Resumo: A Biopirataria é a exploração, manipulação, exportação de recursos biológicos, com fins comerciais, e tem ínsita a idéia de contrabando de espécimes da flora e da fauna com apropriação de seus princípios ativos e monopolização desse conhecimento por meio do sistema de patentes, na esteira das leis de direito de propriedade intelectual do GATT e da Organização Mundial do Comércio (OMC). Faltam instrumentos de repressão penal, no Brasil, sob pena de perda de seu precioso patrimônio genético e sua biodiversidade.
Palavras-chave: Biopirataria. Diversidade biológica. Instrumentos de repressão e controle.
Sumário: Introdução. 1 Conceito de biopirataria. 2 A biopirataria no Brasil e no cenário mundial. 3 Instrumentos na repressão à biopirataria. 3.1 Instrumentos administrativos. 3.2 Instrumentos em trâmite no Poder Legislativo. 3.3 Instrumentos penais. Conclusão. Referências bibliográficas.
Introdução
O Brasil é considerado um país megadiverso, com cerca de 22% das espécies nativas mundiais, aliás, o país com maior diversidade biológica (biodiversidade) do planeta.
Pela vasta riqueza vegetal e animal, o Brasil é alvo constante de biopiratas. Ao contrário de outras formas de contrabando ou reprodução ilegal de conhecimentos sem autorização de seus proprietários ou detentores, a Biopirataria não é tipificada como ilícito criminal, mas apenas administrativo, com aplicação de multas que, excepcionalmente, são recolhidas pelo infrator.
Como se verá adiante, poucas figuras da Lei nº 9.605/98 (Lei de crimes ambientais) podem ser invocadas para repressão e combate a biopiratas e, ainda assim, são consideradas como de menor potencial ofensivo (Lei 9.099/95 c/c Lei 10.259/01), que se resolvem com a lavratura de um termo circunstanciado e liberação do autor do fato poucas horas depois.
Segundo o relatório final da CPI do tráfico de animais silvestres, divulgado no mês de fevereiro de 2003, a ilicitude desse comércio movimenta cerca de US$ 10 bilhões por ano no mundo, dos quais US$ 500 milhões giram em torno do mercado de hipertensivos, cujo princípio ativo é obtido do veneno de serpentes brasileiras como a jararaca (um grama do veneno vale US$ 433,70).
Daí o interesse dessa nova modalidade de criminalidade organizada que se encontra no ranking das três atividades criminosas com maior movimento financeiro no mundo, ao lado do tráfico de drogas e comércio ilegal de armamento.
A extensão territorial do Brasil, que dificulta a fiscalização dos órgãos e agências governamentais, a facilidade de transporte (tubos de PVC, maletas, caixas térmicas, meias, cinturões) de insetos (aranhas, borboletas), ovos e pequenos animais (sapos, pássaros, cobras), o vasto número de pesquisadores na região amazônica, sem um efetivo controle ou cadastro de atividades, são fatores que ampliam a ofensividade da biopirataria.
Associado a esse universo de comodidades que o infrator encontra em solo brasileiro, a legislação pátria não desestimula a atividade irregular, pois suas sanções são brandas e tratam de idêntica forma o infrator que exerce o comércio ilegal interno de animais silvestres e aquele que exporta pequenos animais para pesquisas internacionais por laboratórios estrangeiros e patenteiam novas fórmulas medicinais, com exclusividade, prejuízo das comunidades locais e lucros exorbitantes.
1 Conceito de biopirataria
A Biopirataria pode ser conceituada como a exploração, manipulação, exportação de recursos biológicos, com fins comerciais, em contrariedade às normas da Convenção sobre Diversidade Biológica, de 1992, promulgada pelo Decreto nº 2.519, de 16.03.1998.
