Desaposentação: necessidade de devolução à Previdência Social de valores recebidos |
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Autor: Carlos Wagner Dias Ferreira Juiz Federal, Doutorando em Direito Público na Universidade de Coimbra, Mestre em Direito Constitucional pela UFRN, Professor Assistente da UFRN publicado em 19.12.2012
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Durante muito tempo, a doutrina e a jurisprudência previdenciárias debateram a possibilidade de o segurado já beneficiário de aposentadoria perante o Regime Geral da Previdência Social poder renunciá-la, desconstituindo o ato de aposentação, para que voltasse a contar com tempo de serviço/contribuição e com as contribuições que serviram de base para a outorga daquela primitiva prestação previdenciária e obtivesse outra em seu lugar, com os acréscimos contributivos apurados após a inativação. É premissa basilar que a contribuição previdenciária não assegura a percepção de toda e qualquer espécie de prestação previdenciária, tanto que a própria Lei 8.213/91 estabelece restrições na forma de critérios e de requisitos destinados a determinada categoria de segurados. A jurisprudência pátria, inclusive, fundada na ideia de que a Seguridade Social deve ser financiada por toda a sociedade, desvinculando a contribuição de qualquer contraprestação, já sedimentou que a atual Lei Fundamental, no art. 195, § 5º, veda a criação, a majoração ou a extensão de benefício ou de serviço da Seguridade Social sem a correspondente fonte de custeio, mas não o contrário (TRF 3ª Região, AC nº 950.375-SP, Quinta Turma, Rel. Des. Federal Ramza Tartuce, julgada em 27.09.2004, DJU 20.10.2004, p. 281). A despeito disso, é remansoso o pensamento, especialmente no mundo jurisprudencial, no sentido de se permitir a desaposentação, embora não haja previsão legal expressa nesse sentido, remanescendo sensível controvérsia, sobretudo entre o Superior Tribunal de Justiça e a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais, quanto à possibilidade de devolução das quantias recebidas pelo segurado aos cofres da Previdência Social. 1 Admissibilidade da desaposentação No universo legiferante, vê-se, em princípio, que o § 2º do art. 18 da Lei nº 8.213/91, com a dicção conferida pela Lei nº 9.528, de 10 de fevereiro de 1997, embora admita a possibilidade de retorno do aposentado ao exercício de atividade laborativa abrangida pelo RGPS, proíbe expressamente, a rigor, a concessão de prestação previdenciária, ressalvando apenas os casos de salário-família e de reabilitação profissional, como se depreende nas linhas a seguir: “§ 2º O segurado aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social – RGPS que permanecer em atividade sujeita a este Regime, ou a ele retornar, não fará jus a prestação alguma da Previdência Social em decorrência do exercício dessa atividade, exceto ao salário-família e à reabilitação profissional, quando empregado.” (grifos acrescidos) Em que pese a letra do § 2º do art. 18 da Lei 8.213/91 ser manifesta no sentido da vedação da percepção de outra aposentadoria, a regra restritiva nele constante há de merecer adequada e escorreita intelecção. Não se trata de regramento que torna defesa a renúncia à aposentação ou mesmo a desaposentação. O que o comando delineado no § 2º do art. 18 da Lei 8.213/91 quer expressar é que não pode o segurado aposentado pelo RGPS que permanece ou volta a desempenhar atividade laborativa que lhe garantiria nova aposentadoria obtê-la em cumulatividade com a outra que já desfruta. Por isso, comumente se advoga que o tempo de serviço posterior à aposentadoria não gera direito a nova aposentação, nem pode ser computado para fins de aumento de coeficiente proporcional. Aliás, a própria lei de benefícios da Previdência Social, no art. 124, inciso II, veda expressamente, salvo no caso de direito adquirido, a cumulação de mais de uma aposentadoria. O § 2º do art. 18 da Lei 8.213/91, nesse compasso, deve ser interpretado de forma sistêmica com o art. 124, inciso II, do mesmo diploma legal, para proibir somente concessão de prestações previdenciárias ao segurado aposentado que permanece ou que retorna à atividade profissional se redundar em cumulatividade de aposentadorias. Mas não é a acumulação de duas aposentadorias (a por idade e a por tempo de serviço) que a desaposentação se propõe, e sim apenas a desconstituição da primeira aposentação concedida e a outorga de outra em substituição à anterior. Daí por que o § 2º do art. 18 da Lei 8.213/91 torna-se inaplicável a essa hipótese em particular. Há quem sustente que o ato de