica, a idéia de governo é caracterizada por assimetria (escassez de participação), desigualdade (contraposição entre governantes e governados), unilateralidade (relações verticais hierárquicas e autoritárias), predomínio de valores coletivos (bem comum), inevitabilidade do recurso a meios de coerção.(9) Na dimensão negativa, o governo importa na não-prossecussão ou na má prossecussão das políticas de interesse público.

Ainda, é relevante anotar que as teorias e os direitos foram fundamentados em uma filosofia jurídica e política elaborada a partir da idade média até o iluminismo. As circunstâncias econômicas, políticas, sociais e culturais que cercaram o surgimento desse pensamento nada ou muito pouco tinham a ver com as idéias dos dias atuais sobre universalidade,(10) digitalização, privatização(11) e globalização.(12)

Também a "velha" teoria do Estado(13) revela falhas de atratividade teorética, dogmática e metódica. Isso nos leva à necessidade de recuperação teórica e política da categoria do Estado, especialmente pelas transformações mais recentes, que obrigam a um repensamento do próprio Estado e de suas relações globais, regionais e locais.(14)

A moderna concepção de Estado é influenciada por diversos fatores. Nos últimos anos os Estados perderam parte da capacidade de monitorar e controlar os fluxos de informações, capitais e mercadorias, principalmente em face dos avanços tecnológicos. Tais fatores atenuaram a rigidez do controle de fronteira. O velho "direito nas fronteiras" é "dissolvido" pelas quatro liberdades: de mercadorias, serviços, capitais, pessoas (esta ainda mais restrita). Por outro lado, alguns problemas ultrapassam as fronteiras, especialmente os relacionados com o meio ambiente e a criminalidade econômica.(15) A estrutura estatal garantidora dos direitos sociais está comprometida em suas possibilidades de responder adequadamente às demandas sociais. A "desmistificação" do Estado Social importa na mudança de paradigma. O paradigma jurídico-político, ainda hoje dominante na maior parte das análises e compreensões do Estado, caminha para ser substituído pelo paradigma econômico, prevalecente nas teorias econômicas, mas insuficientemente testado no domínio da teoria do Estado.(16) A soberania e a legitimidade dos Estados foram bastante comprometidas pela interdependência que se desenvolve com a globalização. Portanto, a legitimação de autoridade e da soberania política pode e deve encontrar suportes sociais e políticos a outros níveis – supranacionais e subnacionais – diferentes do "tradicional e "realístico" Estado-Nação.(17) Pode-se falar em crise conceitual do Estado.(18)

Nesse contexto, torna-se cada vez mais freqüente a celebração de acordos e tratados entre os Estados com a finalidade de adaptar-se à nova realidade e suprir a antiga soberania agora enfraquecida. Por exemplo, a União Européia, o Mercosul, os tratados sobre direitos humanos, entre outros.

Os Estados continuam exercendo forte importância sobre as relações político-sociais e têm uma presença decisiva na proteção dos seus cidadãos, ainda que o seu papel tenha sido reduzido. Contudo, começam a aparecer diversas falhas democráticas entre os Estados e as outras forças globais que afetam a vida de seus cidadãos (riscos ambientais, flutuações na economia e nas finanças, avanços tecnológicos).(19) Assim, os governos sofrem cada vez mais erosão de sua autoridade, em face das dificuldades de controlar os avanços tecnológicos e os fluxos transnacionais dos mercados de insumo, produção, finanças e consumo. As pressões oriundas por todos os lados são reforçadas por globalização, lei dos mercados, conhecimento científico, informações, inovações tecnológicas ou expressão do local.(20)

O declínio da confiança e da credibilidade no setor público e dos interesses na política por parte dos cidadãos conduziu a uma certa desilusão com a política tradicional.(21) São diversos os motivos que desencadearam esse processo, entre eles, a falta de eficácia e de eficiência dos sistemas de direção estatal,(22) a crise de ingovernabilidade gerada pela sobrecarga do Estado,(23) a perpetuação de processos políticos ortodoxos, maus governos(24) e as diferenças entre a plataforma da campanha eleitoral e a implementação das medidas após as eleições, os entraves burocráticos e os grupos com interesses políticos.(25) Logo, os cidadãos participam cada vez menos do processo político, além da ausência de interesse pelos assuntos políticos. Nesse contexto, o direito constitucional que se proclama a ele próprio como direito político também corre o risco de perda de credibilidade como direito de direção político- estatal.(26)

Portanto, os Estados ainda são atores vitais, mas também é certo que eles repassaram parte de suas atribuições ou delegaram significativas parcelas de suas competências (redução das garantias e redefinição do uso) para outros níveis de governo,(27) organizações internacionais e supranacionais ou setores privados especializados. Diversos Estados têm continuamente implementado programas de reforma que envolvem descentralização, privatização e desregulação. Setores e funções tradicionais do governo central e de seus ministérios ou departamentos são descentralizados para as usualmente chamadas "agências" com grande autonomia de ação e sujeitos ao menor controle direto de líderes políticos. A privatização cada vez mais alcança o setor social e educacional. A desregulação transforma o Estado em supervisor e coordenador de auto-regulações. Todas as mudanças visam reduzir as regras do setor público na vida econômica e social e mover as atividades de governo que permanecem em baixo nível,(28) ou seja, o Estado contemporâneo perdeu parcela da capacidade governativa. Assim, a soberania(29) tem se tornado dispersa entre diversos atores e, em conseqüência, também o direito constitucional.(30)

Por outro lado, a diferenciação funcional da sociedade em subsistemas auto-or¬ganizados e auto-regulados, que se coordenam horizontalmente entre si por meio de diferentes redes de interação e conexão, rompem as estruturas hierárquicas do Estado moderno.(31) A cada dia aumenta a participação da sociedade civil nos assuntos que eram considerados exclusivos dos governos. Quando a administração pública não apresenta respostas satisfatórias a um determinado problema, muitos atores não-estatais têm preenchido as lacunas com respostas que proporcionam contentamento, principalmente nas áreas de redistribuição, segurança e caridade. Os governos não detêm mais o monopólio sobre a legitimidade do poder, existem outras autoridades legitimadas que contribuem para a segurança da ordem e participam da regulação econômica e social.(32) Podem ser citados os orga¬nismos supranacionais, as instituições financeiras transnacionais, as compa¬nhias multinacionais, as entidades representativas de grupos de interesses e as organizações não-governa¬mentais, as associações e as igrejas, que têm uma presença cada vez mais decisiva no contexto global, incrementam a cooperação entre os Estados e participam na regulação internacional dos problemas globais políticos, econômicos, sociais, culturais, ambientais. Ao proclamarem as suas esferas da justiça, afirmam-se simultaneamente como categorias políticas universalizáveis, fazendo pelo menos concorrência às teorias normativas clássicas da política ou às teorias mais modernas da justiça.(33) A questão que se coloca é como os atores não-estatais e os regimes não-estatais podem ser incorporados no processo internacional de constitucionalização.(34)

Portanto, as dificuldades da manutenção e as insuficiências da concepção clássica do modelo de governo e de Estado estimulam a procura de novos mecanismos para a governabilidade e a direção política. Muitos desses mecanismos foram e estão sendo experimentados com sucesso na iniciativa privada pelas corporações e nos organismos internacionais. A incorporação na esfera pública, principalmente por meio da criação de elos de aproximação com a esfera privada, é uma tentativa de corrigir as deficiências dos sistemas jurídico-políticos, principalmente em face da nova concepção da sociedade e do Estado-Nação.

