A Jurisdição constitucional e a possibilidade de realização dos direitos sociofundamentais no Brasil


Autora: Ana Maria Benavides Kotlinski

Doutora em Direito, Professora de Filosofia e Direito Ambiental da Processus Faculdade de Direito – Brasília/DF
Publicado na edição 26 - 30.10.2008


Resumo

O presente trabalho tem como objetivo analisar sob uma nova ótica a questão das conquistas sociais dentro da jurisdição constitucional. Essas conquistas são percebidas dentro de um quadro evolutivo cujo ápice é a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que asseguram os Direitos Fundamentais, trazendo em seu cerne a necessidade de reformulação teórica acerca das garantias e dos direitos individuais. A moderna teoria dos Direitos Fundamentais serviu como alicerce para a estrutura do Estado Democrático e Social de Direito. Assim, este estudo procura estabelecer os limites do Poder Público no que diz respeito aos fins, bem como do controle sobre a sua omissão através dos institutos processuais e da importância do judiciário para a garantia desses direitos.

Palavras-chave: Direitos Fundamentais. Liberdade. Direitos e garantias individuais. Direitos individuais e coletivos.

Abstract

This paper aims to analyze under a new view the social conquest questions within constitutional jurisdiction. These conquests are realized inside an evolution chart which Man and Citizen Rights Statements is the top, the Main Rights were assured, bringing itself the theoretic reformulation needs about individuals guarantees rights. The Main Rights modern theory became as foundation to structure the Democratic SocialRightState. The present work tries to establish the Public’s Power limits closing to it’s own ends, just like to control about its omission among the processing institutes and the legal importance for the guarantees of these rights.

Introdução

Enfoca-se o tema Constituição sob um novo viés de análise que busca seu embasamento nas conquistas do homem, enquanto sujeito participante de um momento histórico-social. As conquistas resultantes dessa evolução desembocam na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, enquanto Direitos Fundamentais, quando passou-se a ter consciência de que era necessária uma grande reformulação das teorias acerca dos direitos e garantias individuais, especialmente no que tocava à sua proteção judicial, como forma de superar a grande distância entre as declarações constitucionais de dignidade, igualdade e liberdade e a realidade social que as negava. No leito desse movimento de renovação, navegou a moderna teoria dos direitos fundamentais que, elevando-os ao nível de elementos estruturais do Estado Democrático e Social de Direito, os concebeu como limites materiais que a dignidade humana impõe ao Poder Público, (pre)determinando, inclusive, os fins de sua atividade. A noção comunitarista da Constituição brasileira reflete a necessidade de incorporação do fundamento ético da ordem jurídica, o amplo sistema de direitos fundamentais, acompanhados dos institutos processuais que visam controlar a omissão do Poder Público, bem como da importância do papel do judiciário na interpretação desses direitos.

1 Os direitos fundamentais

Ressalta Jorge MIRANDA (1993, p. 12) que "somente há direitos fundamentais (...) quando o Estado e a pessoa, a autoridade e a liberdade se distinguem e até, em maior ou menor medida, se contrapõem". Então, os direitos das pessoas devem ser examinados ao longo dos períodos de formação da sociedade.

Na Grécia e na Roma antigas o indivíduo não era considerado autonomamente, sobressaindo-se o sentimento de coletividade. Assim, em princípio, não se vê compatibilidade com o reconhecimento de direitos do homem diante dos governantes (Bonavides, p. 153), a não ser uma liberdade incipiente, inconsciente, especial, verificada quando o indivíduo participava das tumultuadas assembléias realizadas pela coletividade (Bonavides, p. 501-502).

Adverte J. J. Gomes Canotilho (p. 501-502), porém, que "a antiguidade clássica não se quedou numa completa cegueira em relação à idéia de direitos fundamentais", observando que os sofistas, considerando a natureza comum biológica dos homens, aproximaram-se do sentido da igualdade natural e de humanidade, tendo o pensamento estóico dado relevo ao princípio da igualdade, vislumbrando-se aí a "idéia de universalização ou planetarização dos direitos do homem".

A convivência humana, assim o demonstram estudos socioantropológicos, é inevitavelmente conflitual.

Desde os pequenos núcleos familiares até dimensões maiores, quais sejam, as dos grupos sociais, as relações entre os indivíduos só poderão ser harmônicas se a vontade comum de viver juntos puder dirigir as condutas individuais e direcionar os esforços de cooperação mútua ante os problemas e dificuldades do dia-a-dia.

É natural, portanto, que a inserção do Homem em grupos coletivos de cada vez mais crescente amplitude e complexidade revele uma tensão entre a natural inclinação de cada um a afirmar sua individualidade e a necessidade de se atender aos reclamos da sociedade.

A consideração da sociedade como um conjunto de relações entre diversas pessoas, fruto da necessidade de comunicação inerente à natureza humana, a articulação dessas relações a partir de um prisma institucional e a ordenação das diversas formas de afirmação e contenção do poder norteiam o processo de integração social e de organização política.

