A Lei nº 12.382/2011: questões relevantes |
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Autor: Amir José Finocchiaro Sarti Desembargador Federal do TRF-4 aposentado, Advogado Autor: Saulo Sarti Especialista em Direito Penal Empresarial - PUC/RS, Advogado publicado em 30.08.2012
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O presente texto tem por objeto realizar uma breve abordagem sobre a evolução legislativa que culminou na Lei 12.382/2011, notadamente acerca dos critérios adotados para a suspensão e a extinção da punibilidade nos crimes tributários e também na apropriação indébita previdenciária. Portanto, é essencial fixar o momento em que – efetivamente – se dá o recebimento da denúncia, pois serão profundamente diferentes as consequências práticas dessa definição para o acusado, conforme a adesão ao Programa de Parcelamento ocorra no prazo da resposta à acusação ou antes do primeiro despacho determinando a citação. Além disso, também constitui questão relevante determinar a natureza jurídica do benefício legal para estabelecer a regra de incidência da norma. E será inevitável examinar o momento consumativo dos delitos referidos, porquanto a tese da condição objetiva de punibilidade aplica-se somente aos crimes materiais. Da evolução legislativa A Lei 8.137/90 – que trata dos crimes contra a ordem tributária – dispõe em seu artigo 14 que “extingue-se a punibilidade dos crimes definidos nos arts. 1° a 3° quando o agente promover o pagamento de tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia”. Todavia, tal comando restou revogado pela Lei 8.383/91. Conforme leciona Hugo de Brito Machado, na época em que vigorou essa norma, O art. 3º da Lei 8.696, de 26.08.93, manteve o pagamento do tributo como causa de extinção da punibilidade. No entanto, o Poder Executivo acabou vetando o referido dispositivo. De acordo com Hugo de Brito Machado, Pouco mais de dois anos depois, porém, voltava a prevalecer o princípio liberal, e mais uma vez o legislador reconhecia o pagamento do tributo como causa de extinção da punibilidade, o que ocorreu com a entrada em vigor da Lei 9.249/95, que veio para “alterar a legislação do imposto de renda das pessoas jurídicas, bem como da contribuição social sobre o lucro líquido, e dá outras providencias”, estabelecendo expressamente, no artigo 34, que “extingue-se a punibilidade dos crimes definidos na Lei nº 8.137/90 e na Lei 4.729/65, quando o agente promover o pagamento do tributo ou da contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia” (art. 34). Vale referir que, apesar de o dispositivo citado mencionar expressamente os crimes previstos nas Leis 8.137/90 e 4.729/65, a doutrina e a jurisprudência não hesitaram em estender as causas de suspensão e extinção da punibilidade também para o crime de omissão no recolhimento de contribuições previdenciárias, que na época era tipificado no art. 95 da Lei 8.212/91, haja vista que a conduta nele prevista é, em tudo e por tudo, assemelhada àquela descrita no artigo 2º, inciso II, da Lei 8.137/90. Aliás, outro entendimento não poderia subsistir, pois o artigo 34 da Lei 9.249/95 prestigiava até mesmo crimes cometidos mediante fraude (Lei 8.137/90, art. 1º). E, se até crime tributário praticado com meio ardiloso era favorecido com extinção da punibilidade, não seria razoável recusar igual benesse para a omissão no recolhimento de contribuições previdenciárias, ordinariamente praticada sem o uso de qualquer artifício. Seja como for, o fato é que – enquanto vigorou a referida norma – o entendimento se firmou a fim de que o mero parcelamento já fosse suficiente para extinguir a punibilidade, pois o ato de “parcelar” foi considerado equivalente à conduta de “promover o pagamento”, que representava o elemento nuclear do preceito legal. Outro argumento utilizado foi o de que o parcelamento implicava novação (ou seja, a assunção de nova obrigação em substituição à velha, que se extingue) e – estando suprimida a obrigação tributária – estaria extinta também a punibilidade no processo penal. Por fim, considerava-se que “o parcelamento do débito, antes do oferecimento da denúncia, evidencia que os acusados não agiram com a intenção de apropriar-se dos valores descontados” – ou seja, demonstrada a ausência de dolo, não haveria sequer o próprio fato típico. Em linha oposta, os que não concordavam