A antiga e a nova forma de condução de assuntos de governo são marcadas por diferentes características. A ação de governo clássica exclui a escolha de ação que não a sua (decisão top-down em nome da autoridade pública) e prevalece a gerência, a intendência. Na nova vertente privilegia-se a gestão coletiva da sociedade por meio de parcerias, redes, atores locais e globais na tomada de decisão e execução das políticas públicas. O respeito pelas regras aproxima-se do cumprimento espontâneo, sem coerção, apoiadas por determinadas causas de simples reconhecimento da legitimidade (acordo normativo ideal). Para atingir os seus objetivos procuram aproximar as esferas pública e privada(35) e compartilhar a informação, o saber, os recursos e as capacidades para desenvolver políticas e práticas mútuas nos interstícios da intervenção estatal ou interestatal sobre questões de interesse comum.(36) Portanto, o progresso político tende a transformar um bom governo na concepção tradicional em uma boa governância na concepção moderna. Em última instância, pode-se falar de governância sem governo(37) ou, ainda, em constitucionalismo sem o Estado.(38)

Assim, o novo constitucionalismo centrado nos atores sociais representa uma "nova estatalidade" com prevalência de novas formas de cooperação e comunicação entre, de um lado, os atores sociais e os interesses politicamente organizados, com o Estado e as organizações políticas estatais, de outro lado. Congrega novas formas indiretas de governar que são exercidas pela influência de vários processos auto-organizativos.(39) A cooperação e a interação dialógica entre a rede de novos atores(40) na direção política representam e implementam a nova forma de direção – good governance.(41) As linhas gerais de cooperação passam pela incorporação nas políticas públicas dos princípios da maior participação da sociedade civil, abertura, responsabilidade, transparência, partilha, eficiência e coerência.

2 Origem do termo governance e a sua tradução

A recente concepção de "good governance" tem origem no âmbito da economia ("corporate governance"(42) ou gestão empresarial) e na agenda política de desenvolvimento.(43) Na ordem jurídica internacional, insere-se no contexto da apresentação de propostas de reformas das organizações internacionais de âmbito global ("global governance") e no direito europeu ("european governance").

No início da década de 1990 o termo governance entrou para a literatura contemporânea.(44) A origem do termo é atribuída ao Banco Mundial, inicialmente no relatório de desenvolvimento mundial de 1989 e posteriormente nos relatórios de 1992, 1994 e 1997. A "good governance" foi caracterizada como condição para o desenvolvimento. O Fundo Monetário Internacional, a partir de 1997, também incorporou na sua política institucional as concepções de "good governance".(45)

Contudo, muitos autores clássicos, sem necessariamente utilizar a expressão governance, já tinham delineado os contornos e apontado elementos sobre o tema.(46) Por exemplo, Max Weber desenvolve o conceito de burocracia com o objetivo de facilitar o desenvolvimento. Por outro lado, a evolução do conceito da rede de governância é identificada como um emergente paradigma de gerenciamento em posição de contraste com o modelo burocrático weberiano de administração pública tradicional.(47)

No âmbito do direito europeu, a Constituição Européia prevê e consagra a expressão good governance no artigo I-50. As traduções oficiais dos documentos europeus utilizam as seguintes expressões em: inglês – "good governance", francês – "bonne gouvernance", espanhol – "buena gobernanza", neerlandês – "goed bestuur", dinamarquês – "gode styreformer", italiano – "buon governo", alemão – "verantwortungsvolle Verwaltung".

A expressão good governance geralmente é traduzida para a língua portuguesa como "boa governança",(48) "boa governação"(49) ou, ainda, em alguns casos, "boas práticas". A nosso ver essa não é a melhor tradução para a expressão. De acordo com os ensinamentos de Alexandra Aragão, a melhor tradução seria "boa governância".(50) O termo "governança", que provém do francês antigo (gouvernance), é semanticamente considerado sinônimo de governo (a governância é diferente de um simples governo mais eficaz) e, sobretudo, porque apresenta um sentido marcadamente pejorativo (as conotações depreciativas são relativamente freqüentes nas palavras acabadas em "ança").(51)

Assim, as expressões "boa governança" e "boa governação" não parecem aceitáveis, porque correspondem à idéia de governo em sentido clássico, embora influenciado por preocupações de maior justiça e eficácia. Portanto, em vez de defender uma evolução semântica do termo "governança", preferimos criar um neologismo para significar uma idéia que é nova: "a governância pretende ser uma nova resposta para novas preocupações, uma solução diferente para problemas especiais".(52)

A opção por "governância" vem na linha de tantos outros vocábulos de origem latina que, em português, mantém a terminação "ância" (sufixo que exprime a idéia de ação ou de resultado de uma ação).(53)

3 Conceito e os princípios da governância

O conceito de governância apresenta enormes potencialidades para a nova sedimentação constitucional. É um conceito em processo de formação, ainda sem consenso, que apresenta diferentes significados segundo vários autores.(54) Por isso, é prematuro lançar uma definição que sistematize e englobe a totalidade da esfera de abrangência do termo.

Trata-se de um conceito com uma arquitetura complexa.(55) Apresenta como características comuns o incremento da aplicação de diversas técnicas de governo, a combinação de níveis institucionais de governo (global, regional, nacional, local) e uma variedade de atores públicos e privados.(56) O conceito restrito de governância política tem um sinigificado de guia ou direção (Steuerungstheorie).(57)

A comissão sobre a global governance define a governância como a soma de diversas vias por meio das quais indivíduos e instituições, tanto da esfera pública como da esfera privada, conduzem seus negócios comuns.(58) Para a União Européia,(59) a governância designa o conjunto de regras, processos e práticas que dizem respeito à qualidade do exercício do poder no âmbito europeu, essencialmente no que se refere à abertura, à participação, à coesão, à responsabilidade, à transparência, à coerência, à eficiência e à eficácia. Aqui a governância é usada no sentido de extensão e boa conexão com a administração e o executivo.(60)

Na concepção restrita, a governância é um método/mecanismo para tratar de larga escala de problemas/conflitos em que os atores chegam regularmente à satisfação mútua e obtêm decisões pelas negociações e deliberações com todos os outros e cooperam na implementação dessas decisões. Outros utilizam uma abertura maior na definição e incluem as autoridades públicas e privadas.(61)

Canotilho entende que a boa governância significa, numa compreensão normativa, a condução responsável dos assuntos do Estado em todas as esferas, governo/administração, legislativo e judiciário; acentua a interdependência internacional dos Estados, colocando as questões de governo como problema de multilateralismo dos Estados e de regulações internacionais; recupera algumas dimensões do gerenciamento público; insiste em questões politicamente fortes como as da governabilidade, da responsabilidade e da legitimação.(62) Cabe, ainda, lembrar que a condução responsável dos assuntos do Estado por meio da boa governância passa pelo aprofundamento do contexto político, institucional e constitucional do respeito aos direitos humanos e aos direitos fundamentais.

Apesar da relativa indefinição quanto ao conteúdo da governância (alguns autores(63) falam em "cocktail nebuloso da nova governância"), numa primeira aproximação podemos dizer que a boa governância implica o estabelecimento de novos parâmetros para prossecução do interesse público,(64) por meio de novas vias menos autoritárias, hierarquizadas e formalizadas, com maior legitimidade, eficiência, cooperação, participação, transparência, abertura, responsabilidade e coerência.