Tem ínsita a idéia de contrabando de espécimes da flora e da fauna com apropriação de seus princípios ativos e monopolização desse conhecimento por meio do sistema de patentes, na esteira das leis de direito de propriedade intelectual do GATT e da Organização Mundial do Comércio (OMC). Aliás, é primordial que haja gestões junto à OMC para inclusão de critérios condicionantes da concessão de patentes, obtidas por meio de bioprospecção, baseada na legalidade do acesso ao patrimônio biológico.
Não se confunde com o cultivo, a produção, a manipulação, a transferência, a importação e a exportação de organismos geneticamente modificados – OGM, que são tratados pela recente Lei 11.105/2005, nem guarda relação com esse estudo, por diverso, o biodireito ou bioética.
Sobre a biopirataria, a emérita professora e promotora de Justiça do MPDFT, Juliana Santilli, também sócia-fundadora do Instituto Socioambiental – ISA, comenta:
"A biopirataria é a atividade que envolve o acesso aos recursos genéticos de um determinado país ou aos conhecimentos tradicionais associados a tais recursos genéticos (ou a ambos) sem o respeito aos princípios da Convenção da Biodiversidade, isto é, sem autorização do país de origem e de suas comunidades locais e a repartição de benefícios. A Convenção da Biodiversidade estabelece que os benefícios gerados pela utilização dos recursos genéticos coletados nos países megadiversos devem ser compartilhados com estes e com as comunidades locais detentoras de conhecimentos associados a estes."(1)
Para Jorge B. Pontes, Delegado de Polícia Federal:
"Para melhor entender o processo que leva à ocorrência da biopirataria, devemos saber que as patentes industriais dos inventos tecnológicos se baseiam, hoje em dia, na obrigatoriedade de se observarem três premissas: a novidade, o passo inventivo e a aplicação industrial. Conseqüentemente, o Tratado Sobre Direitos de Propriedade Intelectual Relacionado ao Comércio Internacional - TRIPS, acordo da Organização Mundial do Comércio - OMC, de 1995, permite praticamente a difusão e a proteção de patentes em todos os 146 países membros da OMC.
A OMC se reuniu no mês passado em Cancun, no México, onde se discutiu, dentre outros assuntos, a necessidade de se exigir de seus membros que mencionem a origem dos recursos genéticos utilizados em seus países, bem como o consentimento prévio do detentor primário do insumo genético, com vistas a uma repartição justa de benefícios que possa atingir os Estados e as comunidades originadoras dos saberes tradicionais e da própria matéria-prima natural. (...)
O biopirata é aquele que, negando-se a cumprir formalidades e desconhecendo e desrespeitando as fronteiras e a soberania das nações (as quais garantem o acesso legal à biodiversidade e também uma repartição justa de benefícios – conforme estabelecido na Convenção sobre Diversidade Biológica de 1992), resolve agir por conta própria, invadindo santuários ecológicos em busca do novo ouro, quase sempre utilizando uma fachada para encobrir seu real intento. Com a atividade organizada e bem planejada dos biopiratas, o Brasil estaria perdendo riquezas incomensuráveis que poderiam, inclusive, num futuro muito próximo, frente às novas perspectivas industriais, garantir independência econômica ao nosso País."(2) (Negritou-se).
O termo "biopirataria", conforme informação colhida do sítio da Internet www.socioambiental.org, "foi lançado em 1993 pela ONG RAFI (hoje ETC-Group) para alertar sobre o fato de que recursos biológicos e conhecimento indígena estavam sendo apanhados e patenteados por empresas multinacionais e instituições científicas e que as comunidades, que durante séculos usam esses recursos e geraram esses conhecimentos, não estão participando nos lucros".
Para o Instituto Brasileiro de Direito do Comércio Internacional, da Tecnologia da Informação e Desenvolvimento – CIITED, Biopirataria consiste no ato de acessar a ou transferir recurso genético (animal ou vegetal) ou conhecimento tradicional associado à biodiversidade, sem a expressa autorização do Estado de onde fora extraído o recurso ou da comunidade tradicional que desenvolveu e manteve determinado conhecimento ao longo dos tempos.