aposentação não poderia ser desconstituído ou revogado por vontade do próprio segurado. Todavia, tal raciocínio não resiste a qualquer exame mais aprofundado da própria natureza volitiva da inativação. Em princípio, inexiste qualquer norma legal expressa que proíba a desconstituição do ato de aposentação por considerá-la irreversível e irrenunciável. Em segundo plano, a concessão da aposentadoria, nas modalidades por idade, por tempo de serviço/contribuição e especial, dá-se com a manifestação da vontade, tanto que o segurado pode optar por permanecer em atividade, mesmo quando preencha todos os requisitos que lhe garantam a aposentadoria. Assim, se a Administração Previdenciária não pode compelir o trabalhador a se aposentar contra a sua vontade, ainda que complete os pressupostos que a ensejam, de igual maneira, também não pode obrigá-lo a manter-se aposentado. A outorga da prestação previdenciária pelo órgão concessor encontra-se adstrita aos lineamentos tracejados na lei da Previdência Social, estando a depender ainda da vontade do segurado e do atendimento aos requisitos nela exigidos. Quando o segurado não tem mais interesse na manutenção do benefício, o instituto previdenciário não detém o condão de obrigá-lo a manter-se aposentado, cabendo, nesse caso, revogar o ato de aposentação. Por isso, nada obsta que a aposentadoria venha a ser desconstituída por manifestação da vontade do próprio segurado. Sem embargo disso, a desaposentação almejada não se confunde com a simples revisão ou renúncia à aposentadoria, já que pretende o segurado, quase sempre, com isso resgatar o tempo de serviço e as contribuições que renderam ensejo à aposentação que se quer revogar e utilizá-los para completar os requisitos de nova aposentadoria e, por conseguinte, obtê-la, no mesmo regime previdenciário ou em regime diverso. 2 Necessidade de devolução à Previdência Social das quantias recebidas A revogação, por seu turno, de iniciativa volitiva do segurado, poderá implicar, em face do desfazimento de todas as consequências jurídicas que haviam sido consolidadas com a inativação, a devolução de todas as quantias percebidas a título de aposentadoria, a menos que os requisitos para a nova aposentação tenham sido alcançados integralmente, sem necessidade de acréscimo de tempo de serviço e contribuições anteriores, no exercício laborativo desenvolvido naquele período em que se achava aposentado. Nessa hipótese específica, a desaposentação só se admite mediante a restituição de todos os montantes recebidos de proventos de aposentadoria, sob pena de operar enriquecimento ilícito em favor do segurado em detrimento da autarquia previdenciária. Isso porque não se pode exigir do instituto previdenciário que compute em duplicidade o período de tempo de serviço e os salários de contribuição já tomados para a concessão da primeira aposentação, posteriormente considerando-os também na segunda aposentadoria. Com isso, para não acarretar prejuízo ao INSS, a desconstituição total do ato de aposentação anterior importará, em regra, na devolução de todas as parcelas recebidas sob aquele regime que se deseja ver revogado. Entrementes, essa questão não se afigura tão simples como pode inicialmente parecer. O Superior Tribunal de Justiça já firmou posição, por meio de sua 3ª Seção, no sentido de que “a renúncia à aposentadoria, para fins de aproveitamento do tempo de contribuição e concessão de novo benefício, seja no mesmo regime ou em regime diverso, não importa em devolução dos valores percebidos, ‘pois, enquanto perdurou a aposentadoria pelo regime geral, os pagamentos, de natureza alimentar, eram indiscutivelmente devidos’” (REsp 692.628/DF, Sexta Turma, Relator Ministro Nilson Naves, DJU de 05.09.2005). Esse precedente do STJ foi um dos primeiros que reconheceu o direito à irrepetibilidade dos valores recebidos pelos pretendentes à desaposentação. Tal entendimento partiu, originariamente, da discussão sobre se poderia haver renúncia à aposentadoria já concedida. E, no ROMS nº 14.624-RS, o STJ, por intermédio da pena de Relatoria do Min. Hélio Quaglia Barbosa, petrificou, calcado nos precedentes da própria corte (ROMS 17.874/MG, de Relatoria do Min. José Arnaldo da Fonseca; AGREsp nº 497.683/PE e REsp 606.821/CE, de Relatoria do Min. Gilson Dipp), a linha jurisprudencial de que “é plenamente possível a renúncia de um benefício previdenciário, no caso, a aposentadoria, por ser este um direito patrimonial disponível”. Passou a entender, ainda, o STJ que o ato de renúncia ao benefício, na aposentação, tem efeitos ex nunc, e não ex tunc. Como consequência disso, seria