Reserva do possível, mínimo existencial e direito
à saúde: algumas aproximações(1)


Autores: Ingo Wolfgang Sarlet

Juiz de Direito, Doutor em Direito do Estado pela Universidade de Munique e Professor do Programa de Mestrado e Doutorado da PUCRS, da Escola Superior da Magistratura do RS e do Doutorado em Direitos Humanos da Universidade Pablo de Olavide (Sevilha)

Mariana Filchtiner Figueiredo

Advogada da União, Especialista em Direito Municipal
pela Uniritter e Mestre em Direito pela PUCRS

Publicado na Edição 24 - 02.07.2008

Introdução

Passadas já quase duas décadas desde a promulgação da Constituição Federal de 1988 (doravante denominada simplesmente CF), é possível afirmar que o debate em torno dos direitos fundamentais e da eficácia social (efetividade) que os mesmos alcançam no cotidiano das pessoas não perdeu em atualidade, mas, pelo contrário, lamentavelmente (em se considerando aqui justamente o problema da falta de efetividade!) segue ocupando a pauta dos grandes desafios para o Estado e a sociedade. Neste contexto, a judicialização crescente das mais diversas demandas, notadamente no que diz com a concretização do direito (fundamental social) à saúde, vem cobrando uma ação cada vez mais arrojada por parte dos aplicadores do Direito, em especial do Estado-Juiz, que freqüentemente é provocado a manifestar-se sobre questões antes menos comuns, como a alocação de recursos públicos, o controle das ações (comissivas e omissivas) da Administração na esfera dos direitos fundamentais sociais e até mesmo a garantia da proteção de direitos (e deveres) fundamentais sociais na esfera das relações entre particulares. Não é à toa, portanto, que também tem crescido o número dos que se dedicam à discussão da legitimidade da intervenção judicial nesta seara, o que, no seu conjunto e considerando o amplo acesso às redes de informação, tem levado a uma sofisticação do debate e a uma evolução significativa tanto no que diz com a quantidade, quanto no respeitante à qualidade (ainda que não linear) da produção doutrinária e jurisprudencial. Por outro lado, verifica-se que a maioria das questões postas em causa na esfera pública segue em aberto, assim como segue quase que desenfreada a busca por critérios seguros (?) que possam garantir a construção de um processo decisório (também, mas não exclusivamente na esfera jurisdicional) constitucionalmente adequado, mas acima de tudo, condizente com a mais legítima expressão do “justo”.

Sem que aqui se pretenda aprofundar o debate em toda a sua extensão, o que já seria inviável em face das limitações espaciais de um artigo, e sem falar na evidente complexidade da matéria, o presente estudo tem por mira traçar alguns delineamentos acerca da relação entre a designada “reserva do possível” e o assim chamado “mínimo existencial”, na condição de critérios materiais para assegurar a eficácia e efetividade dos direitos fundamentais, mais especificamente, na esfera do direito à saúde. Embora ambas as categorias (reserva do possível e mínimo existencial) guardem conexão com os direitos fundamentais em geral, a opção pelo enfoque específico (saúde) justifica-se não apenas em face dos limites espaciais já referidos, mas também pela necessidade de uma adequada concretização do tema à luz de alguns exemplos. De resto, o expressivo número de ações judiciais envolvendo a obtenção de prestações materiais no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), atualmente já apreciadas em todas as instâncias jurisdicionais do país, por ora, a despeito dos esforços de sistematização já empreendidos, ainda não logrou encontrar um equacionamento relativamente uniforme ou mesmo uniformemente aceito quanto à maioria das questões polêmicas.

Postas essas premissas, e desde logo anunciando que o propósito é o de agregar algo que possa ser útil para o desenvolvimento do debate no Brasil, passamos a estabelecer a pauta mínima a ser enfrentada. Num primeiro momento, haverão de ser tecidas algumas considerações preliminares sobre o conteúdo e a eficácia dos direitos sociais e do mínimo existencial na sua condição de direitos fundamentais (I), para então, com base já em alguns pressupostos teóricos e acordos semânticos, discutir alguns dos principais aspectos vinculados ao conceito e possíveis manifestações da assim designada reserva do possível, inclusive no que diz com a sua influência na esfera do mínimo existencial (II). Na última parte (III), serão então analisadas algumas das questões relevantes no campo do direito à saúde e que envolvem a aplicação dos institutos da reserva do possível e do mínimo existencial nesta seara, notadamente no que está em causa a eficácia e efetividade do direito fundamental à saúde no sistema constitucional brasileiro.

I Os direitos sociais e o mínimo existencial como direitos fundamentais na ordem constitucional brasileira

1 Os direitos sociais como direitos fundamentais

Embora para a absoluta maioria das pessoas possa (e mesmo deva) soar como elementar a afirmação de que a saúde é também para o Direito um bem fundamental e, portanto, assegurado mediante direitos, garantias e deveres fundamentais, segue havendo controvérsias a respeito de se os direitos sociais, econômicos, culturais e ambientais (DESCA) são “autênticos” direitos fundamentais ou, em o sendo, se estão sujeitos a um regime jurídico substancialmente equivalente. De outra parte, segue havendo discussão sobre eventual distinção entre o que se tem designado de direitos humanos e o que, especialmente na tradição do constitucionalismo do segundo Pós-Guerra (segunda metade do Século XX), passou a ser chamado de direitos fundamentais. Neste sentido, portanto, há que estabelecer alguns acordos semânticos e conceituais, ainda que para reafirmar uma determinada posição sobre os respectivos tópicos. Assim, reafirma-se a possível distinção entre os direitos humanos considerados como aqueles assegurados no plano do direito internacional (portanto, assegurados a qualquer pessoa independentemente de seu vínculo com determinado Estado, além de oponíveis ao próprio Estado perante as instâncias supranacionais de tutela) e os direitos fundamentais como sendo aqueles consagrados no plano do direito constitucional de cada Estado.(2)

Considerando a perspectiva assumidamente dogmático-jurídica (mas não formal-positivista) da abordagem, reafirma-se desde logo a necessidade de uma leitura constitucionalmente adequada também da fundamentação (inclusive filosófica), da própria fundamentalidade e do conteúdo dos direitos sociais. É a Constituição Federal de 1988 o referencial que nos servirá de guia, assim como os compromissos (ou eventuais “descompromissos”) expressa e/ou implicitamente firmados pelo Constituinte em relação a determinadas concepções de justiça (abarcando a própria noção de justiça “social”(3) ) e com determinada ordem de valores, já que, de acordo com concepção amplamente consagrada, os direitos fundamentais (e os sociais não fogem à regra) expressam uma ordem de valores objetivada na e pela Constituição.(4)

Uma primeira constatação que se impõe, e que resulta já de um superficial exame do texto constitucional, é a de que o Poder Constituinte de 1988 acabou por reconhecer um conjunto heterogêneo e abrangente de direitos (fundamentais) sociais, o que, sem que se deixe de admitir a existência de diversos problemas ligados a uma precária técnica legislativa e sofrível sistematização (que, de resto, não constituem uma particularidade do texto constitucional) acaba por gerar conseqüências relevantes para a compreensão do que são, afinal de contas, os direitos sociais como direitos fundamentais.

Neste sentido, verifica-se, desde logo e na esteira do que já tem sido afirmado há algum tempo entre nós, que também os direitos sociais abrangem tanto direitos (posições ou poderes) a prestações (positivos) quanto direitos de defesa (direitos negativos ou a ações negativas), partindo-se aqui do critério da natureza da posição jurídico-subjetiva reconhecida ao titular do direito, bem como da circunstância de que os direitos negativos (notadamente os direitos à não-intervenção na liberdade pessoal e nos bens fundamentais tutelados pela Constituição) apresentam uma dimensão “positiva” (já que sua efetivação reclama uma atuação positiva do Estado e da sociedade), ao passo que os direitos a prestações (positivos) fundamentam também posições subjetivas “negativas”, notadamente quando se cuida de sua proteção contra ingerências indevidas por parte dos órgãos estatais, de entidades sociais e também de particulares.(5) Que tais constatações não podem ter o condão de tornar obsoleta e equivocada a possível classificação dos direitos fundamentais em direitos de defesa e direitos a prestações – muito embora assim tenha sido sustentado por alguns – afigura-se como evidente. Isso, especialmente em se tendo presente a distinção entre texto (enunciado semântico) constitucional e norma jurídica (resultado da interpretação do texto), de acordo com o qual pode haver mais de uma norma contida em determinado texto, assim como normas sem texto expresso que lhes corresponda diretamente.(6) Assim, a partir de um certo texto há como extrair uma norma (ou normas) que pode (ou não) reconhecer um direito como fundamental e atribuir uma determinada posição jurídico-subjetiva (sem prejuízo dos efeitos jurídicos já decorrentes da dimensão objetiva) à pessoa (individual ou coletivamente), posição que poderá ter como objeto uma determinada prestação (jurídica ou fática) ou uma proibição de intervenção.(7)

Para demonstrar o exposto, bastaria aqui referir o exemplo do direito à moradia (como direito negativo, podendo bloquear – negativamente – ações do Estado ou de particulares que lhe são contrárias, como no caso da vedação da penhora) e, como direito positivo, podendo servir de fundamento a uma atuação do Estado no sentido de assegurar mediante determinadas prestações jurídicas ou materiais o acesso a uma moradia,(8) o que também se aplica ao direito à saúde, como teremos a oportunidade de ver com maior detalhamento na última parte do presente estudo.

Se os direitos sociais na sua dimensão de direitos a prestações (que, segundo Alexy, correspondem aos direitos a prestações em sentido estrito, no sentido de direitos subjetivos a prestações materiais vinculados aos deveres estatais do Estado na condição de Estado Social de Direito)(9) também implicam direitos subjetivos negativos – impedindo, por exemplo, restrições que violem o seu respectivo núcleo essencial, que, por sua vez, sempre serão desproporcionais(10) -, há que destacar que a Constituição de 1988 incluiu no seu rol de direitos sociais típicos direitos de caráter negativo (defensivo), como dão conta, entre outros, os exemplos do direito de greve, da liberdade de associação sindical e das proibições de discriminação entre os trabalhadores (direitos especiais de igualdade).

A partir disso, ao se empreender uma tentativa de definição dos direitos sociais, cumpre aceitar a vontade expressamente enunciada do Constituinte, no sentido de que o qualificativo de social não está exclusivamente vinculado a uma atuação positiva do Estado na implementação e garantia da segurança social, como instrumento de compensação de desigualdades fáticas manifestas e modo de assegurar um patamar pelo menos mínimo de condições para uma vida digna (o que nos remete ao problema do conteúdo dos direitos sociais e de sua própria fundamentalidade). Tal consideração justifica-se pelo fato de que também são sociais direitos que asseguram e protegem um espaço de liberdade e a proteção de determinados bens jurídicos para determinados segmentos da sociedade, em virtude justamente de sua maior vulnerabilidade em face do poder estatal, mas acima de tudo social e econômico, como demonstram justamente os direitos dos trabalhadores.(11)

O fato de que em outras ordens constitucionais, como é o caso de Portugal, que oferece o exemplo mais próximo, tais direitos (dos trabalhadores) tenham sido – por ocasião da primeira grande revisão constitucional de 1982 – deslocados para o capítulo dos direitos, liberdades e garantias, que, por sua vez, corresponde, de certa forma, a direitos de cunho em primeira linha (mas não exclusivamente) defensivo – nunca impediu que a doutrina portuguesa a eles se referisse como “liberdades sociais”.(12) Assim, parece evidente que também entre nós, com ainda maior razão, não há justificativa – especialmente por força das especificidades já referidas e ante a ausência de qualquer distinção entre os diversos direitos sociais – para que se possa e muito menos se deva chancelar tal diversidade de tratamento, ainda que em termos conceituais.

Para além das observações que já indicam (mesmo que ainda não em toda a sua extensão) a complexidade e diversidade dos direitos sociais, é preciso, ainda que sumariamente, investir na discussão a respeito da própria fundamentalidade dos direitos sociais, ressaltando que também nesta esfera não há como adotar tese manifestamente divorciada do direito constitucional positivo brasileiro. Para este efeito, relembre-se que a noção de direitos fundamentais como direitos reconhecidos e assegurados por uma determinada Constituição (sendo assim passíveis de diferenciação em relação aos direitos humanos, considerados como aqueles reconhecidos pelo direito positivo internacional) encontra-se necessariamente vinculada ao que se tem designado de dupla fundamentalidade formal e material, designadamente a circunstância de que se cuida de bens jurídicos que, na ótica do Constituinte, expressa ou implicitamente enunciada, são dotados de suficiente relevância e essencialidade (fundamentalidade material) a ponto de merecerem e necessitarem de uma proteção jurídica e normatividade reforçada em relação até mesmo às demais normas constitucionais, mas especialmente no que diz com sua exclusão do âmbito da disponibilidade plena dos poderes constituídos.(13)

Em síntese, embora lamentando o cunho sumário das razões expostas, mas tendo em vista a absoluta necessidade de traçarmos as diretrizes basilares das considerações subseqüentes, firma-se aqui posição em torno da tese de que – pelo menos no âmbito do sistema de direito constitucional positivo nacional – todos os direitos sociais são fundamentais, tenham sido eles expressa ou implicitamente positivados, estejam eles sediados no Título II da CF (dos direitos e garantias fundamentais) ou dispersos pelo restante do texto constitucional, ou se encontrem ainda (também expressa e/ou implicitamente) localizados nos tratados internacionais regularmente firmados e incorporados pelo Brasil.(14)

Como corolário desta decisão em prol da fundamentalidade dos direitos sociais na ordem constitucional brasileira, e por mais que se possa e, até mesmo (a depender das circunstâncias e a partir de uma exegese sistemática), por mais que se deva reconhecer possíveis diferenças de tratamento, os direitos sociais, por serem fundamentais, comungam do regime pleno da dupla fundamentalidade formal e material dos direitos fundamentais.(15) Com efeito, para além de poderem ser reconhecidos como protegidos contra uma supressão e erosão pelo poder de reforma constitucional (por força de uma exegese necessariamente inclusiva do artigo 60, § 4º, inciso IV, da CF), os direitos sociais (negativos e positivos) encontram-se sujeitos à lógica do artigo 5º, § 1º, da CF, no sentido de que a todas as normas de direitos fundamentais há de se outorgar a máxima eficácia e efetividade possível, no âmbito de um processo em que se deve levar em conta a necessária otimização do conjunto de princípios (e direitos) fundamentais, sempre à luz das circunstâncias do caso concreto. Em outras palavras, também as normas de direitos sociais (inclusive de cunho prestacional) devem, em princípio, ser consideradas como dotadas de plena eficácia e, portanto, direta aplicabilidade, o que não significa (e nem o poderia) que sua eficácia e efetividade deverão ser iguais.(16)

Ainda neste contexto, é preciso recordar que uma concepção satisfatória de direitos fundamentais sociais somente pode ser obtida com relação a uma ordem constitucional concreta, pois o que é fundamental para uma sociedade pode não o ser para outra, ou não o ser da mesma forma, o que não afasta a necessidade de se considerar a existência de categorias universais (portanto, universalizáveis) no que diz com a fundamentalidade de certos valores, como é o caso da vida e da dignidade da pessoa humana, ainda que também estes valores careçam de uma adequada contextualização, especialmente quando se cuida de transformá-los em realidade.(17) É, pois, justamente considerando o elo entre direitos fundamentais sociais, vida e dignidade da pessoa humana, que, ademais, dizem com necessidades existenciais de todo e qualquer indivíduo, que, na seqüência, se estará a examinar o assim designado mínimo existencial e sua relação com os direitos sociais.

2 O mínimo existencial e sua conexão com os direitos fundamentais na ordem constitucional brasileira

A vinculação dos direitos (fundamentais) sociais com o que passou a ser designado de uma garantia de um mínimo existencial é evidente, mas é igualmente evidente que também aqui há uma série de aspectos controversos que, já há algum tempo, integram a pauta das discussões a respeito dos direitos fundamentais. Entre nós, muito embora o tema não venha a ser exatamente novo, não faz, contudo, muito tempo que tem sido objeto de estudos mais sistemáticos. Nesta seara, destaca-se a contribuição de Ricardo Lobo Torres, autor, ao que se sabe, do primeiro ensaio especialmente dedicado ao tema no Brasil, já há mais de quinze anos e pouco após o advento da Constituição de 1988, publicado na prestigiada Revista de Direito Administrativo.(18) Desde então, o próprio autor citado tem revisitado o tema, ampliando o horizonte de seus estudos e aperfeiçoando seu rico arcabouço argumentativo.(19)

Adentrando desde logo este aspecto do tema, é possível afirmar que a noção de um direito fundamental (e, portanto, também de uma garantia fundamental) às condições materiais que asseguram uma vida com dignidade teve sua primeira importante elaboração dogmática na Alemanha, onde, de resto, obteve também um relativamente precoce reconhecimento jurisprudencial.