A estatalidade moderna exige e requer o combate à opacidade e à inoperatividade das organizações de poder e a integração dos diversos níveis de poder. A boa governância valoriza a estatalidade moderna sem desligar-se dos princípios sedimentados ao longo do tempo (proteção de segurança e da confiança jurídica, da democracia representativa, do princípio da proporcionalidade, do acesso ao direito). A proposta visa temperar os princípios clássicos com métodos modernos de gestão, participação de todos os atores na tomada de decisões, desenvolvimento sustentável, sem esquecer das eventuais e possíveis conseqüências das atuais políticas para as gerações futuras.

As idéias acima expostas delineiam os princípios basilares da boa governância. Há ainda um enorme caminho para se percorrer na definição e na sedimentação desses princípios. A presente investigação pretende contribuir na identificação das idéias e contornos, em especial, sobre o princípio da coerência na boa governância. Para alcançar esse objetivo, é necessário tecer breves notas sobre os demais princípios da governância.

Os princípios da boa governância surgem como totalidades modeladoras e transempíricas, implicadores de integração de argumentos constitucionais, ligados à autoridade do direito oposto e de argumentos substantinvos ou prático-gerais, cuja força repousa em seu conteúdo.(65) Em relação à governância, reside uma carga maior de argumentos prático-gerais aos princípios que moldam a nova sedimentação constitucional.

O princípio da transparência, para além do já consagrado princípio da publicidade, promove uma visibilidade mais alargada, principalmente em relação aos procedimentos anteriores à conclusão da política executada. As autoridades públicas devem sempre apresentar as razões das suas decisões e garantir o livre acesso às informações, salvo quando confidenciais. Consiste na estratégia de comunicação ativa sobre as tarefas de governo e suas decisões. Procura utilizar uma linguagem acessível ao grande público e facilmente compreensível. Objetiva o aumento da legitimidade política. Outro princípio diretamente ligado à transparência é o princípio da abertura. A abertura significa que a governância deve abrir seu espaço de discussão e decisão para a participação dos atores e procurar soluções menos unilaterias e mais dialogadas, menos autoritárias e mais negociadas, menos impostas e mais participativas.(66)

Também é digno de nota o princípio da participação. A qualidade, a pertinência e a eficácia dependem de ampla participação em todo o processo político desde a projeção até a execução. Dependem principalmente da utilização e do incentivo, por parte da administração central, de uma abordagem aberta e abrangente. A democracia participativa representa um importante mecanismo para a interação entre o político e o social.(67) As decisões tomadas pela via da participação poderão guiar e justificar as escolhas dos instrumentos corretos no nível apropriado de intimidade de ação. Propicia o levantamento estruturado de informações de impacto positivas e negativas e ajuda a selecionar melhor a mais correta política a ser implantada.

O princípio da eficácia representa a força governativa que emprega meios adequados para a produção do efeito desejado, ou seja, os meios pelos quais se implantam a governância devem ser adequados aos fins que se pretende alcançar, visando à eficiência das medidas, ao efeito desejado e ao bom resultado.

O princípio da responsabilização compreende a imputação aos agentes, em todos os níveis, de todas as medidas políticas adotadas ou omitidas, que não satisfaçam os fins gerais.(68) Os agentes deverão ser responsabilizados pelos seus atos que não correspondam às diretrizes gerais norteadoras da boa governância. A responsabilidade é constitucionalizada como uma garantia das condições norteadoras do sistema político-jurídico e social, sob as quais podem coexistir as diversas perpectivas de valor, conhecimento e ação.(69) A redução e eliminação de todo tipo ou espécie de corrupção são buscadas pela responsabilização.

Esses princípios estão diretamente relacionados com o princípio da coerência, como veremos a seguir.

4 Princípio da Coerência

A primeira parte do presente trabalho evidencia as dificuldades da manutenção do sistema de governo clássico/tradicional e enfatiza as recentes grandes transformações ocorridas nos últimos anos. As instituições sozinhas já não são suficientes.(70) Canotilho aponta para uma crise de reflexibilidade que "pretende-se exprimir a impossibilidade de o sistema regulatório central gerar um conjunto unitário de respostas dotadas de racionalidade e coerência relativamente ao conjunto cada vez mais complexo e crescente de demandas ou exigências oriundas do ou constituídas no sistema social".(71)

As alternativas e os caminhos para a sustentabilidade e a operacionalidade do sistema de governância necessitam de uma coordenação integrada das ações, em diversos níveis e formas.

Alguns instrumentos legislativos já contemplam a coerência. Os atuais atos normativos da União Européia salientam a necessidade da implementação da coerência nas suas políticas.(72) Além das previsões expressas e até mesmo prescindindo delas, os sistemas normativos e políticos necessitam de coerência.

Para traçar o perfil do princípio da coerência é necessário delimitar os contornos do que representa a expressão coerência. A origem do termo é do latim cohaerentìa e está relacionado com significados fortes e abrangentes, tais como, conformidade; congruência; conexão; harmonia; ligação; e coesão.

No sentido jurídico-político é necessária a indagação: o que é a coerência? Por que, onde, quem, quando e como ela deve ser usada? Em termos gerais, o princípio da coerência tem a ver com a articulação sistemática entre o ato em causa e todo o sistema político-jurídico.(73) Portanto, a conceituação da coerência deve observar as variações de padrão de cada setor (público e privado), área (política, social, econômica, cultural), lugar (local, regional, nacional ou global).

A coerência deve ser verificada e aplicada a todo o momento. É importante observar as ações ocorridas no passado e aprender com os equívocos e as falhas. As omissões devem ser sanadas. Também deve considerar o estágio e o cenário atual e projetar as perspectivas e desejos futuros.

A coerência é necessária porque os sistemas são cada vez mais complexos e diversificados e os novos processos de hibridação aumentam as exigências sociais. As esferas de poder organizatório transcendem ao poder estatal e necessitam ser coordenados e integrados por meio de ações coesas. A coerência poderá apresentar soluções para encontrar a intensidade ideal de ligação entre os atores (estatais e da sociedade civil) que participam da rede de governância.

A análise do contexto em que as políticas públicas são implementadas revelam a ausência de mecanismos eficientes de convergência em torno da governância, que conduzam a um equilíbrio geral. Em regra, as instituições se preocupam ou valorizam as questões relacionadas com o objeto principal de sua atuação, sem se preocupar com o todo. É corrente na literatura e também no meio social que as políticas devem ser aplicadas de forma proporcional aos objetivos perseguidos e as decisões devem ser adotadas no nível mais adequado, eficiente e oportuno, para responderem às necessidades, sempre apoiadas na avaliação da experiência anterior e na projeção do seu impacto para o futuro. As políticas devem refletir o que ocorre na sociedade, como um espelho. No entanto, na prática nem sempre é assim que ocorre, e as políticas públicas são singulares, isoladas e, muitas vezes, refletem interesses particulares.(74)

Um elemento chave do declínio da confiança do setor público por parte dos cidadãos é a incoerência e a aparente inefetividade dos atos dos governantes. Muitas atividades do setor público são redundantes ou desperdiçadas, ao mesmo tempo em que poderiam ser preenchidos os furos na rede de segurança social, além de outros programas que poderiam ser trabalhados em conjunto e conexão. A ausência de coêrencia torna as despesas dos governos mais onerosas e menos eficientes no alcance dos seus objetivos. As crises, os riscos, as falhas e as reestruturações da rede de governância ocorrem a todo momento.(75) A avaliação desses obstáculos necessita ser analisada dentro de um processo integrado, que visa propor medidas apropriadas e coerentes.