2 A biopirataria no Brasil e no cenário mundial
Existem casos emblemáticos de biopirataria no Brasil e outros países do Terceiro Mundo, detentores das maiores riquezas naturais biológicas e não-biológicas.
Muitos autores comentam que a historia da biopirataria, no Brasil, surgiu com a sua própria descoberta, quando os portugueses obtiveram o segredo da extração do pigmento vermelho do pau-brasil, subtraindo conhecimentos tradicionais dos povos indígenas nativos.
Posteriormente, noticia-se o caso do inglês Henry Wickham, que levou, em 1876, sementes da árvore da seringueira para as colônias Britânicas na Malásia, que acabou se tornando o principal exportador de látex e dando fim à economia amazônica de exploração da borracha.
Temos ainda o nacionalmente conhecido patenteamento do chocolate de cupuaçu, o cupulate, por uma empresa japonesa.
No cenário internacional, há o case nim (Azadirachta indica), originário da Índia, cujas sementes e folhas possuem propriedades medicinais valiosas e usos tradicionais, como medicamento, pesticida, repelente de insetos, fertilizante, alimento para diabéticos, sabão, pasta de dentes e anticoncepcional. Em 1994, uma firma americana e o Departamento de Agricultura dos EUA receberam em conjunto a patente para um fungicida feito com o óleo de nim. Instaurada grande celeuma internacional, finalmente, no ano de 2000, o Escritório de Patentes Européias concordou em retirar a patente, por não considerar novidade.
Recentemente, o IBAMA lançou uma campanha de conscientização sobre os efeitos danosos da biopirataria. O animal adotado como símbolo da campanha é a rã Phyllomedusa oreades, de coloração predominantemente verde, encontrada somente no Planalto Central, que traz em sua pele um princípio ativo com potencial para o combate ao Trypanossoma cruzi, parasita causador da doença de Chagas. Ela foi escolhida como forma de denúncia simbólica devido ao seu patenteamento no exterior. Em diversos sites especializados em temas ambientais, há ainda a menção a outra espécie de rã, o "sapo verde", Phyllomedusa bicolor, que é a maior espécie do gênero da família Hylidae e ocorre na Amazônia, e não no Planalto Central, mas também é objeto de Biopirataria.(3)
3 Instrumentos na repressão à biopirataria
3.1 Instrumentos administrativos
O Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio - TRIPS favoreceu um sistema de registro da patente, ainda que o direito à propriedade intelectual advenha de conhecimento obtido sem a anuência do "país provedor" do patrimônio genético. Tal fato associado à não-adesão de Estados Unidos e Japão à Convenção da Diversidade Biológica são lembrados pelos ambientalistas como principais motivos da propagação desenfreada da biopirataria:
"Da maneira como são discutidos atualmente em plataformas globais, como o GATT e a Convenção sobre Biodiversidade, ou como são impostos unilateralmente pela cláusula especial 301 do U.S. Trade Act (Lei do Comércio dos Estados Unidos), os DPI [direitos de propriedade intelectual] são a prescrição para a monocultura do conhecimento. Esses instrumentos são usados para universalizar o regime de patentes norte-americanos por todo o mundo, o que inevitavelmente levaria a um empobrecimento intelectual e cultural, ao sufocar outras maneiras de saber, outros objetivos para a criação do conhecimento e outros modos de compartilhá-lo.
O acordo sobre os TRIPs do Ato Final do GATT baseia-se em um conceito de inovação extremamente restrito que, por definição, tende a favorecer as corporações transnacionais em detrimento dos camponeses e povos das florestas do Terceiro Mundo em particular." (SHIVA, 2001).
A fim de promover sua contenção e repressão, o Departamento de Polícia Federal e o IBAMA têm unido esforços para mudar o cenário atual.