permitida a renúncia à aposentadoria menos vantajosa por outra de mais elevada renda mensal inicial (REsp 310.884/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, DJU 26.09.2005), inclusive com cômputo do período que ensejou o deferimento do primeiro benefício. Contudo, a devolução dos valores recebidos na aposentadoria revogada deve possuir íntima e estreita conexão lógica com a utilização do tempo de serviço e com as contribuições que serviram de base na anterior aposentação para a nova concessão de prestação previdenciária. Se não os houver utilizado, e o segurado, para conquistar a nova aposentação, precise tão somente invocar o tempo de serviço e as contribuições recolhidas por ocasião do exercício laborativo desenvolvido no período em que se achava aposentado, perece o direito fazendário de devolução de parcelas recebidas a título de aposentadoria, porquanto o próprio sistema previdenciário já suportaria o ônus de custeio do benefício de aposentadoria, baseado nas próprias contribuições pagas. Nessa esteira, ao abordar as hipóteses de permissão e consequências da desaposentação, a Juíza Federal Marina Vasques Duarte profetiza que: “Como antes mencionado, os princípios da legalidade e da razoabilidade não proíbem, mas antes permitem, a desaposentação. Em razão desse efeito, não é possível obrigar o INSS a expedir a certidão sem que algo lhe seja fornecido em troca, sob pena de o segurado locupletar-se ilicitamente. Afinal, em muitos casos, já recebeu os valores da aposentadoria por vários anos. O mais justo é conferir efeito ex tunc à desaposentação e fazer retornar o status quo ante, devendo o segurado restituir o recebido do órgão gestor durante o período em que esteve beneficiado. Esse novo ato, que será deflagrado pela nova manifestação de vontade do segurado, deve ter por consequência a eliminação de todo e qualquer prejuízo que o primeiro ato possa ter causado para a parte contrária, no caso, o INSS. Não é o caso de irregularidade do benefício propriamente dito, mas da revogação da manifestação de vontade antes emitida pelo segurando, a fim de desconstituir o ato administrativo. É inadmissível que sejam mantidos os efeitos da concessão do ato anterior a ponto de beneficiar duplamente o indivíduo. É o que entende a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais, que, em recente incidente de uniformização (Pedido de Uniformização nº 200972510004633, Relator Juiz Federal Paulo Ricardo Arena Filho, unânime, j. 06.09.2011, DJU 21.10.2011), assim assentou, ao não conhecê-lo: Existem casos, porém, em que o segurado, estando aposentado por tempo de serviço há muitos anos, já atingiu o requisito etário (sessenta e cinco anos para o homem e sessenta para a mulher, para os segurados urbanos, e sessenta para o homem e cinquenta e cinco para a mulher, para os rurais) e a carência mínima de contribuições, exigida na tabela descrita no art. 142 da Lei 8.213/91, o que o torna titular do direito à aposentadoria por idade, não precisando, portanto, para obtê-la, valer-se do tempo de serviço e dos salários de contribuição que foram utilizados na aposentação desconstituída. Desse modo, não se utilizando do tempo de serviço e das contribuições anteriores no preenchimento dos requisitos da nova aposentadoria, descabe cogitar de devolução de valores pagos ao segurado aposentado em decorrência da desaposentação. Porém, parece se revelar clarividente que a desaposentação de aposentadoria proporcional para integral impõe a recomposição ao erário da Previdência Social dos valores pagos ao segurado, na medida em que a renunciabilidade do benefício previdenciário, dado o seu caráter disponível ou mesmo alimentar, não conduz, necessariamente, à irrepetibilidade. É de bom alvitre ressaltar que os benefícios previdenciários não podem ser reputados irrepetíveis pelo simples fato de ostentarem natureza alimentar, pois, a se entender dessa forma, o segurado que recebesse, em qualquer situação e tempo, valores indevidos, como, por exemplo, prestações ou valores em duplicidade, por equívoco do Instituto Nacional do Seguro Social, ficaria sempre protegido pela absurda conclusão da impossibilidade de reposição em qualquer caso. Diante desses apontamentos, podem ser sintetizadas as seguintes observações, à guisa de conclusão, a respeito da necessidade, no caso da desaposentação, de recomposição à Previdência Social do montante percebido na aposentadoria renunciada.
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Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023: 2002/ABNT): |
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