Com efeito, em que pese não existirem, de um modo geral, direitos sociais típicos, notadamente de cunho prestacional, expressamente positivados na Lei Fundamental da Alemanha (1949) – excepcionando-se a previsão da proteção da maternidade e dos filhos, bem como a imposição de uma atuação positiva do Estado no campo da compensação de desigualdades fáticas no que diz com a discriminação das mulheres e dos portadores de necessidades especiais (para muitos não considerados propriamente direitos sociais) – a discussão em torno da garantia do mínimo indispensável para uma existência digna ocupou posição destacada não apenas nos trabalhos preparatórios no âmbito do processo constituinte, mas também após a entrada em vigor da Lei Fundamental de 1949, onde foi desenvolvida pela doutrina, mas também no âmbito da práxis legislativa, administrativa e jurisprudencial.

Na doutrina do Pós-Guerra, o primeiro jurista de renome a sustentar a possibilidade do reconhecimento de um direito subjetivo à garantia positiva dos recursos mínimos para uma existência digna foi o publicista Otto Bachof, que, já no início da década de 1950, considerou que o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inc. I, da Lei Fundamental da Alemanha, na seqüência referida como LF) não reclama apenas a garantia da liberdade, mas também um mínimo de segurança social, já que, sem os recursos materiais para uma existência digna, a própria dignidade da pessoa humana ficaria sacrificada. Por esta razão, o direito à vida e integridade corporal (art. 2º, inc. II, da LF) não pode ser concebido meramente como proibição de destruição da existência, isto é, como direito de defesa, impondo, ao revés, também uma postura ativa no sentido de garantir a vida.(20) Cerca de um ano depois da paradigmática formulação de Bachof, o Tribunal Federal Administrativo da Alemanha (Bundesverwaltungsgericht), já no primeiro ano de sua existência, reconheceu um direito subjetivo do indivíduo carente a auxílio material por parte do Estado, argumentando, igualmente com base no postulado da dignidade da pessoa humana, no direito geral de liberdade e no direito à vida, que o indivíduo, na qualidade de pessoa autônoma e responsável, deve ser reconhecido como titular de direitos e obrigações, o que implica principalmente a manutenção de suas condições de existência.(21) Ressalte-se que apenas alguns anos depois o legislador acabou regulamentando – em nível infraconstitucional – um direito a prestações no âmbito da assistência social (art. 4º, inc. I, da Lei Federal sobre Assistência Social [Bundessozialhilfegesetz]).

Por fim, embora transcorridas cerca de duas décadas da referida decisão do Tribunal Administrativo Federal, também o Tribunal Constitucional Federal acabou por consagrar o reconhecimento de um direito fundamental à garantia das condições mínimas para uma existência digna. Da argumentação desenvolvida ao longo desta primeira decisão, extrai-se o seguinte trecho: “certamente a assistência aos necessitados integra as obrigações essenciais de um Estado Social. [...] Isto inclui, necessariamente, a assistência social aos cidadãos, que, em virtude de sua precária condição física e mental, encontram-se limitados nas suas atividade sociais, não apresentando condições de prover a sua própria subsistência. A comunidade estatal deve assegurar-lhes pelo menos as condições mínimas para uma existência digna e envidar os esforços necessários para integrar estas pessoas na comunidade, fomentando seu acompanhamento e apoio na família ou por terceiros, bem como criando as indispensáveis instituições assistenciais”.(22) Em que pesem algumas modificações no que tange à fundamentação, bem quanto ao objeto da demanda, tal decisão veio a ser chancelada, em sua essência, em outros arestos da Corte Constitucional alemã, resultando no reconhecimento definitivo do status constitucional da garantia estatal do mínimo existencial.(23) Além disso, a doutrina alemã entende que a garantia das condições mínimas para uma existência digna integra o conteúdo essencial do princípio do Estado Social de Direito, constituindo uma de suas principais tarefas e obrigações.(24)

Neste sentido, o indivíduo deve poder levar uma vida que corresponda às exigências do princípio da dignidade da pessoa humana, razão pela qual o direito à assistência social – considerado, pelo menos na Alemanha e, de modo geral, nos países que integram a União Européia, a principal manifestação da garantia do mínimo existencial – alcança o caráter de uma ajuda para a auto-ajuda (Hilfe zur Selbsthilfe), não tendo por objeto o estabelecimento da dignidade em si mesma, mas a sua proteção e promoção.(25)

Desenvolvendo os aspectos já referidos, a doutrina (mas também a jurisprudência) constitucional da Alemanha passou a sustentar que – e, em princípio, as opiniões convergem neste sentido – a dignidade propriamente dita não é passível de quantificação.(26) A necessária fixação, portanto, do valor da prestação assistencial destinada à garantia das condições existenciais mínimas, em que pese sua viabilidade, é, além de condicionada espacial e temporalmente, dependente também do padrão socioeconômico vigente.(27) Não se pode, outrossim, negligenciar a circunstância de que o valor necessário para a garantia das condições mínimas de existência evidentemente estará sujeito a câmbios, não apenas no que diz com a esfera econômica e financeira, mas também no concernente às expectativas e necessidades do momento.(28)

De qualquer modo, tem-se como certo que a garantia efetiva de uma existência digna abrange mais do que a garantia da mera sobrevivência física, situando-se, portanto, além do limite da pobreza absoluta. Sustenta-se, nesta perspectiva, que se uma vida sem alternativas não corresponde às exigências da dignidade humana, a vida humana não pode ser reduzida à mera existência.(29) Registre-se, neste contexto, a lição de Heinrich Scholler, para quem a dignidade da pessoa humana apenas estará assegurada “quando for possível uma existência que permita a plena fruição dos direitos fundamentais, de modo especial, quando seja possível o pleno desenvolvimento da personalidade”.(30) Tal linha de fundamentação, em termos gerais e consoante já destacado, tem sido privilegiada também no direito constitucional pátrio, ressalvada especialmente alguma controvérsia em termos de uma fundamentação liberal ou social do mínimo existencial e em relação a problemas que envolvem a determinação do seu conteúdo,(31) já que, não se há de olvidar, da fundamentação diversa do mínimo existencial podem resultar conseqüências jurídicas distintas, em que pese uma possível convergência no que diz com uma série de aspectos.(32)

Ainda no contexto do debate jurídico-constitucional alemão, verifica-se uma distinção importante no concernente ao conteúdo e alcance do próprio mínimo existencial, que tem sido desdobrado num assim designado mínimo fisiológico, que constitui, por compreender as condições materiais mínimas para uma vida condigna, no sentido da proteção contra necessidades de caráter existencial básico, o conteúdo essencial da garantia do mínimo existencial, e um assim designado mínimo existencial sociocultural, que, para além da proteção básica já referida, objetiva assegurar ao indivíduo um mínimo de inserção – em termos de tendencial igualdade – na vida social.(33) Ao passo que – na Alemanha e segundo orientação doutrinária e jurisprudencial prevalente – o conteúdo essencial do mínimo existencial encontra-se diretamente fundado no direito à vida e na dignidade da pessoa humana (abrangendo, por exemplo, prestações básicas em termos de alimentação, vestimenta, abrigo, saúde ou os meios indispensáveis para a sua satisfação), o assim designado mínimo sociocultural encontra-se fundado no princípio do Estado Social e no princípio da igualdade no que diz com o seu conteúdo material.(34)

Do exposto a partir da experiência germânica – que, à evidência, não é a única e também não é isenta de possíveis e importantes críticas, mas que seguramente, em termos de repercussão sobre o direito comparado, certamente é a mais relevante – resultam já pelo menos duas constatações de relevo e que acabaram por influenciar significativamente os desenvolvimentos subseqüentes.

A primeira diz com o próprio conteúdo do assim designado mínimo existencial, que não pode ser confundido com o que se tem chamado de mínimo vital ou um mínimo de sobrevivência, de vez que este último diz com a garantia da vida humana, sem necessariamente abranger as condições para uma sobrevivência física em condições dignas, portanto, de uma vida com certa qualidade. Não deixar alguém sucumbir à fome certamente é o primeiro passo em termos da garantia de um mínimo existencial, mas não é – e muitas vezes não o é sequer de longe – o suficiente. Tal interpretação do conteúdo do mínimo existencial (conjunto de garantias materiais para uma vida condigna) é a que tem – a despeito de divergências sobre a extensão do conteúdo da garantia – prevalecido não apenas na Alemanha, mas também na doutrina e jurisprudência constitucional comparada, notadamente no plano europeu, como dá conta, em caráter ilustrativo, a recente contribuição do Tribunal Constitucional de Portugal na matéria, ao reconhecer tanto um direito negativo quanto um direito positivo a um mínimo de sobrevivência condigna, como algo que o Estado não apenas não pode subtrair ao indivíduo, mas também como algo que o Estado deve positivamente assegurar, mediante prestações de natureza material.(35)

Em que pese certa convergência no que diz com uma fundamentação jurídico-constitucional a partir do direito à vida e do princípio da dignidade da pessoa humana, e tomando como exemplo o problema do conteúdo das prestações vinculadas ao mínimo existencial, verifica-se que a doutrina e a jurisprudência alemãs partem – de um modo mais cauteloso – da premissa de que existem diversas maneiras de realizar esta obrigação, incumbindo ao legislador a função de dispor sobre a forma da prestação, seu montante, as condições para sua fruição, etc., podendo os tribunais decidir sobre este padrão existencial mínimo, nos casos de omissão ou desvio de finalidade por parte dos órgãos legiferantes.(36) Relevante, todavia, é a constatação de que a liberdade de conformação do legislador encontra seu limite no momento em que o padrão mínimo para assegurar as condições materiais indispensáveis a uma existência digna não for respeitado, isto é, quando o legislador se mantiver aquém desta fronteira.(37) Tal orientação, de resto, é a que aparentemente tem prevalecido na doutrina e jurisprudência supranacional e nacional (constitucional) Européia(38) e, de algum modo, parece ter sido assumida como substancialmente correta também por expressiva doutrina e jurisprudência sul-americana, como dão conta importantes contribuições oriundas da Argentina(39) e da Colômbia.(40) Entre nós, basta, por ora, lembrar o crescente número de publicações e de decisões jurisdicionais, inclusive proferidas por Tribunais Superiores, neste último caso, com destaque para a área da saúde, que justamente constitui o enfoque a ser explorado na última parte deste ensaio.(41)

É preciso frisar, por outro lado, que também no que diz com o conteúdo do assim designado mínimo existencial, bem como no concernente à sua proteção e implementação, existe uma gama variada de posicionamentos a respeito das possibilidades e limites da atuação do Poder Judiciário nesta seara, de tal sorte que essa temática aqui não será especificamente examinada. De outra parte, mesmo que não se possa adentrar em detalhes o exame do tópico, firma-se posição no sentido de que o objeto e conteúdo do mínimo existencial, compreendido também como direito e garantia fundamental, haverá de guardar sintonia com uma compreensão constitucionalmente adequada do direito à vida e da dignidade da pessoa humana como princípio constitucional fundamental. Neste sentido, remete-se à noção de que a dignidade da pessoa humana somente estará assegurada - em termos de condições básicas a serem garantidas pelo Estado e pela sociedade - onde a todos e a qualquer um estiver garantida nem mais nem menos do que uma vida saudável.(42) Assim, a despeito de se endossar uma fundamentação do mínimo existencial no direito à vida e na dignidade da pessoa humana, há que encarar com certa reserva (pelo menos nos termos em que foi formulada) a distinção acima referida entre um mínimo existencial fisiológico e um mínimo sociocultural, notadamente pelo fato de que uma eventual limitação do núcleo essencial do direito ao mínimo existencial a um mínimo fisiológico, no sentido de uma garantia apenas das condições materiais mínimas que impedem seja colocada em risco a própria sobrevivência do indivíduo, poderá servir de pretexto para a redução do mínimo existencial precisamente a um mínimo meramente “vital” (de mera sobrevivência física). De outra parte, até mesmo a diferença entre o conteúdo do direito à vida e da dignidade da pessoa humana, que, a despeito dos importantes pontos de contato, não se confundem(43), poderá vir a ser negligenciada. Convém destacar, ainda nesta quadra, que a dignidade implica uma dimensão sociocultural, que também constitui elemento nuclear a ser respeitado e promovido(44), razão pela qual determinadas prestações em termos de direitos culturais (notadamente – mas não exclusivamente – no caso da educação fundamental) haverão de estar sempre incluídas no mínimo existencial como, de resto, já vinha também sustentando importante doutrina nacional, mesmo em se tratando de autores que assumem uma preferência por uma fundamentação de cunho mais liberal.(45)

Dito isso, o que importa, nesta quadra, é a percepção de que a garantia (e direito fundamental) do mínimo existencial independe de expressa previsão constitucional para poder ser reconhecida, visto que decorrente já da proteção da vida e da dignidade da pessoa humana. No caso do Brasil, embora não tenha havido uma previsão constitucional expressa consagrando um direito geral à garantia do mínimo existencial, não se poderia deixar de enfatizar que a garantia de uma existência digna consta do elenco de princípios e objetivos da ordem constitucional econômica (art. 170, caput), no que a nossa Carta de 1988 resgatou o que já proclamava a Constituição de Weimar, de 1919. De outra parte, os próprios direitos sociais específicos (como a assistência social, a saúde, a moradia, a previdência social, o salário mínimo dos trabalhadores, entre outros) acabaram por abarcar algumas das dimensões do mínimo existencial, muito embora não possam e não devam ser (os direitos sociais) reduzidos pura e simplesmente a concretizações e garantias do mínimo existencial, como, de resto, já anunciado. Por outro lado, a previsão de direitos sociais não retira do mínimo existencial sua condição de direito-garantia fundamental autônomo e muito menos não afasta a necessidade de se interpretar os demais direitos sociais à luz do próprio mínimo existencial, notadamente para alguns efeitos específicos, o que agora não serão objeto de atenção mais detida.

Neste contexto, há que enfatizar que o mínimo existencial – compreendido como todo o conjunto de prestações materiais indispensáveis para assegurar a cada pessoa uma vida condigna, no sentido de uma vida saudável(46) (e a vinculação com o direito à saúde, tomado aqui em seu sentido mais amplo, é proposital e será retomada no último segmento!) – tem sido identificado – por alguns – como constituindo o núcleo essencial dos direitos fundamentais sociais, núcleo este blindado contra toda e qualquer intervenção por parte do Estado e da sociedade.(47) Considerando a relevância deste ponto para uma série de questões nucleares da teoria e prática dos direitos fundamentais, mas especialmente no tocante à relação entre o mínimo existencial e os direitos fundamentais de um modo geral, é preciso recordar que não se endossa a tese de acordo com a qual o conteúdo em dignidade da pessoa humana equivale necessariamente ao núcleo essencial dos direitos fundamentais.(48) Com efeito, consoante já demonstrado em outra ocasião, não é certo que todos os direitos fundamentais tenham um fundamento direto na dignidade da pessoa humana e, portanto, um conteúdo certo em dignidade, assim como não é correto afirmar que o conteúdo em dignidade dos direitos (que sempre é variável) seja sempre equivalente ao núcleo essencial dos direitos fundamentais.(49)

O mesmo aplica-se aos próprios direitos fundamentais sociais, que, como demonstrado logo atrás, não se reduzem à dimensão positiva e também não se limitam ao mínimo existencial, ainda mais em se considerando as peculiaridades e a extensão do elenco dos direitos positivados na Constituição de 1988. Assim, verifica-se que mesmo não tendo um conteúdo que possa ser diretamente reconduzido à dignidade da pessoa humana ou, de modo geral, a um mínimo existencial, os direitos fundamentais em geral e os direitos sociais em particular nem por isso deixam de ter um núcleo essencial. Que este núcleo essencial, em muitos casos, até pode ser identificado com o conteúdo em dignidade destes direitos e que, especialmente em se tratando de direitos sociais de cunho prestacional (positivo) este conteúdo essencial possa ser compreendido como constituindo justamente a garantia do mínimo existencial, resulta evidente. Por outro lado, tal constatação não afasta a circunstância de que, quando for o caso, este próprio conteúdo existencial (núcleo essencial = mínimo existencial) não é o mesmo em cada direito social (educação, moradia, assistência social, etc.) não dispensando, portanto, a necessária contextualização (o que é uma moradia digna, por exemplo, varia significativamente até mesmo de acordo com as condições climáticas), bem como a necessária utilização de uma interpretação, simultaneamente tópico e sistemática,(50) designadamente quando estiver em causa a extração de alguma conseqüência jurídica em termos de proteção negativa ou positiva dos direitos sociais e do seu conteúdo essencial, seja ele, ou não, diretamente vinculado a alguma exigência concreta da dignidade da pessoa humana.