com a extinção da punibilidade pelo simples parcelamento sustentavam que o parcelamento (moratória) é meramente causa de suspensão da exigibilidade do crédito (Código Tributário Nacional, art. 151, inc. I) e não de extinção, que só pode ocorrer pelo pagamento (CTN, art. 156). Portanto, só o pagamento extinguiria o crédito tributário e, consequentemente, a punibilidade do crime respectivo. Dizia-se, ainda, que o descumprimento do parcelamento acarretaria a sua rescisão, remanescendo o crédito que estava suspenso, pelo que não haveria como falar em novação. A partir desse diploma legal, ficou expressamente superada a questão: a suspensão da punibilidade ocorre quando é promovido o parcelamento e se mantém “durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no Refis”; a extinção da punibilidade só irá acontecer quando “o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios”. Como visto, a mencionada legislação fez por estabelecer expressamente uma condição temporal (a adesão ao programa deve ocorrer antes do recebimento da denúncia) e deixou claramente definido que suas regras também incidem no crime de omissão no recolhimento de contribuições previdenciárias. De imediato firmou-se a tese de que a lei poderia ser aplicada retroativamente para abranger os fatos típicos praticados antes de sua entrada em vigor, mas desde que a adesão ao Programa de Recuperação Fiscal – Refis tivesse ocorrido antes do recebimento da denuncia. Três anos depois, foi publicada a Lei 10.684/03, que veio alterar a legislação tributária, dispondo sobre“parcelamento de débitos junto à Secretaria da Receita Federal, à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e ao Instituto Nacional do Seguro Social e dá outras providencias”, e logo foi apelidada de “Refis II”, prevendo expressamente no seu artigo 9º que “é suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos artigos 1º e 2º da Lei 8.137/90, e nos arts. 168-A e 337-A, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento”. No parágrafo 1º, reafirmou que “a prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva”, e no 2º que “extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios”. Tendo a lei suprimido a expressão “incluídas no regime de parcelamento previsto por esta lei”, que existia na MP nº 107/03 – depois foi transformada na referida Lei 10.684/03 –, passou-se a entender que estará suspensa a pretensão punitiva enquanto o devedor estiver incluído no regime de parcelamento, qualquer que fosse, e não apenas o programa vulgarmente chamado de “Refis II”. Nota-se ainda que, após o advento do “Refis II”, perdeu relevância o momento temporal da concessão do benefício, pois não havia qualquer referência na lei sobre a necessidade de adesão ao parcelamento antes do recebimento da denúncia ou do início da ação fiscal. Outra questão que agitou os Tribunais, na época, estava no alcance dos benefícios penais: se apanhavam apenas o crime previsto no caput do artigo 168-A (“deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e na forma legal o convencional”) ou se atingiam também os delitos tipificados no parágrafo 1º desse artigo, especialmente a hipótese descrita no inciso I: “Nas mesmas penas, incorre quem deixar de recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à previdência social que tenha sido descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiros, ou arrecadada do público” – que é a conhecida figura da omissão de recolhimento das contribuições previdenciária. Mediante interpretação extensiva in bonan partem, restou pacificado o entendimento de que era lícito aproveitar as causas de suspensão e extinção da punibilidade também para os crimes previstos no parágrafo do dispositivo legal. Naturalmente, todas essas considerações aplicavam-se, com os necessários ajustes, ao problema da extinção da punibilidade “quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios” (artigo 9º, § 2º) nas condenações já transitadas em julgado (Código Penal, art. 2º, parágrafo único), pois o benefício pode ser concedido mesmo na fase de execução, sendo irrelevante, para esse efeito, a diferença entre pretensão punitiva e pretensão executória. Cumpre assinalar que a expressão “pagamento integral” só pode ser referida aos débitos que deram origem à ação penal, sendo despicienda a eventual existência de outras dívidas pendentes, pois, obviamente, o