Memórias de chumbo

A atuação da Justiça Federal na ditadura militar e na construção da democracia brasileira(1)


Autor: Leonardo Schneider

Jornalista pela Ufrgs, especialista em Gestão da Comunicação Institucional pela Unesco/UCB, servidor do TRF4

 publicado em 29.06.2012


Resumo

O presente trabalho relembra, inicialmente, a primeira fase da Justiça Federal (JF) brasileira, entre a implantação no final do Século XIX e a instauração do Estado Novo em 1937, quando foi extinta. Depois, recorda sua recriação durante a ditadura militar e narra decisões judiciais em casos de violações cometidas pelo aparato repressivo do regime de exceção. Na sequência, expõe o papel desempenhado pela JF após a redemocratização do país. Por fim, destaca o atual momento histórico, em que a instalação da Comissão Nacional da Verdade e a vigência da Lei de Acesso à Informação Pública indicam a necessidade de ampliar a transparência para superar a cultura do sigilo.

Palavras-chave: Justiça. História. Ditadura militar. Redemocratização. Memória institucional. Transparência.

Sumário: Introdução. 1 Do alvorecer da República ao Estado Novo. 2 Berço de chumbo e resistência democrática. 3 A construção da cidadania. 4 Comissão da Verdade e acesso à informação pública. Conclusão. Referências.

“68 foi barra
Plena ditadura
Plena resistência
Plena tropicália
Plena confusão
[...]
68 foi bala
E mais bala foi setenta e um, e dois, e...
Mais bala foi depois
Sempre alguém sumido de casa
Torturado, morto,
Mutilado pelo Estado ao bel-prazer
Boiando no Rio da Prata
Guerrilheiros, jornalistas,
Marinheiros, padres e bebês
Boiando no Rio da Prata
Visto num jazigo vago
Ou num muro de Santiago
Ou jogado numa vala comum [...]”(2)

Nei Lisboa

Introdução

A Justiça Federal do Brasil tem raízes mais do que centenárias, já que foi criada no alvorecer da República, no final do Século XIX. Dissolvida em um governo de exceção – o Estado Novo inaugurado em 1937 – e recriada em outro período ditatorial – o regime militar instaurado com o golpe de 1964 –, a instituição apresenta-se hoje, paradoxalmente, como importante sustentáculo da democracia nacional.

Como integrante do Judiciário, a Justiça Federal (JF) também enfrenta os estigmas de lentidão e elitismo que grande parte da população ainda vincula a esse poder. O desafio é democratizar cada vez mais sua atuação, socializando os benefícios de seus serviços a fim de cumprir o relevante papel que a nação lhe reserva e, ao mesmo tempo, reverter essa imagem e reforçar a sua própria legitimação.

No atual momento histórico, com a instalação da Comissão Nacional da Verdade e a nova Lei de Acesso à Informação Pública, verifica-se a tendência de superar a cultura do sigilo, divulgar de modo transparente os dados de interesse coletivo e revelar também as memórias ocultas sobre atrocidades cometidas pelo Estado durante a ditadura, nos chamados “anos de chumbo”. A Justiça não deverá ficar à margem desse movimento.

Qual tem sido a contribuição da JF para a construção e a consolidação da cidadania e da democracia na sociedade brasileira? É a esse questionamento que o presente artigo buscará responder – ou esboçar uma resposta. Para tanto, a pesquisa recorda brevemente a trajetória da JF imbricada com o contexto histórico mais abrangente, em especial o do regime militar durante o qual ela foi reinstalada no país.

