A imunidade tributária recíproca na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal

Autora: Luísa Hickel Gamba

Juíza Federal, Professora de Direito Tributário da Esmafesc

publicado em 30.10.2013



Resumo

Apresentação das principais questões debatidas na jurisprudência federal sobre a imunidade tributária recíproca, a partir das soluções a elas conferidas pelo Supremo Tribunal Federal, órgão ao qual incumbe a palavra final em matéria constitucional típica como é a imunidade.

Palavras-chave: Imunidade tributária recíproca. Jurisprudência. STF.

Sumário: Introdução. 1 Imunidade tributária – definição. 2 Sede das regras de imunidade tributária. 3 Alcance da imunidade tributária. 4 Diferenciação das demais formas de desoneração tributária. 5 Imunidade recíproca. 5.1 Disposição constitucional. 5.2 Valor constitucionalmente protegido. 5.3 Pessoas alcançadas pela imunidade recíproca. 5.4 Tributo a que se refere a imunidade recíproca. 5.5 Base econômica alcançada pela imunidade recíproca. Conclusão. Bibliografia.

Introdução

No presente estudo, busca-se a compreensão das regras constitucionais que definem a imunidade tributária recíproca, sob o enfoque da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

Partindo-se da compreensão do significado da imunidade tributária e da sua distinção em face das demais espécies tributárias, da fixação da sede própria de suas regras e do alcance geral do instituto, ingressa-se no estudo específico da imunidade recíproca.

O tema foi pinçado dentro do estudo das imunidades, porque tem sido amplamente debatido no Supremo Tribunal Federal.

Questões como o alcance subjetivo e objetivo da imunidade recíproca e a fixação do valor constitucionalmente protegido por ela já estão definitivamente definidas na jurisprudência da Corte Constitucional.

A apresentação dos precedentes mais recentes e a breve explanação do fundamento principal da decisão serão apresentados, permitindo o conhecimento dos principais aspectos dessa importante regra de imunidade tributária.

1 Imunidade tributária – definição

Imunidade é o obstáculo constitucional à incidência da regra jurídica de tributação. É uma supressão do poder de tributar. A Constituição Federal confere competência tributária, poder de tributar, e, ao mesmo tempo, limita ou suprime a competência tributária quando configurados certos pressupostos, situações ou circunstâncias. Imunidade, assim, é uma limitação ao poder de tributar, consistente em impedir que a lei instituidora do tributo defina como hipótese de incidência certas situações protegidas pela Constituição.

A imunidade é estabelecida pelo constituinte para resguardar determinados valores que o próprio constituinte considerou fundamentais à sociedade. Dessa forma, asseguram-se os valores, retirando do legislador infraconstitucional a possibilidade de, por meio da tributação, atingi-los.

As imunidades estabelecidas na Constituição Federal de 1988 resguardam o equilíbrio federativo; a liberdade política, religiosa, de associação, de pensamento e expressão; a expansão da cultura; o desenvolvimento econômico etc. Assim, não devem ser consideradas um benefício ou favor fiscal, uma renúncia à competência tributária ou um privilégio, mas uma forma de resguardar e garantir os valores da comunidade e do indivíduo.

2 Sede das regras de imunidade tributária

As regras de imunidade têm sede exclusiva na Constituição Federal. Só a Constituição Federal confere competência tributária; como limitação da competência tributária, a imunidade também só pode ser estabelecida na Constituição. Os valores protegidos da tributação também têm que estar definidos na Constituição.

Embora só a Constituição Federal possa estabelecer imunidades, lei complementar, nos termos do art. 146, II, da CF, pode regulamentá-las ou explicitá-las; não, porém, ampliá-las ou reduzi-las.

3 Alcance da imunidade tributária

Há muita discussão na doutrina sobre ser a imunidade privativa de impostos ou poder a imunidade se referir a outros tributos. A tese mais moderna afirma que a imunidade pode se referir a todas as espécies tributárias. No atual Sistema Tributário Nacional, estabelecido na Constituição Federal, há previsão de imunidade para todos os tributos.

