Reflexões sobre o processo eletrônico


Autor: Emmerson Gazda

Juiz Federal

 publicado em 16.12.2009

Resumo: Análise reflexiva do arcabouço legislativo e da experiência do processo eletrônico dos Juizados Especiais Federais da 4ª Região, com o objetivo de apresentar contribuições para a construção de um processo eletrônico para todos os tipos de ações.

Palavras-chave: Processo eletrônico. Reflexões. Sistema legal. Experiência. JEFs. 4ª Região. Implantação. Questões relevantes. 

Sumário: Introdução. 1 Arcabouço legislativo. 2 Experiência do processo eletrônico dos Juizados Especiais Federais da 4ª Região. 3 O processo eletrônico para todas as ações. Conclusão. Referências bibliográficas.

Introdução

O decantado princípio constitucional do acesso à Justiça(1) ampliou significativamente as portas de entrada da Justiça brasileira, ao ponto, inclusive, de em muitas situações, por omissão do Legislativo ou do Executivo, ser transferida ao Judiciário a responsabilidade por solucionar questões eminentemente legislativas,(2) executivas(3) ou políticas.(4) Com isso, vem aumentando a cada ano o volume de processos que ingressam e tramitam no Judiciário brasileiro, agravando-se o problema da morosidade na solução dos litígios judiciais.
 
Para conseguir atender à demanda crescente, muitas alternativas já foram postas em prática: reforma ampla da legislação processual, criação dos Juizados Especiais Estaduais e Federais, aumento do número de Juízes e serventuários da Justiça, mapeamento estatístico do trabalho jurisdicional, entre outras.

Infelizmente, até o momento não se construiu uma solução que se possa dizer satisfatória. O que se conseguiu, em verdade, foi evidenciar que não basta garantir o acesso à Justiça em sentido estrito. É preciso garantir o acesso de uma forma ampla, o qual, obviamente, inclui dar ao jurisdicionado, em tempo adequado, uma resposta ao seu questionamento e, em lhe assistindo razão, assegurar-lhe o mais rápido possível o bem da vida perseguido judicialmente.

Seguindo esse raciocínio, a Emenda Constitucional nº 45/2004 acrescentou o inciso LXXVIII ao artigo 5º da Constituição Federal, estabelecendo que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.(5) A partir da EC 45/2004, portanto, algo que já era intuitivo dentro da ideia de acesso à Justiça passou a ser direito fundamental expressamente consagrado na Constituição Federal, impondo aos operadores jurídicos ações jurisdicionais, políticas, legislativas e gerenciais no sentido de concretizar tal direito.

No âmbito jurisdicional vem ganhando importância o incentivo aos meios consensuais de solução das controvérsias, com a intermediação do Poder Judiciário, sendo ampliadas as realizações de mutirões de conciliação. Além disso, há diversas práticas que procuram mostrar ao cidadão a importância de uma ação pessoal primária mais ativa na busca de soluções não contenciosas, deixando a intervenção judicial somente para quando seja efetivamente necessária. 

Quanto às ações políticas, verifica-se que o Judiciário tem procurado atuar de forma ativa no sentido de sensibilizar os atores sociais para a importância do cumprimento espontâneo do direito, especialmente quando o violador do direito é um ente público.(6)

No âmbito legislativo, novas reformas processuais, agora com o objetivo mais focado na racionalização do sistema, passaram a ser discutidas e, uma vez aprovadas, começam a dar maior ênfase aos precedentes, especialmente dos Tribunais Superiores, quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito.(7) A ideia é resolver de forma diferenciada a demanda de massa, unificando entendimento, para aplicação verticalizada dentro da estrutura do Judiciário e orientação interpretativa para as relações privadas e a Administração Pública.

Por fim, ganhou destaque no cenário do Poder Judiciário a necessidade de investir na matriz gerencial, modernizando a gestão de pessoas, processos e recursos materiais que o compõem. Ações de planejamento estratégico, reestruturação de atividades, formação de um corpo de servidores com conhecimento técnico específico em gestão,(8) entre outras, estão na ordem do dia da Justiça brasileira, ante o pressuposto razoável de que a fórmula até aqui utilizada, de ampliar indefinidamente a estrutura, encontra forte limitação orçamentária. Além disso, tem-se que tal fórmula, empregada largamente no passado, até aqui não conseguiu surtir os efeitos desejados.

Nessa perspectiva de mudanças gerenciais, a intensificação do uso do meio eletrônico na tramitação dos processos vem sendo considerada como essencial, constituindo-se, para muitos, em ferramenta que pode determinar a tão almejada solução do problema da morosidade do Poder Judiciário brasileiro.

O otimismo demonstrado encontra fundamento em algumas experiências já implantadas. A primeira que se registra significativa, e com muito sucesso, é a do chamado voto eletrônico, a qual dispensa maiores comentários, em razão de já ser de conhecimento público a diferença entre uma eleição antes e depois do advento da urna eletrônica.
 
A segunda experiência, mais recente e ligada diretamente à realidade de tramitação processual, é a do processo eletrônico dos Juizados Especiais Federais, desenvolvido de forma autônoma por cada Tribunal Regional Federal, para aplicação nos Juizados sob sua responsabilidade.

Pode-se afirmar que a tramitação eletrônica dos processos é uma das razões pelas quais os JEFs ainda não sucumbiram à quantidade de ações que lhe são distribuídas diariamente. Tal instrumento tem permitido multiplicar a força gerada pelo empenho constante de juízes e serventuários dos JEFs, para garantir um mínimo de eficácia aos princípios de celeridade que informam os Juizados Especiais.

Essa experiência positiva dos Juizados Especiais Federais, tornada mais rica pela multiplicidade de sistemas criados, tem gerado a confiança de que o processo eletrônico, em todos os feitos judiciais, é algo que pode contribuir em muito para a realização do princípio constitucional da razoável duração do processo.

Pois bem, é nesse cenário de grandes expectativas acerca do processo eletrônico que se pretende, no presente estudo, apresentar algumas reflexões sobre essa modalidade de informatização do processo.

O que é um processo eletrônico? Até que ponto o processo eletrônico pode ajudar o Judiciário e quais são as expectativas que se podem considerar legítimas quanto a isso? Quais os riscos à segurança que a informatização do processo traz e como se pode atuar para minimizá-los? Existe um agravamento do risco ocupacional com o processo eletrônico? A forma de organizar o trabalho com o processo eletrônico deve ser a mesma do processo de papel? Qual o prazo razoável para se fazer uma transição segura entre papel e meio digital? A unificação de sistemas, ao menos em cada ramo da Justiça, é algo importante? Os processos criminais exigem um cuidado diferenciado em termos de segurança?

A essas perguntas, e seus desdobramentos, é que se pretende trazer contribuição. Evidentemente que, pela própria natureza ainda em fase incipiente do processo eletrônico, não se pretende apresentar respostas acabadas. O momento atual não pede isso. Requer, isto sim, discussão do assunto, ponderações para que a iminente transição do meio físico para o eletrônico se dê da melhor forma possível.

Para tanto, será apresentado, em um primeiro momento, o arcabouço legislativo básico que permite a implantação do processo eletrônico. Em seguida, para se ter um parâmetro de comparação com o processo em papel, será retratada a realidade do processo eletrônico dos JEFs da 4ª Região, aproveitando-se a experiência do autor como Juiz de JEF da 4ª Região desde a criação e a implantação do sistema, na forma de projeto piloto, em Vara na época sob sua jurisdição. A partir disso, será feito um fechamento de tudo o que foi analisado, em tópico específico sobre o processo eletrônico para todos os tipos de ações. 
     
1 Arcabouço legislativo

Ao pensar na legislação relativa à informatização do processo, o primeiro ato legislativo a que se faz referência é a Lei nº 11.419, de 19 de dezembro de 2006, que dispõe, justamente, “sobre a informatização do processo judicial”, conforme sua ementa. Antes disso, a Lei 10.251/2001 já havia estabelecido a possibilidade da tramitação processual com o auxílio direto da informática nos Juizados Especiais Federais (artigo 8º) e a Lei nº 11.280/2006 permitiu para todos os processos a comunicação processual por meio eletrônico, inserindo o parágrafo único no artigo 154 do Código de Processo Civil. A Lei nº 11.419/2006, contudo, possui uma abrangência mais ampla e permite um avanço mais concreto do que o existente até então.

Evidente, assim, que a Lei nº 11.419/2006 é a principal legislação que se tem no Brasil sobre a informatização do trâmite processual (na prática forense chamado de processo eletrônico) e por isso seu estudo é indispensável. Entretanto, nunca é demais lembrar, a Lei nº 11.419/2006 faz parte de um sistema que tem em seu ápice a Constituição Federal de 1988 e, por essa razão, sua leitura deve sempre ser feita com o olhar a ela voltado, em especial para os princípios constitucionais do processo.

Além disso, é importante perceber que aquilo que se tem denominado comumente de processo eletrônico, apesar do emprego do termo processo, na realidade, sob o ponto de vista estritamente técnico, melhor seria designado de autos eletrônicos ou autos informatizados.

A confusão se explica porque na prática forense o termo “processo” tem sido utilizado de forma corriqueira para designar os autos judiciais. Contudo, tecnicamente, o processo judicial é imaterial e, nas palavras de Ovídio Batista da Silva, “corresponde à atividade que se desenvolve perante os tribunais para obtenção da tutela jurídica estatal”.(9) A materialização do processo se dá por meio dos autos judiciais.

Dessa forma, quando se fala em processo eletrônico, na realidade faz-se referência ao fenômeno de os autos judiciais deixarem o meio físico (papel) e passarem ao meio informatizado (computador). Ou seja, com o processo eletrônico a materialização do processo judicial, os autos judiciais, passa para o meio eletrônico. Entretanto o processo em si, conforme seu conceito teórico, continua informado pelos mesmos princípios, conceitos doutrinários e legislação processual até então vigentes.

Portanto, tem-se que também é relevante ao processo eletrônico toda a legislação processual e material brasileira, sendo que a Lei nº 11.419/2006 possui importância específica no que se refere às normas sobre como deve ocorrer validamente a materialização do processo judicial (autos judiciais) no meio eletrônico.(10) Como esse é o objeto do estudo ora desenvolvido, ainda que não se pretenda fazer aqui uma análise exaustiva de tal diploma legal, faz-se necessário tecer alguns comentários sobre sua estrutura geral.

Pois bem, antes de tudo é preciso destacar que a Lei nº 11.419/2006 não trata apenas do processo eletrônico, assim entendido como o processo materializado em autos eletrônicos. Dividida em 4 capítulos (da informatização do processo judicial, da comunicação eletrônica dos atos processuais, do processo eletrônico e disposições gerais e finais), tem-se que apenas o terceiro capítulo, do processo eletrônico, é específico sobre o processo eletrônico. Já as disposições dos capítulos I, II e IV dizem respeito tanto ao processo eletrônico quanto ao uso da informática na tramitação do processo em meio físico (papel).

No que se refere às disposições do capítulo I, da informatização do processo judicial, um ponto que merece destaque é o artigo 1º, § 1º, ao estabelecer a aplicação da lei ao processo civil, penal, trabalhista e aos juizados especiais, em todos os graus de jurisdição.  A dúvida que fica é sobre a aplicação ao processo eleitoral e ao processo militar. Eventualmente, em relação aos processos penal eleitoral e penal militar, pode-se dizer que se enquadram no conceito amplo de processo penal, mas mesmo isso é duvidoso pela patente falta de sistematicidade em se admitir a ferramenta para o processo criminal eleitoral e militar e deixar de fora o direito eleitoral e militar nos casos que não sejam criminais.