De tal sorte que, num determinado grupo social organizado sob a forma de Estado – forma de organização jurídico-política das sociedades civilizadas –, o Homem, considerado tanto em sua individualidade como em sua projeção social, constitui-se no ponto central para onde devem convergir as ações que revelem o exercício do poder político.

O respeito equilibrado para com o individual e o coletivo dá origem a um sistema de convivência que tende para a estabilidade e para a legitimação do exercício do poder político.

Pode-se afirmar que os direitos fundamentais constituem-se no instrumento através do qual se preservam as esferas de autonomia da Sociedade e do Estado e, ao mesmo tempo, se procede à vinculação entre eles no processo de desenvolvimento social e de concretização da dita  fórmula política que foi plasmada na Constituição.

 1.1 Direitos fundamentais. Síntese histórica.

 O surgimento da noção de direitos fundamentais é historicamente determinado a partir de início da Idade Moderna.

Depois da revolução industrial do século XIX e das primeiras conquistas dos movimentos sindicais em vários países, os Direitos da “Segunda geração” surgiram, em nível constitucional, somente no século XX, com as Constituições do México (1917), da República Alemã (1919) e também no Brasil (1934) (Krell, 2002, p. 19).

Como ensina Comparato (1999, p. 33), “a proto-história dos direitos humanos começa na Baixa Idade Média, mais exatamente na passagem do século XII ao século XIII”. Mas não se pode dizer que se tratava da afirmação dos direitos inerentes ao homem, mas do início da imposição de limites ao poder dos governantes, como um primeiro passo à idéia de que havia direitos comuns a todos os indivíduos. Germinava a idéia da liberdade, não em benefício de todos, mas de classes superiores da sociedade, como o clero e a nobreza. A partir do Bill of Rights britânico, começa a firmar-se a idéia de um governo representativo como garantia institucional das liberdades civis.

A Declaração da Virgínia, de 12 de junho de 1776, se constitui no registro do nascimento dos direitos humanos na história. Mais tarde, com a Revolução Francesa, a idéia de liberdade e igualdade entre os homens é reafirmada na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789. É a emancipação do indivíduo perante os grupos sociais a que ele sempre se submeteu.

Embora seja possível identificar, na Antigüidade e na Idade Média, diversas manifestações que traduzem a idéia central que norteia a teoria dos direitos fundamentais, as noções de igualdade, liberdade e dignidade apenas viriam a ser positivadas sob a forma de normas constitucionais a partir da entrada em vigor das Constituições liberais do Século XVIII.

Tal evolução não se verificou historicamente num piscar de olhos. No período que vai da Idade Média à Idade Moderna, o homem passaria, na tentativa de compatibilizar autoridade e liberdade, a reclamar gradativamente sua liberdade religiosa, intelectual, política e econômica. A própria sociedade, antes dotada de um caráter teocêntrico e comunitário, passaria a organizar-se sob uma forma antropocêntrica e individualista.

Nesse período, as estruturas medievais foram sendo progressivamente substituídas por outras, até a afirmação definitiva da sociedade burguesa liberal, com o advento da Revolução de 1789.

Naquela época, a completa modificação da economia, com o surgimento e a evolução do modo de produção capitalista e o aparecimento da burguesia como classe social dominante, favorecereu a institucionalização dos direitos, das liberdades e das garantias individuais.

O Homem, agora livre da dominação dos monarcas e dos senhores feudais, afastou-se dos grêmios e das corporações medievais e passou a integrar-se no corpo social como indivíduo livre ante a todos os demais.

Na esfera política, as estruturas feudais foram substituídas pelo Estado, forma de poder racionalmente concebida, dotada de caráter centralizador e burocrático. Os direitos fundamentais, tal como à época concebidos, constituiriam um limite ao poder estatal. Naquele momento histórico, as reflexões acerca da origem do poder, efetuadas pelos teóricos do contratualismo e da separação dos poderes (Locke, Rousseau, Montesquieu), aliadas ao jusnaturalismo racionalista, serviriam de base filosófica para o processo de positivação, nos textos constitucionais, dos direitos e garantias do Homem e do Cidadão; direitos esses que, pelo menos em tese, se destinariam a todos e possuíam um caráter negativo perante o Estado – Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.

A partir do Século XIX, principalmente por influência da Igreja, dos movimentos operários e da expansão do socialismo, passou-se a ter consciência de que era necessária uma grande reformulação das teorias acerca dos direitos e garantias individuais, especialmente no que tocava à sua proteção judicial, como forma de superar a grande distância entre as declarações constitucionais de dignidade, igualdade e liberdade e a realidade social que as negava.

Surgiria, destarte, naquele momento histórico, uma nova geração de direitos fundamentais – os direitos econômicos, sociais e culturais –, período que ficou conhecido como o trânsito do Estado Liberal para o Estado Social (Bonavides, 1993, p. 51). Não eram direitos contra o Estado, mas direitos que se estabeleciam através do Estado. Conseqüentemente, exigindo do Poder Público certas prestações materiais.

Tal processo de desenvolvimento material do conceito de direitos fundamentais possibilitou a correção dos equívocos (propositados) e distorções (conscientes) que geravam mútua exclusão das esferas da liberdade e da igualdade.