É importante assinalar, porém, que o inciso VI do art. 150 da CF, regra específica de limitação constitucional ao poder de tributar, estabelece imunidade referente apenas a impostos. Em outros dispositivos, porém, a Constituição trata de imunidade referente a outros tributos (art. 5º, XXXIV e LXXVII, com referência às taxas para a expedição de certidões ou para a impetração de habeas corpus ou habeas data; e arts. 149, § 2º, I, e 195, § 7º, relativamente às contribuições para seguridade social).

Também sobre a espécie tributária taxa o Supremo Tribunal Federal editou a súmula vinculante 12, na qual enuncia que “a cobrança de taxa de matrícula nas universidades públicas viola o disposto no art. 206, IV, da CF” (DJe 22.08.2008), assentando, em suma, que serviço que a Constituição Federal diz ser gratuito não pode ser fato gerador de taxa, ou seja, goza de imunidade em relação a essa espécie tributária.

Por outro lado, não é só o inciso VI do art. 150 da CF que estabelece imunidade para impostos. Em vários dispositivos que estabelecem competência tributária para a instituição de imposto determinado, há regra específica de imunidade. São exemplos as regras do art. 153, § 3º, III, CF, em relação ao IPI; do art. 153, § 4º, II, CF, em relação ao ITR; do art. 155, § 2º, X, CF, em relação ao ICMS; do art. 156, § 2º, I, CF, em relação ao ITBI; e do art. 184, § 5º, CF, também em relação ao ITBI.

4 Diferenciação das demais formas de desoneração tributária

A desoneração tributária de determinadas situações, circunstâncias ou valores pode ocorrer por imunidade, isenção ou não incidência.

A isenção é forma de desoneração tributária estabelecida em lei para atender a capacidade contributiva ou incentivar determinada atividade. Enquanto a imunidade tem sede exclusiva na Constituição, a isenção é sempre prevista em lei específica do tributo a que se refere ou em lei específica de isenção (art. 150, § 6º, CF e art. 97, VI, CTN). A isenção é parcela da base econômica atribuída à tributação que a lei retira da hipótese de incidência. A obrigação nasce, mas a regra de isenção exclui a constituição do crédito, dispensando o cumprimento da obrigação. Na imunidade, há exclusão da competência tributária; na isenção, há exclusão do crédito tributário.

Na não incidência, por sua vez, a desoneração tributária decorre da falta de alcance da base econômica que define a competência tributária ou da falta de alcance da hipótese de incidência definida na lei instituidora do tributo.

Bem representativo das formas de desoneração tributária é o esquema gráfico desenvolvido por Ruy Barbosa Nogueira (1990, p. 54):

Image1

Imagine-se que dentro do retângulo estejam todos os fatos alcançados pela base econômica que define a competência para a instituição de determinado tributo. No círculo, estão os fatos alcançados pela hipótese de incidência definida na lei instituidora do tributo. Fora do círculo e fora do retângulo temos não incidência, seja por estar o fato fora da base econômica atribuída à tributação, seja por estar o fato fora do alcance da lei instituidora do tributo. Os fatos protegidos pela barra dentro do retângulo gozam de imunidade; a barra é a regra de imunidade, obstáculo que impede que a lei instituidora os inclua na hipótese de incidência tributária, embora possam ser enquadrados na base econômica atribuída à tributação. A porção separada dentro do círculo representa isenção: fatos que estão dentro da hipótese de incidência, mas em relação aos quais a lei exclui o crédito tributário.

Não é demais referir, porém, a observação de Leandro Paulsen (2011, p. 227) no sentido de que “o texto constitucional não refere expressamente o termo ‘imunidade’. Utiliza-se de outras expressões: veda a instituição de tributo, determina a gratuidade de determinados serviços, fala de isenção, de não incidência etc. Em todos os casos, pois, em se tratando de norma constitucional, impede a tributação e, portanto, teremos o que denominamos de imunidade”.

