O princípio da informalidade nos Juizados Especiais: Estudo das provas dos benefícios de segurado especial rural(1)

 


Autor: Antônio José de Carvalho Araújo

Juiz Federal

 publicado em 28.02.2013



Sumário: Introdução. 1 Os Juizados Especiais Federais. 2 As provas apresentadas nos benefícios de segurado especial rural e o Princípio da Informalidade. Conclusão. Bibliografia.



Introdução

O presente trabalho busca abordar os 10 anos dos Juizados Especiais Federais, fazendo-se menção aos Princípios Inovadores surgidos e realçados desde então.

Com o surgimento dos Juizados, Princípios Processuais foram reciclados, passando por um processo de visível amadurecimento, com a finalidade de se adequar às importantes e necessárias inovações.

A quantidade exagerada de processos hoje existentes demonstra, de certo modo, que o acesso à Justiça foi ampliado. São inúmeras as ações, principalmente as relacionadas ao Direito Previdenciário, trazendo como réu o INSS.

Se, de um lado, milhares de cidadãos buscam os Juizados Especiais Federais, é verdade que, se não fosse o amadurecimento real e evolutivo dos Princípios dos Juizados, a finalidade da inovação processual e procedimental não se teria alcançado, podendo certamente estar como num navio a afundar.

Quero dizer que, se fossem trabalhados os números reais apenas com os princípios engessadores do Direito Processual clássico e com seus procedimentos quase sempre nada céleres e pouco informais, os Juizados estariam como um modelo falido.

Destaco o Princípio da Informalidade, que veio a alçar um novo rumo na dinâmica processual, devendo então ser sempre objeto de estudo a ter o seu alcance estendido.

O princípio em comento não deve ser confundido com vulgaridade, devendo o profissional que lida nos Juizados verificar a máxima de que o processo é um meio para realizar o Direito.

Um enfoque bastante amplo nos Juizados Especiais são os temas ligados ao Direito Previdenciário. Escolho tratar dos segurados especiais rurais, haja vista serem estas causas algumas das principais, que tanto preenchem a pauta previdenciária da Justiça Federal.

Busco, assim, apontar que este tema de Direito Previdenciário se coaduna perfeitamente com os Princípios que regem os Juizados Especiais Federais.

1 Os Juizados Especiais Federais

Os Juizados Especiais Cíveis Federais foram criados pela Lei nº 10.259/01, com uma finalidade principal: agilizar os inúmeros processos que envolviam situações de pequeno valor econômico, com a redução dos prazos, a eliminação do duplo grau obrigatório, o cumprimento da sentença independentemente do precatório.

Trouxe, para tanto, a sua fundamentação em importantes princípios: oralidade, simplicidade, informalidade, celeridade e economia processual.

Em resumo, no Juizado Especial Federal somente podem figurar como partes- autoras as pessoas físicas, as microempresas e as empresas de pequeno porte.

Por outro lado, somente podem figurar como partes-rés a União, autarquias, fundações e empresas públicas federais.

Não se admite que a União ocupe o polo ativo da demanda e o particular, o polo passivo, salvo nos casos de pedido contraposto, o que não representa uma inversão propriamente dita.

A competência dos juizados especiais federais abrange todas as causas de competência da Justiça Federal que envolvam matéria de natureza cível, com valor de até 60 (sessenta) salários mínimos.

Não se incluem as ações de mandado de segurança, de desapropriação, de divisão e demarcação, as ações populares, de execução fiscal e por improbidade administrativa, nem as demandas sobre direitos ou interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos; as ações sobre bens imóveis da União, das autarquias e das fundações públicas federais; as que tenham por objeto a anulação ou cancelamento de ato administrativo federal, salvo o de natureza previdenciária e o de lançamento fiscal; aquelas tendentes a impugnar a pena de demissão imposta a servidores públicos civis ou sanções disciplinares aplicadas a militares; entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e Município ou pessoa domiciliada ou residente no país; as fundadas entre em tratado ou contrato da União com o Estado estrangeiro ou organismo internacional; e as disputas sobre direitos indígenas.

O processo do Juizado Especial é orientado pelos princípios da oralidade, da simplicidade, da informalidade, da economia processual e da celeridade.

A regra de que não se pronunciará nulidade se não houver prejuízo (Lei 9.099/95, art. 13, caput e § 1º) vincula-se aos princípios da simplicidade, da informalidade e da economia processual.

A competência dos Juizados Especiais é absoluta (art. 3º, § 3º), ou seja, o autor não pode optar por demandar via Justiça Federal (órgão competente para exame das causas cujo valor seja superior a 60 (sessenta) salários mínimos).

O princípio da informalidade significa que, dentro da lei, pode haver dispensa de algum requisito formal sempre que a ausência não prejudicar terceiros nem comprometer o interesse público. Um direito não pode ser negado em razão da inobservância de alguma formalidade instituída para garanti-lo, desde que o interesse público almejado tenha sido atendido. Vide princípio da instrumentalidade.

2 As provas apresentadas nos benefícios de segurado especial rural e o Princípio da Informalidade

É muito grande a quantidade de ações ajuizadas nos Juizados Especiais Federais visando à concessão de benefícios previdenciários na qualidade de segurados especiais rurais.

A aposentadoria por idade para o contribuinte especial tem seu regime jurídico definido nos artigos 39 e 48 da Lei n° 8.213/91: a idade de 60 anos para o homem e de 55 para a mulher e o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período de tempo exigido pela norma de regência imediatamente anterior ao requerimento do benefício.