1 Do alvorecer da República ao Estado Novo

A Justiça Federal foi criada há 120 anos no Brasil. O Judiciário era unitário e nacional na época do Império, marcada pela concentração de poderes. Em decorrência da proclamação da República, em 1889, houve uma subdivisão entre a Justiça Estadual e a JF, instituída pelo Decreto 848, de 1890, e institucionalizada pela primeira Carta republicana do país, a Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1891.(3) Porém, menos de meio século depois, essa fase foi abruptamente encerrada:

“Em 1937, Getúlio Vargas instaurou no país o Estado Novo, regime de exceção que enfraqueceu a autonomia das unidades federativas e fortaleceu o papel decisório do governo central. O primeiro ato público solene promovido pelo Executivo sob a nova ordem foi um dos símbolos mais fortes dessa reconcentração de poderes até então compartilhados: as bandeiras dos Estados foram incineradas em uma pira na então capital, o Rio de Janeiro, enquanto o estandarte nacional era hasteado. A Carta promulgada naquele ano para dar sustentação constitucional ao Estado Novo extinguiu a Justiça Federal, cujas atribuições foram transferidas para os juízes estaduais.”(4)

Era um contexto de exceção e centralização, como detalha Vladimir Passos de Freitas:

“A Carta imposta em 10.11.1937, criadora do chamado Estado Novo, pôs fim, sem qualquer referência ou justificativa, à Justiça Federal. Ela foi simplesmente excluída dos dispositivos que tratavam do Poder Judiciário, em especial o art. 90. Os seus juízes foram postos em disponibilidade, com vencimentos proporcionais. Alguns foram reaproveitados na Justiça de seus Estados.

São quase inexistentes comentários sobre tal iniciativa. Certamente porque o regime político então vigente não recomendava opiniões divergentes ou críticas. Paira a respeito um quase absoluto silêncio. A propósito, em Porto Alegre, no dia 13.11.1937, a imprensa noticiava que no Rio de Janeiro ‘os serviços da justiça federal ficaram ontem completamente paralisados. Nos cartórios se viam advogados tomando informações sobre a nova marcha dos processos, sem contudo serem satisfeitos pelos escrivães que só sabiam deveriam os autos [ser] remetidos à justiça local’ [jornal Correio do Povo, Porto Alegre, 13 nov. 1937].”(5)

2 Berço de chumbo e resistência democrática

A primeira instância da JF, que havia sido extinta em um regime autoritário, foi reinstalada em outro período ditatorial. Em outubro de 1965, o governo militar que estava no poder desde o ano anterior editou o Ato Institucional nº 2, que alterou a redação do Texto Constitucional para, entre outros dispositivos, incluir os juízes federais entre os órgãos do Judiciário e definir sua competência na primeira instância. A Lei 5.010/66 organizou a JF, mantida pela Constituição de 1967, ano em que as Seções Judiciárias começaram a ser reimplantadas país afora. A jornalista Roberta Bastos, do Conselho da Justiça Federal, sintetiza alguns entraves à livre atuação dos magistrados nesse difícil recomeço:

Um pouco da históriaAs primeiras 44 varas federais começaram a ser instaladas em 1967, no ano seguinte ao da edição da Lei nº 5.010, que cria o Conselho da Justiça Federal e regulamenta o funcionamento da Justiça Federal. No início, eram apenas 88 juízes federais, todos nomeados pelo presidente da República. Na época, pelo AI nº 2, se esses juízes demonstrassem qualquer ‘incompatibilidade com os objetivos da Revolução’, podiam ser demitidos. [...]”(6)

A possibilidade de interferência do Executivo no Judiciário, com o presidente nomeando todos os juízes e podendo demiti-los, fazia lembrar o velho Poder Moderador de Dom Pedro I e o consequente desequilíbrio entre os Poderes da República. “Comentavam alguns que a Justiça Federal seria extinta quando acabasse o regime militar”,(7) observa Freitas. Em entrevista concedida em 1996, por ocasião do 30º aniversário da recriação da JF, o então presidente do TRF da 2ª Região (com sede no Rio de Janeiro), desembargador federal Ney Magno Valadares, contestava essa desconfiança de que ela era vinculada ao autoritarismo. Dizia um trecho da matéria:

Escudo do cidadão – Como a Justiça Federal de primeira instância foi recriada pelo regime de exceção instituído em 1964, muitos acabam por julgá-la elitista e autoritária. Segundo o Dr. Ney Magno, trata-se de um preconceito infundado. ‘Desde a sua recriação, em 1966, a Justiça Federal de primeira instância tem sido um escudo de proteção dos cidadãos contra o autoritarismo do Estado’, defende o Dr. Ney. ‘Os Juízes Federais são recrutados mediante habilitação em concurso público de prova e de títulos, processo democrático de escolha que contribui decisivamente para que mantenham uma postura de independência e imparcialidade no exercício de suas funções.’”(8)