No  que se refere ao processo eleitoral, a ausência de previsão parece ser eloquente no sentido da necessidade de uma regulamentação especial, posto que os prazos são bastante curtos e a utilização das regras da Lei nº 11.419/2006 seria ineficiente. Veja-se, por exemplo, que na intimação pessoal via sistema informatizado existe um lapso de 10 dias para que a intimação se considere efetuada automaticamente (artigo 5º, § 3º). Tal lapso praticamente inviabiliza o processo eleitoral, especialmente em tempos de eleição.

Outro ponto de grande relevância, no capítulo I, são as disposições acerca da assinatura eletrônica. Trata-se de assunto da maior importância e objeto de grandes discussões. Isso porque, além de admitir a assinatura “baseada em certificado digital emitido por Autoridade Certificadora credenciada, na forma de lei específica” (no caso o ICP-Brasil, sistema de chaves públicas implantado pelo Governo Federal a partir da MP 2200-2/2001, em vigor por força da EC nº 32/2001), a lei previu a assinatura “mediante cadastro de usuários no Poder Judiciário, conforme disciplinado pelos órgãos respectivos” (artigo 2º, III, b). Atualmente o entendimento administrativo do Supremo Tribunal Federal e do Conselho da Justiça Federal, seguido pelos Tribunais Regionais Federais que utilizam o peticionamento eletrônico, é no sentido de que, para os fins legais, é suficiente o cadastro de uma senha perante o Judiciário.(11) O Superior Tribunal de Justiça, na regulamentação inicial do e-STJ, tem exigido o uso do certificado ICP-Brasil, conforme Resolução nº 2, de 24.04.2007. Portanto, tem-se os dois sistemas previstos na Lei nº 11.419/2006 em uso no Brasil.

A grande questão que se coloca aqui, independentemente do uso do ICP-Brasil ou do sistema de credenciamento no Poder Judiciário, diz respeito à garantia de autenticidade da assinatura digital (que substitui no meio eletrônico a assinatura de próprio punho, gerando para o signatário todos os direitos e obrigações da assinatura no papel). Ou seja, em termos práticos é preciso que se tenha segurança suficiente quanto ao fato de que o ato processual foi efetivamente praticado por quem indicado no sistema e que, com o decurso do tempo, não houve qualquer alteração no teor do documento gerado. Em palavras mais simples: é preciso que se tenha garantia quanto a quem assinou um determinado documento e se seu conteúdo não foi alterado depois da assinatura. 

Para iniciar qualquer raciocínio sobre essa questão da segurança é preciso observar que a assinatura no papel tem grande precariedade na constatação de sua falsidade. Basta pensar que, em um processo sem qualquer recurso de informatização, uma pessoa bem poderia despachar em lugar do Juiz, imitando a assinatura, sendo possível que isso não fosse nunca notado, ante o grande número de feitos que tramitam nos cartórios. Da mesma forma seria possível substituir documentos dentro do processo sem maiores dificuldades. Em um universo enorme de documentos, trocar a prova documental principal por um texto de lei sem maior significado é algo bastante fácil.

Entretanto, apesar da precariedade, no processo de papel tem-se uma crença generalizada nos atores processuais de que o papel é seguro e que uma vez constatada suspeita de fraude é possível realizar perícias e outras provas que  permitem apurar os fatos e, com um razoável grau de certeza, definir pela autenticidade ou não de tudo o que foi produzido até então. Essa possibilidade de prova do falso, com consequente nulidade de todo o processo, tem gerado nos operadores jurídicos uma confiança no sistema do processo de papel. Não que isso seja necessariamente a realidade, mas pelo menos há uma forte convicção que seja, o que determina não ser comum encontrar-se notícia de processos adulterados em sua veracidade. Contudo, quando há fraude no processo de papel é muito comum que isso seja descoberto depois que o falso já produziu resultados no mundo material, gerando danos importantes, como a soltura de um preso ou o levantamento de valores com o uso de documentos falsos.

Pois bem, atento à realidade do papel, ao passar o processo para o meio eletrônico, a grande necessidade é criar mecanismos que evitem que essa transição de meio de armazenamento do processo torne-se um campo fértil para fraudes. Não que delas esteja livre o processo em papel, como já registrado, mas uma mudança de sistema sempre gera desconfianças e assim o processo eletrônico não se beneficia, nesse momento inicial, da crença generalizada de segurança que possui o processo de papel. Pelo contrário, a tendência, e é adequado que seja assim, é que se tenha uma atenção especial por parte dos usuários quanto à questão. 

Portanto, pensar em formas de garantir ao máximo a inviolabilidade da assinatura digital, criar ferramentas que evitem manipulações fraudulentas de processos, em pequena ou especialmente em grande escala, adotar medidas que, em caso de alguma fraude, permitam sua rápida identificação e impeçam a obtenção dos resultados práticos pretendidos,  apresentam-se como importantes preocupações de segurança, intrinsecamente ligadas à assinatura digital.

Nesse sentido, o uso do ICP-Brasil é uma alternativa interessante, pois, além de trazer um elemento a mais que o simples uso de senha (que se vê acrescido da vinculação de tal senha a um cartão que fica na posse do titular da assinatura), a intermediação da entidade certificadora traz uma garantia da informação instantânea sobre eventual alteração no documento inserido no processo. Quer dizer, com o uso do ICP-Brasil há uma certeza razoável sobre a autenticidade da assinatura (no sentido de partir do próprio punho do seu titular). Também há uma garantia no sentido da informação sobre a autenticidade do conteúdo do documento.

Observe-se, por oportuno, que o ICP-Brasil não dá a garantia de que o documento não será alterado (para isso será necessário adotar outras medidas de segurança), mas se ele for alterado o sistema não mais o dará como autêntico, evitando-se o risco de tomar como válido um documento adulterado, ou seja, falsificado.(12)

Também é importante ponderar que o sistema do ICP-Brasil possui um ponto sensível de segurança que exige atenção do Judiciário. Ora, ao utilizar o ICP-Brasil o Judiciário estará, em última análise, terceirizando para uma autoridade certificadora, em princípio externa ao Judiciário, a atividade de fazer a identificação, o credenciamento e a validação dos atos dos usuários. Ou seja, atividade essencial ao processo eletrônico não estará sendo feita pelo Judiciário. Assim, é preciso que, com o uso do ICP-Brasil, seja pensada alguma forma do Judiciário fiscalizar essa atividade de credenciamento e funcionamento das autoridades certificadoras, criando eventualmente mecanismos de homologação das autoridades, com revisões periódicas.

Outro aspecto que deve ser considerado, com o uso do ICP-Brasil, é relativo ao  risco de restrição de acesso ao sistema, decorrente da necessidade de cumprir um rito burocrático para a obtenção do cartão de assinatura. O que traz preocupação é que, por exemplo, algo comum como a perda do cartão possa fazer com que o usuário fique alguns dias sem acesso ao sistema por não estar de posse de sua assinatura digital. Isso, aliás, pode ocorrer mesmo sem a perda do cartão, uma vez que o simples esquecimento deste no escritório já retirará do usuário a posse de sua assinatura.(13) Em termos de acesso à Justiça isso é bastante grave e precisa ser encontrada solução para que, em casos urgentes, as autoridades certificadoras homologadas tenham algum sistema de plantão que permita, de forma segura, o acesso emergencial à assinatura pelo usuário.  

Possivelmente tendo em vista essas dificuldades geradas pelo uso do ICP-Brasil, a Lei nº 11.419/2006, como já mencionado, não restringiu a assinatura digital válida ao modelo da Autoridade Certificadora credenciada. Permitiu, ainda, o uso de um sistema mediante cadastro do usuário diretamente no Poder Judiciário, que nesse caso funcionaria como uma espécie de autoridade certificadora para seus próprios processos.

A abertura dessa segunda opção, paralela ao ICP-Brasil, não significa, pelo que se extrai da lei, que o Poder Judiciário esteja, no que respeita à assinatura digital, em uma posição livre, para usar termo de Robert Alexy em sua Teoría de los derechos fundamentales.(14) Muito pelo contrário, o sistema a ser criado pelo Poder Judiciário precisa, no momento do credenciamento, assegurar a “adequada identificação presencial do interessado” (art. 2º, § 1º) e, nos atos em geral, garantir a “identificação inequívoca do signatário” (art. 1º, § 2º, inciso III), sendo que o acesso ao sistema deverá, em relação ao credenciado para nele atuar, “preservar o sigilo, a identificação e a autenticidade de suas comunicações” (art. 2º, § 2º). Além disso, conforme o artigo 12, § 1º, da Lei nº 11.419/2006, “os autos dos processos eletrônicos deverão ser protegidos por meio de sistemas de segurança de acesso e armazenados em meio que garanta a preservação e integridade dos dados”.

Assim, o Poder Judiciário não está obrigado a utilizar o ICP-Brasil, mas, ao criar um sistema próprio para assinatura digital, está obrigado a adotar, dentro de um critério de razoabilidade, um sistema que garanta a identificação do signatário dos atos praticados, bem como preserve a autenticidade e integridade dos documentos produzidos.

Nesse contexto, a grande indagação que se faz é se o uso de identificação do usuário exclusivamente pelo cadastramento de uma senha perante o Poder Judiciário é suficiente para atender as exigências legais e constitucionais.

Observa-se, inicialmente, sobre o uso da senha, que se trata efetivamente de um meio capaz de identificar o usuário de forma inequívoca, posto que cada usuário registra no sistema uma senha apenas de seu conhecimento e uso exclusivo, sob sua responsabilidade. E a partir do acesso ao sistema, havendo vinculação dos eventos gerados ao titular da senha, tem-se a identificação dos atos praticados, garantindo-se a autenticidade futura dos documentos pela geração de uma chave associada ao documento no momento em que este é anexado aos autos virtuais. Então, do ponto de vista estritamente técnico e teórico, a utilização da senha cumpre com os requisitos da Lei nº 11.419/2006.

O problema surge, contudo, quando esse sistema de senhas é trazido para a realidade da informática, no qual se sabe existe uma série de mecanismos e instrumentos capazes de permitir que um terceiro capture a senha de um usuário pela Internet sem que este sequer perceba o fato. Como para acessar o sistema basta saber a senha do usuário, a partir do momento da captura da senha é possível que o terceiro atue como se fosse o  usuário autêntico. Isso determina, na prática, sério e fundado risco de alguém se fazer passar pelo usuário sem que este tenha conhecimento prévio do fato, impedindo que tome medidas de prevenção, como a troca da senha e eliminação do mecanismo que permitiu a captura desta.

Essa possibilidade bastante factível da captura da senha coloca em dúvida se um sistema baseado exclusivamente na senha garante de forma efetiva, dentro de um critério de razoabilidade, a identificação inequívoca do signatário e a autenticidade dos atos praticados.