Por sua vez, o artigo 142 da citada lei diz que, para o segurado inscrito na Previdência Social Urbana até 24 de julho de 1991, bem como para o trabalhador e o empregador rurais cobertos pela Previdência Social Rural, a carência das aposentadorias por idade, por tempo de serviço e especial obedecerá a uma tabela, levando-se em conta o ano em que o segurado implementou todas as condições necessárias à obtenção do benefício.

Para a comprovação dos requisitos exigidos pelo regime jurídico citado, não é bastante a produção de prova exclusivamente testemunhal, havendo a necessidade de que esta esteja subsidiada e em harmonia com, pelo menos, um início de prova material, consoante estabelecido pelo artigo 55, § 3º, da Lei n° 8.213/91, posição essa ratificada pela jurisprudência do e. STJ, cristalizada através da Súmula nº 149, cuja redação é a seguinte: “A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito de obtenção de benefício previdenciário”.

É nesse início de prova material que se tem evidenciado o amadurecimento do Princípio da Informalidade. E isso é fácil de se explicar. Observamos a quantidade imensa de segurados especiais rurais, principalmente no nordeste brasileiro, e a ausência de fatores de produção limita o crescimento de grande parte da população, que tem que se contentar com a agricultura de subsistência ainda como forma de produção.

Essa parcela grande da população se apresenta em grande maioria como analfabeta ou semianalfabeta, restando a ela poucas oportunidades, ficando quase sempre aquém dos direitos e garantias fundamentais mínimos previstos constitucionalmente.

Com pouca informação, não é para menos que a dificuldade de produção de prova material apareça como grande problema nos pedidos diversos de benefícios previdenciários.

Desse modo, a aplicação do informalismo nesses inúmeros casos gera a concessão dos benefícios previdenciários a quem de direito. Isso não quer dizer vulgarização do informalismo, mas sim aceitação do procedimento com o seu real objetivo, ou seja, meio para se garantir o direito.

É necessário, assim, que a parte autora apresente evidências documentais de que, no lapso temporal que pretende que seja averbado, exercia efetivamente a labuta rural em regime de economia familiar.

Vale lembrar também que essa documentação, via de regra, deve ser contemporânea ao período da atividade rural que se deseja ver reconhecido, segundo orientação firme da jurisprudência pátria.

Conquanto contemporânea, não é necessário que a documentação abranja, tanto por tanto, exatamente o período em que se deseja ver reconhecido o período de carência, visto que a prova material, ou o início razoável dela, pode ser corroborada e até ampliada por outras provas, inclusive a testemunhal. Sobre o tema, confira-se ainda a Súmula nº 14 da Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência: “Para a concessão de aposentadoria rural por idade, não se exige que o início de prova material corresponda a todo o período equivalente à carência do benefício”.

Por outro lado, deve o magistrado estar atento às regras processuais atinentes à produção e à valoração da prova documental, especialmente àquela constante do artigo 368 do CPC, segundo a qual as declarações constantes de documento particular, escrito e assinado, ou somente assinado, presumem-se verdadeiras em relação ao signatário; porém, quando o documento particular contiver declaração de ciência, relativa a determinado fato, o documento particular prova a declaração, mas não o fato declarado, competindo ao interessado em sua veracidade o ônus de provar o fato.

Por fim, cabe registrar que, em razão das dificuldades dos rurícolas para documentar as circunstâncias laborais ao longo de sua vida, a jurisprudência do e. STJ, em tema de interpretação do regime jurídico do rurícola e das regras de direito processual, bem como em tema de apreciação e valoração da prova, vem, muitas vezes, adotando a posição “pro misero”, sempre que, havendo um razoável início de prova material, tenha sido produzida uma consistente e harmoniosa prova testemunhal, mesmo que, no caso concreto, ainda remanesçam algumas dúvidas.

Em matéria de segurado especial rural, a convicção do depoimento prestado pelo autor, bem como por suas testemunhas, é essencial para o fortalecimento do documento apresentado, garantindo maior credibilidade.

Observação que se faz mais pertinente quando se sabe que a realidade social demonstra que a grande maioria dos trabalhadores rurais se filia a sindicatos rurais, com vistas a garantir o tal início de prova material, exigido pela lei previdenciária como um dos requisitos para se deferir um benefício previdenciário.

Desse modo, visando a observar o Princípio da Informalidade, admite-se uma relativização quanto a esse início de prova material, podendo esta consistir em fichas de saúde, fichas de educação, documentos de posse da terra, algumas fichas eleitorais que comprovam o endereço antigo do trabalhador no campo fichas de programas de combate à seca e documentos do Dnocs e do Incra, entre outros.

Conclusão

Assim, a inovação colacionada pela Lei 10.259/2001 traduz-se nestes 10 anos em importante avanço ao sistema processual de instrumentalização do direito dos cidadãos.

Os Juizados Especiais Federais subsidiam-se em importantes princípios, destacando-se neste trabalho a abordagem do Princípio da Informalidade, que significa o desapego a formas inúteis e que apenas procrastinam o direito das partes.

Abordou-se a análise do caso concreto em relação às provas apresentadas nos inúmeros pedidos de benefícios previdenciários, para se concluir pela possibilidade da dispensa de exigências exageradas em termos de provas.

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Notas

1. Paper apresentado à Escola de Magistratura Federal do TRF da 4ª Região, como exigência parcial para obtenção do certificado de aproveitamento, como parte complementar do curso “Fórum de Direito Previdenciário”, promovido pela Emagis da 4ª Região, no dia 12 de setembro de 2012.

 

Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023: 2002/ABNT):
. . Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n., dez. 2012. Disponível em:
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Acesso em: .


REVISTA DE DOUTRINA DA 4ª REGIÃO
PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRF DA 4ª REGIÃO - EMAGIS