De todo o exposto e a despeito de uma série de outros aspectos que ainda poderiam ser colacionados, há como extrair, ainda, outra constatação de relevo também para os desenvolvimentos subseqüentes, qual seja, a impossibilidade de se estabelecer, de forma apriorística e acima de tudo de modo taxativo, um elenco dos elementos nucleares do mínimo existencial, no sentido de um rol fechado de posições subjetivas negativas e positivas correspondentes ao mínimo existencial.(51) Além disso, encontra-se vedada até mesmo a fixação pelo legislador de valores fixos e padronizados para determinadas prestações destinadas a satisfazer o mínimo existencial, notadamente quando não prevista uma possibilidade de adequação às exigências concretas da pessoa beneficiada e se cuidar de um benefício único substitutivo da renda mensal. O que compõe o mínimo existencial reclama, portanto, uma análise (ou pelo menos a possibilidade de uma averiguação) à luz das necessidades de cada pessoa e de seu núcleo familiar, quando for o caso. Tudo isso, evidentemente, não afasta a possibilidade de se inventariar todo um conjunto de conquistas já sedimentadas e que, em princípio e sem excluírem outras possibilidades, servem como uma espécie de roteiro a guiar o intérprete e de modo geral os órgãos vinculados à concretização dessa garantia do mínimo existencial.(52)

Por outro lado, seja com relação aos direitos sociais a prestações de um modo geral, seja relativamente à própria garantia do mínimo existencial, não há como desconsiderar que uma das principais (se não a principal!) objeções esgrimidas em matéria de concretização dos direitos sociais diz respeito à dimensão economicamente relevante desses direitos, que, embora comum a todos os direitos fundamentais de todas as dimensões, acaba assumindo particular relevância quando se cuida da efetivação dos direitos fundamentais como direitos a prestações. Com efeito, argumenta-se que as prestações necessárias à efetivação dos direitos fundamentais dependem sempre da disponibilidade financeira e da capacidade jurídica de quem tenha o dever de assegurá-las. Por conta de tal objeção, sustenta-se que os direitos a prestações e o mínimo existencial encontram-se condicionados pela assim designada “reserva do possível” e pela relação que esta guarda, entre outros aspectos, com as competências constitucionais, o princípio da separação dos Poderes, a reserva de lei orçamentária, o princípio federativo. Este precisamente o tópico a ser abordado no próximo segmento.

II A reserva do possível: algumas dimensões e conexões

Justamente pelo fato de os direitos sociais na sua condição (não exclusiva!) de direitos a prestações terem por objeto prestações estatais vinculadas diretamente à destinação, distribuição (e redistribuição), bem como à criação de bens materiais, aponta-se, com propriedade, para sua dimensão economicamente relevante. Já os direitos de defesa, por serem, na sua condição de direitos subjetivos, em primeira linha dirigidos a uma conduta omissiva, são geralmente considerados destituídos desta dimensão econômica, na medida em que o bem jurídico que protegem (vida, intimidade, liberdades, etc.) pode ser assegurado – como direito subjetivo exigível em Juízo – independentemente das circunstâncias econômicas, ou, pelo menos, sem a alocação direta, por força de decisão judicial, de recursos econômicos. De qualquer modo, é preciso que se deixe consignado que a referida “irrelevância econômica” dos direitos de defesa (negativos) não dispensa alguns comentários e esclarecimentos mais detidos. Com efeito, já se fez menção que todos os direitos fundamentais (inclusive os assim chamados direitos de defesa), na esteira da obra de Holmes e Sunstein e de acordo com a posição entre nós sustentada por autores como Gustavo Amaral(53) e Flávio Galdino,(54) são, de certo modo, sempre direitos positivos, no sentido de que também os direitos de liberdade e os direitos de defesa em geral exigem, para que sejam efetivados, um conjunto de medidas positivas por parte do poder público e que sempre abrangem a alocação significativa de recursos materiais e humanos para sua proteção e efetivação de uma maneira geral. Assim, não há como negar que todos os direitos fundamentais podem implicar “um custo”, de tal sorte que esta circunstância não se limita aos direitos sociais de cunho prestacional. Apesar disso, seguimos convictos de que, para o efeito de se admitir a imediata aplicação pelos órgãos do Poder Judiciário, o corretamente apontado “fator custo” de todos os direitos fundamentais nunca constituiu um elemento impeditivo da efetivação pela via jurisdicional. É exatamente neste sentido que deve ser tomada a referida “neutralidade” econômico-financeira dos direitos de defesa, visto que a sua eficácia jurídica (ou seja, a eficácia dos direitos fundamentais na condição de direitos negativos) e a efetividade naquilo que depende da possibilidade de implementação jurisdicional não tem sido colocada na dependência da sua possível relevância econômica. Já no que diz com os direitos sociais a prestações, seu “custo” assume especial relevância no âmbito de sua eficácia e efetivação, significando, pelo menos para grande parte da doutrina, que a efetiva realização das prestações reclamadas não é possível sem que se aloque algum recurso, dependendo, em última análise, da conjuntura econômica, já que aqui está em causa a possibilidade de os órgãos jurisdicionais imporem ao poder público a satisfação das prestações reclamadas.

Por outro lado, se a regra da relevância econômica dos direitos sociais prestacionais pode ser aceita sem maiores reservas, há que questionar, todavia, se efetivamente todos os direitos desta natureza apresentam dimensão econômica, havendo, neste contexto, quem sustente a existência de exceções, apontado para direitos sociais a prestações economicamente neutros (não implicam a alocação de recursos para sua implementação), no sentido de que há prestações materiais condicionadas ao pagamento de taxas e tarifas públicas(55), além de outras que se restringem ao acesso aos recursos já disponíveis. É preciso observar, contudo, que, mesmo nas situações apontadas, ressalta uma repercussão econômica ao menos indireta, uma vez que até o já disponível resultou da alocação e aplicação de recursos, sejam materiais, humanos ou financeiros em geral, oriundos, em regra, da receita tributária e outras formas de arrecadação do Estado.

Diretamente vinculada a esta característica dos direitos fundamentais sociais a prestações está a problemática da efetiva disponibilidade do seu objeto, isto é, se o destinatário da norma se encontra em condições de dispor da prestação reclamada (isto é, de prestar o que a norma lhe impõe seja prestado), encontrando-se, portanto, na dependência da real existência dos meios para cumprir com sua obrigação.(56) Já há tempo averbou-se que o Estado dispõe apenas de limitada capacidade de dispor sobre o objeto das prestações reconhecidas pelas normas definidoras de direitos fundamentais sociais,(57) de tal sorte que a limitação dos recursos constitui, segundo alguns, em limite fático à efetivação desses direitos.(58) Distinta (embora conexa) da disponibilidade efetiva dos recursos, ou seja, da possibilidade material de disposição, situa-se a problemática ligada à possibilidade jurídica de disposição, já que o Estado (assim como o destinatário em geral) também deve ter a capacidade jurídica, em outras palavras, o poder de dispor, sem o qual de nada lhe adiantam os recursos existentes.(59) Encontramo-nos, portanto, diante de duas facetas diversas, porém intimamente entrelaçadas, que caracterizam os direitos fundamentais sociais prestacionais. É justamente em virtude destes aspectos que se passou a sustentar a colocação dos direitos sociais a prestações sob o que se denominou de uma “reserva do possível”,(60) que, compreendida em sentido amplo, abrange mais do que a ausência de recursos materiais propriamente ditos indispensáveis à realização dos direitos na sua dimensão positiva.(61)

A construção teórica da “reserva do possível” tem, ao que se sabe, origem na Alemanha, especialmente a partir do início dos anos de 1970.(62) De acordo com a noção de reserva do possível, a efetividade dos direitos sociais a prestações materiais estaria sob a reserva das capacidades financeiras do Estado, uma vez que seriam direitos fundamentais dependentes de prestações financiadas pelos cofres públicos. A partir disso, a “reserva do possível” (Der Vorbehalt des Möglichen) passou a traduzir (tanto para a doutrina majoritária, quanto para a jurisprudência constitucional na Alemanha) a idéia de que os direitos sociais a prestações materiais dependem da real disponibilidade de recursos financeiros por parte do Estado, disponibilidade esta que estaria localizada no campo discricionário das decisões governamentais e parlamentares, sintetizadas no orçamento público.(63) Tais noções foram acolhidas e desenvolvidas na jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha, que, desde o paradigmático caso numerus clausus, versando sobre o direito de acesso ao ensino superior, firmou entendimento no sentido de que a prestação reclamada deve corresponder àquilo que o indivíduo pode razoavelmente exigir da sociedade. Com efeito, mesmo em dispondo o Estado dos recursos e tendo o poder de disposição, não se pode falar em uma obrigação de prestar algo que não se mantenha nos limites do razoável.(64) Assim, poder-se-ia sustentar que não haveria como impor ao Estado a prestação de assistência social a alguém que efetivamente não faça jus ao benefício, por dispor, ele próprio, de recursos suficientes para seu sustento. O que, contudo, corresponde ao razoável também depende – de acordo com a decisão referida e boa parte da doutrina alemã – da ponderação por parte do legislador.(65)

A partir do exposto, há como sustentar que a assim designada reserva do possível apresenta pelo menos uma dimensão tríplice, que abrange a) a efetiva disponibilidade fática dos recursos para a efetivação dos direitos fundamentais; b) a disponibilidade jurídica dos recursos materiais e humanos, que guarda íntima conexão com a distribuição das receitas e competências tributárias, orçamentárias, legislativas e administrativas, entre outras, e que, além disso, reclama equacionamento, notadamente no caso do Brasil, no contexto do nosso sistema constitucional federativo; c) já na perspectiva (também) do eventual titular de um direito a prestações sociais, a reserva do possível envolve o problema da proporcionalidade da prestação, em especial no tocante à sua exigibilidade e, nesta quadra, também da sua razoabilidade. Todos os aspectos referidos guardam vínculo estreito entre si e com outros princípios constitucionais, exigindo, além disso, um equacionamento sistemático e constitucionalmente adequado, para que, na perspectiva do princípio da máxima eficácia e efetividade dos direitos fundamentais, possam servir não como barreira intransponível, mas inclusive como ferramental para a garantia também dos direitos sociais de cunho prestacional.

Por outro lado, não nos parece correta a afirmação de que a reserva do possível seja elemento integrante dos direitos fundamentais(66) como se fosse parte do seu núcleo essencial ou mesmo como se estivesse enquadrada no âmbito do que se convencionou denominar de limites imanentes dos direitos fundamentais. A reserva do possível constitui, em verdade (considerada toda a sua complexidade), espécie de limite jurídico e fático dos direitos fundamentais, mas também poderá atuar, em determinadas circunstâncias, como garantia dos direitos fundamentais, por exemplo, na hipótese de conflito de direitos, quando se cuidar da invocação – desde que observados os critérios da proporcionalidade e da garantia do mínimo existencial em relação a todos os direitos fundamentais – da indisponibilidade de recursos com o intuito de salvaguardar o núcleo essencial de outro direito fundamental.

Neste contexto, há quem sustente que, por estar em causa uma verdadeira opção quanto à afetação material dos recursos, também há de ser tomada uma decisão sobre a aplicação destes, que, por sua vez, depende da conjuntura socioeconômica global, partindo-se, neste sentido, da premissa de que a Constituição não oferece, ela mesma, os critérios para esta decisão, deixando-a a cargo dos órgãos políticos (de modo especial ao legislador) competentes para a definição das linhas gerais das políticas na esfera socioeconômica.(67) É justamente por esta razão que a realização dos direitos sociais na sua condição de direitos subjetivos a prestações - de acordo com oportuna lição de Gomes Canotilho - costuma ser encarada como sendo sempre também um autêntico problema em termos de competências constitucionais, pois, segundo averba o autor referido, "ao legislador compete, dentro das reservas orçamentais, dos planos económicos e financeiros, das condições sociais e económicas do país, garantir as prestações integradoras dos direitos sociais, económicos e culturais".(68)

Como dá conta a problemática posta pelos que apontam para um “custo dos direitos”   (por sua vez, indissociável da assim designada “reserva do possível”), a crise de efetividade vivenciada com cada vez maior agudeza pelos direitos fundamentais de todas as dimensões está diretamente conectada com a maior ou menor carência de recursos disponíveis para o atendimento das demandas em termos de políticas sociais. Com efeito, quanto mais diminuta a disponibilidade de recursos, mais se impõe uma deliberação responsável a respeito de sua destinação, o que nos remete diretamente à necessidade de buscarmos o aprimoramento dos mecanismos de gestão democrática do orçamento público,(69) assim como do próprio processo de administração das políticas públicas em geral, seja no plano da atuação do legislador, seja na esfera administrativa, como bem destaca Rogério Gesta Leal,(70) o que também diz respeito à ampliação do acesso à justiça como direito a ter direitos capazes de serem efetivados e, além disso, envolve a discussão em torno da necessidade de evitar interpretações excessivamente restritivas no que diz com a legitimação do Ministério Público para atuar na esfera da efetivação também dos direitos sociais.(71)

Além disso, assume caráter emergencial uma crescente conscientização por parte dos órgãos do Poder Judiciário, de que não apenas podem como devem zelar pela efetivação dos direitos fundamentais sociais, mas que, ao fazê-lo, haverão de obrar com máxima cautela e responsabilidade, seja ao concederem (seja quando negarem) um direito subjetivo a determinada prestação social, ou mesmo quando declararem a inconstitucionalidade de alguma medida estatal com base na alegação de uma violação de direitos sociais, sem que tal postura, como já esperamos ter logrado fundamentar, venha a implicar necessariamente uma violação do princípio democrático e do princípio da separação dos Poderes. Neste sentido (e desde que assegurada atuação dos órgãos jurisdicionais, quando e na medida do necessário) efetivamente há que dar razão a Holmes e Sunstein quando afirmam que levar direitos a sério (especialmente pelo prisma da eficácia e efetividade) é sempre também levar a sério o problema da escassez.(72) Parece-nos oportuno apontar aqui (mesmo sem condições de desenvolver o ponto) que os princípios da moralidade e eficiência,(73) que direcionam a atuação da administração pública em geral, assumem um papel de destaque nesta discussão, notadamente quando se cuida de administrar a escassez de recursos e otimizar a efetividade dos direitos sociais.

Neste contexto, dada a íntima conexão desta problemática com a discussão em torno da assim designada “reserva do possível” na condição de limite fático e jurídico à efetivação judicial (e até mesmo política) de direitos fundamentais – e não apenas dos direitos sociais, consoante já frisado – vale destacar que também resta abrangida na obrigação de todos os órgãos estatais e agentes políticos a tarefa de maximizar os recursos e minimizar o impacto da reserva do possível. Isso significa, em primeira linha, que se a reserva do possível há de ser encarada com reservas,(74) também é certo que as limitações vinculadas à reserva do possível não são, em si mesmas, necessariamente uma falácia. O que tem sido, de fato, falaciosa, é a forma pela qual muitas vezes a reserva do possível tem sido utilizada entre nós como argumento impeditivo da intervenção judicial e desculpa genérica para a omissão estatal no campo da efetivação dos direitos fundamentais, especialmente de cunho social. Assim, levar a sério a “reserva do possível” (e ela deve ser levada a sério, embora sempre com as devidas reservas) significa também, especialmente em face do sentido do disposto no artigo 5º, § 1º, da CF, que cabe ao poder público o ônus da comprovação da falta efetiva dos recursos indispensáveis à satisfação dos direitos a prestações, assim como da eficiente aplicação dos mesmos. Por outro lado, para além do fato de que o critério do mínimo existencial – como parâmetro do reconhecimento de direitos subjetivos a prestações – por si só já contribui para a “produtividade” da reserva do possível,(75) há que explorar outras possibilidades disponíveis na nossa ordem jurídica e que, somadas e bem utilizadas, certamente haverão de reduzir de modo expressivo, se não até mesmo neutralizar, o seu impacto, inclusive no que diz com prestações que transcendam a garantia do mínimo existencial.