Do ponto de vista histórico é perfeitamente possível concluir que sim, dadas as circunstâncias históricas em que o sistema foi adotado, quando o processo eletrônico ainda era incipiente, frutificando experiências exitosas no âmbito dos Juizados Especiais Federais. Nesse momento havia uma justificativa razoável para o uso apenas da senha, até porque o sistema do ICP-Brasil ainda estava sendo implantado e não havia alternativas tecnológicas disponíveis na amplitude necessária. Além disso, como as experiências realizadas tinham como alvo os Juizados Especiais Federais, o instrumento estava voltado para o uso em processos de menor complexidade e valor econômico, em que o armazenamento de dados é admitido de forma simplificada (vide artigo 13 da Lei nº 9.099/95). Assim, é possível sustentar que essas primeiras versões de processo eletrônico, voltadas aos Juizados Especiais Federais, encontram, ainda no presente momento, sistema válido de assinatura digital.   

Com a evolução do sistema e no momento em que se pensa o processo eletrônico para todos os processos, é imperioso que se busque seu aprimoramento, incorporando mecanismos que agreguem segurança ao simples uso da senha. O momento histórico é outro e a complexidade dos processos é maior, especialmente quando se pensa em questões cíveis de maior vulto, execuções fiscais e ações criminais, em que os interesses envolvidos são desconexos e o interesse em investir em ferramentas de burla e fraude ao sistema certamente existirá em considerável escala.(15)

Assim, na evolução do processo eletrônico para todos os tipos de ações, tem-se que melhor atende às exigências legais o uso de um sistema de assinatura eletrônica cuja segurança não se funde exclusivamente na senha.

Uma das alternativas seria conjugar a senha com outros dados de maior variação, como é o caso de um sistema que estabelece códigos aleatórios, um para cada usuário, em um cartão de papel com um número significante de posições (de 1 a 99, por exemplo). Claro que aqui também é possível descobrir essa sequência, pois ao monitorar um computador por longo tempo, depois de um número amplo de acessos pelo usuário, pode-se descobrir os códigos desse cartão. Para evitar isso criou-se um teclado na própria tela do computador, que  impediria a descoberta remota do que foi clicado. E daí por diante há uma série de mecanismos que podem ser agregados, de forma a aumentar a segurança. Um dado interessante é que um novo cartão numérico, sem maiores entraves, pode ser gerado pelo usuário junto ao Poder Judiciário em caso de perda ou esquecimento, mediante procedimento em que haja a “adequada identificação presencial do interessado” (repetindo-se, então, o rito do cadastramento do usuário), o que permite resolver os casos de perda ou esquecimento do cartão. 

A indicação do parágrafo anterior é apenas para provocar discussão, uma vez que o autor não é especialista no assunto. Se o mecanismo proposto é adequado ou não é uma questão técnica, mas o importante é pensar em soluções. A grande dificuldade é que, ao pensar em soluções, não se pode perder de vista a importância de preservar uma das grandes vantagens do processo eletrônico que é justamente a possibilidade de acessar o sistema de qualquer lugar, via Internet. Se os mecanismos de segurança inviabilizam isso é preciso tentar encontrar outros que, com o mesmo nível de garantia, mantenham a mobilidade no acesso. 

Para além do uso de um cartão, com dados que se somam à senha, também é possível pensar em outros mecanismos de segurança que busquem verificar a identidade do usuário. Assim, pode ser possível manter o uso apenas da senha, desde que o sistema tenha mecanismos que de alguma outra forma se somem à assinatura do usuário para que ao menos os atos processuais mais importantes recebam uma atenção especial. Assim, por exemplo, o sistema pode verificar que o usuário entrou no sistema às 10 horas da manhã em Jaraguá do Sul-SC e às 11 horas em Porto Alegre-RS. Se isso acontecer é evidente que o acesso não foi feito pela mesma pessoa, e a partir daí seria possível adotar procedimentos internos de verificação. Outra ferramenta interessante é criar mecanismos específicos de validação ou confirmação de alguns atos que gerem efeitos materiais, como levantamento de valores, prisão e soltura de pessoas, etc.
 
O que se conclui, portanto, é que a essência da ideia da assinatura com o uso de senha pode ser aproveitada. É preciso, apenas, que a ela sejam acrescentados mecanismos de segurança que cada vez mais a qualifiquem como “forma de identificação inequívoca do signatário”. Nesse contexto, é preciso pensar, ainda, que existem determinados tipos de processo que exigem um nível de segurança mais aprimorado, em razão dos interesses envolvidos. É o caso, por exemplo, dos processos criminais ou das ações cíveis e execuções fiscais de maior valor. Evidentemente tais ações podem justificar altos investimentos financeiros com vistas à burla do sistema, ante o benefício que disso pode advir.

Como se vê, existe uma série de fatores a serem ponderados no que se refere à assinatura digital. O mais importante em tudo isso é a necessidade do Judiciário estar sempre atento ao desenvolvimento tecnológico da segurança da informação eletrônica.

Seguindo na análise pontual que se está fazendo da Lei nº 11.419/2006, já no Capítulo II, da comunicação eletrônica dos atos processuais, encontram-se disposições que permitiram a criação dos Diários da Justiça eletrônicos pelos Tribunais. Esses diários, além do uso para o processo de papel, podem ser usados na criação de um processo eletrônico, mas a intimação em portal próprio, vinculado ao usuário e dentro do sistema eletrônico, conforme o artigo 5º da Lei, parece ser solução mais interessante para o processo eletrônico, tendo em vista o caráter pessoal atribuído pela lei a esse tipo de intimação (artigo 5º, § 6º) e a possibilidade de se criar, dentro do sistema, um controle de prazos, que beneficia tanto o usuário quanto a Justiça, dando impulso automático aos processos tão logo ocorra o decurso do prazo.

Questiona-se se essa intimação pode ser considerada como pessoal, na hipótese do artigo 5º, § 3º. Evidentemente que quando o usuário acessa o sistema, com uma assinatura digital com a garantia necessária de autenticidade, e assim recebe a intimação, não há qualquer dúvida sobre a pessoalidade da intimação. Mas quando essa intimação se dá de forma automática pelo decurso do prazo legal de 10 dias, sem abertura do prazo pelo usuário? Existe aí, por certo, uma ficção, uma presunção de intimação. Isso, contudo, não impede que se lhe atribua o efeito de pessoalidade. Com efeito, as exigências de comunicações pessoais foram criadas pela legislação processual, que inclusive em alguns casos já previa presunção, como na citação por hora certa. Assim, é perfeitamente possível que a lei crie uma presunção de intimação pessoal (ainda mais ao conceder um período razoável para que o usuário acesse o sistema). Além disso, no caso da comunicação sob análise, a informação fica tecnicamente depositada em local de acesso exclusivo do usuário dentro do sistema. Assim, fazendo analogia com a realidade do papel, é como se a intimação fosse entregue diretamente ao usuário, em suas mãos. Essa simples entrega, com a fixação legal de obrigação de abertura do conteúdo, significa que a comunicação já está com o destinatário, determinando a pessoalidade da intimação.

Entrando no capítulo III da Lei nº 11.419/2006, encontram-se as disposições específicas sobre o processo eletrônico. A leitura de todos os artigos desse capítulo permite concluir que o legislador percebeu a diferença entre a criação de um processo eletrônico e a simples digitalização do processo. Na digitalização do processo os documentos e petições continuam a ser produzidos em papel e o Judiciário, com o uso de equipamentos específicos, digitaliza todo esse material, formando autos armazenados em meio eletrônico. Já no conceito de processo eletrônico, os documentos e petições são produzidos no meio digital, eliminando-se o máximo possível a digitalização do papel.

É evidente que a simples digitalização do processo de papel não representa grande avanço, pois mantém toda a produção de documentos em meio físico e agrega a necessidade de um aparato burocrático considerável para inserir os documentos e petições físicas no meio eletrônico.

Já o conceito de processo eletrônico, adotado pela Lei nº 11.419/2006, traz consideráveis vantagens, que vão desde o acesso e a remessa de peças para o processo de forma instantânea, pela rede mundial de computadores, até a possibilidade de automatização de várias fases do processo, diminuindo a burocracia e permitindo a concentração dos recursos humanos do Judiciário na atividade-fim de análise dos pedidos.

A questão que se coloca, de qualquer modo, não é sobre a vantagem ou desvantagem do processo produzido em papel e meramente digitalizado pelo Judiciário. A dúvida que fica é se a lei permite, ou seja, se há legalidade no uso da digitalização dos documentos e das petições para armazenamento do processo em tramitação.

Com efeito, o caput do artigo 8º da Lei nº 11.419/2006 permite o desenvolvimento de “sistemas eletrônicos de processamento de ações judiciais por meio de autos total ou parcialmente digitais”, sendo que o parágrafo único de tal artigo diz que “todos os atos processuais do processo eletrônico serão assinados eletronicamente na forma estabelecida nesta Lei”.

Como se vê, a validade dos atos processuais no processo eletrônico está associada à sua assinatura eletrônica, para a qual se exige, como visto, “certificado digital emitido por Autoridade Certificadora credenciada” ou “cadastro do usuário no Poder Judiciário”. Portanto, salvo melhor juízo, a produção do documento e a assinatura em papel, com a posterior digitalização pelo Poder Judiciário, não estão entre as formas de assinatura que garantem validade ao documento ou ato processual.

Assim, até é possível o uso da digitalização do papel para tramitação processual, mas será necessário manter a guarda dos documentos originais em papel, pois as assinaturas destes é que lhes asseguram a autenticidade (permitindo, se for o caso, a realização de uma perícia grafotécnica). 

Nesse contexto, é interessante mencionar o artigo 12, § 5º, da Lei nº 11.419/2006, que permite a digitalização dos autos que estão em meio físico, mas prevê a guarda dos documentos originais, a qual pode ser conferida às partes. Na aplicação desse artigo recomenda a prudência que até o decurso do prazo da rescisória a guarda fique com a Justiça, ante a eventual necessidade de prova pericial para atestar a autenticidade de algum documento digitalizado. Após esse prazo a entrega dos autos físicos a uma das partes ou a eliminação dos autos findos pode ser solução para as dificuldades de armazenamento de papel pelo Judiciário.   

Finalizando essas considerações pontuais sobre a Lei nº 11.419/2006, é interessante destacar, ainda, já do capítulo IV, disposições gerais e finais, o caput do artigo 14, segundo o qual “os sistemas a serem desenvolvidos pelos órgãos do Poder Judiciário deverão usar, preferencialmente, programas com código aberto, acessíveis ininterruptamente por meio da rede mundial de computadores, priorizando-se a sua padronização”.

Essa norma não é propriamente uma norma processual, mas sim de caráter administrativo. Traz previsões no sentido de que o acesso ao sistema deve ser ininterrupto, que a preferência é pelos programas de código aberto (também chamado software livre) e que a busca da padronização deve ser um objetivo a ser perseguido.

O funcionamento ininterrupto está diretamente associado à possibilidade de envio de petição até as 24 horas do dia final do prazo, havendo a previsão do artigo 10, § 2º, sobre a prorrogação do prazo em caso de indisponibilidade técnica do sistema. Vários aspectos suscitam debate nessa seara, em especial a definição de quanto tempo de interrupção diária do sistema determina a indisponibilidade técnica. Basta pensar que duas horas de interrupção das 4h às 6h da manhã podem não causar indisponibilidade, mas 5 minutos das 23h55min às 24h podem ser decisivos para a perda de um prazo. Esse é um ponto que irá exigir regulamentação padronizada, visualizando-se trabalho a ser desenvolvido pelo Conselho Nacional de Justiça.