Foi, todavia, após o término da Segunda Grande Guerra Mundial que a teoria dos direitos fundamentais procurou abandonar o formalismo de outrora e desenvolver uma teoria material da constituição, o que propiciou a afirmação da importância das Cortes Constitucionais no espaço político jurídico (García de Enterría, 1991; Virga, 1979. p. 513ss).

1.2 Os direitos fundamentais na moderna teoria constitucional

O fim da Segunda Grande Guerra Mundial marcou não apenas a derrota dos ideais dos Estados Nacional-Socialista e Fascista, mas também, no campo do Direito, das concepções do positivismo jurídico, em especial das posturas formalistas da teoria constitucional até então dominante.

Das cinzas, como uma fênix, renascia novamente o jusnaturalismo, acompanhado, no Direito Público, pelo aparecimento das teorias materiais da Constituição (Bonavides, 1994, p.147). No leito desse movimento de renovação, navegou a moderna teoria dos direitos fundamentais que, elevando-os ao nível de elementos estruturais do Estado Democrático e Social de Direito, os concebeu como limites materiais que a dignidade humana impõe ao Poder Público, (pre)determinando, inclusive, os fins de sua atividade.

O próprio adjetivo "fundamentais", que qualifica esses direitos, aponta para sua importância no seio do sistema social global, uma vez que são elementos básicos para a estruturação dos sistemas jurídico e político (Häberle, 1993: 39ss; Alexy, 1993: 488ss).

Nessa perspectiva, a constituição, segundo a mais moderna teoria, deixou de ser analisada a partir de critérios puramente lógico-formais. Num salto qualitativo, passou-se a entendê-la como a materialização de concepções axiológicas acerca da vida em sociedade, a partir da positivação de princípios de ordem metajurídica, de tal sorte que foi possível dotar conceitos como os de justiça, igualdade, liberdade e dignidade de um âmbito denotativo que transcende a sua mera literalidade normativa (Smend, 1985, p. 166-167).

Diante de tão sensível preocupação com o desenvolvimento da pessoa humana numa sociedade pluralista, afirma-se que os direitos fundamentais constituem a principal garantia com que contam os cidadãos de que as decisões políticas e jurídicas num Estado Democrático e Social de Direito orientar-se-ão no sentido de respeitar, proteger e promover a pessoa humana, tanto em sua dimensão individual, como em sua inserção num grupo social (Pérez-Luño, 1984, p. 20, cf. Alexy, 1993, p. 503-506).

Ademais disso, reconhece-se que os direitos fundamentais possuem uma dupla dimensão, que dá a exata medida de sua importância: uma axiológica, segundo a qual materializam os valores fundamentais e essenciais inerentes ao espaço existencial do Homem, individual ou socialmente considerado; a outra objetiva, de acordo com a qual consistem em direitos assegurados nas Constituições, que modulam a atividade do Poder Público, garantindo o status jurídico dos cidadãos (Pérez-Luño, 1984: 20ss; Cossio Diaz, 1989: 58ss; López-Guerra, Espín, García-Morillo, Pérez-Tremps a Satrústegui, 1991: 104ss; Stern, 1987: 274-275; Häberle, 1991; 1993: 39ss; Grimm, 1994: 39ss. Alexy, 1993: 247ss-4G 1 ss; Häberle, 1993: 198ss).

É dentro desse contexto que Gustavo Zagrebelsky (1984, p. 418) afirma que os direitos fundamentais definem a relação essencial que existe entre o exercício do poder público e os indivíduos. Argumenta, ainda, o constitucionalista peninsular que tais direitos são dotados de tamanha relevância que qualquer tentativa de sua violação – inclusive através de reforma constitucional – importaria em alteração dos princípios éticos e políticos nos quais se fundamenta a legitimidade das instituições políticas.

Essas precisas palavras demonstram, claramente, a íntima relação entre direitos fundamentais e Estado Democrático e Social de Direito, o que logicamente explica a sede constitucional daqueles primeiros e lhes proporciona o efeito de inspirar toda a produção normativa infraconstitucional. Aliás, a inclusão das normas de direitos fundamentais numa estrutura normativa do poder de uma constituição faz com que eles teoricamente se imponham frente aos abusos dos "donos do poder" (Robles, 1992:20-21; Prieto Sanchís, 1990: 99).

2 Direitos fundamentais e hermenêutica jurídica

As declarações de direitos fundamentais nos países periféricos funcionam como discursos políticos destinados à manutenção de estruturas de poder.

Viu-se que à complexidade do "mundo da vida" (Neves, 1984, p. 85) segue-se uma determinada pressão para a efetivação dos procedimentos seletivos e, a partir da dupla contingência, institui-se o problema de se estabelecerem mecanismos próprios a cada sistema funcionalmente diferenciado, capazes de assegurar as expectativas originadas das relações entre "ego" e "alter".