O Departamento de Polícia Federal lançou, no dia 02 de setembro de 2003, uma série de ações de combate aos crimes contra a natureza e o patrimônio histórico. Entre elas, foi criada uma campanha contra o tráfico de animais e um cartaz bem-humorado, desenhado pelo cartunista Ziraldo. Tudo como parte do projeto Drake e com objetivo de combater o tráfico internacional de espécies silvestres da fauna e da flora e a Biopirataria. Foram criadas 27 novas delegacias especializadas, com policiais preparados na repressão da bioprospecção ilegal de nossa biodiversidade e materiais genéticos. Pela implementação do Projeto Drake, surge a previsão do trabalho de inteligência policial ambiental e a preparação técnica dos policiais sobre os meandros da biopirataria.
No âmbito do IBAMA, segundo BRUNO BARBOSA, da Coordenação da Divisão de Fiscalização do Acesso ao Patrimônio Genético, surge a Diretoria de Proteção Ambiental/DIPRO, com a criação daquela divisão, no segundo semestre de 2004 e funções de estruturar uma rede de planejamento e controle, em caráter nacional, para o exercício da ação fiscal dentro das normas ambientais. Esse novo órgão já conta com quarenta analistas ambientais e acompanha a revisão das normas atinentes à matéria, a fim de torná-las mais fortes na repressão da biopirataria.
No âmbito da fiscalização administrativa, conta-se com a recente edição do Decreto nº 5.459, de 07.06.2005, que regulamentou o art. 30 da Medida Provisória nº 2.186-16, de 23.08.2001, e disciplina as sanções aplicáveis às condutas e atividades lesivas ao patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado. Podemos citar o art. 18, que prevê multa mínima de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais) e máxima de R$ 50.000.000,00 (cinqüenta milhões de reais) para a pessoa jurídica que deixar de repartir os benefícios resultantes da exploração econômica de produto ou processo desenvolvido a partir do acesso à amostra do patrimônio genético ou do conhecimento tradicional associado.
3.2 Instrumentos em trâmite no Poder Legislativo
Existem algumas iniciativas legislativas em curso, como a do Deputado Federal Eduardo Valverde, que define "bioprospecção", "conhecimento tradicional" e "desenvolvimento ambientalmente sustentável", a par de regulamentar os mecanismos de proteção, promoção, reconhecimento e exercício da medicina tradicional, das terapias complementares e do patrimônio biogenético das populações indígenas. O ex-deputado Carlos Rodrigues enviou projeto de lei que acrescenta parágrafos aos arts. 29 e 32 da Lei nº 9.605/98, criando causa especial de aumento de pena (até o quádruplo), caso cometidos por cidadãos estrangeiros.
O Projeto de Lei 2.360/03, do deputado Mário Negromonte (PP-BA), que submetia à autorização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) a pesquisa e a coleta de amostras da flora brasileira, foi rejeitado pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável.
Existem quatro propostas em votação: os PLs 4.842/98, do Senado, que regulamenta o acesso a recursos genéticos; 4.579/98, do ex-deputado Jaques Wagner, que cria agências para negociar contratos de acesso a riquezas genéticas; 1953/99, do deputado Silas Câmara (PTB-AM), que regulamenta a tecnologia no setor e sua transferência a terceiros; e 7.211/02, do Executivo, que define tipos penais relacionados à biopirataria.
No rejeitado PL 2.360/03, constava:
"Art. 2º A Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, que ‘dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências’, passa a vigorar acrescida dos seguintes arts. 47-A e 47-B:
‘Art. 47-A. Realizar pesquisa ou coletar amostras da flora brasileira sem autorização da autoridade competente ou em desacordo com a obtida:
Pena: detenção, de seis meses a um ano, e multa. (AC)’
‘Art. 47-B. Remeter ou levar para o exterior espécime, germoplasma, produto ou subproduto da flora brasileira sem autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida:
Pena: reclusão, de um a cinco anos, e multa. (AC)’"
Na data de 20.04.05, a Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou o substitutivo da Comissão de Defesa do Consumidor (CDC) ao Projeto de Lei 7.211/02, encaminhado pelo Poder Executivo e que trata do crime de biopirataria.