De fato, alguns casos emblemáticos ocorridos ainda durante a ditadura militar demonstram que, quando possível – já que muitas arbitrariedades eram cometidas sem provas e não chegavam à apreciação da Justiça, tendo em vista que abusos eram perpetrados clandestinamente pelo aparato repressivo do próprio governo –, alguns juízes decidiam contra o poder despótico. Freitas(9) recorda alguns desses processos:

a) Até hoje permanece na memória nacional a imagem do corpo do jornalista Vladimir Herzog, o “Vlado”, como evidência das farsas que eram encenadas para encobrir as torturas infligidas a presos políticos nos porões da repressão. Em 1975, ele foi intimado a comparecer ao Departamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) do II Exército, de onde não sairia vivo. No final da tarde, o comando militar divulgou nota informando que Herzog confessou ser militante do Partido Comunista e mais tarde foi encontrado morto nas dependências do DOI-Codi, enforcado. Perícia da Secretaria de Segurança Pública e inquérito policial-militar instaurado pelo Exército concluíram que ele havia se suicidado. Detalhe: a fotografia do cadáver, divulgada às pressas para sustentar a tese do suicídio, mostrava o jornalista com os joelhos flexionados, tocando o chão, posição improvável para um enforcado. A viúva, Clarice Herzog, e os filhos ajuizaram ação contra a União, afirmando que as torturas haviam sido a causa da morte. Em 1978, sentença do então juiz federal Márcio José de Moraes (depois desembargador federal e presidente do TRF3) responsabilizou a União e determinou que ela indenizasse a família:

“A sentença, noticiada pelos principais jornais do país, teve uma intensa e surda repercussão. Intensa porque era um gesto de ousadia condenar a União pela prática de um fato decorrente de investigações políticas. Afinal, jamais havia sido proferida sentença reconhecendo a responsabilidade do regime. Ademais, vivia-se sob a vigência do Ato Institucional nº 5 e, sem motivação, poderia o magistrado ser cassado. A repercussão foi de generalizado número de delações e represálias.”(10)

b) No Rio de Janeiro, em 1981, a juíza federal Tânia Heine (hoje desembargadora federal aposentada) reconheceu a responsabilidade da União pelo desaparecimento do jornalista Mário Alves de Souza Vieira, preso em 1970 e nunca mais encontrado. A família obteve informações extraoficiais de que, após ser torturado em instalações militares, ele foi transferido para o Hospital do Exército, mas sumiu no caminho. A esposa e a filha ingressaram com ação pedindo a devolução do corpo e a responsabilização do governo federal pela morte presumida. As autoridades militares negaram a prisão, mas essa versão foi rejeitada por várias testemunhas. A magistrada ordenou o pagamento de indenização, inclusive por danos morais, mas a entrega do corpo tornara-se inviável.

c) Também em 1981, na Bahia, a então juíza federal Eliana Calmon (hoje ministra do STJ e corregedora nacional de Justiça no período 2010-2012) determinou que a Marinha reintegrasse em seus quadros os participantes do chamado “Motim dos Marinheiros”, acontecido poucos dias antes do golpe militar de 1964. Ela reconheceu o movimento como fato político e concedeu aos autores da ação os benefícios previstos na chamada Lei da Anistia, de 1979.