Na prática, isto é, no dia-a-dia das interações sociais, esse quadro demanda um controle da própria seletividade, mediante a afirmação de expectativas de garantia de outras garantias. Essas expectativas, de caráter normativo, permitem esse controle da seletividade, bem como a estabilização da relação complexidade/contingência, e propiciam, além disso, o estabelecimento de um certo sentido, vale dizer, uma seletividade assegurada contra decepções.

O sentido ao procedimento de seletividade pode ser fornecido, segundo Luhmann (1983, p. 46), pelas normas jurídicas, expectativas normativas de comportamento congruentemente estabilizadas, que atuam de modo contrafático.

De maneira que, ao garantir as expectativas de comportamento contra as mais variadas decepções, as normas jurídicas permitem que os prejudicados, apesar dos fatos contrários àqueles por eles esperados ou desejados, possam manter, sob protesto, o seu ponto de vista.

É por tais razões que o Direito, na teoria sistêmica de Luhmann, é compreendido como um sistema social de natureza institucional, responsável pela garantia generalizada e congruente das expectativas de comportamento originadas no seio das interações sociais, o qual funcionalmente possui um caráter contrafático, vale dizer, neutraliza a contingência das ações individuais, possibilitando que cada uma possa esperar, com um mínimo de certeza e garantia, o comportamento do outro.

Sua congruência seletiva, nesse particular, aponta para sua funcionalidade social, criando meios institucionais para que os conflitos possam ser decididos com um mínimo de perturbação social e seja possível estabilizar-se a relação complexidade/contingência.

Como sistema social funcionalmente diferenciado, o Direito tanto é auto-referente como autopoiético. Sistema autônomo, pois, ante os demais. A autonomia do sistema jurídico perante os demais sistemas induz à conclusão de que a positivação de suas normas implica, nas palavras de Marcelo Neves (1994, p. 119-120), "o controle do código-diferença ‘lícito-ilícito’ exclusivamente pelo sistema jurídico, que adquire dessa maneira o seu fechamento operativo".

A exemplo dos demais sistemas sociais autopoiéticos, o fechamento operacional do sistema jurídico não importa em isolamento ou privação de seu meio ambiente. Embora disponha do seu próprio código diferenciador, a opção pelo que será "jurídico" será produto da comunicação com o meio ambiente, cujos estímulos ("irritações") são decodificados e influenciarão a própria reprodução do Direito positivo (Neves, 1994, p. 120).

Sob esse prisma, a positividade pode ser conceituada como "autodeterminação operacional do Direito" (Neves, 1994, p. 120), de tal maneira que ele vem a ser definido como um sistema normativamente fechado (fechamento operacional), mas cognitivamente aberto (abertura cognitiva).

A produção das normas jurídicas é realizada mediante a assimilação dos fatores do meio ambiente (econômicos, políticos, científicos, religiosos, etc.) a partir do código diferenciador específico, sem que isso implique influência direta e condicionante desses mesmos fatores.

Contudo, a partir do momento em que a autonomia operacional do sistema é quebrada pelo desaparecimento da diferenciação funcional entre sistema e meio, isto é, a partir de quando "o respectivo sistema é determinado então por injunções do mundo exterior" (Neves, 1994, p. 125), o que acarretará a quebra de sua auto-referência, ter-se-á não mais um sistema autopoiético, mas, pelo contrário, um sistema alopoiético.

No caso do sistema jurídico, a alopoiese se verifica pela falta de autonomia operacional do Direito positivo estatal, mediante "a sobreposição de outros códigos de comunicação, especialmente do econômico (ter/não ter) e do político (poder/não poder), sobre o código ‘lícito/ilícito’, em detrimento da eficiência, funcionalidade e mesmo racionalidade do Direito", o que se verifica, com freqüência, nos países periféricos (Neves, 1994, p. 128).

Os direitos fundamentais, sob a perspectiva da teoria sistêmico-funcional, podem ser concebidos como uma exigência axiológica de reconhecimento, satisfação e garantia de determinadas expectativas normativas emergentes na sociedade, as quais são valoradas como imprescindíveis à integração social e sistêmica dos indivíduos e grupos (Neves, 1993, p. 10).

Essas expectativa normativas passam a ser, então, reconhecidas e tuteladas pelo Estado na forma de direitos fundamentais e disciplinadas por normas de natureza constitucional.
Instrumentos para a afirmação da cidadania e da dignidade humana, os direitos fundamentais relacionam-se, no moderno Estado Social e Democrático de Direito com o conceito de inclusão política proposto por Luhmann (1993, p. 47) na incorporação da população às prestações dos diversos sistemas sociais funcionalmente diferenciados.

Sob uma perspectiva moderna, não basta às elites dirigentes eleger um elenco de direitos fundamentais e colocá-los numa constituição para que, só por isso, se tenha como garantido um "salto para a modernidade" – como recentemente se tem afirmado – ou ampliação da cidadania.