O projeto aprovado pela CCJ prevê punição para o uso e a remessa ao exterior, sem autorização, de componentes do patrimônio genético e do conhecimento tradicional associado a esses recursos naturais.
Atualmente, todos os projetos de lei que tratam do tema "biopirataria" estão apensados ao PL- 4.842/1998, da então Senadora Marina Silva.
3.3 Instrumentos penais
Na seara penal, a resposta do Estado representa um incentivo à ação ilimitada de biopiratas transvestidos de cientistas, biólogos, pesquisadores e pseudo-ongueiros.
E são por nossas fronteiras, com superação de obstáculos terrestres, aquáticos, uso de embarcações e transporte aéreo, que essas pessoas entram e saem do país sem o menor controle.
Veja-se o caso do alemão Carsten Hermann Richard Roloff,(4) de 58 anos, que se apresentava como biólogo e médico, especialista em aranhas e seus venenos, filmado no aeroporto do Recife e preso no Aeroporto de Brasília, quando esperava uma mala, fotografada pelo raio-x. As manchas mais escuras indicavam a presença de dois casulos com centenas de ovos de aranha caranguejeira. Portava, também, mapas e estudos científicos sobre as propriedades das aranhas brasileiras.
Ainda no aeroporto de Recife, que possui vôos diários para Portugal, a Polícia Federal deteve o português João Miguel Folgosa Herculano,(5) 31, acusado de traficar ovos de pássaros silvestres e flagrado com 58 ovos escondidos dentro de 5 meias de náilon. Foi feito um termo circunstanciado por infração ao art. 29, §§ 1º, III, e 4º, I e III, da Lei 9.605/98, diante da tentativa de transportar, para fora do País, ovos de aves silvestres da fauna brasileira, que deu origem ao processo-crime nº 2003.83.00.020161-4,(6) posteriormente arquivado, para que se investigasse a possibilidade de existência de quadrilha, no bojo do inquérito policial nº 2003.83.00.019912-7.
Na 11ª Vara Federal (Fortaleza/CE) da Justiça Federal da Seção Judiciária do Estado do Ceará, consta o processo nº 2004.81.00.001162-0 (IPL 848/2003), apensado ao processo nº 2003.7944-0 (IPL 28/2003), referente à atuação da mencionada pessoa naquele Estado, o que demonstra a deficiência estatal na repressão à biopirataria, em que pese a aparente reincidência de conduta delitiva em Estados diversos.
Para Luiz Regis Prado, Direito Penal do Ambiente, p. 233:
"No artigo 29, parágrafo 1º, III, o legislador de 1998 coibiu uma das formas mais perniciosas de degradação faunística: o comércio ilegal. Com efeito, o tráfico de animais silvestres constitui atualmente o terceiro maior do mundo, sendo inferior apenas ao tráfico de drogas e de armas.(7)
Mas o abastecimento desse mercado através da caça ilegal – normalmente feita sem qualquer preocupação com o impacto na cadeia alimentar, com o período ou com sua escassez, não existiria se não houvesse pessoas dispostas a adquirir esses animais, por essa razão, sua compra é tão prejudicial quanto a caça e a venda.(8)
Portanto, a exploração comercial da fauna silvestre como indústria extrativa não deve encontrar acolhida legal em país civilizado. Não por razões de ordem sentimental, mas por uma imperativa de ordem biológica (Exposição de Motivos da Lei 5.197/1967)."