No que se refere ao uso dos programas de código aberto, o que se apregoa como mais importante nesse tipo de programa é seu baixo custo. Contudo, mais do que isso é preciso considerar aspectos de segurança, encontrando-se nos programas de código aberto uma ferramenta mais facilmente auditável. Isso porque, ao conhecer os códigos, é possível verificar se o programa faz mesmo aquilo que o fabricante diz que faz. Nos programas de código fechado é preciso confiar na informação do fabricante, não sendo possível verificar se eventualmente não existe uma porta dos fundos ou outra ação não desejada que o programa seja capaz de fazer. Além disso, nos programas com código fechado há a questão da licença de uso e propriedade dos sistemas desenvolvidos, que podem acabar gerando altos custos e dependência tecnológica do Judiciário. Ainda, considerando que as empresas que produzem os programas com código fechado em geral são grandes corporações internacionais, cabe preocupação sobre até que ponto estarão realmente seguras e livres de interferência internacional as informações judiciárias brasileiras.

Então, por questões de segurança, de inversão financeira e até de segurança nacional, os programas com código aberto se apresentam acertadamente como preferenciais no desenvolvimento do processo eletrônico.

Isso não significa a impossibilidade de uso dos programas com código fechado, mas decisão nesse sentido deverá ser motivada e justificada tecnicamente (não exclusivamente politicamente), sendo que em cenário técnico semelhante (até mesmo um pouco desfavorável ao programa aberto) a preferência é pelo programa com código aberto. Assim, somente se não houver programa com código aberto capaz de atender às demandas do Judiciário é que poderá, licitamente, ser utilizado programa com código fechado.

Por fim, a busca da padronização mostra-se como essencial. Isso porque não é razoável que o usuário tenha que aprender a utilizar diversos sistemas de processo eletrônico, um para cada Tribunal de Justiça, para cada Tribunal Regional Federal, etc. Evidentemente que pequenas diferenças podem ocorrer, dada a especificidade de cada ramo judiciário, mas, quanto mais padronização houver, mais fácil será para os usuários e melhor será a comunicação entre os ramos da Justiça e os Tribunais Superiores. Com isso atende-se adequadamente ao princípio do acesso à Justiça.   

2 Experiência do processo eletrônico dos JEFs da 4ª Região

Os Juizados Especiais Federais foram os precursores no uso do processo eletrônico no Brasil e, ao que se sabe, no plano mundial. A implementação dos sistemas informatizados de tramitação processual pelos Tribunais Regionais Federais é, inclusive, anterior à Lei nº 11.419/2006, de forma que muito do que já existia na prática foi traduzido para tal diploma legal. Assim, o estudo atual do processo eletrônico não pode deixar de levar em consideração aquilo que já foi feito nos JEFs, pois analisando os erros e acertos do passado e do presente é possível avançar de uma forma mais rápida e eficiente.

Optou-se, no presente estudo, por apresentar ponderações a partir da experiência do processo eletrônico dos JEFs da 4ª Região. A razão é bastante simples e não tem qualquer relação com juízo de valor sobre ser tal sistema melhor ou pior que os demais, em funcionamento nas outras Regiões Federais. A opção metodológica tem em vista que o autor trabalha desde 2002 em Juizado Especial Federal na 4ª Região, integrou a comissão que elaborou o projeto e desenvolveu o programa do processo eletrônico da 4ª Região,(16) era juiz titular do JEF de Londrina-PR quando este recebeu o projeto piloto do sistema, em 08 de julho de 2003,(17) foi coordenador do processo eletrônico da Justiça Federal em Santa Catarina em 2008/2009 e até os dias atuais atua diariamente em vara exclusivamente eletrônica, o JEF Cível de Jaraguá do Sul.  

Assim, bastante razoável a opção por analisar a experiência do processo eletrônico dos JEFs da 4ª Região, uma vez que vivenciada em tal Região Federal a realidade do Juizado Especial, tanto com os processos em papel quanto no meio eletrônico, acompanhando-se, ainda, de perto, o processo de transição entre os dois. 

Observa-se, nesse contexto, que o objetivo aqui não é entrar em detalhes sobre o funcionamento do sistema da 4ª Região, ou seja, não se pretende apresentar o sistema em si. O que se quer é destacar aquilo que pode ser aproveitado ou deve ser ponderado na construção de um sistema de processo eletrônico para todos os processos.

Esse aspecto já é um importante ponto de partida, indicando a necessidade da percepção de que o processo eletrônico é antes de tudo um conjunto de ideias e conceitos. A materialização desses conceitos e ideias, em trabalho desenvolvido pela área de tecnologia de informação em conjunto com os usuários, gera um programa de computador. O processo eletrônico, contudo, não se confunde com o programa de computador que o materializa. Evidentemente que o programa é parte importante, uma vez que lhe confere viabilidade e, dessa forma, pode haver soluções técnicas que tornem os conceitos e as ideias do processo eletrônico mais ou menos efetivas. Contudo, a essência do processo eletrônico são as ideias e os conceitos que lhe informam. 

O registro dessas considerações é relevante porque muito se tem discutido que o melhor sistema é esse ou aquele, em geral com maior ênfase ao programa de computador que aos conceitos e às ideias que lhe informam. Aspectos emocionais, naturais ao ser humano que se propõe a grandes realizações, podem explicar que cada um acabe por defender o programa de computador de cujas concepção e criação participou.

Contudo, a reflexão que se faz é que, especialmente no presente momento, não importa muito a análise do programa de computador em si. Todos os sistemas até aqui desenvolvidos têm grandes virtudes, e mesmo aquele que se mostre perfeito nos dias de hoje em não muito tempo acabará sendo ultrapassado, exigindo novas versões. Essa é a lógica da tecnologia da informação. O avanço do conhecimento nessa área é muito rápido e em questão de meses torna factível o que antes era complexo. Basta ver o tamanho dos primeiros computadores, e pensar que eles faziam menos que um celular hoje, para perceber que a discussão sobre qual programa de computador adotar não é o mais importante.

Assim, o foco do debate precisa ser os conceitos e as ideias sobre o sistema do processo eletrônico. Certamente nesse campo a evolução é mais linear e duradoura, sendo possível pensar em ferramentas e soluções que eventualmente ainda não sejam factíveis no plano tecnológico. O importante é que, definindo conceitos e ideias, o cenário da evolução tecnológica, que se mostra desolador para os programas de computador (impondo sua substituição por novas versões), passa a ser um grande aliado, por permitir a implementação de ideias e conceitos até então de difícil concretização.

O que se tem, portanto, é que os programas de computador existentes e que instrumentalizam o processo eletrônico podem e devem ser analisados, para que se verifiquem quais as soluções dadas para materializar as ideias e os conceitos. Nesse ponto, de fato cabe discussão sobre qual programa traz melhor solução, entre todas as existentes, como forma de orientar sistemas futuros (sem prejuízo de adoção de outra solução, decorrente de novas tecnologias). Contudo, mesmo no campo da análise dos programas o foco principal deve ser o de melhor solução, e não o de melhor programa.
   
Por isso é que, ao se destacar alguma ideia, conceito ou solução do processo eletrônico dos JEFs da 4ª Região, não se está defendendo que o programa de computador da 4ª Região é o que deve ser adotado para todos os processos. O que se quer é ponderar a importância de que, no desenvolvimento de um sistema que permita o trâmite informatizado de todos os feitos judiciais, sejam considerados e aprimorados os conceitos e as ideias e já experimentados, quando se revelaram positivos. Da mesma forma, ou até com mais razão, o aprimoramento se faz necessário nas dificuldades que eventualmente forem apontadas.

É importante ressaltar, para não haver mal entendido, que ao dar ênfase aos conceitos, às ideias e às soluções, em vez de ressaltar o programa de computador em si, não se está desmerecendo o trabalho desenvolvido por todos aqueles, da área jurídica ou da técnica, que participaram da concepção, da criação e da implementação dos primeiros sistemas de processo eletrônico. Pelo contrário, todas essas pessoas, dado o seu pioneirismo, partindo de nenhuma experiência anterior e desbravando novos horizontes com excelentes resultados, merecem e já têm seu lugar garantido na história. Foram e sempre serão destes as primeiras ideias, conceitos e soluções, que certamente por todo o futuro determinarão o desenvolvimento de novas versões de programas de computador para o processo eletrônico, cada vez com mais inovações e possibilidades, muitas que no momento nem se ousa sonhar. Assim, o foco nos conceitos, nas ideias e nas soluções, ao contrário de desprestigiar os precursores do processo eletrônico, lhes dá garantia do merecido espaço histórico, pois os programas de computador vão se suceder, mas as ideias e os conceitos iniciais serão sempre fonte inspiradora para o futuro.(18)

Nesse contexto, ao falar de história, ainda que não seja objeto atual fazer descrição do sistema do processo eletrônico dos JEFs da 4ª Região, para aqueles que se interessem em conhecer o sistema da 4ª Região de uma forma mais aprofundada, até para analisar seus conceitos, ideias e soluções, recomenda-se o artigo do Juiz Federal Sérgio Renato Tejada Garcia,(19) intitulado “Informatização e prestação jurisdicional: desafios e perspectivas”.(20) Além disso, nos endereços de acesso ao processo eletrônico dos JEFs da 4ª Região(21)link para um “curso rápido de processo eletrônico – tutorial”. No endereço eletrônico do Tribunal Regional Federal da 4ª Região,(22) no espaço destinado aos Juizados Especiais Federais, está disponível a normatização do sistema.

No que se refere à experiência do sistema da 4ª Região em si, um primeiro aspecto a ser destacado remonta à sua origem. Quando instituída a comissão para estudar a implantação do processo eletrônico nos JEFs da 4ª Região, o projeto apresentado ao Conselho de Administração do Tribunal e aprovado por este teve como ênfase a utilização ao máximo dos recursos de informática já existentes no TRF, a utilização de programas de código aberto e gratuitos e o desenvolvimento do sistema por equipe composta exclusivamente por servidores da própria Justiça Federal da 4ª Região. A ideia era desde o princípio se preocupar com os custos da implantação do sistema, de forma que, uma vez havendo sucesso no projeto piloto, não houvesse óbice financeiro para permitir a implantação do sistema em todos os Juizados da 4ª Região.

Essa preocupação com os custos acabou sendo tão positiva que, no final, além de viabilizar a rápida expansão do sistema, resultou em resultados surpreendentes no que se refere à economia de recursos públicos pela utilização do processo eletrônico. No artigo antes mencionado do Juiz TEJADA GARCIA, foi indicado que em 250 mil processos eletrônicos distribuídos na 4ª Região (dados de 2006) teve-se uma economia de R$4,2 milhões em custos de processo, já descontado o que havia sido gasto na implantação do sistema.(23)

Assim, a experiência mostra que é interessante pensar nos custos de desenvolvimento e implantação do sistema, em especial quanto à contratação de empresas para auxílio na elaboração do programa e de plataformas a serem utilizadas. Como o público potencial de usuários do processo eletrônico é bastante grande, a necessidade de pagamento de licenças pelo uso do programa desenvolvido ou de alguma parte deste, com cálculo por usuário potencial ou efetivo, pode determinar, a longo prazo, um custo financeiro bastante alto, retirando do processo eletrônico um benefício esperado que é o da economia de recursos. Convém, portanto, refletir sobre a questão. Custos mal projetados agora gerarão despesas bastante altas no futuro. Custos bem pensados agora determinarão multiplicação da economia no tempo.