Principalmente a partir da evolução da teoria dos direitos fundamentais de segunda geração, passou-se a entender que a afirmação e a garantia dos direitos econômicos, sociais e culturais constitui-se em condição para que se possa conquistar a cidadania e para a própria afirmação dos direitos, liberdades e garantias individuais (Neves, 1994: 70ss; Luhmann, 1993: 125ss); e tais avanços, hodiernamente, são obtidos a partir da concretização máxima do princípio sociológico da inclusão (Neves, 1994, p. 71).

Tais fatores apontam, inexoravelmente, para uma função social das constituições modernas, ou melhor, do processo de concretização das regras e princípios nelas contidos, tendentes à afirmação prática dos direitos fundamentais já positivados, bem como para a conformação coerente dos princípios do Estado Democrático e Social de Direito.

Isso seria possível mediante o aumento e o decréscimo respectivos das inclusões e exclusões políticas dos cidadãos nas ações de natureza prestacional, por parte daqueles que detém e exercem o poder no sistema sociojurídico e que podem tomar decisões vinculantes acerca das matérias relevantes para o convívio social (Neves, 1994, p. 69).

Como já foi dito, da mera positivação das declarações de direitos fundamentais nas constituições não resulta a conquista da cidadania. Esta, para que possa ser digna de assim ser chamada, requer uma atividade concretizadora nas normas de direitos fundamentais, sem a qual o texto normativo restará ineficiente, sem correspondência à realidade, o que originará a impossibilidade de dirigir normativamente as condutas e de assegurar, de forma generalizada, as expectativas normativas que tais normas traduzem (Hesse, 1987, p. 10).

Precisa, nesse sentido, a observação de Peter Häberle (1991, p. 269), para quem os direitos fundamentais não são efetivos por si sós. Será por via de interpretação que adquirirão uma realidade palpável.

Acrescenta, ainda, o autor, que a efetividade desses direitos não é conseqüência automática de sua mera previsão normativa, mas reflete um resultado complexo de processos pluriarticulados de interpretação, realizados por numerosos participantes da esfera pública. Dessa forma, sua eficácia tanto será jurídica como cultural.

Após a entrada em vigor do Texto Constitucional é necessária uma atividade por parte dos "donos do poder" no sentido de realizar, na prática, a sua função social, tal como acima definida.

Comumente recorre-se a expressões e mensagens estereotipadas que provocam uma alienação coletiva da população; população esta que, incapaz de entrar ou penetrar nas reais estruturas de poder que se pretende consolidar, fica sem meios de contrapor-se ou até mesmo rebelar-se contra os elementos persuasivos dotados de conteúdos retoricamente significativos veiculados pela mídia, sempre prestativa e parcial.

Assim, está-se na presença de casos típicos de constitucionalização simbólica, nos quais não se segue, como seria de se esperar, uma abrangente e congruente concretização normativa do texto constitucional após sua entrada em vigor. (Neves, 1993: 19ss; 1994: 129ss; 1994a: 6ss.).

O que se verifica, nesses casos, é uma sensível redução da eficácia normativa do texto constitucional e o aumento de sua função simbólica (Neves, 1993, p. 20).

Sob outra perspectiva, ao aumento da função simbólica (retórica) das declarações de direitos fundamentais corresponde diretamente o decréscimo do grau de concretização normativa do texto constitucional (Neves, 1994, p. 8).

Instituem-se, por exemplo, programas de natureza social, cuja realização só seria possível sob condições sociais totalmente diversas, o que gera a impossibilidade fática de sua efetivação (Neves, 1994, p. 6-7).

É possível observar, nesse processo patológico de involução constitucional, que é marcante a presença de interpretações bloqueantes de desenvolvimento por parte das estruturas de poder existentes.

As declarações de direitos fundamentais, normativamente disciplinadas, são repelidas por uma realidade fática que insiste em negar-lhes condições de eficácia.

É freqüente a utilização de recursos que impedem a concretização das normas de direitos fundamentais, a exemplo da teoria das normas constitucionais programáticas e da teoria das normas constitucionais de eficácia contida, ou ainda mediante a justificação do alto grau de exclusão política a partir da edição de normas cuja concretização é impossível, culpando-se a própria sociedade pela deformação do processo concretizador (Ferraz Júnior, 1990, p. 99-115).

É possível identificar, outrossim, uma quebra da autonomia operacional do sistema jurídico, em função do fenômeno da alopoiese, determinada por freqüentes injunções dos códigos dos sistemas econômico e político, os quais se sobrepõem ao do sistema jurídico no momento da (re)produção das normas de Direito Positivo (Neves, 1994, p. 129).

Conseqüência inexorável de todo esse processo de ausência de congruente generalização de expectativas normativas, em nível constitucional, é o grande distanciamento, no espaço político, entre representantes e representados, o que origina grande descrença nas instituições políticas e jurídicas.

Aqueles que exercem o poder tendem a perder gradativamente sua legitimidade, havendo inclusive riscos de ruptura da ordem institucional, os quais ficam contidos apenas graças aos mecanismos alienantes e manipuladores de que dispõe o Estado.

A busca de soluções para tão relevante problema poderia ter início a partir de um consenso entre cidadãos e "donos do poder", a afirmação de uma esfera pública mais pluralista e a utilização mais freqüente dos mecanismos de controle postos à disposição da coletividade. Todavia, esse é um processo nunca acabado. Pelo contrário, deve renovar-se dia a dia.