Conclusão
Faltam, sem dúvida, instrumentos de repressão penal. O biopirata fica sujeito, na falta de tipificação penal congruente, ao art. 29 da Lei 9.605/98 (apanhar espécimes da fauna silvestre – detenção de seis meses a um ano)(9) , ou seja, não é preso em flagrante. Lavra-se o termo circunstanciado e, após algumas horas, o estrangeiro está liberado. No máximo, haverá a incidência de uma circunstância de aumento de pena (art. 29, § 4º) e sua cumulação com maus-tratos de animais (art. 32 – detenção, de três meses a um ano)(10) e, caso identificado o vínculo de permanência e estabilidade, a tipificação do delito do art. 288 do CP (quadrilha ou bando).
Conclui-se que o Brasil necessita, urgente, de medidas repressoras adequadas, sob pena de perda de seu precioso patrimônio genético e sua biodiversidade.
Referências bibliográficas
FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2000.
PLATIAU, Ana Flávia Barros; VARELLA, Marcelo Dias (org.). Diversidade Biológica e conhecimentos tradicionais. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.
PRADO, Luiz Regis. Direito Penal do Ambiente. São Paulo: RT, 2005.
SANTILLI, Juliana. Socioambientalismo e Novos Direitos: Proteção jurídica à diversidade biológica e cultural. São Paulo: Fundação Peirópolis, 2005.
SHIVA, Vandana, Biopirataria: a pilhagem da natureza e do conhecimento. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001.
VARELLA, Marcelo Dias. Direito Internacional Econômico Ambiental. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.
Notas: 1. http://aplicaext.cjf.gov.br/phpdoc/pages/sen/portaldaeducacao/index.htm.
2. Revista Eco 21, ano XIII, edição 32, outubro 2003.
3. http://www.biopirataria.org/patentes_kambo.php
4. http://www.ambientebrasil.com.br/noticias/index.php3?action=ler&id=16274
5. http://ecosfera.publico.pt/noticias2003/noticia2561.asp
6. Seção Judiciária de Pernambuco
13ª VARA
Processo nº 2003.83.00.020161-4 Classe 9000 PROCEDIMENTO CRIMINAL
AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RÉU(S): JOÃO MIGUEL FOLGOSA HERCULANO
D E C I S Ã O
1. O Ministério Público Federal, por seu representante legal, ofereceu proposta de transação penal (fls. 03/05) ao Sr. João Miguel Folgosa Herculano, por ter supostamente infringido o disposto no art. 29, §§ 1º, III, e 4º, I e III, da Lei 9.605/98, quando tentava transportar, para fora do País, ovos de aves silvestres da fauna brasileira.
2. Mesmo não tendo sido intimado para a audiência preliminar, designada para o dia 14.11.2003, por não ter sido localizado, o requerido, por seu advogado constituído, informou que, sendo de nacionalidade portuguesa, teria que retornar a seu País, pois seu visto de permanência estava vencido desde 10.10.2003 (fls. 24/25) e pleiteou a restituição de objetos apreendidos (fls. 26/29).
3. Instado a manifestar-se sobre o requerimento de restituição, bem como quanto ao apensamento do inquérito nº 2003.83.00.019912-7, o órgão ministerial nada opôs à unificação dos feitos e preferiu opinar sobre a pretendida restituição por ocasião da audiência preliminar (fl. 33).
4. Após a remessa ao IBAMA da cópia do procedimento administrativo nº 1.26.000.001775/2003-91 (fls. 07/15), conforme solicitado no ofício de fl. 42, foram os autos devolvidos à Polícia Federal, com a anuência do parquet, para a continuidade das investigações (fl. 43).