Neste contexto, também assume relevo o já referido princípio da proporcionalidade, que deverá presidir a atuação dos órgãos estatais e dos particulares, seja quando exercem função tipicamente estatal, mesmo que de forma delegada (com destaque para a prestação de serviços públicos)(76) seja aos particulares de um modo geral.(77) Além disso, nunca é demais recordar que a proporcionalidade haverá de incidir na sua dupla dimensão como proibição do excesso e de insuficiência,(78) além de, nesta dupla acepção, atuar sempre como parâmetro necessário de controle dos atos do poder público, inclusive dos órgãos jurisdicionais, igualmente vinculados pelo dever de proteção e efetivação dos direitos fundamentais. Isto significa, em apertadíssima síntese, que os responsáveis pela efetivação de direitos fundamentais, inclusive e especialmente no caso dos direitos sociais, onde a insuficiência ou inoperância(79) (em virtude da omissão plena ou parcial do legislador e administrador) causa impacto mais direto e expressivo, deverão observar os critérios parciais da adequação (aptidão do meio no que diz com a consecução da finalidade almejada), necessidade (menor sacrifício do direito restringido) e da proporcionalidade em sentido estrito (avaliação da equação custo-benefício – para alguns, da razoabilidade no que diz com a relação entre os meios e os fins), respeitando sempre o núcleo essencial do(s) direito(s) restringido(s), mas também não poderão, a pretexto de promover algum direito, desguarnecer a proteção de outro(s) no sentido de ficar aquém de um patamar minimamente eficiente de realização e de garantia do direito. Neste contexto, vale o registro de que a proibição de insuficiência assume particular ênfase no plano da dimensão positiva (prestacional) dos direitos fundamentais, o que remete, por sua vez, à questão do mínimo existencial, que volta a assumir um lugar de destaque também nesta seara, embora não se possa aqui desenvolver mais esses pontos.

Outra possibilidade, já referida, diz com o controle (que abrange o dever de aperfeiçoamento, resultante dos deveres de proteção) judicial das opções orçamentárias e da legislação relativa aos gastos públicos em geral(80) (inclusive da que dispõe sobre a responsabilidade fiscal), já que com isso se poderá, também, minimizar os efeitos da reserva do possível, notadamente no que diz com sua componente jurídica, tendo em conta a possibilidade (ainda que manuseada com saudável e necessária cautela) de redirecionar recursos (ou mesmo suplementá-los) no âmbito dos recursos disponíveis e, importa frisar, disponibilizáveis. Com efeito, o que se verifica, em muitos casos, é uma inversão hierárquica tanto em termos jurídico-normativos quanto em termos axiológicos, quando se pretende bloquear qualquer possibilidade de intervenção neste plano, a ponto de se privilegiar a legislação orçamentária em detrimento de imposições e prioridades constitucionais(81) e, o que é mais grave, prioridades em matéria de efetividade de direitos fundamentais. Tudo está a demonstrar, portanto e como bem recorda Eros Grau, que a assim designada reserva do possível “não pode ser reduzida a limite posto pelo orçamento, até porque, se fosse assim, um direito social sob ‘reserva de cofres cheios’ equivaleria, na prática – como diz José Joaquim Gomes Canotilho – a nenhuma vinculação jurídica”.(82) Importa, portanto, que se tenha sempre em mente, que quem “governa” – pelo menos num Estado Democrático (e sempre constitucional) de Direito – é a Constituição, de tal sorte que aos poderes constituídos impõe-se o dever de fidelidade às opções do Constituinte, pelo menos no que diz com seus elementos essenciais, que sempre serão limites (entre excesso e insuficiência!) da liberdade de conformação do legislador e da discricionariedade (sempre vinculada) do administrador e dos órgãos jurisdicionais. Nesta seara, embora já se tenham verificado expressivos avanços, seja em termos doutrinários, seja no plano jurisprudencial, há que seguir investindo significativamente.

Além disso, o eventual impacto da reserva do possível certamente poderá ser, se não completamente neutralizado, pelo menos minimizado, mediante o controle (também jurisdicional!) das decisões políticas acerca da alocação de recursos, inclusive no que diz com a transparência das decisões e a viabilização do controle social sobre a aplicação dos recursos alocados no âmbito do processo político.(83) Uma vez que a possibilidade de satisfação dos direitos reconhecidos pela Constituição (e também na esfera da legislação infraconstitucional) guarda vinculação com escolhas estratégicas sobre qual a melhor forma de aplicar os recursos públicos, tal como recordam Holmes e Sunstein, há, de fato, boas razões de ordem democrática a indicarem que as decisões sobre quais direitos efetivar (assim como sobre em que medida se deve fazê-lo!) devam ser feitas do modo mais aberto possível e com a garantia dos níveis mais efetivos de informação da população, destinatária por excelência das razões e justificativas que  devem sustentar as decisões tanto dos agentes políticos em geral quanto dos juízes.(84) De outra parte, não se deve olvidar que uma série de garantias constitucionais, como é o caso da inafastabilidade do controle jurisdicional (art. 5º, XXXV, da CF), viabiliza o acesso ao Judiciário, sempre que haja lesão ou ameaça de lesão a direito, sem que se possa excluir qualquer direito e, em princípio, qualquer tipo de ameaça de lesão ou lesão, ainda que veiculada por meio de “políticas públicas”, seja decorrente da falta destas.

De outra banda, conectado com a reserva do possível e com a distribuição das competências no campo do sistema estatal, de um modo geral no que diz com os deveres prestacionais vinculados aos direitos fundamentais, importa mencionar o papel do princípio da subsidiariedade, cuja operatividade transcende a sua já tradicional importância no âmbito do sistema federativo, ainda mais quando conectado com o princípio (e dever!) de solidariedade e a própria dignidade da pessoa humana. Sem que se possa também quanto a este ponto aprofundar o debate, há que recordar – de acordo com a precisa e oportuna lição de Jörg Neuner – que o princípio da subsidiariedade assume, numa feição positiva, o significado de uma imposição de auxílio e, numa acepção negativa, a necessária observância, por parte do Estado, das peculiaridades das unidades sociais inferiores, não podendo atrair para si as competências originárias daquelas.(85) Neste sentido, ainda na esteira de Neuner, o princípio da subsidiariedade assegura simultaneamente um espaço de liberdade pessoal e fundamenta uma “primazia da auto-responsabilidade”, que implica, para o indivíduo, um dever de zelar pelo seu próprio sustento e o de sua família.(86) Já à luz destas sumárias considerações e a despeito de toda a controvérsia em torno do significado do princípio da subsidiariedade, vislumbra-se aqui a premente necessidade de valorizar a sua operatividade, designadamente no campo da distribuição de encargos no âmbito da efetivação de padrões mínimos de justiça social entre os órgãos estatais e a sociedade, o que não significa necessariamente aderir a uma fundamentação prevalentemente liberal dos direitos fundamentais e muito menos implica uma cogente redução dos direitos sociais (especialmente na sua dimensão positiva) à subsidiariedade, questões que aqui não poderão ser enfrentadas. De outra parte, o princípio da subsidiariedade, compreendido (também) no sentido de uma exigência do exercício efetivo da autonomia e da cobrança de pelo menos uma co-responsabilidade pessoal (que, por óbvio, deverá observar os critérios da proporcionalidade e atender às circunstâncias pessoais) acaba por atuar inclusive na compreensão do próprio conteúdo e significado do princípio da dignidade da pessoa humana, temática que por si só já demandaria uma investigação específica e que, de resto, guarda conexão com o princípio da solidariedade.

No que diz com a atuação do Poder Judiciário, não há como desconsiderar o problema da sua prudente e responsável autolimitação funcional (do assim designado judicial self restraint), que evidentemente deve estar sempre em sintonia com a sua necessária e já afirmada legitimação para atuar, de modo pró-ativo, no controle dos atos do poder público em prol da efetivação ótima dos direitos (de todos os direitos) fundamentais.(87) Que a atuação dos órgãos jurisdicionais – sempre provocada – não apenas não dispensa, como inclusive exige uma contribuição efetiva dos demais atores políticos e sociais, como é o caso do Ministério Público, das agências reguladoras, dos Tribunais de Contas, das organizações sociais de um modo geral, bem como dos cidadãos individualmente considerados, resulta evidente, mas nem sempre corresponde a uma prática institucional efetiva nesta seara. Também neste contexto assumem relevo os princípios da moralidade e probidade da administração pública, de tal sorte que – mesmo sem desenvolver o ponto – é possível afirmar que a maximização da eficácia e efetividade de todos os direitos fundamentais, na sua dupla dimensão defensiva e prestacional, depende, em parte significativa (e a realidade brasileira bem o demonstra!) da otimização do direito fundamental a uma boa (e portanto sempre proba e moralmente vinculada) administração.

Por derradeiro, já nos encaminhando para o fechamento desta etapa e cientes de que diversos aspectos desafiam maior desenvolvimento (além de outros que sequer foram tangenciados), reafirmamos aqui o nosso entendimento de que, embora o conteúdo judicialmente exigível dos direitos sociais como direitos a prestações não possa ser limitado à garantia do mínimo existencial, quando este estiver em causa (e pelo menos nesta esfera) há que reconhecer aquilo que já se designou de direito subjetivo definitivo a prestações (como tem sido o caso de Robert Alexy e José Joaquim Gomes Canotilho, entre outros) e, portanto, plenamente exigível também pela via jurisdicional. As objeções atreladas à reserva do possível não poderão prevalecer nesta hipótese, exigíveis, portanto, providências que assegurem, no caso concreto, a prevalência da vida e da dignidade da pessoa, inclusive o cogente direcionamento ou redirecionamento de prioridades em matéria de alocação de recursos, pois é disso que no fundo se está a tratar.(88) Até mesmo a tese de que a reserva do possível poderia servir de argumento eficiente a afastar a responsabilidade do Estado (por ação ou omissão, vale dizer!) não nos parece possa ser aceita, ainda mais de modo generalizado, na esfera das prestações que inequivocamente dizem com o mínimo existencial. Que a defesa de um direito subjetivo definitivo na esfera das prestações vinculadas ao mínimo existencial e a superação da reserva do possível especialmente neste âmbito – aqui retomada sem maior desenvolvimento – não afasta a necessidade de se discutir uma série de problemas (parte dos quais já anunciados) e não responde todas as indagações, resulta evidente.

Neste sentido, empreenderemos – no próximo segmento – a tentativa de ilustrar alguns dos aspectos com base no exemplo do direito à saúde. Por outro lado, antes de prosseguirmos, consideramos oportuna a referência ao pensamento de Jorge Reis Novais(89) ao afirmar que a reserva do possível (antes de atuar como barreira intransponível à efetivação dos direitos fundamentais, importa acrescentar!) deve viger como um mandado de otimização dos direitos fundamentais, impondo ao Estado o dever fundamental de, tanto quanto possível, promover as condições ótimas de efetivação da prestação estatal em causa, preservando, além disso, os níveis de realização já atingidos, o que, por sua vez, aponta para a necessidade do reconhecimento de uma proibição do retrocesso, ainda mais naquilo que se está a preservar o mínimo existencial.(90)

III O direito à saúde e sua eficácia e efetividade entre a reserva do possível e o mínimo existencial

1 Breves referências em torno do direito à saúde como direito (e dever) fundamental

Que a saúde constitui um bem essencial da e para a pessoa humana e por esta razão tem sido objeto de tutela tanto como direito humano, quanto como direito fundamental, seja na esfera do direito internacional, seja por parte do direito interno dos Estados, aqui vai assumido como pressuposto, assim como aqui já se parte da constatação de que, à semelhança dos demais direitos sociais, a saúde também é um direito fundamental no sistema constitucional brasileiro (artigos 6° e 196 e ss. da CF), comungando da já referida dupla fundamentalidade formal e material que justamente qualifica os direitos fundamentais como tais. Todavia, ainda que aqui se esteja a privilegiar uma abordagem pautada pela ótica dos direitos fundamentais, convém não olvidar que a saúde também constitui um dever fundamental. Tal afirmativa decorre, pelo menos no que se refere ao Estado, diretamente da dicção do texto constitucional, que, no artigo 196, prescreve que “a saúde é direito de todos e dever do Estado”, salientando a obrigação precipuamente estatal de proteção e efetivação desse direito. Isso não significa, todavia – a não ser que se pretenda sustentar uma interpretação literal e restritiva – que o dever fundamental de proteção (e promoção) da saúde não gera efeitos na esfera das relações entre particulares, uma vez que estes se encontram também vinculados (na condição de destinatários) às normas que asseguram direitos e impõe deveres fundamentais.(91) Basta lembrar que a ofensa à integridade física e corporal de outrem é freqüentemente causa de conduta punível na esfera penal, assim como de estipulação de indenização no âmbito cível. Por outro lado, argumenta-se ainda em favor da existência de um dever da própria pessoa (e de cada pessoa) para com sua própria saúde (vida, integridade física e dignidade pessoal), hábil a justificar, dependendo das circunstâncias do caso concreto, até mesmo a intervenção judicial visando à proteção da pessoa contra si mesma, em homenagem ao caráter (ao menos em parte) irrenunciável da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais, como ocorre, por exemplo, nos casos de internação compulsória e de cogente submissão a determinados tratamentos. Por isso, não pode o direito à saúde ser simplesmente reconduzido à (velha) noção de direito público subjetivo, já que manifestamente vigente nas relações entre particulares, mesmo que tal dimensão não venha a dispensar alguma reflexão adicional.

De outra parte, sempre lembrando que a saúde, na condição de bem jurídico, é tutelada tanto como direito humano quanto fundamental(92) (assim como lhe são inerentes um conjunto de deveres fundamentais) importa destacar que também (e de modo particularmente significativo) a saúde, como bem tutelado pelo Direito, é marcada – como bem sinala e desenvolve João Loureiro – por uma forte interdependência, que aponta tanto para a existência de zonas de convergência e superposição com outros bens (direitos e deveres) que constituem também objeto de tutela autônoma (privacidade, moradia, trabalho, alimentação, entre outras), mas que também reclama seja considerada tanto a existência de uma fronteira (seguramente não estanque) entre os diversos males que afetam a saúde (ações da própria pessoa e de terceiros, riscos coletivos provocados pelo Homem e catástrofes naturais) e as medidas para conservação e proteção (poderíamos acrescentar aqui a promoção) da saúde.(93) Além disso, embora não se possa desconsiderar que também no caso da saúde existe toda uma rede normativa que atua como sistema jurídico de referência para a sua proteção e promoção, no sentido de uma verdadeira juridicidade em rede,(94) que abrange tanto o sistema de proteção internacional (incluindo aqui o regional e toda a produção normativa que aqui poderá ter relevância) quanto o nacional, com destaque para – especialmente no caso do Brasil – a Constituição.

Ainda nesta fase preliminar e para espancar qualquer dúvida a respeito de nossa posição, enfatiza-se que a circunstância de que o direito à saúde – tal como expressamente dispõe o texto constitucional brasileiro (artigo 196 da CF) – é direito de todos, e, portanto, direito de titularidade universal e não apenas atribuída aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País, tal como estabelecido no artigo 5°, caput, da CF. Mesmo ausente previsão expressa relativamente à titularidade universal, parece elementar que a saúde – à semelhança, aliás, de outros direitos fundamentais – por sua direta ligação com os direitos à vida e à integridade física e corporal, que, por sua natureza, são direitos de todos (e de qualquer um), não poderia ser compreendida senão de um modo também universal, ou seja, como direito de toda e qualquer pessoa humana, brasileira ou não.(95) Se, por um lado, é inquestionável que o direito à saúde é direito de todos, não se pode, por outro, agasalhar a tese de que se cuida de um direito coletivo e que, por ser direito coletivo, não poderia ser objeto de dedução individualizada em Juízo, especialmente para além das hipóteses previamente previstas na legislação infraconstitucional. Com efeito, tanto é equivocada a tese de que os direitos sociais são em primeira linha direitos coletivos, quanto é de ser afastada a tese de que não cabem demandas individuais.(96) Em primeiro lugar, o fato de todos os direitos fundamentais (e não apenas os sociais) terem uma dimensão transindividual (coletiva e difusa) em momento algum lhes retira a condição de serem, em primeira linha, direitos fundamentais de cada pessoa, ainda mais quando a própria dignidade é sempre da pessoa concretamente considerada. Pela mesma razão, não se poderia afastar a possibilidade da tutela individual, o que não significa dizer que existem problemas a serem enfrentados e que em muitos casos (mas não em todos!) a tutela judicial mais adequada e efetiva deva ocorrer de modo coletivo. Os direitos sociais – o que sempre tivemos o cuidado de enfatizar(97) - são sempre também individuais e, portanto, direitos de todos e de cada um,(98) o que assume particular relevância no campo da saúde.