3 A jurisdição constitucional e os direitos fundamentais: necessidade e/ou possibilidade

Como visto, os direitos humanos, uma vez positivados nas Constituições, galgam o status de direitos fundamentais. Canotilho (1995, p. 497), citando Stern e Cruz Villalon, evidencia que: “sem esta positivação jurídico-constitucional, os direitos do homem são esperanças, aspirações, idéias, impulsos, ou, até, por vezes, mera retórica política, mas não direitos protegidos sob a forma de normas, regras e princípios de direito constitucional".

Continua Canotilho (1995, p. 497):

"Onde não existir constituição não haverá direitos fundamentais, existirão outras coisas, seguramente mais importantes, direitos humanos, dignidade da pessoa; existirão coisas parecidas, igualmente importantes, como as liberdades públicas francesas, os direitos subjectivos públicos dos alemães; haverá, enfim, coisas distintas como foros ou privilégios".

Somente o reconhecimento dos direitos fundamentais nas Constituições é que os tornam direitos fundamentais, produzindo, daí, conseqüências jurídicas.

Não se pode, porém, dar a tais assertivas um caráter positivista fechado, como adverte o próprio Canotilho (1995, p. 497-498), pois não basta reconhecer os direitos fundamentais no texto constitucional para torná-los "realidades jurídicas efectivas", nem a constitucionalização lhes retira o traço jusnaturalista, muito menos deles subtrai o caráter "fundamentante”.

A inserção constitucional desses direitos, uma vez situando-se a Constituição no topo da escala normativa, confere-lhes a própria supremacia da Constituição, principalmente a rigidez, de sorte que não podem ser desfigurados ou modificados pelo processo legislativo ordinário (Herrendorf; Campos, 1991, p. 201). E pouco importa, para conferir juridicidade positiva aos direitos fundamentais, que a declaração de tais direitos conste do articulado, do preâmbulo ou de texto em separado com o mesmo status da Constituição (Perez Luño, 1995, p. 77).

A consagração dos direitos fundamentais pelo ordenamento constitucional representa o coroamento do processo de positivação no direito interno.

Mas essa constitucionalização, por si só, não efetiva os direitos, notadamente aqueles que precisam de ações do poder público para se implementarem, sejam os direitos sociais, sejam outros que demandem a regulamentação interna e a instrumentalização processual para que possibilitem ao ser humano a ressalva do bem jurídico.

Deve-se buscar vigência sociológica junto às condutas humanas para os direitos positivados (Herrendorf; Campos, 1991, p. 201).

Proclamar direitos é tarefa fácil. O difícil é dar condições para que sejam desfrutados efetivamente. Por isso Bobbio (1996, p. 24) chama atenção para o problema da inexeqüibilidade, particularmente dos direitos sociais, ressaltando que o grande obstáculo dos direitos do homem, nos dias atuais, não é mais buscar seus fundamentos, mas sim protegê-los:

"Com efeito, o problema que temos diante de nós não é filosófico, mas jurídico e, num sentido mais amplo, político. Não se trata de saber quais e quantos são esses direitos, qual é sua natureza e seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados."(Bobbio, 1996, p. 25)

Retomando o pensamento de Bobbio (1996, p. 23), é preciso empenho para criar condições visando à ampla realização dos direitos consagrados. Para tanto, há necessidade da conscientização "de que a realização dos direitos do homem é uma meta desejável", e, para a efetivação de determinados direitos, exige-se muito mais que a boa vontade dos governantes, como exemplo, a proteção dos direitos atinentes às relações de trabalho, que somente será possível mediante a transformação industrial em um país.

A solução para o problema da "efetivação de uma maior proteção dos direitos do homem está ligada ao desenvolvimento global da civilização humana" (Bobbio, 1996, p. 45).

Um outro aspecto atinente ao êxito da garantia dos direitos humanos tem a ver com a jurisdição internacional, de sorte a permitir ao sujeito ativo desses direitos o acesso a um tribunal que os ressalve.

Nos primórdios do processo de positivação desses direitos não se concebia a idéia dessa jurisdição (Traviesso, 1998, p. 20), mesmo porque se partia da premissa de que as normas internas já gozavam de efetividade, com a quase certeza de que seriam cumpridas – o que, na prática, não se verificou.

Há uma tendência no constitucionalismo contemporâneo a que as Constituições se refiram, expressamente, aos tratados de direitos humanos, inserindo-os no ordenamento jurídico interno com status constitucional.

Mas nem sempre os países que adotam esses tratados o fazem integralmente, inclusive a aceitação da competência dos órgãos internacionais de proteção.