Em seu livro sobre o regime de 1964, o jornalista José Mitchell reporta que, segundo o desembargador aposentado José Paulo Bisol – o qual chegou a ser perseguido pelos militares –, “o Judiciário foi um dos poderes que logo se adaptou à ditadura”:

“O silêncio contra a ditadura, segundo Bisol, envolveu boa parte do Judiciário, explicável em parte porque os próprios magistrados não tinham mais proteção constitucional. Eles poderiam ser cassados ou aposentados, como aconteceu com alguns ministros do próprio Supremo Tribunal Federal, como o sempre corajoso Evandro Lins e Silva. E também poderiam ser presos arbitrariamente, pois a partir de 1968, com o Ato Institucional nº 5, ninguém mais tinha a proteção do habeas corpus como ainda existia nos primeiros anos revolucionários.”(11)

O jornalista lembra que, quando o governo Geisel encaminhou ao Congresso o projeto da Lei Orgânica da Magistratura (Loman), impondo “uma série de limitações à atuação dos juízes, houve muitas críticas internas no meio do Judiciário, mas pouquíssimas de forma pública pelo temor que a ditadura militar ainda impunha”.(12) Em meio a esse clima de silêncio e medo, porém, o autor declara – em um paralelo com a famosa expressão “ainda há juízes em Berlim”, de fé na independência judicial – que houve, sim, juízes no Brasil:

“Alguns magistrados se destacaram na resistência democrática, mesmo com ameaças ou advertências veladas ou declaradas. Um deles foi o juiz federal do Rio Grande do Sul Osvaldo Alvarez, autor da primeira sentença condenatória da União, reiterada duas vezes, por torturas em presos políticos, no caso Hilário Pinha, antes mesmo da conclusão do caso Vladimir Herzog em SP.(13) Ela foi baseada legalmente no volume de provas contra a União, mas emblemática por ser um exemplo de coragem do Judiciário num período difícil e arriscado para os próprios magistrados.

O mesmo Osvaldo Alvarez, como exemplo de independência e juiz exemplar, concedeu, já no período democrático, a um ex-integrante do Codi-DOI do III Exército, Marco Polo Giordani, a carteira de advogado cuja liberação a OAB gaúcha, em 1987, retardava sob a justificativa de investigar acusações contra ele feitas por parte de outro advogado, que condenava as posições direitistas de Giordani. Essas duas decisões, entre dezenas de outras, foram exemplos de que a decência e a dignidade de pessoas como o juiz Osvaldo Alvarez são o maior incentivo a todos no respeito ao ser humano, independentemente de regimes políticos e posições ideológicas.”(14)

Juiz de carreira, Osvaldo Moacir Alvarez foi promovido a desembargador federal para integrar a primeira composição do TRF da 4ª Região quando este foi instalado, em 1989. No tribunal, foi vice-presidente e corregedor-geral. Aposentou-se em 1995. Mitchell salienta que “decisões na Justiça brasileira como essas(15) foram, entretanto, manifestações isoladas, sem que representassem uma posição coletiva, majoritária, significativa do Judiciário ou de suas representações contra ou de resistência à ditadura militar”.(16)

Ao colocar os direitos dos cidadãos acima dos interesses do poder público (que nem sempre configuram interesse público), decisões como as dos quatro casos relembrados acima mostraram independência em relação ao regime de força e indicaram o caminho que a Justiça Federal trilharia a partir da redemocratização para proteger a sociedade e consolidar a democracia brasileira. Renascida em plena ditadura, a JF conseguiu, por vezes, jogar luz pelas frestas das grades desse seu berço de chumbo.

3 A construção da cidadania

A Constituição de 1988 foi um marco fundamental na trajetória do Poder Judiciário, em geral, e da JF, em particular. Criou o Superior Tribunal de Justiça, substituiu o Tribunal Federal de Recursos por cinco Tribunais Regionais Federais espalhados pelo Brasil, concedeu maior independência e autonomia às instituições judiciais e diversificou instrumentos para que os cidadãos buscassem amparo a seus direitos. O objetivo era descentralizar os serviços para ampliar o acesso da população à Justiça.

Inúmeras decisões da JF, desde sua reinstalação, e dos cinco TRFs, desde sua criação, tiveram grande alcance, graças ao pioneirismo, à abrangência ou à grande relevância social. Acompanhando as mudanças da sociedade ao interpretar a legislação, os magistrados julgam matérias que têm um impacto enorme entre os jurisdicionados, tais como benefícios previdenciários, financiamentos habitacionais, índices de correção monetária aplicados à caderneta de poupança nos planos econômicos, reajustes do saldo do FGTS, preservação ambiental, sistema financeiro e desapropriações de terras, entre outros temas. Muitos processos também adquirem dimensões históricas:

“O TRF é um tribunal jovem, instalado em 1989, mas já decidiu casos de grande importância, como o fechamento da Estrada do Colono (que corta o Parque Nacional do Iguaçu), a proibição de fumo nos aviões brasileiros e a primeira condenação no Brasil de uma empresa (e não de seus diretores) por crime ambiental, por exemplo. [...]