5 Imunidade recíproca

5.1 Disposição constitucional

A imunidade recíproca tem previsão no artigo 150, VI, letra a, da Constituição Federal, complementado pelos §§ 2º e 3º do mesmo dispositivo constitucional. Vale a transcrição:

“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(...)

VI – instituir impostos sobre:

a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;

(...)

§ 2º – A vedação do inciso VI, a, é extensiva às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes.

§ 3º – As vedações do inciso VI, a, e do parágrafo anterior não se aplicam ao patrimônio, à renda e aos serviços, relacionados com exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário, nem exonera o promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel.”

Pela imunidade recíproca, a Constituição veda que as entidades políticas da federação (União, Estados, DF e Municípios) instituam impostos umas sobre as outras, para atingir o patrimônio, a renda ou os serviços de cada uma.

5.2 Valor constitucionalmente protegido

A imunidade recíproca é uma forma de expressão do princípio federativo. Não se pode conceber uma federação sem a imunidade tributária recíproca. Bem por isso, a regra da imunidade recíproca está protegida contra eventual emenda constitucional (art. 60, § 4º, I, CF). Qualquer emenda que porventura autorizar a União a cobrar imposto dos Estados ou dos Municípios, ou autorizar qualquer destes a cobrar impostos da União, ou de qualquer outro Estado ou Município, é inconstitucional.

Nesse sentido, há precedente do Supremo Tribunal Federal, que declarou a inconstitucionalidade de dispositivo da Emenda Constitucional 3/93, esta que excepcionou a aplicação da imunidade recíproca para o IPMF – Imposto Provisório sobre Movimentações Financeiras, antecessor da CPMF – Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras, para tributar a movimentação financeira de Estados e Municípios. A decisão do plenário do Supremo Tribunal Federal proferida na ADIn 939-7/DF tem a seguinte ementa:

“EMENTA: – Direito Constitucional e Tributário. Ação Direta de Inconstitucionalidade de Emenda Constitucional e de Lei Complementar. I.P.M.F. Imposto Provisório sobre a Movimentação ou a Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira – I.P.M.F. Artigos 5º, par. 2º, 60, par. 4º, incisos I e IV, 150, incisos III, b, e VI, a, b, c e d, da Constituição Federal. 1. Uma Emenda Constitucional, emanada, portanto, de Constituinte derivada, incidindo em violação à Constituição originária, pode ser declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, cuja função precípua é de guarda da Constituição (art. 102, I, a, da CF). 2. A Emenda Constitucional nº 3, de 17.03.1993, que, no art. 2º, autorizou a União a instituir o I.P.M.F., incidiu em vício de inconstitucionalidade, ao dispor, no parágrafo 2º desse dispositivo, que, quanto a tal tributo, não se aplica ‘o art. 150, III, b, e VI’, da Constituição, porque, desse modo, violou os seguintes princípios e normas imutáveis (somente eles, não outros): 1. – o princípio da anterioridade, que é garantia individual do contribuinte (art. 5º, par. 2º, art. 60, par. 4º, inciso IV, e art. 150, III, b da Constituição); 2. – o princípio da imunidade tributária recíproca, que veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a instituição de impostos sobre o patrimônio, as rendas ou os serviços uns dos outros e que é garantia da Federação (art. 60, par. 4º, inciso I,e art. 150, VI, a, da CF); 3. – a norma que, estabelecendo outras imunidades, impede a criação de impostos (art. 150, III) sobre: b): templos de qualquer culto; c): patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; e d): livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão; 3. Em consequência, é inconstitucional, também, a Lei Complementar nº 77, de 13.07.1993, sem redução de textos, nos pontos em que determinou a incidência do tributo no mesmo ano (art. 28) e deixou de reconhecer as imunidades previstas no art. 150, VI, a, b, c e d, da CF (arts. 3º, 4º e 8º do mesmo diploma, LC nº 77/93). 4. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente, em parte, para tais fins, por maioria, nos termos do voto do Relator, mantida, com relação a todos os contribuintes, em caráter definitivo, a medida cautelar, que suspendera a cobrança do tributo no ano de 1993.” (ADI 939, Relator(a):  Min. SYDNEY SANCHES, Tribunal Pleno, julgado em 15.12.1993, DJ 18.03.1994 PP-05165 EMENT VOL-01737-02 PP-00160 RTJ VOL-00151-03 PP-00755)