processo penal não pode ser usado como instrumento para a cobrança forçada de créditos tributários (CF, art. 5º, LIV). Para os que estivessem sendo processados criminalmente, mesmo que o seu ingresso no Refis tenha sido posterior à denúncia, era permitido, de forma expressa, transferir o saldo devedor para o novo regime de parcelamento (Lei 10.684/03, art. 2º), com a consequente suspensão do processo e da prescrição, bem como extinção da punibilidade após o adimplemento total do débito. Além disso, qualquer parcelamento anterior, não integralmente quitado, ainda que cancelado por falta de pagamento, não impedia a inclusão do saldo devedor nesse novo sistema. Vale referir, neste passo, que a Medida Provisória 303 criou nova modalidade de parcelamento, chamada de “Refis III”, mas não continha disposições que pudessem se refletir na seara criminal. Tratava-se apenas de nova modalidade de parcelamento de débitos tributários federais, permanecendo íntegra a disciplina da Lei 10.684/03 quanto aos efeitos penais. No ano de 2009, foi publica a Lei 11.941, que voltou a tratar do Programa de Recuperação Fiscal – Refis, em virtude da conversão da MP 449/2008. Essa lei – que foi, por sua vez, apelidada de “Refis da Crise” – trouxe novas formas de remissão, quitação e parcelamento de débitos fiscais com a Receita Federal do Brasil, vencidos até 30 de novembro de 2008. O seu grande diferencial foi que tanto pessoas jurídicas quanto pessoas físicas puderam enquadrar débitos pendentes e consolidados em programas de recuperação de créditos fiscais anteriores (tais como o Refis/2003, o Paes/2003 e o Paex/2006), mesmo que tenha havido exclusão dos respectivos programas de parcelamento, bem como débitos relativos ao aproveitamento indevido de créditos do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI oriundos da aquisição de matérias-primas, material de embalagem e produtos intermediários relacionados na Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados – Tipi. A mesma disciplina passou a valer para o parcelamento de contribuições previdenciárias. Essa Lei estabelece, no seu art. 67, que “na hipótese de parcelamento do crédito tributário antes do oferecimento da denúncia, essa somente poderá ser aceita na superveniência de inadimplemento da obrigação objeto da denúncia”.O art. 68 diz que E, no seu parágrafo único, estabelece que, “na hipótese de pagamento efetuado pela pessoa física prevista no § 15 do art. 1º desta Lei, a extinção da punibilidade ocorrerá com o pagamento integral dos valores correspondentes à ação penal”. Como o Fisco demorou certo tempo para promover a “fase de consolidação” dos débitos (“Art. 11. O parcelamento terá sua formalização condicionada ao prévio pagamento da primeira prestação, conforme o montante do débito e o prazo solicitado, observado o disposto no § 1º do art. 13 desta Lei. Art. 12. O pedido de parcelamento deferido constitui confissão de dívida e instrumento hábil e suficiente para a exigência do crédito tributário, podendo a exatidão dos valores parcelados ser objeto de verificação. § 1o Cumpridas as condições estabelecidas no art. 11 desta Lei, o parcelamento será: I – consolidado na data do pedido; e II – considerado automaticamente deferido quando decorrido o prazo de 90 (noventa) dias, contado da data do pedido de parcelamento sem que a Fazenda Nacional tenha se pronunciado. § 2º Enquanto não deferido o pedido, o devedor fica obrigado a recolher, a cada mês, como antecipação, valor correspondente a uma parcela”), não foram raras as decisões determinando a retomada de processos criminais que estavam suspensos em virtude de parcelamentos anteriores, haja vista que o inciso III do artigo 3º desse diploma legal estabelecia expressamente que “a opção pelo pagamento ou parcelamento de que trata este artigo importará desistência compulsória e definitiva do Refis, do Paes, do Paex e dos parcelamentos previstos na Lei nº 8.212/91, e no artigo 10 da Lei nº 10.522/02”. Assim, houve quem entendesse ser indispensável a prova da consolidação dos débitos, oportunidade em que se teria a inclusão formal no novo programa, o que gerava uma situação extremamente angustiante para os aderentes, pois o novo parcelamento importava em “desistência compulsória e definitiva” de outros programas, supostamente impedindo que fosse mantida a suspensão da punibilidade