Deve haver uma mudança de mentalidade, segundo Cançado Trindade (1999, p. 58), para que os direitos humanos, notadamente os proclamados nos tratados e instrumentos internacionais, possam beneficiar os próprios indivíduos, com o "acesso direto das supostas vítimas aos tribunais internacionais de direitos humanos (Cortes Européia e Interamericana de Direitos Humanos)". Deve ser aceita a jurisdicionalização incondicional dessas Cortes, como meio mais evoluído de proteção dos direitos sob comento, interagindo com os órgãos internos, sejam do Poder Executivo, sejam do Judiciário – a quem compete interpretar corretamente as "normas internacionais e nacionais de modo a realizar a proteção do ser humano (pro victima), sejam tais normas de origem internacional ou nacional" (Cançado Trindade, 1999, p. 60).

A lição bem se aplica ao Brasil, que, apesar de ter ratificado o Pacto de São José da Costa Rica, reservou-se o direito de não se submeter à jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Assim, outra perspectiva que se tem no sentido da garantia efetiva dos direitos humanos é que os Estados se submetam às Cortes internacionais, o que, na prática, permitirá ao cidadão agredido acionar diretamente o órgão, que sentenciará visando à reparação ou restauração do direito violado, cabendo ao Estado "réu" cumprir a sentença.

Como ensina Streck (2002, p. 18), as noções de Constituição dirigente, de força normativa da Constituição, de Constituição compromissária não podem ser relegadas a um plano secundário, mormente em um país como o Brasil, onde as promessas da modernidade, contempladas no texto constitucional de 1988, longe estão de serem efetivadas.

Para que se possa entender toda a problemática que envolve o tema, diz o autor, é necessário que se estabeleça uma discussão a respeito do papel do Direito (portanto, da Constituição) e da justiça constitucional no Estado Democrático de Direito (Streck, 2002, p. 19).

A noção comunitarista da Constituição brasileira reflete a necessidade de incorporação do fundamento ético da ordem jurídica, o amplo sistema de direitos fundamentais, acompanhados dos institutos processuais que visam controlar a omissão do Poder Público. A Constituição Cidadã passa a adotar um completo e exaustivo sistema de direitos, prevendo também os instrumentos processuais elaborados para garantir a sua efetividade (Cittadino, 2000, p. 43). Buscando reconstruir o Estado Democrático de Direito e resgatar a força do Direito, cometendo à jurisdição a tarefa de guardiã dos valores materiais positivados na Constituição (Streck, 2002, p. 127).

A noção de Estado Democrático de Direito está diretamente relacionada aos Direitos Fundamentais como um plus normativo, pois supre as lacunas das etapas anteriores, como os valores que lhe são agregados, resgatando as promessas da modernidade, como a igualdade, a justiça social e a garantia  dos direitos humanos fundamentais. (Streck, 2002, p. 127-128).

Os valores substanciais a serem realizados não podem ser negados à sociedade, diante do perfil compromissário, dirigente e vinculativo do constitucionalismo que exsurge do Estado Democrático de Direito, que “constitui-a-ação” do Estado (Streck, 2002, p. 19).

A Constituição, ao mesmo tempo em que constitui direitos, constitui a ação do Estado para a realização dos direitos sociofundamentais, pois ela é a condição de possibilidade desses direitos.

Se o ser humano só existe realmente enquanto membro participante de um grupo social e pode, até certo ponto, escolher os grupos em que pretende participar, se é na vida social que encontra condição de sua existência e sobrevivência, se todos homens vêm ao mundo, em geral, como membros de uma família, de uma cidade, de uma nação, e  desde os primórdios de seu aparecimento na Terra estão divididos em aldeias, tribos, nações, pois sua própria natureza exige que se agrupem, e, além disso, já trazem uma tendência à vida social (tendência gregária), é, pois, na espécie humana que a vida social atinge o mais alto nível de organização sociocultural-política-histórica. Se o sujeito está inserido dentro de um mundo que foi constituído por signos e por palavras, isso lhe possibilita agir, interagir, comunicar-se, devendo compreender a Constituição como um existencial, manifestação da própria condição existencial do ser humano (Streck, 2002, p. 122). Assim pode-se dizer que a Constituição não tem uma intrínseca realidade em si mesma; ela é uma construção, um vir-a-ser, pois ela é social, é histórica, é política. Portanto, exprime valores essenciais que lhe dão unidade de sentido.

Como diz Cittadino (2000, p. 76), o sujeito racional solitário está morto, e são os valores culturais, os mundos plurais e as diversas concepções sobre a vida digna os temas com os quais se defronta a política contemporânea. É, portanto, pela via da intersubjetividade que se retorna ao mundo da ética, do direito e da política.

Portanto, a figura de Estado com poder de mando, como poder com força imperativa para criar um conjunto de regras de comportamento, postulá-las como obrigatórias e fazê-las cumprir (Leal, 2002, p. 220), não encontra mais espaço dentro da realidade social contemporânea. Faz parte do passado. O Estado de Direito nasce para conter o absolutismo dominante, e a lei agora é a emanação da vontade do povo, e não mais expressão da vontade do governante.