Seguindo com o detalhamento de alguns dos aspectos centrais da dogmática constitucional também aplicável ao direito à saúde, importa retomar aqui a classificação dos direitos fundamentais em direitos de defesa (negativos) e direitos a prestações (positivos) visto que o direito à saúde, dependendo da função que assuma no caso concreto, pode ser reconduzido – assim como os direitos fundamentais de um modo geral e tal como já anunciado – a ambas as categorias, com reflexos relevantes em termos de eficácia e efetividade. Com efeito, na condição de direito de defesa, o direito à saúde assume a condição de um direito à proteção da saúde e, em primeira linha, resguarda o titular contra ingerências ou agressões que constituam interferências na e ameaças à sua saúde, sejam oriundas do Estado, sejam provindas de atores privados. Já como direito a prestações, o direito à saúde pressupõe a realização de atividades por parte do destinatário (o Estado ou mesmo particulares) que asseguram a fruição do direito. Em sentido amplo, abrange a consecução de medidas para salvaguarda do direito e da própria saúde dos indivíduos (deveres de proteção), bem como a organização de instituições, serviços, ações, procedimentos, enfim, sem os quais não seria possível o exercício desse direito fundamental (deveres de organização e procedimento). Em sentido estrito (acompanhando aqui a terminologia proposta por Robert Alexy) a dimensão prestacional traduz-se no fornecimento de serviços e bens materiais ao titular desse direito fundamental (atendimento médico e hospitalar, entrega de medicamentos, realização de exames da mais variada natureza, prestação de tratamentos, ou seja, toda uma gama de prestações que tenham por objeto assegurar a saúde de alguém).

Embora a sua dupla dimensão negativa e positiva, é certo que também com relação ao direito à saúde o texto constitucional, salvo algumas pistas, não define exatamente até que ponto a saúde há de ser tutelada negativa e positivamente. Que isto não pode ser legitimamente utilizado como argumento a afastar, por exemplo, a possibilidade de intervenção jurisdicional, resulta evidente, embora, por outro lado, esteja a indicar a relevância de uma adequada concretização por parte do legislador e, no que for cabível, da administração pública. De qualquer modo, já é possível extrair da Constituição que necessariamente o direito à proteção e promoção da saúde abrange tanto a dimensão preventiva, quanto promocional e curativa da saúde, bastante uma rápida leitura do que dispõe o artigo 196. Nesse sentido, ao referir-se à “recuperação”, a Constituição de 1988 conecta-se com a chamada “saúde curativa”, quer dizer, a garantia de acesso dos indivíduos aos meios que lhes possam trazer, senão a cura da doença, pelo menos uma sensível melhora na qualidade de vida, o que, de modo geral, ocorre nas hipóteses de tratamento contínuo. Além disso, as expressões “redução do risco de doença” e “proteção” parecem guardar relação com a idéia de “saúde preventiva”, isto é, a efetivação de medidas que tenham por escopo evitar o surgimento da própria doença, inclusive pelo contágio. O termo “promoção”, enfim, atrela-se à busca da qualidade de vida, por meio de ações que objetivem melhorar as condições de vida e saúde das pessoas.(99) Por todo o exposto, verifica-se que a nossa Carta Magna guarda sintonia explícita com a garantia do “mais alto nível possível de saúde”, tal como prescreve o artigo 12 do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) de 1966, regularmente ratificado e incorporado pelo Brasil.(100)

Da mesma forma, a concepção adotada pelo Constituinte de 1988 mostra-se afinada com o conceito proposto pela Organização Mundial de Saúde (OMS), no preâmbulo de cuja Constituição define-se a saúde como o “completo bem-estar físico, mental e social”, noção que de longe supera a acepção de saúde como a mera ausência de doenças. Ainda que compreendido como uma espécie de “imagem-horizonte”(101) (portanto, também um ideal a alcançar) esse conceito salienta a necessidade de assegurar o equilíbrio entre a pessoa e o meio que a circunda, bem como a cogente consideração do mínimo existencial como garantindo uma vida saudável – em harmonia, portanto, com a concepção de mínimo existencial advogada neste estudo, que em hipótese alguma admite uma redução do mínimo existencial a um mínimo apenas fisiológico ou vital. Que a interpretação do conceito de saúde e do próprio mínimo existencial deverá sempre levar em consideração a realidade circundante (cultural, social, geográfica e climática, etc.) e as circunstâncias pessoais do titular já foi suficientemente enfatizado. De outra parte, resulta notório que também na esfera do direito à saúde há que equacionar toda uma gama de questões atinentes aos limites fáticos e jurídicos à sua plena realização. Assim, no próximo e último segmento deste ensaio, iremos, à luz de alguns exemplos, avançar um pouco mais na discussão das relações entre o direito à saúde e a assim designada reserva do possível, especialmente quando em causa a garantia do mínimo existencial.

2 Tópicos sobre a efetividade do direito à saúde na fronteira entre a reserva do possível e o mínimo existencial

Premissa central da análise que se passa a empreender é a circunstância de que não se poderá desconsiderar que o direito à saúde, como os demais direitos fundamentais, encontra-se sempre e de algum modo afetado pela assim designada reserva do possível em suas diversas manifestações, seja pela disponibilidade de recursos existentes (que abrange também a própria estrutura organizacional e a disponibilidade de tecnologias eficientes), seja pela capacidade jurídica (e técnica) de deles se dispor (princípio da reserva do possível). Por outro lado, a garantia (implícita) de um direito fundamental ao mínimo existencial opera como parâmetro mínimo dessa efetividade, impedindo tanto omissões quanto medidas de proteção e promoção insuficientes por parte dos atores estatais, assim como na esfera das relações entre particulares, quando for o caso. Em outras palavras e apenas retomando aqui o que já havia sido anunciado, em matéria de tutela do mínimo existencial (o que no campo da saúde, pela sua conexão com os bens mais significativos para a pessoa) há que reconhecer um direito subjetivo definitivo a prestações e uma cogente tutela defensiva, de tal sorte que, em regra, razões vinculadas à reserva do possível não devem prevalecer como argumento a, por si só, afastar a satisfação do direito e exigência do cumprimento dos deveres, tanto conexos quanto autônomos, já que nem o princípio da reserva parlamentar em matéria orçamentária nem o da separação dos poderes assumem feições absolutas.(102) Nesta linha de entendimento, além de significativa doutrina, também já se tem pronunciado a jurisprudência, inclusive no âmbito do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal.(103)

Que o em princípio cogente reconhecimento de direitos subjetivos (inclusive originários e, portanto, diretamente fundados na Constituição, a despeito da inexistência de regulamentação específica pelo legislador) a prestações na esfera do mínimo existencial também no caso da saúde, em que o impacto econômico seguidamente é muito expressivo (comparado com o “custo” do mínimo existencial em outros casos, como o da moradia e do ensino fundamental, por exemplo), não afasta a possibilidade e a necessidade de se discutir uma série de questões daí emergentes resulta evidente, a principiar pela própria definição do que constitui o mínimo existencial em cada caso.

Dentre os inúmeros aspectos que aqui poderiam ser colacionados e avaliados, situa-se o problema das técnicas processuais adequadas de tutela dos direitos fundamentais.(104) Neste contexto, destaca-se (por sua conexão direta com a questão da reserva do possível) a em geral equívoca equiparação entre as noções de eficácia plena e exigibilidade direta de direitos subjetivos a prestações e a categoria do direito líquido e certo como fundamento para concessão de liminar em mandado de segurança. Com efeito, o mínimo existencial está sujeito à demonstração e discussão com base em elementos probatórios, notadamente no que diz com as necessidades de cada um em cada caso, assim como em relação às alternativas efetivamente eficientes e indispensáveis de tratamento. A mera apresentação de uma requisição médica atestando determinada doença e indicando determinado tratamento não se encontra, por certo, imune à contestação, seja para o efeito de demonstrar a desnecessidade daquele tratamento ou mesmo a existência de alternativa, seja de opção que, embora igualmente eficiente, seja mais econômica, viabilizando o atendimento para outras pessoas com o mesmo comprometimento orçamentário. Da mesma forma, é possível que o próprio tratamento recomendado não seja nem mesmo o melhor disponível ou o que de fato seja o menos invasivo para a própria pessoa que se pretende tutelar.  

Outro problema a ser considerado diz respeito à gratuidade dos serviços de saúde prestados pelo poder público e às relações entre o sistema de saúde pública e os assim designados planos de saúde privados, já que se revela como sendo de difícil sustentação, ainda mais num País como o Brasil, caracterizado por tanta desigualdade social, que um particular que disponha de recursos suficientes para financiar um bom plano de saúde privado (sem o comprometimento de um padrão digno de vida para si e sua família e sem prejuízo, portanto, do acesso a outros bens fundamentais como educação, moradia, etc.) possa acessar, sem qualquer tipo de limitação ou condição (já que não se trata de uma exclusão do sistema de saúde pública), o sistema de saúde, nas mesmas condições de alguém que não esteja apto a prover com recursos próprios a sua saúde pessoal. O simples argumento de que quem contribui (impostos) já está a pagar pelo acesso à saúde pública não pode vingar no contexto de uma sociedade acentuadamente desigual, em que a maioria da população se encontra na faixa isenta de imposto sobre a renda, muito embora as fontes específicas de financiamento do sistema de saúde. Em termos de direitos sociais (e, neste caso, existenciais) básicos, a efetiva necessidade haverá de ser um parâmetro a ser levado a sério, juntamente com os princípios da solidariedade, da subsidiariedade e da proporcionalidade. Assim, a conexão entre o princípio da isonomia (que impõe um tratamento desigual entre os desiguais) – compreendido, por óbvio, na sua perspectiva substancial – e o princípio da proporcionalidade, operante não apenas pelo prisma do Estado e da sociedade, mas pelo prisma do indivíduo (no sentido daquilo que este pode esperar do Estado), revela que, no mínimo, o tema da gratuidade do acesso à saúde (que não constitui a regra no direito comparado) merece ser cada vez mais discutido, pelo menos para efeitos de uma distribuição mais eqüitativa das responsabilidades e encargos, maximizando assim o acesso em termos do número de pessoas abrangidas pelo sistema e buscando uma maior qualidade dos serviços.

Nesta quadra, ganha relevo a necessidade de efetivação do mínimo existencial em atenção às circunstâncias concretas do indivíduo que requer a tutela, num sentido de que a garantia resguarda o direito de ser tratado como igual, e não propriamente o direito a prestações iguais,(105) cabendo ponderações conforme a hipótese de fato. Ao contrário do que defende parcela da doutrina,(106) a universalidade dos serviços de saúde não traz, como corolário inexorável, a gratuidade das prestações materiais para toda e qualquer pessoa, assim como a integralidade do atendimento não significa que qualquer pretensão tenha de ser satisfeita em termos ótimos. A concepção de igualdade substancial (inclusive no que diz com a observância das diferenças) designadamente num contexto constitucional e social de um país que, como o Brasil, luta por uma distribuição mais justa da riqueza, a restrição à gratuidade das prestações (pelo menos sua compreensão próxima a de uma tendencial gratuidade, tal como passou a estabelecer a Constituição Portuguesa após uma revisão quanto a este ponto)(107) é de ser pelo menos levada a sério, tendo sido, de resto, objeto de algum reconhecimento, seja no que diz com algumas políticas públicas,(108) seja na esfera jurisprudencial e doutrinária.(109)

Tais considerações, contudo, não afastam a necessidade (a despeito da existência mesmo de condições financeiras) – tal como sustenta expressiva doutrina e jurisprudência no plano do direito comparado – de se reconhecer sempre um direito subjetivo em casos de urgência, normalmente compreendidas como aquelas em que a vida humana se encontrar em risco iminente, a exigir providências efetivas e imediatas. Em caráter ilustrativo, citamos aqui as contribuições de Mathieu (França),(110) Arango e Lamaitre (Colômbia),(111) Abramovich e Courtis (Argentina e outros),(112) assim como Canotilho e Novais (Portugal).(113) Retoma-se aqui a exortação já lançada acima, no sentido de que a salvaguarda da vida é, de regra, prioritária em relação à reserva do possível, ainda que tendo por conseqüência (ou mesmo pressuposto) eventual comprometimento de outras demandas ou eventuais ajustes orçamentários, o que, à evidência, somente poderá ser aferido definitivamente diante do caso concreto.

Por outro lado, não podemos ser ingênuos a ponto de ter como irrelevantes as questões vinculadas à reserva do possível, já que esta, para além das considerações de ordem financeiro-orçamentária estrita, envolve também aspectos outros, tais como disponibilidade efetiva de leitos, aparelhos médicos avançados, profissionais de saúde habilitados, etc. Além disso, assume relevo a exigência de capacidade de decisão específica (perícia) acerca das diretrizes terapêuticas a serem observadas quanto à prestação de saúde requerida. Isso porque os protocolos clínicos e as diretrizes terapêuticas do SUS, que uniformizam as condutas de tratamento no âmbito do sistema de saúde brasileiro, têm por base o trabalho de profissionais especializados, buscando (pelo menos vale, em princípio, a presunção), acima de tudo, a garantia de eficiência e segurança dos tratamentos e medicamentos indicados, encontrando-se abertos à participação da comunidade científica, a quem é viabilizada a possibilidade de opinar sobre o protocolo em estudo, antes que seja definitivamente aprovado e estabelecido. Por isso, a decisão acerca da garantia do mínimo existencial muitas vezes demandará um exame mais acurado da pretensão formulada em juízo, pois nem sempre se estará diante de tratamentos e medicamentos eficientes e seguros, podendo em muitos casos ser temerária a extrapolação das decisões técnico-científicas constantes dessas diretrizes. Com isso, não se está evidentemente a concordar com o entendimento de que não pode ser imposto ao Estado medicamento ou procedimento muito oneroso, da mesma forma como não se está a endossar decisões judiciais ou doutrina que reconheçam apenas a possibilidade de exigir judicialmente do Estado o fornecimento de bens ou serviços previstos na legislação ou, como no caso dos medicamentos, em protocolos aprovados pelo Ministério da Saúde ou pelas Secretarias de Saúde dos Estados ou Municípios. Importa não olvidar que as exigências do mínimo existencial podem ser comuns a uma comunidade de pessoas, mas o remédio deve ser adequado ao mal específico de cada um e, de resto, ser adequado ao tratamento naquele caso, isto sem adentrar a questão da atualização periódica dos protocolos, entre tantos outros aspectos que poderiam ser colacionados.

Como mencionado anteriormente, os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade devem sempre servir de critério para a decisão judicial. Nesse sentido, pode-se dizer que não se mostra razoável, por exemplo, compelir o Estado a fornecer ou custear medicamentos e tratamentos experimentais, assim compreendidos aqueles não aprovados pelas autoridades sanitárias competentes (o que não significa que a opção técnica do setor governamental  respectivo não possa e mesmo deva ser sindicada em determinadas hipóteses), ou que o foram para finalidade diversa daquela pretendida pelo interessado, e que sequer constituíram objeto de testes minimamente seguros, de tal sorte que o autor da demanda, em alguns casos, pode estar servindo como mera cobaia, o que, no limite, poderá implicar até mesmo violação da própria dignidade da pessoa humana, que, em situações mais extremas, importa até mesmo no dever de proteção da pessoa contra si mesma por parte do Estado e de terceiros. Num sentido ainda mais amplo, igualmente não se configura razoável a condenação do Estado em obrigação genérica, ou seja, ao fornecimento ou custeio de todo medicamento ou tratamento que vier a ser criado ou descoberto, conforme a evolução científica, ainda que oportunamente aprovado pelo órgão sanitário técnico competente. Lembre-se que nem sempre o “novo” é sinônimo do melhor (mais eficiente e seguro para o próprio titular do direito à saúde e, por vezes, para a própria comunidade em que se insere), seja em termos de diretrizes terapêuticas, seja em termos orçamentários propriamente ditos. Sem dúvida não é razoável, ademais, a imposição de prestação de determinada “marca” de remédio, quando existente outra opção, similar em segurança e eficiência, mas de menor custo econômico, disponível no mercado e no próprio sistema público de saúde – isso para não mencionar a necessidade de indicar-se preferencialmente o princípio ativo, isto é, a denominação científica das substâncias prescritas e, sempre que possível, optar-se pelos medicamentos popularmente conhecidos como “genéricos”, desde que, convém repisar, assegurada a eficiência e segurança. Em sentido semelhante, sem prejuízo de outras implicações em termos éticos, a exigência de intervenções desnecessárias e/ou inúteis, como ocorre, em caráter ilustrativo, com exames e cirurgias que podem, com vantagens acima de tudo para a própria saúde da pessoa, ser substituídos por outras formas de diagnóstico e tratamento. Tudo isso, portanto, converge com a exortação já lançada no que diz com a necessidade de averiguação (e, portanto, produção de prova e sujeição ao contraditório) do que efetivamente representa o mínimo existencial em cada caso e qual a necessidade (não apenas financeira!) em dar atendimento ao pleito.