e, portanto, do processo criminal enquanto não tivesse havido a tal “consolidação dos débitos”. É dizer, até que isso acontecesse, não restava qualquer parcelamento em vigência. Todavia, o entendimento que acabou consagrado, pelo menos no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, foi no sentido de que, De todo modo, excetuando-se a questão peculiar sobre a necessidade, ou não, de consolidação definitiva dos débitos para que o aderente pudesse obter os benefícios penais, apesar de já se ter optado pela migração para o novo programa, a verdade é que a referida legislação não trouxe alterações de maior profundidade, eis que ficaram mantidas as disposições da Lei 10.684/03 no que toca à suspensão e à extinção da punibilidade. Aspectos relevantes da Lei 12.382/2011 Surge, então, a Lei 12.382/2011, que de início pode gerar dúvidas quanto a sua constitucionalidade, em vista do parágrafo único do art. 59 da Constituição Federal (“Lei complementar disporá sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis”)e da Lei Complementar 95/98, que estabelece em seu art. 7º, inc. II: “II a lei não conterá matéria estranha a seu objeto ou a este não vinculada por afinidade, pertinência ou conexão”. É que a lei em questão teve origem na Medida Provisória 516/10, que instituiu um novo valor para o Salário Mínimo e, assim, careceria de pertinência temática, pois realmente a mudança das regras de suspensão e extinção da punibilidade dos crimes tributários nada tem a ver com a fixação do salário mínimo. Ainda assim, parece evidente que a incongruência verificada decorre diretamente da Lei Complementar 95/98 e não da Constituição Federal, afrontada apenas de modo reflexo, o que, evidentemente, basta para afastar a hipótese de inconstitucionalidade. Superada essa questão inicial, importa chamar a atenção para o artigo 6º do referido diploma legal, que deu nova redação ao art. 83 da Lei 9.430/1996, prestigiando o entendimento de que é necessário o prévio exaurimento da fase administrativa como condição para o início da ação penal por crime tributário – aliás, nos termos da Súmula Vinculante 24 do STF (“Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo”) – e dispondo, no § 2o, que Como se vê, o legislador voltou a exigir expressamente que a adesão aos programas de parcelamento, para fins de suspensão da pretensão punitiva, tem que ocorrer antes do início da ação criminal, nos mesmos termos da antiga Lei 9.964/00. No que se refere à extinção da punibilidade, a nova legislação não exige pagamento integral antes do recebimento da denúncia (Lei 9430/96, art. 83, § 4º): A nova lei diz claramente que o pagamento integral da dívida “objeto de concessão de parcelamento” extingue a punibilidade, mas não explicita se igual benefício também alcança dívida que não tenha sido incluída em parcelamento – como, por exemplo, no caso de pagamento direto e imediato da integralidade de dívida não parcelada. Há entendimento no sentido de que nada adiantaria a quitação do débito após o recebimento da denúncia porque a norma em vigor “corrigiu, em suma, o exagero da liberalidade da extinção da punibilidade a qualquer tempo, que não incentivava o pagamento antecipado nem permitia uma administração mais racional dos recursos da Justiça Penal” (BALTAZAR JR. Estado de Direito, n. 31, a.v, p. 9, 2011). Contudo, salvo melhor juízo, tal solução não se mostra imune a críticas: se a lei favorece quem obtém a quitação de dívida objeto de parcelamento, com muito mais razão também deverá contemplar o devedor que efetua o pagamento integral do seu débito, sem parcelamento, e provavelmente em prazo menor, satisfazendo os fins visados pelo sistema. Em termos práticos, é possível afirmar que o acusado tem o direito de esperar o recebimento da denúncia para, só em momento posterior, quitar integralmente os débitos que deram origem à ação penal e, assim, ver extinta a punibilidade do crime porque a nova lei não contém preceito revogando o artigo 9º, parágrafo 2º, da Lei 10.684/2003. Acerca dessa problemática, sustenta Hugo de Brito Machado que, “considerando-se que a regra do artigo 6º, que antes da Lei 12.382, de 25 de fevereiro de 2011, estava no parágrafo único, já havia sido alterada pelo § 2º do art. 9º da Lei nº 10.684/03, com intuito de se admitir a extinção da punibilidade pelo pagamento feito a qualquer tempo, agora