Outro aspecto importante, ainda da fase de implantação do sistema da 4ª Região, foi a utilização da rede mundial de computadores (Internet) para a prática de todos os atos processuais, fazendo o usuário interagir diretamente no sistema, gerando a movimentação do processo, com a prática dos atos processuais.

A possibilidade de acessar o sistema de qualquer lugar é algo que não pode ser desconsiderado. Isso, aliado à eliminação da juntada manual dos documentos no processo, determinada pelo acesso direto ao sistema pelo usuário, teve uma grande eficácia na diminuição da burocracia processual, resultando em economia de tempo e recursos humanos para a tramitação do processo.

Nesse contexto, TEJADA GARCIA destaca um levantamento feito de 01.01.2005 a 31.07.2005 nos JEFs do Rio Grande do Sul, verificando-se o número médio de dias entre ajuizamento e sentença, com os seguintes números: “justiça comum: 789,51 dias; juizados especiais federais com processos de papel e processos virtuais: papel: 525,60 dias; virtuais: 239,23 dias; juizados cíveis totalmente virtuais: 37,83 dias”.(24)

Do ponto de vista do Advogado, ainda que não seja a área de atuação do autor, a possibilidade de ajuizar e consultar o andamento das ações diretamente de seu escritório, pela via eletrônica, ou até em outros lugares, via Internet, certamente diminui os custos de impressão de documentos e deslocamento, conferindo maior flexibilidade ao profissional.

Nesse particular, quanto ao Advogado, público ou privado, uma solução interessante encontrada pelo sistema criado foi a inserção do controle de intimações dentro da própria área de acesso restrito do Advogado, com uma ferramenta de controle de prazos.  A ideia que se extrai dessa ferramenta, de criar facilidades para o Advogado, e não só para o serviço interno da Justiça, é algo que deve ser considerado como conceito para o processo eletrônico e ampliado o quanto possível, na medida em que, ao atender demandas específicas dos usuários externos, também esse usuário ganha na redução da burocracia de seu trabalho, podendo direcionar seus esforços para o estudo das questões jurídicas relativas às ações de seus clientes (em última análise, o destinatário final das funções atribuídas ao Poder Judiciário).

Diretamente ligado a essa questão do acesso ao processo eletrônico pela rede mundial de computadores (Internet), há um aspecto bastante delicado e que deve ser pensado com mais cuidado. Trata-se dos riscos à violação da intimidade e da segurança das pessoas, físicas e jurídicas, decorrentes do excesso de facilidade em obter informações sensíveis, quando o princípio da publicidade do processo é realizado pela divulgação dos processos na rede mundial de computadores.

Esse não é um problema que só aparece com o surgimento do processo eletrônico, posto que, já no processo de papel, a utilização de sistemas processuais que disponibilizam os dados relativos à tramitação processual na Internet é suficiente para permitir a obtenção de informações sensíveis de alguém que esteja litigando judicialmente. Já há sistemas, inclusive, como o da 4ª Região, que disponibiliza o inteiro teor das decisões, exceção feita aos processos sigilosos.

A grande questão é que nem só os processos sigilosos possuem informações que podem ser constrangedoras para alguém, que podem colocar a pessoa em risco de segurança ou despertar interesse em golpistas.

Assim, também no processo de papel é necessário repensar se atende ao princípio da publicidade, em ponderação com os riscos envolvidos, divulgar os dados dos processos em instrumento como a Internet, onde a possibilidade de controle e identificação de acesso à tramitação do processo é bastante restrita. 

No processo eletrônico a discussão do assunto torna-se ainda mais urgente, uma vez que existe tecnicamente a possibilidade de se permitir o acesso público à totalidade dos atos processuais, o que envolve, por exemplo, acesso a documentos e perícias, além de informações sobre valores a serem recebidos, entre outras.

Observa-se, nesse contexto, que a restrição ao acesso apenas aos dados de identificação do processo e decisões judiciais não determina, por si só, a eliminação de todos os riscos. É que, via de regra, a sentença faz referência detalhada ao conteúdo do processo, alegações das partes e provas produzidas. Assim, por via indireta, é possível ter acesso a conteúdo substancial do processo apenas pela leitura de sua sentença. No caso, por exemplo, de uma sentença de Juizado Especial Federal, que já fixa o valor da condenação, ou de uma sentença que resolve embargos do devedor, é possível saber, pelo conteúdo da sentença e pelos demais dados do processo, o nome de alguém que tem um valor para receber da Justiça, qual é esse valor e, cruzando alguns dados com outras informações eletrônicas (102 online, por exemplo), é possível saber onde encontrar essa pessoa, inclusive com o número de seu telefone. De posse desses dados, basta aguardar a informação processual “RPV paga” e tem-se um cenário perfeito para a ação de algum golpista.   

Nesse contexto, a Justiça do Trabalho, preocupada com a possibilidade de uso da consulta processual por parte de empregadores, que poderiam não contratar pessoa que em geral aciona seus ex-empregadores na Justiça, em regra não permite a consulta processual pelo nome da parte. É preciso saber o número do processo que se quer pesquisar. Em Santa Catarina, contudo, em uma rápida análise do site do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região, verifica-se que é possível fazer consulta a partir da OAB do Advogado, vinculando-o a uma cidade. A partir disso tem-se acesso aos dados dos processos do Advogado, com nomes das partes, atas, decisões e sentenças dos processos.  De toda forma, do ponto de vista de descobrir a litigiosidade de um trabalhador, de fato a tarefa de pesquisa a partir da OAB do Advogado fica mais difícil (ainda que não impossível, especialmente em cidades menores). Agora, do ponto de vista da busca de informações sensíveis que possam determinar alguma ação fraudulenta, é certo que o sistema não é seguro.

Um dos primeiros autores a demonstrar preocupação com o tema sob análise foi o professor José Carlos de Araújo Almeida Filho. Ao tratar do assunto, o ilustre processualista, estudioso do processo eletrônico, destaca enfrentarmos “um grave problema a ser equacionado, no que diz respeito à intimidade, à privacidade e em especial ao Processo Eletrônico”,(25) defendo a necessidade de uma relativização do princípio da publicidade.    

Os questionamentos feitos pelo professor ALMEIDA FILHO são pertinentes:

“Vale mais a informação (e aqui tratamos de informação, porque o judicial passou a ser venda de mídia) do que a intimidade? Se entendemos que publicidade é um princípio universal, pouco importa a forma como ela é realizada. Mas e se concebermos que a intimidade deve ser concebida como um princípio constitucional superior? E o DIREITO DE PERSONALIDADE? Existe por si só ou possui suas variáveis?”(26)

De fato, os argumentos do professor ALMEIDA FILHO são corretos e chamam a atenção para algo que inadvertidamente não tem sido objeto de maior preocupação por parte do Poder Judiciário, uma vez que, se a publicidade excessiva gerar dano material ou moral, o Estado pode ser demandado, visando à recomposição do dano. Evidentemente que, se o dano for decorrente de simples publicidade, será necessário aguardar entendimento da jurisprudência acerca do assunto, após o debate da tese da responsabilidade pela publicidade excessiva. Contudo, se o dano for decorrente de uma falha no sistema, falha técnica ou mesmo humana que, por exemplo, não registrou o processo como sigiloso, a possibilidade de condenação do Estado é bastante grande.

De qualquer modo, mesmo nos processos não sigilosos, não há razão para que os atos processuais e o conteúdo da decisão sejam acessíveis a todos por meio da Internet. O princípio da publicidade nunca exigiu isso. A CF/88 trata da publicidade dos atos judiciais no artigo 93, IX, indicando que “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos”, podendo haver limitações quando estiver em jogo o direito à intimidade do interessado, desde que não prejudique o interesse público à informação. No mesmo sentido, o artigo 5º, XXXIII, trata do direito de receber informações dos órgãos públicos, no interesse particular, coletivo ou geral, “ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”.

Pois bem, da leitura da Constituição Federal de 1988 não se extrai a obrigação do Poder Judiciário criar mecanismos que permitam, de forma ampla, o acesso ao conteúdo de todos os processos. O que se estabeleceu, até como forma de oposição ao regime anterior, é a possibilidade de acesso para quem quiser obter informações, saber o conteúdo das decisões, acompanhar o julgamento dos casos. Mas, como visto, esse acompanhamento pode sofrer restrições, que dizem respeito especialmente à intimidade, que abrange também a questão da segurança.

Assim, não tendo o Judiciário a obrigação de disponibilizar amplamente as informações processuais na Internet, considerando os riscos envolvidos de violação da intimidade e segurança das pessoas, questiona-se se há efetivamente necessidade e utilidade na adoção dessa prática.   

Do ponto de vista de gerenciamento dos processos, não se duvida que a medida seja interessante, posto que diminui sensivelmente o atendimento em balcão. Contudo, essa função gerencial é suficientemente atingida se o acesso ao conteúdo processual for limitado às partes e aos seus procuradores. Para o restante do público, é perfeitamente compatível com o princípio da publicidade deixar disponível consulta pela Internet apenas por número do processo, com indicação de fases de uma forma mais genérica e, eventualmente, nomes das partes e assunto. Caso a pessoa queira saber mais detalhes, deverá dirigir-se à Justiça, onde poderá ter acesso aos demais documentos do processo, se isso não violar a intimidade da parte.

Sobre a questão, conclui o professor ALMEIDA FILHO que,

“como estamos tratando de Processo Eletrônico – mas a questão que aqui se expõe também se aplica ao processo ordinário, diante da inserção dos dados processuais na Internet – , é importante que os atos se restrinjam às partes e a seus procuradores, sendo, contudo, possível a extração de certidão. Essa restrição possui dois caráteres: a) o de preservar a intimidade; b) o de dar publicidade a quem desejar certidão de algum ato processual.”(27)

Especificamente no processo eletrônico da 4ª Região existe uma funcionalidade que pode ser aproveitada para atender à necessidade acima destacada. Trata-se da “chave processual”, que pode ser gerada em secretaria ou pelo Advogado da parte, uma para cada processo. Com ela a parte pode acessar a integralidade de seu processo, sem precisar possuir uma assinatura digital. Assim, o uso da ideia dessa chave, associada à consulta pública apenas pelo número do processo, e havendo aí apenas as fases do processo e informações restritas de assunto e nomes das partes, parece ser um caminho interessante.(28)

A dúvida que fica é sobre se seria o caso da restrição de acesso ao processo eletrônico apenas ao Advogado da parte, como proposto pelo professor ALMEIDA FILHO. Em se tratando de processo eletrônico é uma solução a ser considerada, mas com alguma válvula de escape, como a possibilidade de outro Advogado consultar os autos no Cartório Judicial ou até mesmo a distância (por exemplo, com o fornecimento de uma autorização temporária de acesso ao processo pelo Cartório, via chave processual), havendo certificação nos autos de que isso ocorreu. Assim garante-se o direito do Advogado consultar qualquer processo, até para a defesa de interesses urgentes, e ao mesmo tempo preservam-se a segurança e a intimidade dos litigantes.