Os atores que participam da rede de governância devem realizar suas ações de forma coerente. O exemplo deve partir dos atores principais e se irradiar para toda a sociedade e cidadãos, que devem participar ativamente do processo de condução dos assuntos públicos. No âmbito estatal, ultrapassa a administração pública e atinge o legislativo e o judiciário. No âmbito da sociedade civil, compreende as demais instituições, com destaque para ações das organizações internacionais, organizações não-governamentais e grandes empresas. Os cidadãos, em particular, também têm atribuições e responsabilidades importantes na participação diária da vida social e devem contribuir para a coerência do sistema.

A coerência pode ser compreendida como uma situação na qual todas as partes e ações do sistema estão bem juntas, conectadas, organizadas, de forma lógica e de fácil compreensão e clareza. Também assim deve se operar com a governância na organização da sociedade pelos mais diversos atores integrados para a consecução dos objetivos, mediante discussão, planejamento, execução e avaliação das políticas de forma clara, organizada, lógica, harmômica, concatenada, sem desprezar nenhuma hipótese de trabalho. A coerência também deve representar o harmonioso desenvolvimento de todas as atividades (econômicas, políticas, sociais, culturais, ambientais) em contínua, balanceada e equilibrada expansão do aumento do padrão de vida (não somente do melhor modo de vida, mas da qualidade de vida) e da homogenização dos estilos de vida, mas sempre reconhecendo a diversidade.

A coerência também implica liderança coesa e forte responsabilidade por parte dos agentes e das instituições, com a finalidade de garantir uma abordagem comum, lógica e sitematizada no âmbito do sistema complexo. Há um equilíbrio geral sustentado por várias redes de múltiplos equilíbrios entre as instituições públicas e privadas, encarregadas, na sua medida, de integrar as diferentes dimensões de governância. As instituições devem estabelecer como prioridade para a boa governância a implementação de modos estáveis e fortes de inter-relações coordenadas e estratégias sistêmicas. Para tanto é imprescindível criar condições e caminhos para a efetivação das medidas, principalmente relacionados aos princípios da boa governância (partilha, responsabilidade, eficiência, abertura, participação, transparência).

Também é salutar combinar os instrumentos políticos públicos com modernos métodos de gestão privada. A finalidade é obter melhores resultados e conduzir para a maior abertura aos atores sociais por intermédio da participação em todos os níveis, desde a cogitação até a posterior avaliação dos resultados das medidas adotadas. A coerência é necessária para a gestão adequada, responsável e sustentável dos recursos naturais, materiais e financeiros. A identificação das prioridades estratégicas e o cálculo da probabilidade de sucesso e falha são pontos essenciais para a posterior viabilidade de exeqüibilidade das medidas. A proporcionalidade deve ser articulada com a idéia de justa medida na condução dos assuntos da governância.

Nesse contexto, merecem particular atenção os grandes problemas, principalmente aqueles relacionados com a sociedade de risco.(76) Os problemas atuais são cada vez mais complexos, inter-relacionados e atingem uma escala global: ambientais - as mudanças climáticas, o aquecimento global, a biodiversidade, saúde pública e alimentar, a qualidade de vida (impactos químicos, físicos, sonoros); mercado – competição regional, mercado interno, proteção ao consumidor; inovações e tecnologia – telecomunicações, biotecnologia, tecnologia genética, informática. Esses e outros problemas exigem um desenvolvimento sustentável, integrado e planejado, principalmente por meio de uma política que vise à coerência entre todo o sistema e, ainda, privilegie os direitos fundamentais e humanos.

Para tanto, o contexto da boa governância requer a capacidade para estabelecer, implementar, monitorar e avaliar as ações. O primeiro passo é avaliar os resultados produzidos até o momento (aquilo que já está sedimentado) e fazer uma análise sobre a coerência na situação atual. Após, é necessário avaliar o que se quer para o futuro (não só o reconhecimento da igualdade, mas também da diferença, por meio da afirmação dos direitos humanos e também dos valores imateriais, multiculturalismo, interculturalidade, multietnicidade, pluralismo, eliminação das fronteiras) e identificar de forma mais clara os seus objetivos a médio e longo prazo. Mas nem tudo é fácil e simples. Por exemplo, o impacto das medidas e as previsões futuras são difíceis de serem mensuradas com precisão antes da implantação e podem ocorrer falhas. Aqui a coerência deve atuar próximo do princípio da precaução no desempenho do seu papel, em termos de análise e gestão de risco. Em segundo lugar, devem ser realizadas a monitoração e a avaliação constante, sucessiva e progressiva do desenvolvimento das políticas públicas. Em seguida, a atenção deve ser voltada para o desenvolvimento de estratégias de integração e implementação de novas medidas, com a conseqüente monitoração e avaliação.(77) A coerência deve ser verificada em todos os momentos desde a cogitação ou sugestão das propostas, passando por planejamento, elaboração, desenvolvimento e execução, avaliação, manutenção das medidas, até nas repercussões futuras. Todas essas medidas não afastam a imaginação e a criatividade que são relevantes no processo de inovação, mas apenas as condicionam ao todo.

A integração é um ponto chave para o sucesso do princípio da coerência. A integração torna-se mais difícil com a diversidade e o aumento das esferas de poder.(78) Para superar os obstáculos, a governância deve utilizar todos os instrumentos de integração: regulação, conformidade transversal, ajuda financeira, instrumentos fiscais, treinamento e troca de informação.(79) A integração deve ser progressiva, com a participação de todos os atores e balanceada por todos os instrumentos acima descritos. O sucesso da integração depende da coordenação dos atores e a utilização dos mecanismos de cooperação, compatibilidade, consistência e convergência. Aqui cabe o provérbio africano que diz: "para ires mais depressa vai sozinho, mas para ires mais longe vai em conjunto".

A articulação da coerência poderia levar à conclusão de que aumentaria a burocracia. Não se deve burocratizar demasiadamente para justificar a melhor coerência, ao contrário, almeja-se menos burocracia e mais resultados. A razoabilidade deve compatibilizar as medidas. O incremento da integração e a diminuição da burocracia estão relacionados com a delegação das atividades e uma gestão participativa. Na prática, é também uma forma de controle e de responsabilidade sobre as ações e omissões dos atores.

O princípio da coerência comporta duas dimensões.(80) A dimensão formal (pretende-se que a coerência seja demonstrada e visível para o público em cada medida política) e a dimensão substancial (a coerência de um ato mede-se pela melhor ou pior articulação do seu conteúdo com outros atos anteriores ou futuros).

A coerência formal deve estar presente no próprio ato político/jurídico, como forma de demonstração de sua justificação para com todos os envolvidos. Relaciona-se diretamente e é parte integrante do sistema de governância, juntamente com os princípios da publicidade, da transparência, da boa administração, do dever de fundamentação.

A coerência substancial ou material está relacionada com a necessidade de que cada nova medida adotada se articule lógica e harmoniosamente com as anteriores, de acordo com os anseios futuros, criando energias positivas e evitando contradições.(81) Pode ser ordenada em coerência interna, inter-relacional e sistêmica. Aragão divide a coerência substancial em interna ou vertical, externa ou horizontal e teleológica ou diagonal,(82) diferente da opção adotada neste trabalho. A classificação aqui proposta leva em consideração o ato específico e sua relação interna (coerência interna), com os outros atos do mesmo setor ou área (coerência inter-relacional) e com todos os outros atos dos sistemas político, jurídico, social, econômico, ambiental (coerência sistêmica). A coerência sistêmica pode ainda ser divida em coerência entre as esferas de poder (atores globais, regionais, nacionais, locais); coerência teleológica (fins das políticas públicas); coerência normativa (leva em consideração os instrumentos normativos constitucionais, legais, tratados internacionais e a regulação), coerência integrativa (para a promoção de medidas de integração progressiva, com a preservação das identidades ao mesmo tempo em que aproxima a igualdade – diversidades regionais, distribuição de renda, pluralismo, multiculturalidade, religiosidade).