Outro processo considerado histórico é aquele em que se buscou [na primeira instância da JF] indenização para pessoas cuja formação física teve seu desenvolvimento afetado porque suas mães usaram, durante a gestação, o sedativo talidomida, fabricado por um laboratório alemão e depois proibido. Como não havia o instrumento da ação civil pública para ser utilizado em defesa de interesses coletivos, as vítimas conseguiram se organizar no RS, com apoio de um advogado cego, e obtiveram um acordo para que a União indenizasse ao menos os mais prejudicados.”(17)

Com a promulgação da Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347, de 1985) e da Constituição de 1988, novos instrumentos jurídicos foram disponibilizados ao Ministério Público e à sociedade civil organizada para tornar a Justiça mais acessível. Assim, processos de grande repercussão social se multiplicaram em todas as esferas do Judiciário e ainda mais na JF, reflexo da grande centralização do governo. Uma infinidade de sentenças da primeira instância e acórdãos dos TRFs demonstra o papel social que as decisões judiciais podem desempenhar.

4 Comissão da Verdade e acesso à informação pública(18)

Atualmente, já ultrapassado um quarto de século após o retorno dos civis ao poder, a nação vive um dos seus mais longos períodos de normalidade democrática, com eleições diretas para presidente desde 1989. Alcançada essa estabilidade das instituições republicanas, o momento histórico revela uma tendência de se jogar luz sobre o poder público, inclusive para retirar o véu que ainda cobre muitos fatos – e muitos cadáveres – ocultados durante a ditadura.

A Comissão Nacional da Verdade, criada pela Lei nº 12.528/2011(19) e instalada em 16 de maio de 2012, pretende desenterrar essas páginas ao “examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos” praticadas entre 1946 e 1988, “a fim de efetivar o direito à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional” (art. 1º). As investigações, entre outros objetivos, tencionam abranger “casos de torturas, mortes, desaparecimentos forçados, ocultação de cadáveres e sua autoria, ainda que ocorridos no exterior” (art. 3º, II).

A Lei de Acesso à Informação Pública (Lei nº 12.527)(20) é de 18 de novembro de 2011 – significativamente, a mesma data do texto legal que criou a Comissão da Verdade – e apresenta-se como um importante instrumento para que a transparência supere a chamada cultura do sigilo, ainda arraigada na administração estatal. Em seu art. 3º, estabelece:

“Art. 3º Os procedimentos previstos nesta lei destinam-se a assegurar o direito fundamental de acesso à informação e devem ser executados em conformidade com os princípios básicos da administração pública e com as seguintes diretrizes: 

I – observância da publicidade como preceito geral e do sigilo como exceção; 

II – divulgação de informações de interesse público, independentemente de solicitações; 

III – utilização de meios de comunicação viabilizados pela tecnologia da informação

IV – fomento ao desenvolvimento da cultura de transparência na administração pública; 

V – desenvolvimento do controle social da administração pública.” [sem destaques no original]

Os conceitos e as diretrizes destacados na citação acima revelam que os projetos de comunicação, de publicações e de memória institucional das organizações públicas, em geral, e da Justiça, em particular, têm papel indissociável do cumprimento da nova legislação.

Conclusão

A Justiça Federal tem se mostrado um campo fértil para que o Ministério Público, as organizações não governamentais e outras entidades esgrimam os instrumentos que a Constituição de 1988 e a Lei da Ação Civil Pública lhe concederam para defender os direitos difusos e coletivos e cultivar um país melhor. É essencial preservar e divulgar também a memória institucional mais recente, alusiva às últimas décadas, quando a JF aproximou-se mais da população e passou a exercer função de destaque na garantia dos direitos dos cidadãos, adotando os princípios constitucionais para decidir que, em muitos casos concretos, o interesse público é diferente do interesse do poder público – e a ele se sobrepõe.