De qualquer modo, seja qual for a solução adotada, é interessante que para cada processo exista um registro do usuário que o acessou, com data e hora. Assim há um dado importante para análise e rastreamento de informações, inclusive no que se refere ao acesso por serventuários da Justiça, no caso de alguma suspeita de utilização espúria das informações processuais, sigilosas ou não.
 
Outro aspecto a ser discutido é a questão da obrigatoriedade do uso do sistema eletrônico como única via de ingresso com ações judiciais. No caso dos JEFs da 4ª Região, o Tribunal fez uma opção bastante ousada de, desde o início da implantação do sistema, somente permitir o ajuizamento de ações pela via eletrônica. Em síntese, os processos em papel antes da implantação do sistema seguiram seu trâmite até o final em papel. A partir da implantação do sistema passou-se a ter somente processos no meio eletrônico.

Essa medida revelou-se bastante útil quanto a migrar mais rapidamente todos os processos do meio físico para o eletrônico, pois todos os atores do processo viram-se compelidos a buscar a compreensão do sistema e passar a atuar nele. Com o uso, hoje o processo eletrônico é largamente aceito e dificilmente alguém que resistiu a ele no início mantém a mesma posição ou gostaria de voltar para o papel. O que se vê de forma mais comum não é a pretensão de que se volte ao papel, mas que o sistema receba melhorias para atender a novas necessidades. Possivelmente, se o uso do sistema eletrônico fosse facultativo, ainda hoje haveria ajuizamentos em papel de forma significativa, o que determinaria a coexistência de dois sistemas, gerando diversas dificuldades em termos gerenciais e desigualdade em termos processuais, posto que é estatisticamente comprovado que o processo eletrônico tem uma economia de tempo em sua tramitação de pelo menos 50%.(29) Portanto, pela experiência da 4ª Região, a opção pela obrigatoriedade do uso do sistema se revelou medida bastante adequada.

O fato, contudo, dessa opção pela obrigatoriedade ter determinado resultado positivo não significa que deva ser feita sem qualquer cuidado e seja suficiente para afastar as posições contrárias, especialmente aquelas alicerçadas na possibilidade de haver obstáculo ao acesso à Justiça, por nem todos possuírem computador com acesso à Internet. Em alguns locais isso se dá por questões financeiras, em outros, mais raros, simplesmente porque, pelas dificuldades de acesso, o serviço ainda não está disponível.

Em primeiro lugar é preciso dizer, ao ponderar a questão, que análise da Lei nº 11.419/2006 leva à conclusão de que é permitido pela legislação fixar a obrigatoriedade do uso do sistema eletrônico. Basta ver que o artigo 8º autoriza o desenvolvimento de “sistemas eletrônicos de processamento de ações judiciais por meio de autos total ou parcialmente digitais”, não havendo qualquer restrição no sentido de que o uso seja facultativo. Ao mesmo tempo, o artigo 2º estabelece que o credenciamento no Poder Judiciário para fins de prática de atos processuais é obrigatório, “conforme disciplinado pelos órgãos respectivos”.

Portanto, do ponto de vista legal, é perfeitamente possível que a via eletrônica seja obrigatória, sendo de se observar apenas, na regulamentação dessa obrigatoriedade, a necessidade de não se restringir o princípio do acesso à Justiça, previsto na Constituição Federal.

Nesse contexto, a própria Lei nº 11.419/2006 já cuidou de dar uma diretriz sobre a questão ao disciplinar, no artigo 10, § 3º, que “os órgãos do Poder Judiciário deverão manter equipamentos de digitalização e de acesso à rede mundial de computadores à disposição dos interessados para distribuição das peças processuais”.

A existência de equipamentos de digitalização e acesso à Internet disponíveis aos usuários em todas as Subseções da 4ª Região em que o processo eletrônico foi instalado é um dos pontos que fundamentou a decisão do Tribunal de tornar obrigatório o uso do sistema. O raciocínio feito é que, se o usuário não tem digitalizador e Internet próprios, pode perfeitamente usar os equipamentos existentes na sede do Judiciário local, para onde precisaria, de qualquer forma, se deslocar com vistas ao ajuizamento da ação.

Do ponto de vista da razoabilidade, a medida em tela já é bastante eficiente para viabilizar o acesso à Justiça na obrigatoriedade do uso do processo eletrônico. Resta pensar nas situações de difícil acesso ou em que a sede da Justiça esteja longe do usuário, para o que no processo de papel era possível usar a correspondência.  Nesses casos solução bastante simples e eficiente consiste nos entes do Poder Judiciário firmarem parceria entre si e com outros órgãos, como os Municípios, a OAB, a CEF, o Banco do Brasil, os Correios, entre outros, de forma que em cada cidade do Brasil exista um local específico com acesso à Internet e equipamento de digitalização de documentos. Consegue-se, assim, uma ampla cobertura para todos aqueles que precisem acessar a Justiça, viabilizando-lhes o uso da via eletrônica. Essa solução é interessante e basta pensar que só considerando os locais onde já há sede da Justiça (seja Estadual, Federal ou do Trabalho) a cobertura já será grande. Para os demais locais as parcerias permitem resultado de total cobertura, com o resultado do processo eletrônico obrigatório ampliar o acesso que se tinha, considerando a Justiça com processos de papel.

Mesmo com todas essas medidas, é certo que ainda ficarão de fora alguns locais onde não há o serviço de Internet disponível. Para esses há a solução do deslocamento à cidade mais próxima com o serviço disponibilizado pelo Judiciário, além de regulamentar-se situação excepcional em que, residindo o postulante em local não coberto por serviço de Internet, poderá enviar as petições em papel, as quais serão introduzidas no sistema eletrônico perante o Judiciário, guardando-se os originais em papel para conferência da assinatura. Evidente que a intimação da parte para atos futuros não poderá ser feita pela via eletrônica, mas no que se refere aos demais atores do processo mantém-se o ganho com o uso exclusivo do sistema eletrônico.

Essa medida excepcional, que eventualmente também deve existir para situações urgentes em que a obrigatoriedade do uso do sistema possa determinar o perecimento de direitos, em especial o de liberdade, parece ser suficiente, junto com as demais, para assegurar que junto com a obrigatoriedade do uso do sistema não se cause qualquer restrição ao acesso à Justiça.

Diretamente associada à obrigatoriedade de uso do sistema, é importante que se pense na necessidade de treinamento para seu uso. A experiência da 4ª Região mostra que não basta disponibilizar o acesso ao sistema. É preciso que as pessoas saibam como usá-lo. Isso demanda tempo de treinamento, que deve se dar de forma continuada. Nesse contexto, a criação de manuais de funcionamento disponíveis aos usuários(30) previamente à implantação é essencial. Treinamentos presenciais e a distância também são excelentes medidas.(31) Além disso, algo que pode contribuir é a disponibilização aos usuários de um módulo de testes, onde, em um ambiente de treinamento, possam ser simulados, sem a preocupação de estar produzindo um ato oficial, atos pertinentes a cada tipo de usuário. Indo mais longe que um simples treinamento, essa ferramenta pode inclusive auxiliar no desenvolvimento do sistema, permitindo críticas e sugestões a serem consideradas para o futuro.

Um outro aspecto que deve ser ressaltado da experiência do processo eletrônico dos Juizados da 4ª Região diz respeito à visualização e à digitalização dos documentos. Essa questão está ligada também à autenticidade dos documentos, mas em verdade esse problema  não é específico do processo eletrônico, uma vez admitida no processo de papel a juntada de fotocópias, em geral sem autenticação.

Sobre a autenticidade, a Lei n 11.419/2006 trouxe solução interessante ao dispor, no artigo 11, § 3º, que “os originais dos documentos digitalizados, mencionados no § 2º deste artigo, deverão ser preservados pelo seu detentor até o trânsito em julgado da sentença ou, quando admitida, até o final do prazo para interposição de ação rescisória”.

Assim, se eventualmente for impugnada a veracidade do documento, é obrigação de quem o juntou ter o documento físico em seu poder, podendo o Juiz determinar a apresentação em Cartório do original, para fins de verificação ou eventualmente para serem periciados. Caso o documento físico não seja apresentado, há o descumprimento de um ônus, o que pode determinar decisão desfavorável à parte, conforme seja o entendimento do Juízo no processo.

Contudo, apesar da solução legal, tem-se que é preciso pensar, a longo prazo, na importância de os documentos serem produzidos cada vez mais diretamente no meio digital. Com a ampliação das tecnologias, isso irá se tornando gradativamente possível e deve ser incentivado, não só pela maior garantia de autenticidade, como também pela facilidade de visualização de seu conteúdo.

Nesse contexto, é necessário pensar desde logo que, paralelamente ao processo eletrônico judicial, os órgãos administrativos devem criar o processo eletrônico administrativo, de forma que, havendo necessidade dos dados administrativos no processo judicial, estes não precisem ser digitalizados, gerando trabalho repetitivo e burocrático.  Isso será bom não só para o processo judicial, como também para a agilização das decisões na esfera administrativa.

Por fim, em relação à experiência do processo eletrônico na 4ª Região, há que se destacar a preocupação crescente com a saúde ocupacional daqueles que atuam no sistema. O trabalho por horas a fio diante do computador já é uma realidade para todos os operadores jurídicos. Contudo, o uso do processo eletrônico de forma exaustiva tende a intensificar esse quadro. Assim, a necessidade de implantação, como política institucional, de medidas preventivas contra as doenças ocupacionais é uma realidade a ser considerada.

De fato, o processo eletrônico modifica a forma de trabalho de todos, sendo preciso aprender a trabalhar dessa nova maneira sem que aumentem os riscos de adoecimento. Na 4ª Região, algumas medidas interessantes foram implantadas, como o uso de dois monitores de LCD em cada computador, diminuindo o esforço e o cansaço visual, a aquisição de móveis ergonômicos, a criação da escola de postura pela Direção do Foro de Santa Catarina, o incentivo à realização de intervalos de 10 minutos a cada 50 trabalhados em frente ao computador, a realização de ginástica laboral, realização de palestras sobre saúde ocupacional, entre outras. Essas medidas servem de início para reflexão mais profunda que se deve fazer sobre a questão.

É importante pensar, nesse contexto, que, se o Judiciário ganha tempo significativo na tramitação dos processos com o uso do processo eletrônico, é bastante razoável que parte desse tempo ganho seja destinado a assegurar que os usuários do sistema estejam prevenidos contra os riscos do uso exaustivo da tecnologia da informação.

3 O processo eletrônico para todas as ações

Ao chegar neste terceiro e último capítulo do estudo ora desenvolvido, pode-se dizer que uma série de ponderações e reflexões propostas no início já foram levadas a efeito, permitindo afirmar ser a informatização do processo judicial em todas as ações um caminho que certamente trará novos horizontes e perspectivas favoráveis para o Judiciário.

Nesse processo de transição, de criação do sistema eletrônico e migração da atuação dos atores processuais do meio físico para o meio eletrônico, é preciso que, além dos cuidados técnicos e processuais, exista um planejamento, uma preocupação da gestão de como operacionalizar de forma segura e sem atropelos esse momento inicial, bem como também o desenvolvimento futuro do sistema, que certamente demandará constante evolução e aperfeiçoamento. Por certo que a padronização nacional, ao menos por ramos da Justiça e com os sistemas dos diversos ramos “conversando” entre si, é algo bastante desejável, posto que, além de concentrar esforços e recursos financeiros em um mesmo sentido, trará muitas facilidades aos usuários externos, em especial Advogados, determinando maior eficácia nas ações de treinamento e solução de problemas que possam surgir.