O voto do Relator, Ministro Sydney Sanches, faz referência à decisão que deferiu a liminar na ADIn 926, contra os mesmos dispositivos impugnados na ADIn 939, a qual explica o sentido da imunidade recíproca, respaldada na doutrina de tributaristas de renome:

“Já no que concerne à alteração, por Emenda Constitucional, do disposto na alínea a do mesmo inciso VI, tenho-a por não permitida pelo inciso I do § 4º do art. 60 da Constituição Federal, que veda proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa do Estado.

Reporto-me, nesse passo, ao voto que proferi, quando do deferimento de medida cautelar, na ADIn 926, proposta por Governadores de Estado, contra a mesma Emenda Constitucional 3/93 e a Lei Complementar 77/93.

Naquela oportunidade, meu voto de Relator, que foi prestigiado por todos os demais Juízes da Corte, assim deduziu:

‘(...)

Quanto a esse ponto, lembraram os autores a doutrina de Paulo de Barros Carvalho, in Curso de Direito Tributário, Saraiva, 5. ed., 1991, p. 120, nº 4, in verbis:

‘IMUNIDADE RECÍPROCA

A imunidade recíproca, prevista no art. 150, VI, a, da Constituição, é uma decorrência pronta e imediata do postulado da isonomia dos entes constitucionais, sustentado pela estrutura federativa do Estado brasileiro e pela autonomia dos Municípios. Na verdade, encerraria imensa contradição imaginar o princípio da paridade jurídica daquelas entidades e, simultaneamente, conceber pudessem elas exercitar suas competências impositivas sobre o patrimônio, a renda e os serviços, umas com relação às outras. Entendemos, na linha do pensamento de Francisco Campos Oswaldo Aranha Bandeira de Mello e Geraldo Ataliba, que, se não houvesse disposição expressa nesse sentido, estaríamos forçados a admitir o princípio da imunidade recíproca, como corolário indispensável da conjugação da autonomia municipal. Continuaria a imunidade, ainda que implícita, com o mesmo vigor que a formulação expressa lhe outorgou.

É em nome do cânone da supremacia do interesse público ao particular que a atividade de administração tributária ganha foros de efetividade prática. E não poderíamos compreender como, debaixo dessa mesma linha diretiva, uma pessoa jurídica de direito público, munida de personalidade política e autonomia, pelos dizeres explícitos da Constituição, viesse a submeter-se aos poderes de fiscalização e de controle, que são ínsitos ao desempenho daquele tipo de atividade.’

(...)

Foi, porém, Aliomar Baleeiro, entre nós, quem mais se aprofundou no estudo da questão, em suas Limitações constitucionais ao poder de tributar (Rio de Janeiro: Forense, 1977. p. 9 e seguintes):

‘1. AS FONTES DE IMUNIDADE RECÍPROCA

A sobrevivência de três órbitas governamentais autônomas, inerentes ao nosso sistema federativo, levou a Constituição brasileira a inscrever de maneira expressa, em seu texto, o princípio da imunidade recíproca: nenhuma das pessoas de direito público interno, ressalvados os casos previstos na própria Constituição, poderá exigir imposto sobre o patrimônio, as rendas e os serviços de outra (art. 19, III, a).’

Explica a seguir BALEEIRO (ap. loc. cit., p. 92-94):

‘(...)