A JF, recriada nos primeiros anos do regime militar, tomou algumas decisões corajosas – que merecem ser sempre louvadas – ainda nos chamados “anos de chumbo”. Posteriormente, no Estado Democrático de Direito, assumiu, de modo geral, um papel decisivo para fortalecer a cidadania, consolidar a democracia e promover a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, um dos objetivos fundamentais da República estabelecidos pela Constituição Cidadã.

Referências

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BASTOS, Roberta. Juízes e servidores resgatam memória oral da Justiça Federal. Portal da Justiça Federal, Brasília, 7 dez. 2006. Disponível em: <www.justicafederal.gov.br> Acesso em: 24 mar. 2008.

BRASIL. Lei 12.527, de 18 de novembro de 2011. Regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5º, no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 da Constituição Federal; altera a Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga a Lei nº 11.111, de 5 de maio de 2005, e dispositivos da Lei nº 8.159, de 8 de janeiro de 1991; e dá outras providências. In: Presidência da República Federativa do Brasil: Legislação. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12527.htm> Acesso em: 4 jun. 2012.

BRASIL. Lei 12.528, de 18 de novembro de 2011. Cria a Comissão Nacional da Verdade no âmbito da Casa Civil da Presidência da República. In: Presidência da República Federativa do Brasil: Legislação. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12528.htm> Acesso em: 4 jun. 2012.

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LISBOA, Nei. E a revolução. 4’30”. In: ______. Cena beatnik. Porto Alegre: Antídoto, 2001. 1 CD. Faixa 8.

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SCHNEIDER, Leonardo. Pequena Grande História: TRF 4ª Região – 15 Anos – 1989/2004. Porto Alegre: [s.ed.], 2004. Disponível em: <http://www.trf4.gov.br/trf4/memorial/paginas/
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TRF lança Projeto Memória para selecionar e preservar processos judiciais históricos. TRF da 4ª Região – Notícias, Porto Alegre, 6 jun. 2005. Disponível em: <http://www.trf4.gov.br/trf4/noticias/
noticia_detalhes.php?id=4607> Acesso em: 25 mar. 2008.

Notas

1. Pesquisa selecionada pela Comissão Julgadora do Concurso de Artigos “Juízes e Judiciário: história, casos, vidas”, promovido em 2011 pela Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e pelo Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus), na categoria “Fatos históricos envolvendo o Poder Judiciário”, e publicada no ano seguinte em livro editado a partir do certame: SCHNEIDER, Leonardo. Memórias de chumbo: a atuação da Justiça Federal na ditadura militar e na construção da democracia brasileira. In: FREITAS, Vladimir Passos de (coord.). Juízes e Judiciário: história, casos, vidas. Curitiba: [s.ed.], 2012. p. 64-75.

2. LISBOA, Nei. E a revolução. 4’30”. In: ______. Cena beatnik. Porto Alegre: Antídoto, 2001. 1 CD. Faixa 8.

3. JUSTIÇA Federal: uma trajetória que acompanha a história do país. In Verbis, Rio de Janeiro, a. 1, n. 3, ago./set. 1996, p. 22-25.

4. SCHNEIDER, Leonardo. Pequena Grande História: TRF 4ª Região – 15 Anos – 1989/2004. Porto Alegre: [s.ed.], 2004. p. 11. Disponível em: <http://www.trf4.gov.br/trf4/memorial/paginas/principal/15anosPDF.pdf> Acesso em: 24 mar. 2008. Livreto publicado por iniciativa do então presidente do TRF 4ª Região, des. federal Vladimir Passos de Freitas.

5. FREITAS, Vladimir Passos de. Justiça Federal: histórico e evolução no Brasil. Curitiba: Juruá, 2003. p. 36.

6. BASTOS, Roberta. Juízes e servidores resgatam memória oral da Justiça Federal. Portal da Justiça Federal, Brasília, 7 dez. 2006. Disponível em: <www.justicafederal.gov.br> Acesso em: 24 mar. 2008.