Outro problema que ganha contornos cada vez mais complexos (e que aqui se aborda superficialmente), pelo menos em face das crescentes demandas judiciais a este respeito, é a pretensão de condenação do Estado à prestação de medicamentos e tratamentos não previamente elencados nas listas do sistema de saúde e normalmente indicados por profissionais sem qualquer tipo de vínculo com esse sistema (“particulares”, na linguagem coloquial). Refira-se, inicialmente, que tais listagens condensam as diretrizes terapêuticas e protocolos clínicos para um amplo espectro de doenças, sem, contudo e à evidência, abrangerem todas as doenças, nem tampouco abarcarem toda a espécie de tratamento existente. Se as listas asseguram segurança e eficiência às indicações que contêm, conforme comprovado pelas autoridades sanitárias competentes, ao mesmo tempo não são capazes de dar resposta a todas as demandas. Além disso, na medida em que a prestação postulada muitas vezes diz respeito ao mínimo existencial e, portanto, com a garantia da dignidade na vida e na própria morte das pessoas que buscam o tratamento, pensamos que, ademais das questões já tratadas anteriormente, o ponto talvez mais importante seja uma revitalização do papel ativo do Judiciário nessas questões.

Em termos mais pragmáticos, isso significa que mesmo se o tratamento postulado (desde que demonstrada sua adequação e necessidade) não se inclui em nenhuma das listas oficiais, nem tenha sido abarcado por uma das hipóteses de falta de razoabilidade antes colacionadas, parece-nos inarredável que o Juiz deva assumir um papel mais ativo na condução da demanda. Nesse sentido, deve formular dúvidas quanto ao receituário médico e, sendo necessário, solicitar o auxílio de profissional especializado, no sentido de certificar-se da eficiência e segurança do tratamento requerido pela pessoa interessada. Se não há protocolos clínicos ou mesmo diretrizes terapêuticas estabelecidas, há necessidade de prova científica robusta que embase a postulação feita, o que, à evidência, não resta (sempre) atendido apenas mediante apresentação de receituário firmado pelo profissional da saúde que tem relação direta com o interessado, de tal sorte que menos haverá de poder a questão ser submetida ao contraditório, sem prejuízo da concessão de tutela antecipada, quando as circunstâncias o indicarem. Importa destacar, neste mesmo contexto, que a necessária garantia de efetividade do mínimo existencial, ainda mais no que diz com a saúde, também passa pela consideração dos princípios da precaução e prevenção, especialmente no que diz com a observância de critérios científicos e garantias de segurança e eficácia do tratamento, não só (até mesmo pelo fato de o critério mais importante ser o da mais eficaz proteção à saúde), mas também em virtude da racionalização e otimização dos recursos públicos.

Ainda sobre a necessidade de repensar o papel do Poder Judiciário, não se pode deixar de lembrar que o Magistrado atua nas vestes do Estado-Juiz e, nesse sentido, cumpre-lhe também (mesmo diante das limitações próprias à jurisdição e à relação processual que concretamente tem diante de si) atuar no sentido da fiscalização das provas trazidas pelas partes envolvidas, assim como do cumprimento da decisão exarada, notadamente quando deferida uma prestação no âmbito do sistema público de saúde. Deve o magistrado verificar com rigor tanto a prescrição médica, como já mencionado, quanto as alegações trazidas pelas entidades públicas a respeito da negativa da prestação, inclusive no que concerne ao comprometimento das contas públicas. A própria exigência (salvo exceções plenamente justificadas) de prévio requerimento administrativo da prestação pode, a depender da perspectiva e das circunstâncias, ser considerada, não necessariamente um mero óbice de acesso à jurisdição, o que seria de todo inaceitável, mas como critério de avaliação da (in)ocorrência de urgência do pleito veiculado e, portanto, da necessidade (ou não) de tutela (im)prorrogável da pretensão, visto que, se a prova da negativa estatal em fornecer a prestação solicitada é um indicativo de urgência à tutela judicial requerida, a ausência de prova do pedido administrativo pode servir de atenuante para o ente estatal que, somente em juízo, terá sido informado da necessidade reclamada pelo requerente e, em princípio, apenas então, poderá tomar as primeiras medidas administrativas necessárias ao cumprimento dos deveres materiais relacionados à salvaguarda da saúde dessa pessoa. Esse mesmo papel ativo é também exigível no acompanhamento da fruição do bem alcançado judicialmente, pelo controle judicial, por exemplo, por meio da exigência de prestação de contas por parte do beneficiário da prestação material, demonstrando, por exemplo, que retirou a medicação, ou que realizou a cirurgia, ou que se mantém sob o tratamento de saúde solicitado. 

Enfim, o que se constata a esta altura é que seguimos nos deparando com toda uma gama de aspectos que pelo menos estão a merecer maior atenção e que, a partir de uma análise crítica, bem como considerados no seu conjunto, podem contribuir para um avanço na matéria. Por outro lado, o que mais importa, ao fim e ao cabo, é que não se confunda a necessidade de se levar a sério todas as dimensões e conexões da reserva do possível (embora sempre com reservas, como bem destacou o já lembrado Juarez Freitas) com a inaceitável obstaculização da plena eficácia e efetividade do mínimo existencial, inclusive no que diz com a sua exigibilidade, não apenas na condição de um direito derivado (de igual acesso às prestações já estabelecidas na legislação infraconstitucional), mas também como direito subjetivo originário e definitivo a prestações, o que se revela ainda mais premente em matéria tão sensível como a da saúde e da vida humana.

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Notas

1. O presente ensaio foi redigido em boa parte em co-autoria, embora substancialmente embasado em escritos anteriores do primeiro autor (Ingo Wolfgang Sarlet), especialmente no que diz com os primeiros dois capítulos, dedicados, respectivamente, aos direitos sociais e ao mínimo existencial como direitos fundamentais e à reserva do possível, de tal sorte que a co-autoria propriamente dita refere-se, portanto, mais ao terceiro capítulo, que focaliza especificamente as relações entre o mínimo existencial, a reserva do possível e o direito à saúde, sem prejuízo da colaboração da segunda autora na reestruturação parcial dos conteúdos dos capítulos anteriores, a formatação das referências, etc., embora extraídos de textos anteriores do primeiro autor.

2. Cf., em especial, I. W. Sarlet, A Eficácia dos Direitos Fundamentais, 8. ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 33 e ss., com amplas referências doutrinárias e maior desenvolvimento.

3. Registre-se aqui a intensa discussão a respeito da noção de justiça social e a existência de críticas até mesmo no que diz com a própria expressão “justiça social”. Sobre o tema, v., dentre tantos, W. Kersting (org.), Politische Philosophie des Sozialstaats, Göttingen: Velbrück Wissenschaft, 2000. Entre nós e dentre outros – almejando justamente uma compreensão integrada com o direito constitucional positivo – a recente abordagem de L. F. Barzotto, “Justiça Social. Gênese. Estrutura e Aplicação de um Conceito”, in: Direito & Justiça - Revista da Faculdade de Direito da PUC/RS, v. 28, 2003, especialmente p. 122 e ss., ainda carente – como, de resto, qualquer trabalho científico – de alguns contrapontos, como, por exemplo, as observações feitas pelo primeiro autor no seu Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988, 3. ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 91 (especialmente nota de rodapé n° 215). Igualmente enfrentando o tópico pela perspectiva do direito constitucional e analisando a questão dos direitos humanos, v. G. Binembojm, “Direitos Humanos e Justiça Social: as Idéias de Liberdade e Igualdade no Final do Século XX”, in: R. L. Torres (org.), Legitimação dos Direitos Humanos, Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 223-250; C. P. de Souza Neto, “Fundamentação e Normatividade dos Direitos Fundamentais: Uma Reconstrução Teórica à Luz do Princípio Democrático”, in: L. R. Barroso (org.), A Nova Interpretação Constitucional, Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 285-326, enfocando também a problemática da fundamentalidade material dos direitos sociais e de sua conexão com o mínimo existencial; bem como J. A. Leite Sampaio, Direitos Fundamentais, Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 59 e ss.

4. A respeito deste tópico, v., por todos (no âmbito da doutrina estrangeira), K. Hesse, Grundzüge des Verfassungsrechts der Bundesrepublik Deutschland (existe tradução para o português, publicada pela Editora Sérgio Fabris, Porto Alegre), 20. ed., Heidelberg: C. F. Muller, 1995,p. 133 e ss. Entre nós, além da obra do primeiro autor A Eficácia dos Direitos Fundamentais, p. 155-166, onde este desenvolveu de modo mais detido esta dimensão dos direitos fundamentais, à luz de farta doutrina nacional e estrangeira, v. o profundo contributo de D. Sarmento, “A Dimensão Objetiva dos Direitos Fundamentais”, in: R. L. Torres e C. A. Mello (orgs.). Arquivos de Direitos Humanos, v. IV. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 63-102; assim como, mais recentemente, L. Martins e D. Dimoulis, Teoria Geral dos Direitos Fundamentais, p. 118 e ss.

5. Sobre o ponto remetemos a I. W. Sarlet,  “A Eficácia...", p. 281 e ss.

6. A respeito, no âmbito da doutrina nacional, indispensável a consulta da obra de L. L. Streck, Hermenêutica Jurídica e(m) Crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito, 5. ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 310 e ss., em capítulo que ostenta o significativo título “O caráter não-relativista da hermenêutica ou de como a afirmação ‘a norma é (sempre) o produto da atribuição de sentido a um texto’ não pode significar que o intérprete esteja autorizado a ‘dizer qualquer coisa sobre qualquer coisa”.

7. Cfr. paradigmaticamente demonstrado por R. Alexy, Theorie der Grundrechte, Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1994, p. 53 e ss. (quando apresenta seu conceito de norma de direito fundamental) e, mais adiante, especialmente no ponto em que examina a dimensão subjetiva dos direitos fundamentais como direitos de defesa e direitos a prestações  (op. cit., p. 159 e ss.)

8. V. I. W. Sarlet, “O direito fundamental à moradia na Constituição: algumas anotações a respeito de seu contexto, conteúdo e possível eficácia”, in: J. A. Sampaio (org.). Crise e Desafios da Constituição, Belo Horizonte: Del Rey. p. 415-469.

9. Com efeito, para R. Alexy, op. cit., p. 395 e ss., os direitos a prestações em sentido estrito (direitos sociais) se distinguem dos direitos a prestações em sentido amplo, já que estes dizem com a atuação positiva do Estado no cumprimento dos seus deveres de proteção, já decorrentes da sua condição de Estado democrático de Direito e não propriamente como garante de padrões mínimos de justiça social, ao passo que os direitos a prestações em sentido estrito (direitos sociais) dizem com direitos a algo (prestações fáticas) decorrentes da atuação do Estado como Estado Social.

10. Neste sentido, v. H. Scholler, “O Princípio da Proporcionalidade no Direito Constitucional e Administrativo da Alemanha”, in: Revista Interesse Público (RIP), n. 2, 1999, p. 93-107. Sobre o tema, v. também e por último, M. F. Figueiredo, Direito fundamental à saúde: parâmetros para sua eficácia e efetividade, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, especialmente p. 177 e ss.

11. Para um maior desenvolvimento especialmente do conceito e classificação dos direitos fundamentais sociais, v., I. W. Sarlet, “Os direitos fundamentais sociais na Constituição de 1988”, in: I. W. Sarlet (org.), Direito público em tempos de crise: estudos em homenagem a Ruy Ruben Ruschel, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p. 140 e ss., bem como alguns desenvolvimentos mais recentes na já referida obra “A Eficácia...”, p. 281 e ss.

12.Cf. J. C. V. de Andrade. Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. 3. ed. Coimbra: Almedina, 2004. p. 385 e ss.

13.Cf. I. W. Sarlet, “A Eficácia...", p. 86 e ss., na esteira de juristas como R. Alexy , op. cit., p. 473 e ss., e J. J. G. Canotilho. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 378-380.

14. A respeito da abertura material dos direitos fundamentais na ordem constitucional brasileira, remete-se à leitura, do primeiro autor, de “A Eficácia...", p. 90 e ss.

15. Considerando a inviabilidade de desenvolver o ponto neste contexto, recorda-se aqui pelo menos a necessidade de, em virtude do sentido literal mínimo, portanto, da vontade expressamente manifestada pelo Constituinte, ter como fundamentais (além de outros, a teor do disposto no art. 5º, § 2º, da Constituição) todos os direitos estabelecidos no Título II (Dos Direitos e Garantias Fundamentais), no sentido de que não cabe aos poderes constituídos, com base em critérios de fundamentalidade material alheios às opções do Constituinte (já que é este, em primeira linha, quem decide sobre quais bens tutelar como fundamentais, e não a teoria de base preferida do intérprete), subtrair parte dos direitos ali enunciados do regime jurídico que lhes é próprio. Como contraponto, v., entre nós, as importantes teses divergentes (em parte inclusive entre si) de R. L. Torres, in: Teoria dos Direitos Fundamentais, Rio de Janeiro: Renovar, p. 243 e ss.; e C. P. de Souza Neto, “Fundamentação e Normatividade dos Direitos Fundamentais...”, p. 298 e ss.

16. Neste sentido, de modo mais desenvolvido, v., I. W. Sarlet, “A Eficácia...", p. 281 e ss.

17. Cf., novamente, I. W. Sarlet, “A Eficácia...", p. 81 e ss.

18. Cf. R. L. Torres, “O Mínimo Existencial e os Direitos Fundamentais”, in: Revista de Direito Administrativo, n. 177, 1989, p. 20-49.

19. Cf., sobretudo, R. L. Torres, “A Metamorfose dos Direitos Sociais em Mínimo Existencial”, in: I. W. Sarlet (Org.), Direitos Fundamentais Sociais: estudos de direito constitucional, internacional e comparado, Rio de Janeiro: Renovar, 200, p. 1-46.

20. Cf. O. Bachof, “Begriff und Wesen des sozialen Rechtsstaates”, in: VVDStRLnº 12 (1954), p. 42-3.

21. Cf. BVerwGE 1, 159 (161 e ss.), decisão proferida em 24.06.1954.

22. Cf. BVerfGE 40, 121 (133).

23. Para tanto, v. BVerfGE 78, 104, reiterada em 82, 60 e 87, 153. Ressalte-se que, nas duas últimas decisões, se tratou da problemática da justiça tributária, reconhecendo-se para o indivíduo e sua família a garantia de que a tributação não poderia incidir sobre os valores mínimos indispensáveis a uma existência digna. Cuidou-se, contudo, não propriamente de um direito a prestações, mas, sim, de limitar a ingerência estatal na esfera existencial, ressaltando-se aqui também uma dimensão defensiva do direito fundamental ao mínimo para uma existência digna. Note-se que o princípio da dignidade humana passa, sob este aspecto, a constituir limite material ao poder de tributar do Estado.

24. Neste sentido a paradigmática proposição de um dos principais teóricos do Estado Social na Alemanha, H. F. Zacher, “Das soziale Staatsziel”, in: Isensee-Kirchhof (org.),Handbuch des Staatsrechts der Bundesrepublik Deutschland (HBStR), v. I, Heidelberg, CF Muller, 1987,  p. 1.062 e ss.