2. EVOLUÇÃO DO PRINCÍPIO NOS ESTADOS UNIDOS

Em nenhum dispositivo da Constituição dos Estados Unidos ou de suas emendas se contém expressamente o princípio reciprocal immunity of Federal and State Instrumentalities. Ela é consequência remota e indireta da teoria dos ‘poderes implícitos’, inseparável do nome de HAMILTON, que, desde a Convenção de Filadélfia, defendeu a necessidade de expansão da competência federal, em detrimento da ciumenta autonomia dos Estados.

Dessa política, surgiu, em 1791, a ideia da criação de um banco nacional, como instrumento do Governo para regular o comércio e a moeda. O estado de Maryland tributou uma filial desse banco, dando ensejo ao leading case de 1819, que celebrizou o Ac. da Corte Suprema redigido por Marshall, no qual, pela primeira vez, se afirmou a tese da imunidade dos meios de ação do Governo federal em frente às pretensões do fisco dos Estados, pois the Power to tax involves the Power to destroy e, então, ficariam à mercê de um governo todos os serviços e instrumentos de outro.

(...)’

Ainda de ALIOMAR BALEEIRO, ao cuidar da imunidade recíproca entre estados e respectivos Municípios e destes entre si (ap. loc. cit, nº 7, p. 116-117):

‘Politicamente, a Constituição visa a uma união indestrutível à base da concórdia, do respeito e da solidariedade recíprocos.

Não seria compatível com esses fins supremos, substancialmente ligados à unidade nacional, preocupação máxima de todos os grandes estadistas brasileiros desde a Independência, a interpretação que permitisse aos Estados entre si retaliações tributárias, com os impostos interestaduais, tão combatidos na primeira República, ou as práticas mais ou menos idênticas que ainda hoje ensombram a vida dos Estados americanos, segundo depoimento de financistas da mais alta circunspecção.’

(...)

São, aliás, de GERALDO ATALIBA, nessa mesma obra, p. 235-237, ainda sobre a imunidade em questão, as considerações seguintes:

‘Com efeito, para tributar, deve a pessoa jurídica de direito público ter poder sobre o sujeito passivo. Só o poder lhe permite assegurar, mediante coação, seu comando. Só do súdito pode o poder público exigir. Só pode tributar quem pode exercer poder – dentro da margem de discrição apontada – sobre o contribuinte.

Aliás, este termo significa sujeito ao poder tributário.

Pode-se falar em sujeição ao poder tributário entre os estados federados e federal e vice-versa? Entre estados federados, reciprocamente considerados? Entre União e município autônomo e vice-versa? Evidentemente não!

Decorre da própria natureza das coisas a intributabilidade recíproca dos entes públicos. Não tem qualquer cabimento tributarem-se reciprocamente os entes que exercem o poder público.

O fundamento político da imunidade constitucional recíproca – e a Constituição é documento político – dos entes públicos foi magistralmente colocado por Aliomar Baleeiro, nos seguintes termos:

‘(...)’

E, pouco mais adiante, fixa lapidarmente primeira regra de hermenêutica: ‘A Constituição não poderá ser interpretada de sorte que ameace a organização federal por ela instituída, ou ponha em risco a coexistência harmoniosa e solidária da União, dos estados e dos municípios.’

Esse o fundamento da imunidade tributária recíproca. Como se vê, decorre das concepções políticas dominantes, da mentalidade da época e do país, expressos no diploma fundamental. É exigência da própria estrutura nacional. Constitui-se em consequência natural da própria federação. Decorre ex ipsa natura rei. É da própria essência do pacto federal a imunidade recíproca dos entes que o compõem, porque, sendo a federação uma associação de estados, que se encontram no mesmo plano, não há que se falar em relação de súdito para soberano, de poder superior a inferior, o que exclui a possibilidade de tributação.

(...)’

(...)’