Portanto, a urgência do Judiciário em encontrar soluções para o acúmulo de processos em tramitação não pode ser o fator determinante do prazo para a construção e a implantação de um sistema eletrônico de tramitação processual. É preciso que sejam seguidas as etapas de levantamento de casos de uso junto aos usuários e documentação do que se espera do sistema,(32) bem como desenvolvimento documentado do programa, testes e homologação pelos usuários. 

Destaca-se, nesse contexto, que ao lado da ânsia pelo novo deve estar a preocupação com a segurança. Evidentemente segurança absoluta não existe. O que se tem são níveis de segurança. Já se indicou no presente estudo que o papel tem, ao contrário do que se pensa, baixo nível de segurança, mas não por isso o processo eletrônico deve se descuidar dessa questão. A busca deve ser sempre pela excelência, pela melhor solução, mas sem que isso represente óbice ao acesso à Justiça.

Assim, como já mencionado, a preocupação deve ser em criar um mecanismo de acesso que seja seguro, mas sem que a sua complexidade possa importar em impossibilidade de acesso ao sistema pelo usuário autorizado, pela falta de algum elemento material. Aí entram em cena elementos outros de identificação, de forma que, se eventualmente alguém se fizer passar pelo usuário autorizado, usando sua senha, por exemplo, exista algum mecanismo que permita identificar a situação e gere aviso a tempo de evitar algum ato que possa consumar resultado lesivo.

Ao pensar no processo eletrônico para todas as ações há, ainda, que se ter o grande objetivo de facilitar a ação do usuário, de forma que o sistema seja eficiente para desburocratizar a Justiça. Assim, por exemplo, se o Advogado envia a petição inicial pela Internet, mas ela precisa ser cadastrada e distribuída manualmente por um servidor da Justiça, com posterior juntada aos autos gerados por outro servidor, não há grande avanço. O que se faz aí é apenas passar o modelo de tramitação do processo no papel para o computador. Ora, um novo modelo deve ser pensado e criado. No exemplo seria o caso do Advogado cadastrar a inicial, a distribuição ocorrer automaticamente e de imediato o processo já estar pronto, disponível para a análise do Juiz, sem a necessidade de intervenção de nenhum servidor da Justiça. A partir daí novas automatizações podem ser pensadas, tudo para que a força de trabalho do Judiciário possa se concentrar, ao máximo, na análise dos pedidos.

Essa questão da análise dos pedidos, da decisão sobre a pretensão deduzida em Juízo, merece ser destacada. Ao contrário do que muitos imaginam inicialmente, a informatização do trâmite processual não elimina a necessidade de servidores judiciais e Juízes. Pode, entretanto, no âmbito da decisão judicial, auxiliar na distribuição do trabalho, no gerenciamento dos feitos, na separação de processos repetidos que podem receber julgamento conjunto, conforme catalogação do assunto e outras ferramentas de inteligência artificial. Contudo, a tarefa de julgar, de decidir, continuará a ser feita pelo ser humano, pelo Juiz, com a colaboração dos serventuários da Justiça. Isso porque a inteligência artificial, por mais perfeita que possa ser imaginada, não tem o potencial, na atualidade, para descer aos detalhes e sutilezas de cada caso concreto, com a emissão de uma decisão que, na aplicação da lei, seja também justa conforme a realidade dos fatos apresentados, que esteja permeada do sentimento de alguém que, apesar do cargo que exerce, é antes de tudo uma pessoa humana. Pode até ser que no futuro a tecnologia evolua a tal ponto que a inteligência artificial possua uma refinada sensibilidade, capaz de imitar de forma bastante semelhante a inteligência humana. Se isso ocorrer, ainda restará a pergunta sobre o interesse das pessoas em serem julgadas por uma máquina.

Assim, é preciso que se perceba que, por mais que o processo eletrônico possa ajudar na solução das questões submetidas ao Judiciário, ele não resolverá todos os problemas. O seu potencial de auxílio é essencialmente diminuir os entraves burocráticos da tramitação dos processos. Do ponto de vista da quantidade de processos e da necessidade de proferir decisões em todos eles, ainda continuará sendo preciso ter recursos humanos qualificados e em número adequado ao volume de ações.

Como as demandas seguirão existindo e, a continuar as coisas como estão, cada vez em maior número, é preciso que se mantenha o investimento que tem sido feito no incentivo à autocomposição, na tentativa prévia de solução administrativa e/ou privada do litígio e na busca do cumprimento espontâneo da jurisprudência pacificada, seja pela Administração Pública, seja pela população em geral.

Nesse contexto é interessante refletir que uma das apregoadas vantagens do processo eletrônico seria permitir a automatização da tramitação dos feitos, especialmente aqueles de caráter repetitivo. Essa ideia pode ser empolgante, mas não deve ofuscar a busca por soluções mais simples. Para exemplificar menciona-se que, quando da implantação do processo eletrônico no JEF de Londrina, um Procurador Federal do INSS sugeriu que nos processos revisionais já pacificados pela jurisprudência, como de revisão pelo IRSM de fevereiro/94, o sistema deveria ser configurado para, ao receber a inicial, já juntar uma contestação padrão do INSS pela improcedência. Em seguida, já sairia sentença de procedência com intimação do réu que, previamente, já desistiria do prazo recursal, também de forma automática (considerando que nesses casos havia autorização para não recorrer). Na sequência, uma comunicação do sistema da Justiça com o do INSS faria a revisão automática do benefício. Bastaria, para tornar isso factível, o envio de um ofício com tal indicação pelo Procurador Federal do INSS e a adequação do sistema para tanto. À primeira vista a solução parece sensacional. Milhares de processos resolvidos com poucos cliques.  Sobre isso, contudo, alguém de fora do Judiciário acertadamente comentou: “mas não seria mais fácil, em vez de tudo isso, o INSS simplesmente revisar os benefícios diretamente na agência, sem precisar de nenhum processo judicial?” Infelizmente foi preciso responder: “de fato, mas por tudo isso que se precisa criar é possível ver como é difícil aplicar essa solução tão simples”. De qualquer modo, a visão deve ser que a existência de mecanismos de informática não pode determinar o fim da busca por soluções mais adequadas do que produzir mais uma decisão judicial.

Por essa razão também o desenvolvimento gerencial dentro do Judiciário é elemento fundamental na implantação do processo eletrônico em todos os tipos de ações. A experiência do processo eletrônico nos JEFs mostra que aqueles Juizados que, com a implantação do sistema eletrônico, fizeram um novo desenho de sua forma de trabalho, procurando repensá-lo de forma a tirar o melhor proveito do sistema eletrônico (por exemplo, com atos de mero expediente realizados por delegação ao Cartório em vez de tudo ser feito por despacho do Juiz), tiveram um ganho de produtividade significativamente maior que aqueles que simplesmente transferiram para a tramitação dos processos eletrônicos a forma de trabalho utilizada no papel.

Então, a implantação do processo eletrônico é momento de oportunidade e necessidade para repensar como o trabalho vem sendo realizado, de forma que a burocracia desnecessária do papel não seja transferida para o meio eletrônico. Em última análise, o processo eletrônico é um instrumento (de informática) que serve a outro instrumento, o processo. Como instrumento, deve ser algo útil, que traga avanços, e não apenas ser um modismo com a aparência de modernidade. Se o sistema for burocratizado, pela sua forma de concepção ou operação, a informatização do processo pode se tornar algo pior do que a realidade do processo em papel.

Dessa forma, ao pensar no processo eletrônico para todos os tipos de ação, não basta investir no sistema. É preciso também investir no desenvolvimento gerencial das pessoas do Judiciário que irão operar e gerenciar a atividade jurídico-processual. Assim será possível ter o ganho com a informatização do processo multiplicado pela capacidade gerencial de Juízes e servidores que atuam em cargos de direção. Vale aqui a ideia de que se alguém continua fazendo as mesmas coisas indefinidamente é bastante provável que chegará sempre aos mesmos resultados, mesmo com a mudança de tramitação dos processos do meio físico para o eletrônico.

Por fim, antes de encerrar o presente capítulo, é preciso fazer menção a duas questões que precisam desde logo ser pensadas. A primeira é a da gestão dos autos eletrônicos findos. Parece estranho pensar em descarte de dados digitais, mas a verdade é que os documentos eletrônicos também ocupam espaço físico. Assim, com a multiplicação de processos eletrônicos é possível antecipar que no futuro a guarda em arquivo de processos encerrados ocupará significativo espaço em mídias de armazenamento, gerando custos e trabalho para que os dados não se percam com o tempo. A elaboração, desde o início, de normas sobre a gestão dos autos eletrônicos findos, com definição do que deve ser guardado e por quanto tempo, permitirá que, por exemplo, o sistema já contenha previsões que permitam melhor gerenciar eventual necessidade de desfazimento.

Além dessa questão dos autos findos, é preciso que se comece a estudar de forma mais cuidadosa o impacto ao meio ambiente decorrente da superação das tecnologias. Por certo que o processo eletrônico traz um ganho ao meio ambiente com a eliminação do uso do papel. Mas o incremento do uso da informática pode determinar outro tipo de poluição, pelo fato dos computadores simplesmente virarem lixo ao longo do tempo. Claro que o Judiciário já está diante desse problema mesmo sem o processo eletrônico, pois o uso do computador é uma realidade. De qualquer modo, começar a pensar sobre o assunto no momento atual pode trazer soluções interessantes, colocando o Judiciário um passo à frente nessa questão tão importante para todos.

Conclusões

Ao concluir o estudo que ora se desenvolve, é possível afirmar que, ao longo dos seus três capítulos, foram respondidas, com apresentação de diversas reflexões, as perguntas feitas na introdução.

O que é um processo eletrônico, até que ponto ele pode ajudar o Judiciário, quais são as expectativas que se podem considerar legítimas quanto a isso, quais os riscos à segurança que a informatização do processo traz e como se pode atuar para minimizá-los foram assuntos abordados de forma direta, com indicação de possíveis caminhos de solução.

A preocupação com risco ocupacional e a necessidade de se repensar a maneira de organizar o trabalho para que o processo eletrônico seja realmente eficiente são aspectos que foram destacados e requerem atenção por parte dos órgãos de Administração da Justiça.

Ainda, foi destacado que a vontade de se materializar o processo eletrônico o quanto antes não pode desconsiderar a necessidade de se fazer uma transição segura entre papel e meio digital, com investimentos em segurança das informações, treinamentos, entre outras medidas.

Para além dessas questões, foram analisados outros aspectos relevantes, como os riscos à preservação da intimidade na divulgação ampla e irrestrita dos dados processuais pela rede mundial de computadores, bem como a importância de já se começar a pensar na gestão dos autos eletrônicos findos e na preservação ambiental que o descarte tecnológico pode ameaçar.

No capítulo relativo à experiência do processo eletrônico dos JEFs da 4ª Região aproveitou-se, junto com as reflexões apresentadas, para fazer, muitas vezes com o apoio de notas de rodapé (em especial 16 a 22, 30 e 31), registros históricos relevantes, para que o tempo não faça perder a memória sobre o início de uma mudança tão importante que está acontecendo no Judiciário brasileiro.