25. Esta a oportuna formulação de V. Neumann, “Menschenwürde und Existenzminimum”, in: NVwZ, 1995, p. 425.

26. Cf. novamente e por todos, V. Neumann, op. cit., p. 428-9.

27. Cf. C. Starck, “Staatliche Organisation und Staatliche Finanzierung als Hilfen zur Grundrechtsverwirklichungen?”, in: C. Starck (Org). Bundesverfassungsgericht und Grundgesetz, Festgabe aus Anla des 25 jëhrigen Bestehens des Bundesverfassungsrerichts, v. II (BVerfG und GG II), Tübingen: J. C. Mohr (Paul Siebeck),1976, p. 522.

28. Neste sentido, R. Breuer, “Grundrechte als Anspruchsnormen”, in:Verwaltungsrecht zwischen Freiheit, Teilhabe und Bindung, Festgabe aus Anlass des 25 jährigen Bestehens des Bundesverwaltungsgerichts (FS für das BverwG), München: CH Beck, 1978, p. 97.

29. Esta a lição de V. Neumann, op. cit., p. 428 e ss.

30. Cf. H. Scholler, “Die Störung des Urlaubsgenusses eines ‘empfindsamen Menschen’ durch einen Behinderten”, in: JZ 1980, p. 676 (“wo ein Dasein möglich ist, welches sich grundrechtlich entfalten kann, insbesondere wo die Möglichkeit der Persönlichkeitsentfaltung besteht").

31. Para além da paradigmática formulação de Ricardo Lobo Torres e da literatura já referida, vale conferir, ainda, o ensaio de F. F. Scaff “Reserva do Possível, Mínimo Existencial e Direitos Humanos”, in: Revista Interesse Público, v. 32, 2005, p. 213 e ss., aderindo ao conceito e fundamento proposto por Ricardo Lobo Torres. Em sentido semelhante àquele desenvolvido no texto, v. M. F. Figueiredo, Direito fundamental à saúde..., especialmente p. 188 e ss.

32. Neste sentido, embora não tenha adentrado este debate, a pertinente observação de C. P. de Souza Neto, “Fundamentação e Normatividade dos Direitos Fundamentais...”,  p. 308 e ss.

33. Neste sentido, v. o recente relato de J. M. Soria, “Das Recht auf Sicherung des Existenzminimums”, in: JZ13/2005, especialmente p. 647-48.

34. Cf., ainda, J. M. Soria, “Das Recht auf Sicherung des Existenzminimums”, p. 647-48.

35. Cf. a decisão proferida no Acórdão n° 509 de 2002 (versando sobre o rendimento social de inserção), bem como os comentários tecidos por Vieira de Andrade, op. cit., p. 403 e ss.; e, mais recentemente, por  R. Medeiros, “Anotações ao art. 63 da Constituição da República Portuguesa”, in: J. Miranda e R. Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada,  tomo I, Coimbra: Coimbra Editora, 2005, p. 639-40.

36. Esta a posição de R. Breuer, op. cit., p. 97. Também o Tribunal Federal Constitucional atribui ao legislador a competência precípua de dispor sobre o conteúdo da prestação. Neste sentido, v. BVerfGE 40, 121 (133) e 87, 153 (170-1).

37. Cf. o já referido leading case do Tribunal Constitucional Federal  (BVerfGE 40, 121 [133]).

38. Ainda que não se trate do reconhecimento de um direito a prestações propriamente dito, o Tribunal Constitucional Espanhol, na Sentença nº 113/1989, entendeu que “[e]s incompatible con la dignidad de la persona el que la efectividad de los derechos patrimoniales se leve al extremo de sacrificar el mínimo vital del deudor, privándole de los medios indispensables para la realización de sus fines personales. Se justifica así, junto a otras consideraciones, la inembargabilidad de bienes y derechos como límite del derecho a la ejecución de las sentencias firmes" (in: F. R. Llorente (org.). Derechos Fundamentales y Principios Constitucionales (Doctrina Jurisprudencial), Barcelona: Ariel, p. 73). Já admitindo um direito às prestações vinculadas ao mínimo existencial, v. a já citada decisão do Tribunal Constitucional de Portugal, na esteira de jurisprudência anterior, ainda que em princípio tímida e partindo da primazia da concretização pelos órgãos legiferantes.

39. V. especialmente V. Abramovich; C. Courtis, Los derechos sociales como derechos exigibles, Madrid: Trotta, 2003, apresentando e comentando um expressivo elenco de casos envolvendo os direitos sociais e o mínimo existencial não limitado à experiência da Argentina.

40. Inventariando e comentando a jurisprudência constitucional da Colômbia, v. Rodolfo Arango; Julieta Lamaitre (dir.), Jurisprudência constitucional sobre el derecho al mínimo vital, in: Estudos Ocasionales CIJUS, Bogotá: Ediciones Uniandes, 2002.

41. V. aqui, entre outras e por todas, a decisão emblemática proferida pelo Supremo Tribunal Federal, relatada pelo Ministro Celso de Mello (Agravo Regimental no RE nº 271.286-8/RS, publicada no DJU em 24.11.2000), onde restou consignado – igualmente em hipótese que versava sobre o fornecimento de medicamentos pelo estado (no caso, paciente portador de HIV) que a saúde é direito público subjetivo não podendo ser reduzido à “promessa constitucional inconseqüente”. Mais recentemente, v. a paradigmática decisão monocrática do STF proferida na ADPF n° 45, igualmente da lavra do Ministro Celso de Mello, afirmando – embora não tenha havido julgamento do mérito – a dimensão política da jurisdição constitucional e a possibilidade de controle judicial de políticas públicas quando se cuidar especialmente da implementação da garantia do mínimo existencial. Tal entendimento foi reiterado em decisão mais recente relatada pelo mesmo Ministro Celso de Mello (RE nº 436996/SP) reconhecendo um direito subjetivo de acesso a uma vaga na rede pública para crianças de até seis anos de idade em creches e pré-escolas com fundamento também na noção de mínimo existencial e, de modo especial, com suporte normativo expresso no art. 208 inciso IV da CF.

42. Cf., I. W. Sarlet, “Dignidade...", p. 59-60.

43. Sobre esta temática, remetemos igualmente a I.W. Sarlet, “Dignidade...,”, p. 88-89; assim como, de modo especial, ao ensaio de M. Kloepfer, “Vida e dignidade da pessoa humana”, in: I. W. Sarlet (org.), Dimensões da Dignidade. Ensaios de Filosofia do Direito e Direito Constitucional, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 153 e ss.

44. V. por todos Peter Häberle, “A Dignidade humana como fundamento da comunidade estatal”, in: I. W. Sarlet (org.), Dimensões da Dignidade. Ensaios de Filosofia do Direito e Direito Constitucional, especialmente p. 116 e ss.

45. Aqui se remete novamente aos aportes já referidos de Ricardo Lobo Torres, mas também – adotando linha argumentativa próxima – A. P. Barcellos, “O Mínimo Existencial e Algumas Fundamentações: John Rawls, Michael Walzer e Robert Alexy”, in: R. L. Torres (org.), Legitimação dos Direitos Humanos, Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 11 e ss., e, mais recentemente, da mesma autora, A Eficácia dos Princípios Constitucionais. Dignidade da Pessoa Humana, Rio de Janeiro: Renovar, 2003. Explorando já uma fundamentação vinculada às necessidades humanas, v. a contribuição de P.G.C. Leivas, Teoria dos Direitos Fundamentais Sociais, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, especialmente p. 123 e ss.

46. Cf. o conceito de dignidade da pessoa humana proposto por I. W. Sarlet, Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais, p. 62.

47. Cf., por exemplo, seguindo esta linha argumentativa, P. do C. V. A. Martins, “A Proibição do Retrocesso Social como Fenômeno Jurídico”, in: E. Garcia (coord.), A Efetividade dos Direitos Sociais, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 412 e ss., referindo-se, todavia, à noção de necessidades básicas como núcleo essencial dos direitos sociais (noção esta similar a de um mínimo existencial), núcleo este blindado contra medidas de cunho retrocessivo.

48. Cf. demonstrado, pelo primeiro autor, em “Dignidade...", p. 118 e ss.

49. V. neste sentido, novamente do primeiro autor, “Dignidade...”, p. 77 e ss.

50. Sobre o tema v. as indispensáveis e paradigmáticas contribuições de J. Freitas, A Interpretação Sistemática do Direito, 4. ed., São Paulo: Malheiros, 2004, bem como de A. Pasqualini, Hermenêutica e Sistema Jurídico: Uma Introdução à Interpretação Sistemática do Direito, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999.

51. Ao mínimo existencial aplica-se, portanto – para deixar suficientemente enfatizado este ponto –, a noção de uma dupla função prestacional (positiva) e defensiva (negativa) de modo geral inerente aos direitos fundamentais em geral e aos direitos sociais em particular.

52. É precisamente neste sentido que compreendemos a proposta de A. P. de Barcellos, op. cit., p. 247 e ss., ao incluir no mínimo existencial a garantia da educação fundamental, da saúde básica, da assistência aos desamparados e do acesso à justiça, pena de fecharmos de modo constitucionalmente ilegítimo (ou, pelo menos, problemático) o acesso à satisfação de necessidades essenciais, mas que não estejam propriamente vinculadas (pelo menos, não de forma direta) às demandas colacionadas pela ilustre autora.

53. Cf. G. Amaral. Direito, Escassez & Escolha, p. 69 e ss.

54. Cf. F. Galdino, Introdução à Teoria do Custo dos Direitos, p. 147 e ss.

55. Cf., novamente, D. Murswiek, in: HBStR, p. 254.

56. Assim, entre nós, J. R. L. Lopes, in: Direitos Humanos, Direitos Sociais e Justiça, p. 131. No mesmo sentido, v. G. F. Mendes, in: CDTFP nº 3 (1993), p. 28, ressaltando que a efetividade dos direitos sociais se encontra na dependência da atual disponibilidade de recursos por parte do destinatário da pretensão. Também A. Krell, Controle judicial dos serviços públicos básicos, p. 40 e ss., em importante ensaio sobre o tema, aceita esta dependência dos direitos sociais prestacionais da existência de recursos para sua efetivação, sem, contudo, negar-lhes eficácia e efetividade.

57. Cf. G. Brunner, Die Problematik der sozialen Grundrechte, p. 14 e ss.

58. Esta, dentre outros, a lição de C. Starck, in: BVerfG und GG II, p. 518.

59. A este respeito, v. também G. Brunner, Die Problematik der sozialen Grundrechte, p. 16. Entre nós, tal dimensão cresce em relevo se levarmos em conta o problema da repartição de competência no âmbito do Estado Federal e, acima de tudo, na repartição das receitas tributárias e sua afetação e aplicação, temática que aqui não há como desenvolver. Sobre o tema, enfatizando o direito à saúde, v. a contribuição de M. M. Gouvêa, “O direito ao fornecimento estatal de medicamentos”, in: A Efetividade dos Direitos Sociais, 2004, p. 255-84.

60. Entre nós, v. G. F. Mendes, in:CDTFP n. 3 (1993), p. 28. Mais recentemente, v. as contribuições de R. L. Torres, A cidadania multidimensional..., p. 292 e ss., assim como P. G. Gonet Branco, in: Hermenêutica constitucional e direitos fundamentais, p. 145 e ss. Na doutrina lusitana, posiciona-se favoravelmente ao reconhecimento do limite da reserva do possível J. C. Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais, p. 201.

61. Nesse sentido, com especial atenção ao direito à saúde, v. recente contribuição de M. F. Figueiredo, Direito Fundamental à saúde..., p. 131 e ss.

62. J. J. G. Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, p. 108.

63. A. Krell, Direitos sociais e controle judicial..., p. 52.

64. Cf. BVerfGE 33, 303 (333).

65. Esta a ponderação de D. Wiegand, in: DVLB 1974, p. 657.

66. Neste sentido, pelo menos, a recente afirmação de J. Schäfer, Classificação dos Direitos Fundamentais, p. 67. Nas palavras do autor, a reserva do possível "é um elemento que se integra a todos os direitos fundamentais". Em verdade, o próprio autor - na esteira da doutrina precedente - reconhece na reserva do possível uma condicionante jurídica ou concreta à efetivação dos direitos, de tal sorte que, a despeito da contradição, resulta claro que o autor vislumbra na reserva do possível um limite fático e jurídico que incide, em princípio, em relação a todos os direitos fundamentais.

67. Neste sentido, posiciona-se J. C. Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais, p. 200 e ss.

68. Cf. J. J. G. Canotilho, Constituição Dirigente, p. 369.

69. Sobre a participação democrática, e de modo geral, o controle social do orçamento público e da atuação do poder público na consecução das metas constitucionalmente fixadas, v., entre nós e dentro outros, o instigante ensaio de F. F. Scaff, “Controle Público e Social da Atividade Econômica”, in: Anais da XVII Conferência Nacional da OAB, v. I, 1999, p. 925-941, bem como, mais recentemente, a monografia de A. da C. Ricardo Schier, A Participação Popular na Administração Pública: o Direito de Reclamação, Rio de Janeiro, Renovar, 2002.

70. Cf. R. G. Leal, Administração Pública e Sociedade, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, especialmente p. 57 e ss., cuidando do tema à luz da teoria discursiva e da concepção de uma democracia deliberativo-procedimental de matriz Habermasiana.

71. Sobre o tópico, designadamente a respeito da atuação do Ministério Público nesta seara, v., entre outros, o recente estudo de P. R. F. Porto, Direitos Fundamentais Sociais. Considerações acerca da legitimidade política e processual do Ministério Público e do sistema de justiça para sua tutela, Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2006.

72. Cf. S. Holmes. C. Sunstein; The Cost of Rights..., p. 94 (“Taking rights seriously means taking scarcity seriously"), bem como, de modo geral, p. 87 e ss., onde os autores demonstram como a escassez afeta as liberdades e discutem o papel do Poder Judiciário na imposição de encargos ao poder público notadamente no que diz com a alocação dos recursos. Entre nós, embora não se esteja aqui a aderir (assim como no caso de Holmes & Sunstein) às conclusões dos autores, vale conferir as análises já referidas de G. Amaral, Direito, Escassez & Escolha e de F. Galdino, Introdução à Teoria do Custo dos Direitos.

73. A respeito da relevância e da operatividade do princípio da eficiência no campo da efetivação de direitos fundamentais, notadamente dos direitos sociais, v., entre outros, F. Galdino, Introdução à Teoria dos Custos dos Direitos, p. 255 e ss., ainda que se possa discordar do autor no que diz com alguns aspectos de sua proposta teórica, o que aqui não será objeto de desenvolvimento.

74. Cf. a oportuna advertência de J. Freitas, A Interpretação Sistemática do Direito, 3. ed., p. 211.

75. Enfatizando que não há como ignorar a contingência da limitação de recursos, mas relativizando a sua incidência no campo do mínimo existencial, além de apontar para a necessidade de priorização das destinações orçamentárias, v., mais uma vez, A. P. Barcellos, A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais, especialmente p. 236 e ss.

76. Sem que aqui se possa discorrer sobre a natureza, função e mesmo o controle da prestação de serviços públicos com base nos direitos fundamentais, registra-se ser no mínimo questionável a afirmação de que, embora os serviços públicos sejam essenciais ao exercício de alguns direitos fundamentais, não há um direito de acesso aos serviços públicos, como parece afirmar A. S. Aragão, “Serviços Públicos e Direitos Fundamentais”, in: D. Sarmento; F. Galdino (org.). Direitos Fundamentais: Estudos em Homenagem ao Professor Ricardo Lobo Torres, Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 3. Com efeito, considerando-se que a prestação de serviços públicos, especialmente os enquadráveis como essenciais (sendo, de qualquer sorte, discutível a existência de serviço não essencial no contexto do Estado social e democrático de Direito na sua feição atual), diz diretamente com a efetiva fruição dos direitos fundamentais na sua dupla dimensão negativa e positiva (basta recordar os exemplos da segurança pública, do acesso à justiça, do saneamento básico, do fornecimento de energia, bem como das prestações em matéria de educação e de saúde, entre tantos outros) no mínimo haveria de se reconhecer um direito fundamental a todos os serviços públicos essenciais. De todo o modo, a despeito da divergência apontada, o próprio autor referido, em seu importante e culto ensaio, não deixa de enfatizar que o “fundamento último da qualificação jurídica de determinada atividade como serviço público é ser pressuposto da coesão social e geográfica de determinado país e da dignidade dos seus cidadãos” (op. cit., p. 2).