Uma sociedade democrática, a partir dessas novas demandas, é aquela que consegue definir, a partir das relações de poder estendidas a todos os indivíduos, com um espaço político demarcado por regras e procedimentos claros, que efetivamente assegurem o atendimento às demandas públicas da maior parte da população, elegidas pela própria sociedade, através de suas formas de participação/representação, vinculando tanto a cidadania como o Estado no sentido de que se efetivem as garantias e prerrogativas fundamentais já demarcadas pela ordem constitucional vigente (Leal, 2002, p. 221).

Na atualidade, várias são as questões que necessitam ser respondidas pela teoria política contemporânea quando da análise desse novo Estado constituído, como diz Gesta Leal, quais sejam, sobre as possibilidades e condições dos poderes públicos, principalmente o Poder Judiciário, de responder às prestações da sociedade; se o Estado Democrático de Direito, proclamado pelo texto constitucional brasileiro, assumiu a responsabilidade de transformar a ordem econômico-social no sentido de viabilizar a efetivação material da idéia de democracia real, baseada no pressuposto da igualdade concreta e existencial (Leal, 2002, p. 228).

Continuando, Gesta Leal (2002, p. 229) diz que os princípios constitucionais (...) têm a função de delimitar os campos e possibilidades, de interpretação e de integração, das demais normas constitucionais e infraconstitucionais, ou seja, qualquer criação, interpretação e aplicação de lei ou ato de governo deve ter como fundamento o comando da norma que diz ser a República Federativa brasileira um Estado Democrático de Direito, com objetivos claros a perseguir e tutelar.

Considerações finais

No espaço público em que vive a sociedade, existe um poder visível e até certo ponto invisível que é capaz de interferir, condicionar, influenciar, decidir as relações da sociedade, como forma de organização política determinada. Ao longo da história esse poder foi se modificando, se transformando, conforme o foi também a sociedade, passando de um Estado autoritário para um Estado Democrático.

Fica evidente, após o enfoque dado ao tema que envolve a possibilidade da jurisdição constitucional na realização dos direitos fundamentais, que o Direito brasileiro, tanto a doutrina quanto a jurisprudência, encontra-se em fase de transição entre o tratamento lógico-formal, como uma visão de um Estado liberal, e a aplicação de métodos que enfatizem a interpretação valorativa na análise da questão jurídica.

O Estado Democrático de Direito, privilegiador dos direitos fundamentais, ainda encontra resistência por parte de seus operadores no momento de dizer o direito. Prendem-se a questões que envolvem a visão particularizada e autoritária do direito, sem considerar o momento histórico-político-social-econômico por que passa a sociedade e, por que não dizer, a humanidade. A visão dominante do hermeneuta jurídico ainda continua sendo, até certo ponto, dogmática, restritiva e monista, prevalecendo o interesse do Estado em detrimento do social.

Por isso, os magistrados necessitam reduzir sua dependência em relação ao Poder Judiciário, fazendo uma leitura atualizada da sociedade, fazendo com que possam construir os diferentes matizes que compõem o grupo social, o que viabilizaria a evolução da ética profissional, quando da aplicação das normas constitucionais com decisões firmes e condizentes, exercendo seu importante papel no processo político da realização dos Direitos Sociofundamentais.

A Constituição brasileira privilegia princípios no momento em que os coloca como delimitadores de interpretação e integração das demais normas constitucionais e infraconstitucionais, fazendo clara menção de que cabe ao Estado a defesa e a garantia dos direitos tutelados elencados no texto constitucional, que assegura a todos o Estado Democrático de Direito como espaço de cidadania, igualdade, respeito, permitindo uma governabilidade associada às condições democráticas de existência. Mas o que se constata é que a doutrina e a jurisprudência ainda não estão seguras quanto à natureza e à aplicabilidade desses princípios constitucionais.

As garantias constitucionais devem ser entendidas como instrumentos de objetivação de conteúdos jurídicos historicamente conciliados com valores fundamentais, como elos entre a evolução da sociedade naquilo que diz respeito ao homem enquanto membro de uma sociedade, enquanto cidadão.

De tudo, observa-se que não basta ao operador do direito interpretar a norma jurídica que é abstrata, pois não existe norma jurídica per se, mas sim que deve interpretá-la baseado no contexto histórico-social-político atual, colocá-la no tempo, no espaço, para que ela tenha vigência. Como já foi mencionado antes, a Constituição não é, ela está sendo, as normas não são decisões prévias, acabadas, mas sim evolutivas. A interpretação da norma está diretamente relacionada com um contexto fático específico.

Assim, deve-se ter presente que os princípios são os verdadeiros alicerces de um sistema sobre o qual se irradiarão diferentes normas, e que aqueles servirão de critério para a exata compreensão de todo o sistema jurídico vigente que estruturam uma sociedade. Constituem, assim, uma síntese, uma matriz de todas as normas jurídicas tanto constitucionais como infraconstitucionais.

O texto constitucional brasileiro tem privilegiado em sua matriz direitos, principalmente os Direitos Fundamentais, que se constituíram ao longo dos anos, que foram construídos aos poucos, mas que devem ser preservados e respeitados, principalmente porque são a fonte primária da normatividade de todo o sistema, enquanto valores com os quais são aferidos os conteúdos constitucionais.

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