será suscitada a questão de saber se voltamos, ou não, à situação na qual o pagamento somente operava a extinção da punibilidade se efetuado antes do recebimento da denúncia. (...) Realmente, quem pretender sustentar que ocorreu nova alteração da disciplina do pagamento como causa de extinção da punibilidade, dirá que o § 6º do art. 83 da Lei nº 9.430/96 é uma regra nova, que revoga a regra que consagrava a extinção da punibilidade pelo pagamento feito a qualquer tempo. Em sentido oposto, quem pretender sustentar que não ocorreu tal revogação, dirá que a Lei nº 12.385, de 25 de fevereiro de 2011, ao se reportar ao § 6º do art. 83 da Lei nº 9.430/1996, não alterou a regra do § 2º do art. 9º da Lei nº 10.684/03, porque a ela não fez nenhuma referência, nem explícita nem implícita, porque nem ao menos referiu-se ao conteúdo do mencionado § 6º do art. 83 da Lei nº 9.430/96. Disse apenas que esse dispositivo ficava renumerado. Ressalte-se que na Lei nº 12.382/11 não existe sequer uma regra dizendo que é restabelecido o dispositivo, vale dizer, o parágrafo único do art. 83 da Lei nº 9.430/96. Simplesmente renumerou esse dispositivo. Por outro lado, ao cuidar da revogação de dispositivos anteriores diz apenas, em seu art. 8º, que fica revogada a Lei nº 12.255, de 15 de junho de 2010. Não contém regra revogando o § 2º do art. 9 da Lei nº 10.684/03, nem pelo menos a regra usual a declarar revogadas as disposições em contrário. Assim, parece-nos que o melhor entendimento é no sentido da subsistência da regra que afirma a extinção da punibilidade pelo pagamento nos crimes tributários. Aliás, na hipótese mais pessimista, teríamos de concluir que a Lei nº 12.382/11 suscita dúvida sobre a subsistência da extinção da punibilidade pelo pagamento feito depois de recebida a denúncia. E, como é sabido de todos, em Direito Penal a dúvida deve ser resolvida a favor do réu.” (op. cit.) Considerando que, segundo a nova lei, só haverá suspensão da punibilidade nos casos em que o pedido de parcelamento “tenha sido formalizado antes do recebimento da denúncia criminal”, a questão do momento em que ocorre o recebimento da denúncia ganhou especial importância após a alteração do rito do procedimento comum ordinário, pela Lei 11.719/08. Na prática, isso influi decisivamente na defesa dos acusados por crimes tributários, pois, se for entendido que o recebimento da denúncia ocorre no momento do artigo 399 do CPP, evidentemente poderá o réu, após a citação, requerer o parcelamento durante o prazo para a resposta à denúncia. Nesse sentido, De acordo com Clóvis Alberto Volpe Filho, são conhecidas três orientações sobre o tema: A conclusão do autor, entretanto, é no sentido de que Ressalte-se, ainda, que o mero protocolo do pedido já é suficiente para suspender a pretensão punitiva, não havendo necessidade de aguardar a inclusão formal no programa, pois esse momento pode demorar bastante em virtude da burocracia administrativa. Segundo Baltazar Jr., Com efeito, norma genuinamente processual é aquela que trata de procedimentos, atos processuais, técnicas do processo. Para esse tipo de regra, vale o princípio da aplicação imediata ou tempus regit actum: a norma processual aplica-se imediatamente aos processos em andamento, sem prejuízo da validade dos atos processuais praticados anteriormente. Já as normas de natureza penal pura são aquelas que dispõem sobre direito o material, tratando de tipos penais, penas, regimes, substituição de penas, etc. Para essa espécie, vale a regra da retroatividade da lei mais benéfica e da ultratividade da lei mais benigna. Por fim, existem as normas de cunho misto, porque não se enquadram puramente em nenhuma das outras categorias. Elas afetam ao mesmo tempo o poder de punir e também o procedimento penal. Assim, de acordo com a corrente majoritária, são normas de natureza processual-material as que estabelecem condições de procedibilidade, liberdade condicional, prisão preventiva, fiança, modalidades de execução da pena e todas as demais normas que produzam reflexos no direito de liberdade do agente. Para esta classe de norma, aplica-se o mesmo critério do Direito Penal, ou seja, irretroatividade da lex gravior e ultratividade da lex mitior. A melhor doutrina afirma que a norma em questão, como diz respeito à punibilidade do agente, possui a natureza material. Desse modo, “por ser mais gravosa, só se aplica aos crimes praticados após a sua vigência. Para os anteriores, continua aplicável a Lei 11.941 de 2009” (PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário Completo. 