Agora, no instante do julgamento do mérito, continuo convencido de que o IPMF não pode ser cobrado dos estados, do Distrito Federal e dos Municípios, em face do disposto no caput do art. 150 e na alínea a de seu inciso VI.”

Digno de nota também o seguinte trecho do voto do Ministro Celso de Melo, no julgamento da mesma ADIn 939:

“A Constituição do Brasil, ao institucionalizar o modelo federal de Estado, perfilhou, a partir de múltiplas tendências já positivadas na experiência constitucional comparada, o sistema do federalismo de equilíbrio, cujas bases repousam na necessária igualdade político-jurídica entre as unidades que compõem o Estado Federal.

Desse vínculo isonômico, que purifica as pessoas estatais dotadas de capacidade política, deriva, como uma de suas consequências mais expressivas, a vedação dirigida a cada uma dos entes federados de instituição de imposto sobre o patrimônio, a renda e os serviços uns dos outros.

A imunidade tributária recíproca consagrada pelas sucessivas Constituições republicanas brasileiras representa um fator indispensável à preservação institucional das próprias unidades integrantes da Federação.

A concepção de Estado Federal, que prevalece em nosso ordenamento positivo, impede, especialmente em função do papel que a cada unidade federada incumbe desempenhar no seio da Federação, que qualquer uma delas institua impostos sobre o patrimônio, a renda e os serviços das demais.

No processo de indagação das razões políticas subjacentes à previsão constitucional da imunidade tributária recíproca, cabe destacar, precisamente, a preocupação do legislador constituinte de inibir, pela repulsa à submissão fiscal de uma entidade federada a outra, qualquer tentativa que, concretizada, possa, em última análise, inviabilizar o próprio funcionamento da federação.”

Resta claro, do referido julgamento, que o Supremo Tribunal Federal assentou a imunidade recíproca como decorrência lógica da forma federativa adotada no Estado brasileiro, assinalando que o valor constitucionalmente protegido pela imunidade recíproca é a própria federação, porquanto não haveria autonomia dos entes federados se um pudesse instituir imposto sobre o patrimônio, a renda ou os serviços do outro, subjugando-o. Resta assentado ainda, do importante precedente, que, protegendo valor sob cláusula pétrea (artigo 60, § 4º, I, da Constituição Federal), a imunidade recíproca nem por emenda constitucional pode ser afastada.

5.3 Pessoas alcançadas pela imunidade recíproca

Estão protegidos pela imunidade os entes que compõem a federação – União, Estados, Distrito Federal e Municípios –, os quais gozam de autonomia uns em relação aos outros, nos termos dos artigos 1º e 18 da Constituição Federal. Aos entes políticos, formadores da federação, a Constituição Federal atribui patrimônio e competências executivas, que não podem ser afetados pela tributação. Assim, o patrimônio, os serviços prestados e a renda auferida pelos entes da federação estão protegidos pela imunidade recíproca.

Além dos entes da federação, a imunidade recíproca alcança as autarquias e fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público (§ 2º do art. 150 CF).

No conceito expresso no inciso I do art. 5º do Decreto-Lei nº 200, de 1967, autarquia é “o serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para executar atividades típicas da Administração Pública, que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada”.

A característica mais marcante, que determina inegavelmente a natureza jurídica autárquica, é a atividade a ser exercida pela entidade, por atribuição legal.

Com efeito, ao Estado são atribuídos atividade de polícia e serviços públicos; a primeira é sempre indelegável, é atividade típica do Estado; os segundos podem ser delegados ou não, conforme dispõe a Constituição Federal. São delegáveis os serviços que podem ser transferidos à iniciativa privada, por meio de concessão, autorização ou permissão; são indelegáveis aqueles que a Constituição atribui com exclusividade à União, aos Estados e aos Municípios, sem possibilidade de delegação a particulares.