A coerência interna refere-se à coesão, harmonia, lógica do ato em relação à sua gênese e aos seus propósitos no âmbito da mesma medida. Trata-se do primeiro estágio de verificação. A coerência é analisada de acordo com o conteúdo do ato e suas relações anteriores e futuras. No plano de fundo, implica a fundamentação do ato. É articulada para que o ato seja completo, evitando tanto as lacunas como as antinomias. A coerência é analisada segundo critérios da necessidade, adequação, proporcionalidade, congruência, qualidade. Por exemplo, a política sobre medicamentos enquanto a análise da coerência somente em relação à questão dos medicamentos.

A coerência inter-relacional refere-se à coerência de um ato ou de uma medida em relação a outros atos ou medidas da mesma área ou setor. Estabelece-se o confronto com as demais medidas em vigor e as perspectivas futuras (planejadas ou esperadas) dentro do espaço delimitado de abrangência. Da análise podem ocorrer três situações, a manutenção, retração ou ampliação da medida, mediante ajustes estruturais. Por exemplo, a análise da coerência da política de medicamentos com outras políticas públicas relacionadas à saúde, tais como consultas, exames, cirurgias, tratamentos alternativos, medicina preventiva e curativa, programas de saúde.

A coerência sistêmica relaciona-se aos fins gerais almejados pelo próprio sistema. A verificação da coerência do ato ou medida é realizada em comparação com todos os outros atos ou medidas, atuais ou futuros, de todos os sistemas (político, jurídico, social, econômico, ambiental). O objetivo é a perfeita integração do ato com todos os outros atos ou medidas políticas. O princípio da integração é fundamental para assegurar a coerência sistêmica.(83) Ainda, a coerência sistêmica pode ser divida em: entre as esferas de poder, teleológica, normativa e integrativa. Por exemplo, a análise da coerência da política de medicamentos deve ser verificada em harmonia e consonância com outras políticas direta ou indiretamente relacionadas. As políticas de esporte, segurança e ambiente influenciam diretamente na política de saúde pública. Às vezes pode ser mais coerente investir em políticas relacionadas com os esportes e o ambiente do que ter um gasto maior no futuro com políticas de saúde. As questões orçamentárias e financeiras condicionam a qualidade e a quantidade de políticas desenvolvidas, contudo não prescindem da análise da coerência.

A coerência entre as esferas de poder refere-se à coerência entre os atos ou medidas dos atores globais, regionais, nacionais ou locais, sejam públicos, sejam privados. A governância tem como condição exigida para os seus fins a inserção e a participação dos mais variados atores. A implicação imediata é partilha das competências e das responsabilidades, pela transferência de poderes (tradicionalmente detidos pelos poderes públicos de âmbito nacional) para novas entidades de âmbito regional, local ou internacional e ainda para novos atores públicos, privados ou mistos, que atuam isoladamente ou em parceria. A partilha de poder entre as diversas esferas obriga a verificação da coerência sistêmica, sempre condicionada às competências atribuídas a cada esfera de poder. Outro aspecto a ser considerado refere-se aos limites das diferentes esferas de poder, que são locais de disputa e podem gerar conflitos simultaneamente em dois ou mais lugares, também sujeitos a problemas distintos, gerando fenômenos de fricção. Os atos de diferentes níveis de poder e suas decisões devem manter a coerência entre os instrumentos utilizados como base para suas decisões e os princípios que ela informa. A coordenação vertical representa uma importante regra da coesão territorial para o melhoramento da coerência entre o desenvolvimento de políticas nos níveis local, regional, nacional e global.(84) Em termos gerais, revela-se mais coerente que as decisões sejam usualmente formadas no nível local ou regional, com uma política de coesão assegurada pelo nível central. Com efeito, os acordos verticais também implicam melhor coordenação horizontal. Por exemplo, as políticas de saúde pública são de responsabilidade de todos os atores e esferas de poder e a coerência deve prevalecer para a coesão entre as medidas adotadas. Não é coerente que todos ou nenhum dos atores tratem da mesma política de saúde ou da produção e distribuição dos mesmos medicamentos. Todos os atores deverão estar interligados para que haja coerência nos atos e medidas.

A coerência teleológica é aferida em relação aos fins amplos e gerais desejados para as políticas públicas, ou seja, os resultados positivos desejados. A verificação é realizada entre um ato ou medida concreta e os fins sociais gerais. É um conceito aberto e indeterminado que deve ser aferido de acordo com os anseios sociais pautados em cada época e com uma análise das implicações nas áreas mais diversificadas (costumes, tradições, religiões, ciência, cultura). A relação entre a medida a adotar e os fins específicos da mesma política está no âmbito da eficácia e da eficiência, e não da coerência. A coerência teleológica está fortemente relacionada com os resultados esperados e as futuras políticas. Portanto, é por meio de planos, projetos, programas, planejamentos, prognoses, estratégias, táticas que se vai estabelecer o fio condutor de todos os setores das políticas públicas. Desse apanhado de estímulos deve ser aferida a coerência sistêmica teleológica do novo ato ou medida. Por exemplo, em relação à política dos medicamentos almeja-se que os cidadãos tenham as melhores condições de saúde e qualidade de vida e necessitem no mínimo de medicamentos do futuro.

A coerência normativa deve considerar todos os instrumentos constitucionais, legais, tratados internacionais e regulatórios para verificar a correspondência e a compatibilidade normativa do ato ou da medida. A noção de governância é ligada consubstancialmente à idéia de regulação.(85) Os governos não detêm mais o monopólio para a edição de atos normativos, pois existem outras autoridades legitimadas que contribuem e participam da regulação econômica e social. Os atores sociais incrementam capacidade sobre parcela de força normativa e, por outro lado, aumentam as suas responsabilidades.(86) A utilização correta da combinação dos instrumentos para executar políticas públicas adequadas aos objetivos perseguidos limita a legislação aos seus elementos essenciais. Os atores sociais contribuem com a sua regulação para o gerenciamento dos negócios públicos. Também os contratos, por sua especialidade e pontualidade, podem melhor considerar as condições locais e regionais. A regulação e os contratos representam um forte instrumento complementar do sistema normativo. A articulação entre os níveis legislativos justifica uma nova teoria do pluricentrismo da produção legislativa (v.g. os novos quadros legislativos da União Européia – artigos I-33 e ss) e obrigará fundamentalmente a uma coerência sistêmica dos ordenamentos constitucionais em rede com os outros níveis de emanação legislativa (supranacional, regional, local), e não o regresso ao paradigma de lei estatal.(87)

Para já, é necessário estabelecer as parcelas mínimas de competência legislativa, de acordo com as melhores condições de implementações das políticas públicas. A integração e o apoio entre os níveis de poder são imprescindíveis para alcançar resultados satisfatórios. Quando não houver determinação expressa sobre a competência legislativa, as instituições devem adotar medidas de acordo com a coerência sistêmica, respeitando as determinações aplicáveis e o princípio da proporcionalidade, por meio de um contínuo processo de intercâmbio e informação entre os órgãos legislativos (União Européia, Mercosul e Parlamentos Nacionais).

A coerência integrativa visa à promoção de medidas de integração progressiva, com a preservação das identidades ao mesmo tempo em que as aproxima da igualdade. Pontos díspares entre os Estados, entidades e instituições devem ser conduzidos à convergência pela integração. As diversidades regionais, a desigual distribuição de renda, o pluralismo, a multiculturalidade, a diversidade religiosa e étnica são pontos a serem tratados com muito cuidado e coerência dentro do processo de integração. A coesão territorial é um importante meio para a redução das desigualdades ou atraso no desenvolvimento, que contribui para o melhoramento das condições de vida.