4. ed. Livraria do Advogado. p. 391). Na mesma linha, Baltazar Jr.: Nesse sentido, ainda, já decidiu o Tribunal Regional Federal da 1ª Região que a Lei 12.382/2011 é “norma processual administrativa de caráter penal material” e por isso “a aplicação do § 1º do artigo 83 da Lei nº 9.430/1996, acrescentado pela Lei nº 12.382/2011, somente tem aplicação nos casos de parcelamento tributário após a sua entrada em vigor, ocorrida em 28 de fevereiro de 2011” (TRF 1º R. – Acr 0033690-28.2005.4.01.3800 – 4ª T. – Rel. Des. Fed. Mário César Ribeiro – Dje 12.01.2012). Vencido o ponto, resta indagar em que momento se dá a consumação dos crimes tributários para determinar se a Lei 12.382/11 incide sobre fatos que ainda aguardam o final do procedimento administrativo para a constituição definitiva do crédito tributário ou se apenas pode atingir fatos relativos a créditos tributários já definitivamente constituídos. A esse propósito, vale destacar que já De fato, Nessa esteira, a consumação do delito estaria subordinada a um fato externo à conduta do agente, embora, Como se vê, a consumação dos crimes materiais contra a ordem tributária é questão que ainda parece longe de estar definitivamente resolvida na doutrina e na jurisprudência. Certo, o egrégio Supremo Tribunal Federal, em célebre julgamento (HC 81.611, Pleno, Ministro Pertence), decidiu que Contudo, data maxima venia, se “não é dado ao Judiciário atuar como legislador positivo” (STF, RE 432.460, 2ª Turma, Ministro Cezar Peluso), então parece forçoso reconhecer que – enquanto não for alterado o Código Penal – ainda “considera-se praticado o crime no momento da ação ou da omissão, ainda que outro seja o momento do resultado” (CP, art. 4º) e “a prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, começa a correr: Ido dia em que o crime se consumou” (CP, art. 111, I). Como ensina a melhor doutrina, “o art. 4º do CP manda considerar como momento do crime o da ação ou da omissão. Assim, se o agente atira na vítima e esta vem a falecer no hospital, um mês depois, o momento do crime é aquele em que houve a ação de atirar (conduta) e não o dia de seu resultado (morte)” (Celso Delmanto e outros. Código Penal Comentado. Revovar, 6. ed., p. 10). O “tempo do fato punível é o momento em que o agente praticou a ação, isto é, em que se manifestou no mundo exterior a sua vontade, em que ele realizou o necessário movimento corpóreo, ou deixou de agir quando lhe cumpria fazê-lo. Nesse momento é que o agente põe a condição necessária à produção do resultado típico, manifestando, assim, a sua vontade contrária ao dever, que levantará contra ele a reação da ordem jurídica, e que, quando se pune a tentativa, basta, como ato executivo, para justificar a punição. A ação, portanto, não o resultado, é que constitui o ponto de referência para dizer-se qual é a lei que corresponde ao momento do crime” (Aníbal Bruno, Direito Penal, Forense, Parte Geral, Tomo I, p. 273). “A teoria aceitável, a que decorre como corolário mesmo do princípio da anterioridade da lei penal, é a da atividade. Como diz Von Bar (ob. cit., p. 81), desde que a lei penal é destinada a agir sobre a vontade, deve ser dada ao indivíduo a possibilidade de conhecê-la; de modo que, logicamente, o tempo do crime não pode ser outro senão o tempo da ação, isto é, o tempo do ato de vontade (Willensakt). Mesmo que a ação seja cometida quando já publicada a lex nova, mas ainda no seu período de vacatio, sobrevindo o resultado após o término deste, a solução não muda: deve entender-se que o fato, como um todo, sob o ponto de vista jurídico-penal, ocorreu ao tempo da lei antiga, que ainda não perdera o vigor ao tempo da ação” (HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal, Revista Forense, V. I, p. 109). Naturalmente, isso repercute no problema da prescrição, que, aliás, não passou despercebido à Suprema Corte, como se pode colher dos debates travados no julgamento do HC 81.611. Advertido pelas objeções levantadas por seus colegas, o Ministro Sepúlveda Pertence arrematou a sua tese fazendo analogia com o antigo regime de licença prévia para processar Deputado ou Senador: Ninguém, no entanto, lembrou-se