7. FREITAS, 2003, p. 51.

8. JUSTIÇA Federal: uma trajetória que acompanha a história do país. In Verbis, Rio de Janeiro, a. 1, n. 3, ago./set. 1996, p. 22-25.

9. FREITAS, 2003, p. 82-83 e 86.

10. FREITAS, 2003, p. 82.

11. MITCHELL, José. Segredos à direita e à esquerda na ditadura militar. Porto Alegre: RBS Publicações, 2007. p. 217.

12. MITCHELL, 2007, p. 217-218.

13. Segundo a JF/RS (ALGUNS casos: Hilário Gonçalves Pinha x União Federal. Portal da Justiça Federal da 4ª Região, Seção Judiciária do RS, Porto Alegre, 2007. Publicado na página comemorativa ao 40º aniversário de reinstalação da Justiça Federal [1967-2007]. Disponível em: <http://www.jfrs.jus.br/40anos/?no=190> Acesso em: 30 maio 2012), a ação sumaríssima de Hilário Gonçalves Pinha foi autuada em 1979, com julgamento em 1981 (o caso Herzog foi sentenciado em 1978), o que em nada reduz o brilho e a coragem da decisão de Alvarez.

14. MITCHELL, 2007, p. 219. Além desses elogios no capítulo respectivo, Mitchell prestou uma homenagem especial a Alvarez na abertura do livro pela independência demonstrada nessas decisões proferidas na ditadura e na democracia.

15. Nesse capítulo, intitulado “Houve juízes no Brasil?”, Mitchell cita o exemplo de outros magistrados que não se intimidaram durante o período da repressão, como o juiz estadual Moacir Danilo Rodrigues, que sofreu ameaças de morte após condenar policiais do Dops pelo sequestro dos uruguaios Lílian Celiberti – com seus filhos Camilo e Francesca – e Universindo Rodríguez Díaz (primeira condenação judicial definitiva na América Latina por operações paramilitares da chamada Operação Condor, parceria repressiva dos governos ditatoriais do Cone Sul); Celso Gayger e Osvaldo Peruffo, entre outros, que “também confrontaram corajosamente, em decisões judiciais, posições militares absurdas”; e Mário Rocha Lopes, que escreveu literalmente “não ao arbítrio” na sentença em que garantiu o retorno à Câmara Municipal de Porto Alegre dos vereadores Marcos Klassmann e Glênio Peres, cassados em 1977 por críticas ao regime. “Beneficiados pela anistia, ambos recuperaram os direitos políticos, mas só conseguiram reassumir os mandatos, tornando-se os únicos políticos nessa situação no Brasil, graças à coragem do juiz Mário Rocha Lopes, que negou provimento à ação dos governistas” (MITCHELL, 2007, p. 219-220).

16. MITCHELL, 2007, p. 221.

17. TRF lança Projeto Memória para selecionar e preservar processos judiciais históricos. TRF da 4ª Região – Notícias, Porto Alegre, 6 jun. 2005. Disponível em: <http://www.trf4.gov.br/trf4/noticias/noticia_detalhes.php?id=4607> Acesso em: 25 mar. 2008.

18. Capítulo acrescentado posteriormente à publicação citada na nota nº 1.

19. BRASIL. Lei 12.528, de 18 de novembro de 2011. Cria a Comissão Nacional da Verdade no âmbito da Casa Civil da Presidência da República. In: Presidência da República Federativa do Brasil: Legislação. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12528.htm> Acesso em: 4 jun. 2012.

20. BRASIL. Lei 12.527, de 18 de novembro de 2011. Regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5º, no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 da Constituição Federal; altera a Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga a Lei nº 11.111, de 5 de maio de 2005, e dispositivos da Lei nº 8.159, de 8 de janeiro de 1991; e dá outras providências. In: Presidência da República Federativa do Brasil: Legislação. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12527.htm> Acesso em: 4 jun. 2012.

 

 

 

 

 

 

Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023: 2002/ABNT):
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REVISTA DE DOUTRINA DA 4ª REGIÃO
PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRF DA 4ª REGIÃO - EMAGIS