5. Em seguida, o Ministério Público Federal, após analisar detidamente o inquérito apenso (2003.83.00.019912-7), constatou que o fato objeto do presente procedimento provavelmente não é um crime isolado, devendo ser considerado em conexão com outros crimes pretensamente cometidos, como o de formação de quadrilha, o que afasta a competência do Juizado Especial Federal. Diante disso, tendo em vista que o réu ainda não foi intimado, não se tendo formado a relação processual, foi requerida a extinção do presente feito para melhor investigação dos fatos no bojo do prefalado inquérito policial nº 2003.83.00.019912-7 (fl. 46). Registre-se, apenas, esse procedimento policial foi instaurado como termo circunstanciado, tendo assumido, porém, a feição de inquérito, na medida em que os crimes ali apurados não são da alçada do Juizado Especial.
6. Assiste razão ao ilustre representante do parquet. Com efeito, consoante se verifica da simples leitura do termo circunstanciado instaurado pela Polícia Federal (autos 2003.83.00.019912-7), é possível que o Sr. João Miguel Folgosa Herculano esteja envolvido em uma quadrilha internacional de tráfico de animais, o que torna necessária uma investigação mais acurada acerca dos fatos até o presente momento mencionados no apuratório policial.
7. Diante do exposto e considerando, principalmente, que o requerido não chegou a ser intimado, nem tampouco a comparecer à audiência preliminar designada, e que, portanto, não foi angularizada a relação processual, decreto a extinção do presente procedimento criminal, a fim de que o fato que o ensejou seja analisado em conjunto com os demais apurados no inquérito 2003.83.00.019912-7, os quais, em princípio, não estão sujeitos ao procedimento especial do Juizado.
8. Deixo de determinar a extração de cópia dos presentes autos para juntada ao mencionado inquérito, por desnecessário, visto que ora se encontram apensos a este último e assim deverão permanecer após a baixa na distribuição.
9. Por fim, tendo em vista que o inquérito 2003.83.00.019912-7 encontra-se baixado, determino a remessa dos respectivos autos à distribuição, para sua reativação.
10. Ciência ao Ministério Público Federal.
Recife, 30 de março de 2005
AMANDA TORRES DE LUCENA DINIZ ARAUJO
Juíza Federal Substituta da 13ª Vara Federal
7. "Estima-se que 12 milhões de animais por ano são retirados de seus hábitats para atender as suas finalidades". (BECHARA, E. A proteção da fauna sob a ótica constitucional, p. 128).
8. Cf. SILVA, L. C. da. Fauna terrestre ... cit., p. 61.
9. Art. 29. Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida:
Pena - detenção de seis meses a um ano, e multa.
§ 1º Incorre nas mesmas penas:
I - quem impede a procriação da fauna, sem licença, autorização ou em desacordo com a obtida;
II - quem modifica, danifica ou destrói ninho, abrigo ou criadouro natural;
III - quem vende, expõe à venda, exporta ou adquire, guarda, tem em cativeiro ou depósito, utiliza ou transporta ovos, larvas ou espécimes da fauna silvestre, nativa ou em rota migratória, bem como produtos e objetos dela oriundos, provenientes de criadouros não autorizados ou sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente.
§ 2º No caso de guarda doméstica de espécie silvestre não considerada ameaçada de extinção, pode o juiz, considerando as circunstâncias, deixar de aplicar a pena.
§ 3° São espécimes da fauna silvestre todos aqueles pertencentes às espécies nativas, migratórias e quaisquer outras, aquáticas ou terrestres, que tenham todo ou parte de seu ciclo de vida ocorrendo dentro dos limites do território brasileiro, ou águas jurisdicionais brasileiras.
§ 4º A pena é aumentada de metade, se o crime é praticado:
I - contra espécie rara ou considerada ameaçada de extinção, ainda que somente no local da infração;
II - em período proibido à caça;
III - durante a noite;
IV - com abuso de licença;
V - em unidade de conservação;
VI - com emprego de métodos ou instrumentos capazes de provocar destruição em massa.
§ 5º A pena é aumentada até o triplo, se o crime decorre do exercício de caça profissional.
§ 6º As disposições deste artigo não se aplicam aos atos de pesca
10. Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.
§ 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.
§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal.
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