de ventilar sequer o artigo 4º do Código Penal: “Considera-se praticado o crime no momento da ação ou da omissão, ainda que outro seja o momento do resultado” (CP, art. 4º). É dizer, A propósito, o Ministro Sepúlveda Pertence, em seu voto, declarou textualmente: Em resumo – e com o devido respeito – por muito que possam, os Tribunais não podem, nem mesmo o egrégio Supremo Tribunal Federal, criar hipóteses de “suspensão da prescrição” em matéria penal não previstas na lei, nem alargar as causas impeditivas da prescrição, além dos limites legais (CP, art. 116), em um exercício de verdadeira analogia in malam partem. Está claro que essa discussão só importa para os crimes materiais, visto que os crimes formais e de mera conduta não precisam aguardar o esgotamento da esfera administrativa (Súmula 24 STF: “não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo”). Vale observar que os delitos previstos no artigo 1º da Lei 8.137 são crimes materiais e, por isso, sofrem a incidência da Súmula 24 do STF. Quanto aos crimes previstos no artigo 2º da Lei 8.137/90, sabe-se que o delito tipificado no inciso I “é crime formal e de atentado, que se consuma com a mera prática da conduta tendente a suprimir ou reduzir tributo, não sendo exigida a efetiva supressão ou redução, como se dá em relação aos crimes do artigo 1º que são materiais”(TRF2, HC 200702010159437, Maria Helena Cisne, 1ª TE, u., 16.01.08). Nesse sentido, deve-se “notar que a inexistência de lançamento definitivo não impede o oferecimento de ação penal pelo crime do artigo 2º, I, da Lei 8.137/90, que é considerado crime formal (STF, RGC 90532 ED/CE, Joaquim Barbosa, PI 23.09.09)”. Já no caso do inciso II, “consuma-se o crime com o vencimento do prazo para o recolhimento do tributo descontado ou cobrado” (TRF4, AC 20017108005394-1, Tadaaqui Hirose, 7ª T., DJ 01.10.03). Segundo Eisele, No que tange ao crime do artigo 168-A do Código Penal, “a orientação tradicional é no sentido de que o procedimento administrativo-fiscal não constitui pressuposto ou condição de procedibilidade da ação penal” (STJ, RHC 23152/SP, Felix Fischer, 5ª T., DJu., 01.04.08), embora o Supremo Tribunal Federal já tenha decidido que Esse precedente já tem sido prestigiado pelo Superior Tribunal de Justiça: Concluindo, salvo melhor juízo, a consumação dos crimes tributários materiais, assim também o crime de apropriação indébita previdenciária, ocorre no momento em que se dá a supressão ou a redução do tributo, ou a falta de repasse ou de recolhimento da contribuição previdenciária, independentemente da constituição definitiva do crédito tributário, que condiciona “a punibilidade, e não a consumação” (HUNGRIA, op. cit., p. 247), para todos os efeitos legais. Portanto, a Lei 12.382/11 aplica-se apenas aos fatos (leia-se: supressão ou redução de tributos) ocorridos após a sua entrada em vigor, não afetando fatos anteriores à sua vigência, mesmo que a constituição definitiva do crédito tributário ocorra depois, pois, como visto, consumação não se confunde com punibilidade. Como se percebe, a alteração normativa sob análise apresenta questões complexas, que demandam um exame mais acurado. Notadamente os pontos referentes à sua constitucionalidade, ao momento em que a denúncia é recebida, à natureza jurídica da norma e sua aplicabilidade, além do debate sobre a consumação dos crimes materiais contra a ordem tributária, inclusive o crime de apropriação indébita previdenciária. Enfim, pode-se concluir que o novo regramento instituído pela Lei 12.382/2011, se por um lado aponta para um retrocesso, tendo em vista que restabelece uma limitação temporal já superada desde a Lei 10.684/03, de outra banda, merece aplauso “uma vez que a limitação dos efeitos penais do pagamento ou do parcelamento aos casos em que isso se dá até o recebimento da denúncia representa um incentivo concreto ao pagamento e à reparação do dano. Beneficia-se o acusado que evita os ônus materiais e emocionais da ação penal, e também o Estado, que, além de receber a exação devida, deixa de despender recursos materiais e humanos com o processamento da ação penal” (BALTAZAR JR. Estado de Direito, n. 31, p. 9). Bibliografia.
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Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023: 2002/ABNT): |
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