77. Sobre o tema, especialmente no que diz com os direitos fundamentais sociais, v. especialmente D. Sarmento, Direitos Fundamentais e Relações Privadas, Rio de Janeiro: Renovar, p. 332 e ss., e, por último, I.W. Sarlet, “Direitos Fundamentais Sociais, Mínimo Existencial e Direito Privado”, in: Revista de Direito do Consumidor n. 61, janeiro-março de 2007, p. 90 e ss.

78. Sobre o ponto, v. especialmente, dentro outros no âmbito da doutrina estrangeira, C. W. Canaris, Direitos Fundamentais e Direito Privado, especialmente p. 119 e ss., e, entre nós, I. W. Sarlet, “Constituição e Proporcionalidade: o direito penal e os direitos fundamentais entre a proibição de excesso e a proibição de insuficiência”, in: Revista Brasileira de Ciências Criminais, n. 47, mar./abr. 2004, p. 60-122; L. L. Streck, “Da proibição de excesso (Übermassverbot) à proibição de proteção deficiente (Untermassverbot): de como não há blindagem contra normas penais inconstitucionais”, in: Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica n. 2, 2004, p. 243-284; e, mais recentemente, L. Feldens, A Constituição Penal. A Dupla Face da Proporcionalidade no Controle de Normas Penais, Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2005, p. 107 e ss.

79. No que diz com a terminologia adotada (que, no nosso caso, é a de proibição de insuficiência), são várias as opções disponíveis na literatura, como dão conta as contribuições de J. J. G. Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, p. 267 e ss. (proibição por defeito, entre nós adotada por L. L. Streck, “Da proibição de excesso (Übermassverbot) à proibição de proteção deficiente...”, p. 243 e ss., e L. Feldens, A Constituição Penal..., p. 108 e ss., que fala em proteção deficiente, e J. Freitas, O Controle dos Atos Administrativos e os Princípios Fundamentais, p. 38 e ss. (proibição de inoperância), não sendo o nosso intento adentrar aqui a discussão em torno do tópico.

80. Consigna-se que, a despeito de correta a observação de F. F. Scaff, “Reserva do Possível, Mínimo Existencial e Direitos Humanos”, in: Revista Interesse Público, n. 32, 2005, p. 225, no sentido de que embora o primeiro autor (I.W. Sarlet) tenha, na esteira de Alexy, de há muito sustentado a aplicação de um modelo de ponderação na solução concreta dos problemas envolvendo a eficácia e efetividade dos direitos sociais (não apenas, mas com ênfase no mínimo existencial) não tenha, por outro lado, o primeiro autor explorado a questão financeiro-orçamentário, isto não significa que tal aspecto não esteja presente nas digressões tecidas no que diz com eficácia dos direitos fundamentais, até mesmo pelo fato de que se cuida de aspectos inerentes à problemática da reserva do possível (notadamente na sua dimensão jurídica) e nas questões envolvendo o custo dos direitos de um modo geral. Que decisões tomadas em casos concretos – mediante a adequada ponderação – fatalmente, pelo menos em diversas ocasiões – resultam diretamente em afetação do orçamento e das finanças públicas sempre foi evidente, o que não significa – como ora se volta a enfatizar – que não seja o caso de resgatar, ainda que em parte, uma lacuna em termos de maior desenvolvimento deste tópico, que, todavia, reclama – em virtude da miríade de aspectos que suscita – um enfrentamento mais privilegiado do que aqui seria possível, pelo menos neste momento, empreender. Tem razão o autor, todavia, ao sustentar a absoluta necessidade de se investir no aprofundamento da análise sobre a questão do financiamento dos direitos, assim como dos aspectos relativos ao controle da destinação e desvinculação constitucionalmente ilegítima das vinculações orçamentárias (as presentes considerações foram extraídas basicamente de I.W. Sarlet, A Eficácia dos Direitos Fundamentais, 8. ed., p. 383).  

81. R. G. Leal, “O Controle Jurisdicional de Políticas Públicas no Brasil: possibilidades materiais”, in: I. W. Sarlet (org.), Jurisdição e Direitos Fundamentais, v. I, Tomo I, p. 157 e ss., bem lembra a existência de políticas públicas constitucionais vinculantes.

82. Cf. E. R. Grau, “Realismo e Utopia Constitucional”, in: F. L. X. Rocha; F. Moraes (coord.), Direito Constitucional Contemporâneo. Estudos em Homenagem ao Professor Paulo Bonavides, Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 125.

83. Nesse sentido, conferir F. K. Comparato, “O Ministério Público na defesa dos direitos econômicos, culturais e sociais”. In:CUNHA, Sérgio Sérvulo da; GRAU, Eros Roberto (org.). Estudos de direito constitucional em homenagem a José Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 256/257. Bem destacando e desenvolvendo diversas das questões vinculadas ao controle de políticas públicas e o problema do controle das normas orçamentárias, vale conferir o ensaio de A. P. de Barcellos, “Constitucionalização das políticas públicas em matéria de direitos fundamentais: o controle político-social e o controle jurídico no espaço democrático”, in: Revista de Direito do Estado, n. 3, jul./set. 2006, p. 17/54.

84. Segue texto original em inglês no qual embasamos, com ajustes, o nosso entendimento: “Because rights result from strategic choices about how best to deploy public resources, there are good democratic reasons why decisions about which rights to protect, and to what degree, should be made in as open a maner as possible by a citizenry as informed as possible, to whom political officials, including judges, must address their reasonings and justifications". S. Holmes; C. Sunstein, The Cost of Rights: Why Liberty Depends on Taxes. New York : W. W. Norton & Company, 1999, p. 227.

85. Cf. J. Neuner, “Los Derechos Humanos Sociales”, p. 254-255.

86. Cf. J. Neuner, “Los Derechos Humanos Sociales”, p. 255.

87. Sobre o tema, v. a imprescindível contribuição de C. A. Mello, Democracia Constitucional e Direitos Fundamentais, 2004.

88.  Neste sentido, v., na mesma linha do que o primeiro autor já vem sustentando pelo menos desde a publicação da sua tese de doutoramento na Alemanha (I. W. Sarlet, Die Problematik der sozialen Grundrechte in der brasilianischen Verfassung und im deutschen Grundgesetz: eine rechtsvergleichende Untersuchung, Frankfurt am Main: Peter Lang, 1997) e posteriormente na obra A Eficácia dos Direitos Fundamentais (já referida e com primeira edição de 1998), por último, a enfática e bem fundamentada manifestação de C. A. Molinaro e M. G. Milhoranza, “Alcance político da jurisdição no âmbito do direito à saúde”, in: A. de Assis (coord.), Aspectos polêmicos e atuais dos limites da jurisdição e do direito à saúde, Porto Alegre: Notadez, 2007,  p. 220 e ss.

89. J. R. Novais. Os Princípios Constitucionais Estruturantes da República Portuguesa. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 295.

90. Sobre a proteção contra um retrocesso v., do primeiro autor, A Eficácia dos Direitos Fundamentais, p. 442 e ss., bem como a recente coletânea de C. Courtis (Comp.), Ni un paso atrás. La prohibición de regresividad en matéria de derechos sociales, Buenos Aires: Editores del Puerto, 2006. Por último, v. ainda F. Derbli, O Princípio da Proibição de Retrocesso Social na Constituição de 1988, Rio de Janeiro: Renovar, 2007.

91. A respeito da eficácia dos direitos fundamentais sociais nas relações entre particulares v. especialmente D. Sarmento, Direitos Fundamentais e Relações Privadas, Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003, p. 332 e ss., e, mais recentemente, I. W. Sarlet, “Direitos Sociais, Mínimo Existencial e Direito Privado”, in: Revista de Direito do Consumidor n. 61, jan./mar. 2007, p. 90-125.

92. Nesse sentido, cf.  I. W. Sarlet, “Algumas considerações em torno do conteúdo, eficácia e efetividade do direito à saúde na Constituição de 1988”, in Revista Diálogo Jurídico. Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, n. 10, jan. 2002. In  http://www.direitopublico.com.br; C. A. Molinaro e M. G. Milhoranza, “Alcance político da jurisdição no âmbito do direito à saúde”, in: A. de Assis (Coord), Aspectos polêmicos e atuais dos limites da jurisdição e do direito à saúde, Porto Alegre: Notadez, 2007, p. 220 e ss.; M. F. Figueiredo, Direito Fundamental à Saúde: parâmetros para sua eficácia e efetividade, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.

93. Cf. J. C. Loureiro, “Direito à (proteção da) saúde”, in: Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Marcello Caetano, Coimbra: Coimbra Editora (Edição da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa), 2006, p. 664 e ss.

94. Cf. novamente J. C. Loureiro, “Direito (à proteção da) saúde...”, p. 666 e ss.

95. Isso não significa, contudo, que as políticas públicas de saúde não possam ser objeto de discussão, notadamente quando se trate de atender a coletividades de estrangeiros e não situações emergenciais que podem envolver estrangeiros que se encontram no Brasil. De qualquer modo, cuida-se de situação bastante delicada em toda a longa zona de fronteira brasileira e que desafia um equacionamento inclusive em termos de relações internacionais.

96. Como, apenas em caráter ilustrativo, pretende F. F. Scaff, “Sentenças Aditivas, Direitos Sociais e Reserva do Possível”, in: Revista Dialética de Direito Processual n. 51, junho de 2007, p. 79 e ss. A divergência quanto a este ponto, todavia, não neutraliza os méritos inquestionáveis da abordagem do autor, especialmente naquilo em que explora as possibilidades da utilização das assim designadas sentenças aditivas e outros aspectos de suma relevância relativos à efetivação dos direitos sociais.

97. Cf., do primeiro autor, Eficácia dos Direitos Fundamentais, apontando para o que igualmente serve como um dos argumentos para justificar a inclusão dos direitos fundamentais sociais no rol das assim designadas “cláusulas pétreas” da Constituição, a despeito da formulação adotada pela CF no seu art. 60, § 4°, IV.

98. Cf. também a recente manifestação de V. Rigo, “Saúde: direito de todos e de cada um”, in: A. de Assis  (org.), Aspectos Polêmicos e Atuais dos Limites da Jurisdição e do Direito à Saúde, p. 173 e ss.

99. G. A. D. Schwartz, Direito à saúde: efetivação em uma perspectiva sistêmica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 27 e p. 98-99.

100. Artigo 12, alínea 1: “Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa de desfrutar o mais elevado nível possível de saúde física e mental”. Redação do dispositivo conforme texto aprovado pelo Decreto-legislativo nº 226, de 12 de dezembro de 1991 e promulgado pelo Decreto nº 591, de 06.07.1992, que incorporaram ao direito interno brasileiro o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais no Brasil.

101. M. Scliar, Do mágico ao social:A trajetória da saúde pública. Porto Alegre: L&PM, 1987, p. 32-33.

102. Cf., por todos, R. Alexy, Theorie der Grundrechte. Frankfurt am Main: Suhrkamp 1994, lembrando que justamente em tempos de crise (quando até mesmo a garantia dos direitos sociais mínimos poderia colocar em risco a necessária flexibilidade econômica) a proteção de posições jurídicas fundamentais na esfera social, por menor que seja, se revela indispensável.

103. Ademais da conhecida decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADPF nº 45, Relator Ministro Celso de Mello, podem ser citados, a título exemplificativo, algumas recentes decisões. Apreciando o AI 564035, a Exma. Sra. Ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, afirma expressamente que “[d]e se enfatizar que a educação compõe o mínimo existencial, de atendimento estritamente obrigatório pelo Poder Público, dele não podendo se eximir qualquer das entidades que exercem as funções estatais. O mínimo existencial afirma o conjunto de direitos fundamentais sem os quais a dignidade da pessoa humana é confiscada. E não se há de admitir ser esse princípio mito jurídico ou ilusão da civilização, mas dado constitucional de cumprimento incontornável, que encarece o valor de humanidade que todo ser humano ostenta desde o nascimento e que se impõe ao respeito de todos.” No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, a 1ª Turma, em voto relatado pelo Exmo. Sr. Ministro Luiz Fux no julgamento do RESP 811608/RS, pronunciou-se no sentido de que “[a] escassez de recursos públicos, em oposição à gama de responsabilidades estatais a serem atendidas, tem servido de justificativa à ausência de concretização do dever-ser normativo, fomentando a edificação do conceito da ‘reserva do possível’. Porém, tal escudo não imuniza o administrador de adimplir promessas que tais, vinculadas aos direitos fundamentais prestacionais, quanto mais considerando a notória destinação de preciosos recursos públicos para áreas que, embora também inseridas na zona de ação pública, são menos prioritárias e de relevância muito inferior aos valores básicos da sociedade, representados pelos direitos fundamentais”. Analisando a contraposição entre “reserva do possível” e “mínimo existencial” na busca de efetivação do direito à saúde, a Exma. Sra. Ministra Eliana Calmon, a partir de anteriores precedentes de ambos Tribunais Superiores, assim se posicionou, no julgamento do RESP nº 898458: “[n]o julgamento do REsp 865.839/RS, proferi voto-vista a partir da análise de precedentes do Supremo Tribunal Federal (AgRg no RE 393.175-0/RS e AgRg no RE 410.715-5/SP). A conclusão foi no sentido de que, embora venha o STF adotando a ‘Teoria da Reserva do Possível’ em algumas hipóteses, em matéria de preservação aos direitos à vida e à saúde não aplica tal entendimento, por considerar que ambos são bens máximos e impossíveis de ter sua proteção postergada”.

104. Sobre o tema v. especialmente L. G. Marinoni, Técnica Processual e Tutela dos Direitos, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

105. A citação encontra-se em J. R. Novais, Os Princípios Constitucionais Estruturantes..., p. 109.

106. Com fundamentação mais aprofundada, confira-se a posição defendida por M. Weichert, 2004, especialmente p. 158/162, sobre os princípios da universalidade e igualdade; e p. 169/171, quanto ao atendimento integral.

107.O texto constitucional português, que inicialmente previa o acesso universal, igualitário e gratuito aos serviços de saúde, passou a estabelecer: “Art. 64º (Saúde). 1. Todos têm direito à protecção da saúde e o dever de a defender e promover. 2. O direito à protecção da saúde é realizado: a) Através de um serviço nacional de saúde universal e geral e, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos, tendencialmente gratuito. [...]”. A alteração do texto já fora antecipada pela jurisprudência do Tribunal Constitucional lusitano, que, no Acórdão 330/89 – antes, portanto, da alteração formal da Constituição –, já admitira a fixação de “taxas moderadoras” para o acesso aos cuidados públicos de saúde.

108. Em caráter ilustrativo, refere-se que a legislação estadual gaúcha já prevê a necessidade de prévia comprovação da carência de recursos econômicos por parte do cidadão-requerente, como pressuposto à prestação estatal de medicamentos excepcionais, nos termos da Lei nº 9.908, de 16.06.1993. No âmbito do Sistema Único de Saúde, o artigo 43 da Lei nº 8.080/90 preserva a gratuidade apenas no que se refere a ações e serviços públicos já contratados, a indicar que a gratuidade não é a regra geral do SUS (Art. 43: “A gratuidade das ações e serviços de saúde fica preservada nos serviços públicos contratados, ressalvando-se as cláusulas dos contratos ou convênios estabelecidos com as entidades privadas”).

109. Cf., entre outros, I. W. Sarlet, A Eficácia..., especialmente p. 346 e ss; G. B. N. Azem, “Direito à saúde e comprovação da hipossuficiência”, in: A. de Assis (Coord), Aspectos Polêmicos e Atuais dos Limites da Jurisdição e do Direito à Saúde, p. 13/25; e M. F. Figueiredo, Direito fundamental à saúde..., p. 170 e ss.

110. B. Mathieu. “La protection du droit à la santé par le juge constitutionnel. A propos et à partir de la décision de la Cour constitutionnelle italienne nº 185 du 20 mai 1998”, in Cahiers du Conseil Constitutionnel, n. 6, 1998. Disponível em http://www.conseil-constitutionnel.fr/cahiers/ccc6/mathieu.htm, consulta em 18.04.2005.

111. R. Arango; J. Lamaitre (dir.). Jurisprudencia constitucional sobre el mínimo vital. Caracas: Uniandes, 2002.

112. V. Abramovich; C. Courtis. Los derechos sociales como derechos exigibles. Madrid : Trotta, 2002.

113. J. J. G. Canotilho. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. (reimp.) Coimbra: Almedina, 2003; J. R. Novais. Os Princípios Constitucionais Estruturantes da República Portuguesa. Coimbra: Coimbra, 2004.

 

Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023: 2002/ABNT):
. Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n. , jul. 2008. Disponível em:
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