Considerações finais

A governância inseriu na cena política a participação de novos atores e modernas técnicas de gestão administrativa para a condução responsável dos assuntos do Estado, pautadas nos princípios da transparência, da abertura, da responsabilidade, da eficácia, da eficiência e da coerência. São conceitos com enormes potencialidades e o caminho de sedimentação é incrementado a cada dia, principalmente por novos anseios e perspectivas da sociedade cada vez mais complexa.

A realidade social não comporta mais uma única estrutura central. As esferas de poder são partilhadas entre vários atores públicos e privados, promovendo uma alteração no conceito de constitucionalismo. Peço vênia para utilizar as precisas palavras de Canotinho: "como se vê, a good governance não é uma constituição nacional, supranacional ou global. Talvez se possa dizer que é um novo princípio estruturante, multilevel constitutionalism".(88)

Nesse cenário, o princípio da coerência merece destaque. A integração dos diversos atores, em diferentes níveis de poder, e a escolha das melhores medidas devem ser condicionadas pelas relações harmônicas, coesas, lógicas, estruturadas, congruentes, ou seja, as medidas devem ser condicionadas pela coerência entre todas as atividades atuais e os desejos futuros.

Por fim, as considerações preambulares esboçadas no presente trabalho lançam questionamentos e apontam trilhas por onde a coerência deve se deslocar, mas ainda não respondem a contento como devem se portar os atores para atingir o máximo de resultados que a coerência pode proporcionar aos sistemas político-jurídicos. Também é relevante o estudo de questões práticas de aplicação do princípio. Assim, as pistas aqui desenvolvidas podem estimular a abertura de novas frentes de pesquisa sobre o princípio da coerência na boa governância.

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Notas:

1. CANOTILHO, J. J. Gomes. "Brancosos" e interconstitucionalidade. Itinerários dos discursos sobre a historicidade constitucional. Coimbra: Almedina, 2006. p. 127-128.

2. CANOTILHO, J. J. Gomes. "Brancosos"..., cit., p. 326.

3. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 1346. De acordo com o autor (p. 1347-1355), tudo isto colocou uma série de problemas à teoria da constituição: de inclusão, de referência, de reflexibilidade, de universalização, de materialização do direito, de reinvenção do território, de "tragédia", de fundamentação: princípios ou paradoxos, de simbolização, de complexidade e de risco.

4. Alguns autores falam da necessidade de um novo constitucionalismo que transcenda as relações convencionais, intergovernamentalmente estabelecidas entre os Estados. HUEGLIN, Thomas O. Government, governance, governability. In: The transformation of governance in the European Union. Beate Hohler-Koch and Rainer Eising (eds.). London. 1999. p. 253.

5. CANOTILHO, J. J. Gomes. "Brancosos"..., cit., p. 325.

6. "A questão que se põe no primeiro plano, neste início de século, não é a da transição do Estado Democrático de Direito para um direito mundial heterárquico ou uma política interna mundial supra-ordenada’, mas sim referente aos novos papéis, tarefas e possibilidades do Estado Democrático de Direito em uma sociedade mundial heterárquica, que se torna cada vez mais dinâmica e flexível". (NEVES, Marcelo. Entre Têmis e Leviatã: uma relação difícil. O Estado Democrático de Direito a partir e além de Luhmann e Habermas. São Paulo: Martins Fontes. 2006. p. 283)

7. TEUBNER, Gunther. Societal Constitutionalism: Alternatives to State-Centred Constitutional Theory? In: Transnational Governance and Constitutionalism. Christian Joerges, Inger-Johanne Sand and Gunther Teubner (eds.). Oxford and Portland Oregon: Hart Publishing, 2004. p. 4.

8. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional..., cit., p. 54.

9. CHEVALLIER, Jacques. A governança e o direito. Revista de direito público da economia. n° 12. 2005. Belo Horizonte. p. 129.

10. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional ..., cit., p. 1349.

11. TEUBNER, Gunther. Op. cit., p. 4.

12. ARNAUD, André-Jean. O direito entre modernidade e globalização. Lições de filosofia do direito e do Estado. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 28.

13. O artigo 1° da Convenção de Montevidéu de 1933 definiu quatro elementos fundamentais na definição de um Estado: uma população permanente, um território definido, um governo e a capacidade de estabelecer relações com outros Estados. O governo é o órgão que exerce soberania sobre o território em nome do Estado, concebido segundo a ordem inaugurada pelo Tratado de Westfalia. DAN, Wei. Globalização e interesses nacionais: a perspectiva da China. Coimbra: Almedina, 2006. p. 105. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional..., cit., p. 89-100.

14. CANOTILHO, J. J. Gomes. Precisará a teoria da Constituição Européia de uma teoria do Estado? In: Colóquio Ibérico: Constituição Europeia – homenagem ao doutor Francisco Lucas Pires. Coimbra: Coimbra, 2005. p. 672-673. O novo papel do Estado passa pela posição do Estado-supervisor ou estrategista (cabe ao Estado prever e definir em termos estratégicos as responsabilidades quanto à resolução das dissonâncias cognitivas do sistema político e social); Estado-garantidor (Estado garantia pós-privatizações); Estado-regulador (Estado institucionalizador de entidades independentes às quais é reconhecida a competência para definir e estabelecer os esquemas regulativos das regras do jogo e de dirimir conflitos em domínios setoriais); Estado contratualizador (para acentuar o "novo Estado administrativo" que estabelece relações contratuais com os seus funcionários à semelhança do setor privado); ou Estado econômico (em substituição do Estado financeiro e fiscal para pôr em relevo a passagem da centralidade político-financeira para a centralidade econômica, ancorada no orçamento, com a conseqüente substituição do orçamento anual pelo orçamento plurianual, dos sistemas de controle preventivo de despesas pelos sistemas de controle posterior baseados na avaliação da eficácia e da boa utilização dos recursos financeiros e do desempenho, segundo métodos de gestão privada).

15. NEVES, Marcelo. Op. cit., p. 221-222.

16. CANOTILHO, J. J. Gomes. "Brancosos" ..., cit., p. 127-128.

17. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 1369.

18. MORAIS, José Luis Bolzan de. Crises do Estado, democracia política e possibilidades de consolidação da proposta constitucional. In: Entre discursos e culturas jurídicas. Coimbra: Coimbra, 2006. p. 32.

19. Sobre democracia, Estado-Nação e o sistema global ver: HELD, David. Models of Democracy. 3. ed. Cambridge: Polity Press, 2006. p. 290-310.

20. "Ao mesmo tempo em que se faz cada vez menos presente em razão do aparecimento de autoridades concorrentes, o Estado consegue se reforçar no decorrer desta dinâmica complexa que se estabelece entre o global e o local. E ele o faz, no essencial, segundo modalidades de produção da norma jurídica tradicional". ARNAUD, André-Jean. Op. cit., p. 178.

21. BOGASON, Peter; MUSSO, Juliet A. The Democratic Prospects of Network Governance. In: American Review of Public Administration. n. 36. 2006. p. 3-18.

22. "Uma das características da crise é que ela se "retroalimenta": Quanto menor a eficácia das políticas, mais decresce a credibilidade e o apoio popular; à medida que aumenta a contestação popular, é cada vez mais complicado assegurar a eficiência e a eficácia das políticas". ARAGÃO, Alexandra. A governância na Constituição Européia: uma oportunidade perdida? In: Colóquio ibérico: Constituição Européia – homenagem ao doutor Francisco Lucas Pires. Coimbra: Coimbra, 2005. p. 109.

23. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional..., cit., p. 1348.

24. Para Manuel Alcantara Saez, o que caracteriza os "maus governos" é o "legado do passado autoritário (...), a esclerose governamental, os desajustamentos institucionais (...), o desenho de políticas inadequadas, e até demasiado dispendiosas e ineficientes, a incapacidade de garantir um crescimento econômico sustentado, o bloqueio das decisões dos dirigentes (...), a disfunção na representação dos cidadãos no sistema político, a falta de confiança destes no sistema político apesar da sua recente incorporação massiva no sistema político (e talvez por essa razão), o descrédito da política como nicho gerador de corrupção difícil de controlar" (SAEZ, Manuel Alcantara. Gobernabilidad, crisis y cambio. Elementos para el estudio de la gobernabilidad de los sistemas políticos en épocas de crisis y cambio. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1994. p. 15).

25. PETERS, B. Guy. Back to the Centre? Rebuilding the State. Political Quartery. n° 75. 2004. p. 130.

26. CANOTILHO, J. J. Gomes. A governance do terceiro capitalismo e a constitução social. (considerações preambulares). In: Entre discursos e culturas jurídicas. Coimbra: Coimbra, 2006. p. 152.

27. Sobre multi-level governance na União Européia ver o relatório do Grupo de Trabalho 4c: . Acesso em: 25 jul. 2004.

28. PETERS, B. Guy. Back. Op. cit., p. 130.

29. SCHOLTE, Jan Aart. Globalization and Governance. In: Identity, Rights and Constitutional Transformation. Patrick J. Hanafin; Melissa S. Williams (eds.). Broofield: Ashgate, 1999. p. 137-139

30. SAND, Inger-Johanne. Polycontextuality as an alternative to constitutionalism. In: Transnational Governance and Constitutionalism. Christian Joerges, Inger-Johanne Sand and Gunther Teubner (eds.). Oxford and Portland Oregon: Hart Publishing, 2004. p. 45.

31. FARIA, José Eduardo. O direito na economia globalizada. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 282.

32. SENARCLENS, Pierre de. Mondialization, Souveraineté et Théories des Relations Internationales. Paris: Armand Colin, 1998. p. 199-201.

33. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional…, cit., p. 1349.

34. TEUBNER, Gunther. Op. cit., p. 6.

35. SCHEPEL, Harm. The rise of private governance: Functional differentiation and economic globalization. In: Transnational Governance and Constitutionalism. Christian Joerges, Inger-Johanne Sand and Gunther Teubner (eds.). Oxford and Portland, Oregon: Hart Publishing, 2004. p. 403-414.



36. ARNAUD, André-Jean. Op. cit., p. 188.

37. Cfr: ROSENAU, James N.; CZEMPIEL, Ernst-Otto. Governance without Government: Order and Change in World Politics. Cambridge: Cambridge University Press, 1992. RHODES, Raw. The new governance: governing without governance. Political Studies. n. 44. 1996. p. 652-667.

38. TEUBNER, Gunther. Op. cit., p. 3-28. Ver também: RABKIN, Jeremy A. Law without Nations? Why Constitutional Government Requires Sovereign States. Woodstock: Princeton University Press, 2007.

39. BOGASON, Peter; MUSSO, Juliet A. Op. cit., p. 7.

40. Sobre os novos atores ver: WOODS, Ngaire. Global Governance and the role of institutions. In: Governing Globalization. Power, authority and global governance. HELD, David; McGREW, Anthony (eds.). Cambridge: Polity Press, 2005. p. 26-29.

41. CANOTILHO, J. J. Gomes. A governance..., cit., p. 154.

42. "Em 13 de Maio de 1992, o American Law Institute adoptou e promulgou os Principles of Corporate Governance que constituem um modelo de regulamentação jurídica sobre variados temas do governo das sociedades. Não são uma lei. São uma proposta de regulamentação que poderá ser acolhida pelos tribunais, pelos legisladores estaduais e pela sociedade civil. São soft law. Constituem um vetor de uniformização do direito societário norte-americano extremamente relevante". (NUNES, Pedro Caetano. Corporate governance. Coimbra: Almedina, 2006. p. 60-61). Sobre corporate governance: American Law Institute. Principles of corporate governance: analysis and recomendations. St. Paul: American Law Institute Publishers, 1994.

43. A compreensão político-normativa de good governance tem a ver com a política econômica de desenvolvimento cristalizada no Consenso de Washington, centrada no problema de os Estados demonstrarem (ou não) capacidade para gerirem problemas financeiros e administrarem seus recursos. John Williamson criou a expressão "Consenso de Washington", no final da década de 1980, originalmente para descrever recomendações relativamente específicas às prescrições da política econômica que considerou constituir um pacote "padrão" da reforma promovido para países em crise econômica por instituições com sede em Washington (Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial, Departamento do Tesouro dos Estados Unidos). Desde então a expressão "Consenso de Washington" fugiu ao controle de seu criador e vem sendo usada para abrigar todo um elenco de medidas e para justificar políticas neoliberais.

44. KOOIMAN, J. Social-political governance: Introduction. In: Modern governance: New government-society interactions. J. Kooiman (eds.). London: Sage, 1993. p. 1-6.

45. BOTCHWAY, Francis N. Good governance: the old, the new, the principle, and the elements. In: Florida Journal of international law. v. 13. n. 2. 2001. p. 163-164. O autor, ainda, cita a utilização da governance como principal fator para o desenvolvimento por diversas organizações internacionais financeiras e de desenvolvimento, entre elas: Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (UNDP); Organização para cooperação e desenvolvimento econômico (OECD); Banco de desenvolvimento africano; Banco de desenvolvimento Asiático.

46. Entre eles Thomas Hobbes, Jean J. Rousseau, Montesquieu, Machiavelli, Confucius, Adam Smith, Karl Marx e muitos outros. BOTCHWAY, Francis N. Op. cit., p. 165.

47. Cfr. BOGASON, Peter; MUSSO, Juliet A. The Democratic Prospects of Network Governance. American Review of Public Administration. n. 36. 2006.

48. Designadamente no Livro Branco da Comissão Européia sobre Governança Européia (COM [428] final, de 25 de julho de 2001), denomina o termo "boa governança" para designar os princípios fundamentais da governança européia.

49. Constituição Européia no artigo I-50, sobre a transparência dos trabalhos das instituições, diz: "a fim de promover a boa governação e assegurar a participação da sociedade civil, a actuação das instituições, órgãos e organismos da União pauta-se pelo maior respeito possível pelo princípio da abertura".

50. ARAGÃO, Alexandra. Op. cit., p. 105-107.

51. Aliás, o sufixo "ança" transmite, por vezes, a idéia de quantidade excessivamente grande ou exagerada, como em comilança, embirrança, fartança, festança, matança, mimança, tardança, etc...

52. ARAGÃO, Alexandra. Op. cit., p. 107.

53. Em inglês foram transformados em "ance". Exemplos: abundance, ambulance, circunstance, concomitance, connivance, consonance, descendence, discordance, distance, elegance, exorbitance, exuberance, fragance, ignorance, insignificance, instance, obeisance, observance, penance, preponderance, relevance, relutctance, repugnance, resistance, ressonance, substance, tolerance, vigilance.