De tudo o que foi visto, pode-se dizer que a realidade sobre o que o processo eletrônico representará para o Judiciário do Brasil somente o futuro dirá. Contudo, o que se espera é que bons resultados sejam alcançados, de forma que a geração atual consiga mudar concretamente os rumos da Justiça pátria, entregando uma estrutura mais ágil e eficiente para as gerações futuras. A verdade é que todos os que estão ligados a essa transformação, mesmo que a participação seja apenas como usuários dos sistemas que estão surgindo, formam parte deste momento histórico, uma vez que só isso já exige atitude positiva, com disponibilidade para aprender e trabalhar com o novo.

Assim, cabe a todos a responsabilidade de buscar o conhecimento, debater ideias e conceitos, propondo soluções para que o objetivo final seja alcançado.  

Referências bibliográficas

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SILVA, Ovídio A. Batista da. Curso de Processo Civil. v.1. Processo de conhecimento.5.ed. São Paulo: RT, 2001. 1. v.

Notas

1. Constituição Federal, artigo 5º, inciso XXXV: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”; e inciso LV: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

2. Veja-se a necessidade atual, do Supremo Tribunal Federal regulamentar de forma concreta direitos constitucionais pela via do mandado de injunção porque, passados mais de 20 anos, o legislador infraconstitucional ainda não cuidou da questão.

3. A realidade dos Juizados Especiais Federais mostra que a grande maioria das ações previdenciárias existentes em tal braço da Justiça decorrem da ineficiência do INSS em aplicar a legislação ou seguir a jurisprudência pacífica dos Tribunais Superiores.

4. As ações em que se discute a implementação do direito à saúde, com fornecimento de medicamentos ou internação hospitalar, são exemplo típico da atuação judicial em que se pretende transferir ao Judiciário a responsabilidade política por gerenciar o Sistema Único de Saúde.

5. Emenda Constitucional n. 45/2004, publicada no Diário Oficial da União de 31 de dezembro de 2004.

6. Exemplo importante dessa atuação consubstanciou-se no I e no II Pactos Republicanos de Estado por um sistema de justiça mais acessível, ágil e efetivo, assinado conjuntamente pelos Presidentes da República, do Supremo Tribunal Federal, da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.

7. Vide Lei 11.418/2006, que acrescentou o artigo 543-B ao Código de Processo Civil, e a Lei n. 11.672/2008, que acrescentou o artigo 543-C ao Código de Processo Civil.

8. Destaca-se o programa de desenvolvimento gerencial continuado implantado pela Direção do Foro da Justiça Federal de Santa Catarina, que de 2006 a 2009 já propiciou a número significativo de juízes federais e diretores de secretaria da Justiça Federal catarinense treinamento específico em diversas áreas de gestão ligadas ao interesse da Justiça. 

9. SILVA, Ovídio A. Batista da. Curso de Processo Civil. v. 1. Processo de conhecimento.5.ed. São Paulo: RT, 2001. p. 13.

10. É interessante notar, nesse contexto, que o legislador da Lei n. 11.419/2006  foi técnico em alguns momentos, ao se referir, por exemplo, à “informatização do processo judicial”, na ementa da lei, e a “sistemas eletrônicos de processamento de ações judiciais por meio de autos total ou parcialmente digitais”, no caput do artigo 8º. Em outros momentos, contudo, mais corriqueiros, utilizou o termo “processo eletrônico”, já consagrado pela prática forense. Em qualquer caso a referência do legislador deve ser entendida como “autos eletrônicos”.

11. Confira-se, a respeito, a Resolução n. 344, de 25.05.2007, do C. Supremo Tribunal Federal, que instituiu o e-STF, e a Resolução do Conselho da Justiça Federal n. 28, de 13.10.2008.

12. Interessante notar, também, que o ICP-Brasil não dá certeza absoluta sobre a pessoalidade do ato de assinatura, uma vez que o titular do cartão pode emprestá-lo a terceiro e fornecer a este a senha. Nesse caso, contudo, além das responsabilidades civis e criminais, o mais importante é que o titular da assinatura não poderá se escusar das obrigações assumidas, alegando o uso de sua assinatura por outra pessoa. Evidentemente no futuro poderá haver evolução para outros mecanismos que assegurem a pessoalidade.

13. O cartão, como se vê, apesar de agregar segurança, traz restrição quanto à posse da assinatura pela exigência do porte do cartão sempre consigo. Nesse sentido elementos biométricos, que fazem parte do próprio indivíduo, tem a vantagem de estarem fisicamente ligados a este.

14. ALEXY, Robert.  Teoría de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de estúdios constitucionales, 1993.

15. O que se sustenta, portanto, é a validade dos sistemas de processos eletrônicos em funcionamento nos JEFs, mas com olhos voltados para adoção de maior segurança futura. O exemplo que surge para sustentar o raciocínio é o da modalidade de decisão em controle de constitucionalidade denominada de “apelo ao legislador” (appellentscheidung), destacada pelo Ministro Gilmar Ferreira Mendes em seu Jurisdição Constitucional (p. 229), quando a Corte alemã reconhece que “a lei ou a situação jurídica não se tornou ainda inconstitucional, conclamando o legislador a que proceda – às vezes dentro de um determinado prazo – à correção ou à adequação dessa situação ainda constitucional”.

16. Portaria n. 344, de 11 de dezembro de 2002, assinada pelo Desembargador Federal Vilson Darós. Publicação no B.I.E. ed. Extra, Vol. 12, n. 158/4, p. 2, de 11.12.2002. Tal portaria nomeou os Juízes Sérgio Renato Tejada Garcia, Antonio Fernando Schenkel do Amaral e Silva e Emmerson Gazda, sob a presidência do primeiro, para em 30 dias apresentar estudo para implantação do processo virtual nos JEFs da 4ª Região. A comissão não só apresentou, no prazo previsto, o estudo que lhe foi solicitado, como obteve a aprovação do Conselho de Administração do Tribunal Regional Federal da 4ª Região para o desenvolvimento do sistema e a implantação de projetos piloto nos JEFs de Londrina, Rio Grande, Blumenau e Florianópolis.

17. O primeiro processo eletrônico distribuído na 4ª Região recebeu o número 2003.70.51.000001-3, sendo autor o Sr. Pedro Cecílio e réu o INSS. A advogada que ajuizou a ação eletronicamente foi a Dra. Neusa Rosa Fornaciari Martins, postulando a revisão de benefício previdenciário pelo IRSM de fevereiro de 1994. O primeiro despacho foi proferido, online, durante a cerimônia de implantação do sistema, dia 08.07.2003, às 18:38:37 horas, conforme registro eletrônico que consta dos autos. Eis o teor do despacho, assinado eletronicamente pelo último signatário e, simbolicamente para registro histórico, pelos três juízes indicados ao final: “Vistos, etc. 1. Registra-se, para fins históricos, que o presente despacho está sendo proferido em solenidade destinada à implantação do processo virtual da Vara do Juizado Especial Federal de Londrina, inaugurando o processo eletrônico na 4a Região. Presentes à cerimônia, entre outras autoridades, os Exmos. Desembargadores Federais Vilson Darós, Corregedor-Geral da 4a Região, e Tadaaqui Hirose, bem como o Juiz Federal Sérgio Renato Tejada Garcia, Presidente da Comissão do processo virtual da 4a Região, sendo Presidente do E. Tribunal Regional Federal nesta oportunidade o Exmo. Desembargador Federal Vladimir Passos de Freitas. 2. Verificados os pressupostos processuais e condições da ação, recebe-se a inicial. 3. Cite-se o INSS. Londrina, 08 de julho de 2003. Nicolau Konkel Jr., Juiz Federal Diretor do Foro da Seção Judiciária do Paraná. Décio José da Silva, Juiz Federal Diretor do Foro da Circunscrição Judiciária de Londrina. Emmerson Gazda, Juiz Federal Presidente do Juizado Especial Federal de Londrina.”

18. Na Justiça Federal da 4ª Região, além do Desembargador Vilson Darós, que como Coordenador do Juizados Especiais Federais da 4ª Região impulsionou e assegurou o sucesso de todo o projeto do processo eletrônico implantado nos Juizados; do Desembargador Tadaaqui Hirose, que lhe sucedeu e comandou a expansão do sistema para todos os JEFs da Região; dos Juízes Federais que compuseram a comissão que elaborou o projeto e participaram do desenvolvimento e da implantação do sistema; e dos Juízes Federais que atuaram como Coordenadores do sistema até o atual momento, merecem destaque os servidores da informática da Justiça Federal da 4ª Região que participaram do processo de criação do sistema, na época designado de “e-proc”: José Carlos Abelaira Filho, coordenador técnico do projeto, Giscard Stephanou, Julio Cezar Camarotto e José Cláudio Grillo, desenvolvedores, e Jairo Cleomar Girotto, administrador do banco de dados.

19. Presidente da comissão do processo eletrônico dos JEFs da 4ª Região quando de sua criação e implantação.

20. GARCIA, Sérgio Renato Tejada. Informatização e prestação jurisdicional: desafios e perspectivas. Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n. 11, maio 2006. Disponível em: http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/
edicao011/sergio_garcia.htm.

21. O endereço eletrônico onde o curso pode ser encontrado é http://www.jfsc.gov.br/ead/curso_eproc.htm.

22. www.trf4.jus.br.

23. Op. cit. p. 9.

24. Op. cit. p. 9.

25. ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. Processo eletrônico e teoria geral do processo eletrônico. Porto Alegre: TRF – 4ª Região, 2008 (Caderno de Direito Processual Civil: modulo 7), p. 59.

26. Op. cit. p. 60.

27. Op. cit. p. 65

28. A chave processual é um código individual para cada processo que, em conjunto com seu número, permite na consulta pública visualizar o conteúdo integral do feito. Somente pode ser gerada pelo advogado ou por usuário interno ao sistema.

29. Vide dados já mencionados no presente estudo.

30. O início do processo eletrônico na 4ª Região contou com a elaboração de um manual de funcionamento pela então Vara do JEF Previdenciário de Londrina-PR, hoje 1º JEF Previdenciário de Londrina-PR. A Vara, que funcionou como piloto do projeto da 4ª Região, participou de forma exaustiva nos testes do sistema e, com valorosa contribuição do então diretor de secretaria Maurício Voichcoski, hoje Advogado da União, constatou que o acesso prévio a uma base de testes foi um grande facilitador no uso real do sistema.

31. A Justiça Federal de Santa Catarina, quando Diretora do Foro a Juíza Eliana Paggiarin Marinho, elaborou material bastante interessante em módulo de educação a distância que hoje é usado como tutorial no processo eletrônico da 4ª Região. O professor e responsável pelo conteúdo ensinado é o servidor Adir José da Silva Júnior. O link de acesso ao curso é http://www.jfsc.gov.br/ead/curso_eproc.htm.

32. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região antecipou-se nessa questão e já produziu em 2008/2009 um levantamento de casos de uso bastante aprofundado, com participação de servidores da área de informática e jurídica do Paraná, de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, o que lhe permite estar atualmente no desenvolvimento de um sistema com programação de implantação a partir do início de 2010. 

Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023: 2002/ABNT):
. . Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n., dezembro. 2009. Disponível em:
<>
Acesso em: .


REVISTA DE DOUTRINA DA 4ª REGIÃO
PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRF DA 4ª REGIÃO - EMAGIS