54. Sobre o conceito de governância: Rhodes defende que o termo governance é popular porém impreciso e apresenta pelo menos seis significados: estado mínimo, governância corporativa, novo gerenciamento público, boa governância, sistema sociocibernético e organização de redes. RHODES, R.A.W. The new governance: governing without governance. Political Studies. n° 44. 1996. p. 652-667. Posteriormente Rhode e Bevir apresentam sete usos relevantes para governance: governância corporativa, novo gerenciamento público, boa governância, interdependência internacional, sistema sócio-cibernético, nova política econômica, organização em redes. BEVIR, Mark: RHODES, R.A.W. Interpreting Briths Governance. London: Routledge. 2003. p. 45-54. Ver ainda conceitos em: LYALL, Catherine; TAIT, Joyce. New Modes of Governance. Developing an integrated policy approach to science, technology, risk and the environment. Edinburgh: Ashgate, 2005. p. 4-5. BARON, Catherine. La gouvernance: débats autour d’un concept polysémique. Droit et Société. N. 54. 2003. p. 329-352.

55. KOENIG-ARCHIBUGI, Mathias. Mapping Global Governance. In: Governing Globalization. Power, authority and global governance. HELD, David; McGREW, Anthony (eds.). Cambridge: Polity Press, 2005. p. 60-63.

56. SAND, Inger-Johanne. Op. cit., p. 44.

57. MAYNTZ, Renate. La teoria della governance: sfide e prospettive. Rivista Italiana di Scienza Política. n. 1. apr. 1999. p. 4.

58. Commission on Global Governance. Our Global Neighborhood. New York: Oxford University Press, 1995. p. 2. (Tradução do autor).

59. White Paper on European Governance. 2001.

60. SAND, Inger-Johanne. Polycontextuality as an alternative to constitutionalism. In: Transnational Governance and Constitutionalism. Christian Joerges, Inger-Johanne Sand and Gunther Teubner (eds.). Oxford and Portland Oregon: Hart Publishing. 2004. p. 47.

61. Sobre a definição de governance: ROSENAU, James N. Governance in a New Global Order. In: Governing Globalization. Power, authority and global governance. HELD, David; McGREW, Anthony (eds.). Cambridge: Polity Press, 2005. p. 71-73. LAKE, David A.; KAHLER, Miles. Governance in a Global Economy. Political Authority in Transition. Woodstock: Princeton University Press, 2003. p. 3-15.

62. CANOTILHO, J. J. Gomes. "Brancosos"…, cit., p. 327.

63. GIESEN, Klaus-Gerd. The post-national constellation: Habermas and "the second modernity". Res Public. A journal of legal and social philosophy. n. 10. 2004. p. 8.

64. ARAGÃO, Alexandra. Op. cit., p. 111.

65. CANOTILHO, J. J. Gomes. Princípios: entre a sabedoria e a aprendizagem. Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra. Vol. LXXXII. Coimbra: Coimbra Editora. 2006. p. 1-14.

66. ARAGÃO, Alexandra. Op. cit., p. 133.

67. Sobre a democracia participativa ver: SANTOS, Boaventura de Sousa (Org.). Democratizar a Democracia: Os caminhos da democracia participativa. Porto: Afrontamento. 2003. SANTOS, Boaventura de Sousa. Democracia e participação: o caso do orçamento participativos de Porto Alegre. Porto: Afrontamento. 2002.

68. ARAGÃO, Alexandra. Op. cit., p. 146-148.

69. CANOTILHO, J. J. Gomes. "Brancosos"..., cit., p. 129.

70. Mesmo que as instituições fossem suficientes, o excesso estrutural do poder do Estado gera relações diferentes de poder, as quais o próprio Estado posteriormente deve solucionar. No mesmo sentido: ZIZEK, Slavoj. Bem-vindo ao deserto do real. Lisboa: Relógio D´Água, 2006. p. 44-45.

71. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional... cit., p. 1348.

72. O artigo I-19, n° 1 ("1. A União dispõe de um quadro institucional que visa: [...] – assegurar a coerência, a eficácia e a continuidade das suas políticas e de suas ações"), da Constituição Européia e ainda o artigo III-115 ("A União assegura a coerência entre as diferentes políticas e acções previstas na presente parte, tendo em conta os seus objetivos na globalidade e de acordo com o princípio da atribuição de competências."), que estava já presente no artigo 3° do Tratado da União Européia ("A União dispõe de um quadro institucional único, que assegura a coerência e a continuidade das ações empreendidas para atingir os seus objetivos, respeitando e desenvolvendo simultameamente o acervo comunitário. A União assegurará, em especial, a coerência do conjunto da sua ação externa no âmbito das políticas que adotar em matéria de relações externas, de segurança, de economia e de desenvolvimento. Cabe ao Conselho e à Comissão a responsabilidade de assegurar essa coerência, cooperando para o efeito. O Conselho e a Comissão assegurarão a execução dessas políticas de acordo com as respectivas competências"). No Livro Branco: "As políticas e as medidas deverão ser coerentes e perfeitamente compreensíveis. A necessidade de coerência na União é cada vez maior: o leque das tarefas aumentou; o alargamento virá aumentar a diversidade; desafios como a mudança climática e a evolução demográfica extravasam as fronteiras das políticas setorias em que a União se tem vindo a basear; as autoridades regionais e locais estão cada vez mais envolvidas nas políticas da União Européia. A coerência implica uma liderança política e uma forte responsabilidade por parte das instituições, para garantir uma abordagem comum e coerente no âmbito de um sistema complexo" (COM (428) final, p. 11).

73. ARAGÃO, Alexandra. Op. cit., p. 127.

74. "As políticas públicas desenham um quadro de acção bastante geral formado pela soma de actos singulares isoladamente considerados e cuja existência não pressupõe necessariamente uma estratégia global ou contínua. Ou seja, nem todas as políticas estão baseadas em perspectivas explicitamente definidas, articuladas racionalmente entre os seus elementos, nem são permanentes no tempo"(SAEZ, Manuel Alcantara. Op. cit., p. 99).

75. ROTHSTEIN, Henry. The institutional origins of risk: A new agenda for risk research. Health, Risk & Society. n° 8. 2006. p. 215-217.

76. Sobre a origem institucional do risco e governance: ROTHSTEIN, Henry. Op. cit., p. 215-221.

77. Este ponto será analisado a seguir.

78. LYALL, Catherine; TAIT, Joyce. Op. cit., p. 7.

79. Sobre instrumentos de integração ver: DHONDT, Nele. Integration of environmental protection into other EC policies. Legal Theory and Practice. Groningen:Europa Law Publishing, 2003. p. 463 ss.

80. ARAGÃO, Alexandra. Op. cit., p. 127-131.

81. ARAGÃO, Alexandra. Op. cit., p. 128.

82. ARAGÃO, Alexandra. Op. cit., p. 128-131.

83. A União Européia estabeleceu os ideais da coerência sistêmica no artigo III-115° da Constituição Européia: "A união assegura a coerência entre as diferentes políticas e acções previstas na presente Parte, tendo em conta os seus objectivos na globalidade e de acordo com o princípio da atribuição de competências".

84. YAMAZAKI-HONDA, Ritsuko. Territorial Policy in OECD Countries. Planning Theory & Practice. n° 6. 2005. p. 406-409.

85. CHEVALLIER, Jacques. Op. cit., p. 130.

86. GIESEN, Klaus-Gerd. Op. cit., p. 5-7.

87. CANOTILHO, J.J. Gomes. Precisará..., cit., p. 670.

88. CANOTILHO, J. J. Gomes. "Brancosos"..., cit., p. 333.

Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023: 2002/ABNT):
. Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n. , abr. 2008. Disponível em:
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Acesso em: .