A atividade de polícia e os serviços públicos que a Constituição Federal atribui com exclusividade à União, aos Estados e aos Municípios não podem ser delegados a particulares, mas podem ser exercidos pela Administração Pública de forma descentralizada ou desconcentrada.

É o que acontece quando a Administração cria autarquia para a execução de tarefa típica do Estado. Não há delegação da atividade, no sentido técnico, mas há, sim, descentralização da atividade, que é repassada para outra pessoa jurídica de direito público, expressamente criada para esse fim.

Exercendo tarefa típica do Estado, seja na atividade de polícia, seja na prestação de serviços públicos, as autarquias estão alcançadas pela imunidade recíproca, porquanto permanece a necessidade de proteção do valor em questão. Com efeito, não haveria sentido em ser possível descentralizar a competência executiva atribuída na Constituição e excluir a atividade ou o serviço descentralizado da proteção da imunidade.

O Supremo Tribunal Federal assentou o tema, entre outras decisões, quando decidiu a respeito da natureza jurídica dos Conselhos de Fiscalização Profissional (ADIn nº 1.717-DF) e em julgados específicos sobre a imunidade recíproca aplicável a essas entidades:

“EMENTA Agravo regimental no recurso extraordinário. Imunidade recíproca reconhecida em favor de conselhos regionais. Possibilidade. Ausência de distinção quanto à natureza das autarquias para fins de imunidade. 1. No julgamento da ADI nº 1.717/DF, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Sydney Sanches, DJ de 28.03.03, a Corte fixou o entendimento de que os conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas têm natureza jurídica de direito público autárquico. 2. O acórdão recorrido, partindo adequadamente das premissas fáticas delineadas no acórdão regional, perfilhou o mesmo entendimento seguido pela jurisprudência desta Corte. 3. Agravo regimental não provido.” (RE 643414 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 18.12.2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-033 DIVULG 19.02.2013 PUBLIC 20.02.2013)

Cabe observar que, não obstante o STF, no julgamento da ADIn 3.026, tenha afastado a natureza jurídica autárquica e fixado que a OAB “é um serviço público independente, categoria ímpar no elenco das personalidades jurídicas existentes no direito brasileiro”, bem como que ela, “cujas características são autonomia e independência, não pode ser tida como congênere dos demais órgão de fiscalização profissional”, aquele Tribunal manteve a aplicação da imunidade recíproca para a entidade. Às Caixas de Assistência aos Advogados, porém, a imunidade não foi estendida:

“Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. CAIXA DE ASSISTÊNCIA DOS ADVOGADOS DO ESTADO DA BAHIA. ÓRGÃO DA OAB. IMUNIDADE RECÍPROCA. ARTIGO 150, VI, A, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. EXTENSÃO. IMPOSSIBILIDADE. 1. O fato de a Caixa de Assistência dos Advogados integrar a estrutura maior da OAB não implica a extensão da imunidade tributária recíproca (art. 150, VI, a, da Constituição Federal) conferida a esta, dada a dissociação entre as atividades inerentes à atuação da OAB e as atividades providas em benefício individual dos associados. Nesse sentido, o RE nº 233.843, Relator o Ministro Joaquim Barbosa, 2ª Turma, DJ de 18.12.09, ementado nos seguintes termos, verbis: ‘EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE RECÍPROCA. ART. 150, VI, A, DA CONSTITUIÇÃO. CAIXA DE ASSISTÊNCIA DOS ADVOGADOS. INAPLICABILIDADE. 1. A Caixa de Assistência dos Advogados, instituída nos termos dos arts. 45, IV, e 62 da Lei 8.906/1994, não desempenha as atividades inerentes à Ordem dos Advogados do Brasil (defesa da Constituição, da ordem jurídica do Estado democrático de direito, dos direitos humanos, da justiça social; também não lhe compete privativamente promover a representação, a defesa, a seleção e a disciplina dos advogados em toda a República Federativa do Brasil). Trata-se de entidade destinada a prover benefícios pecuniários e assistenciais a seus associados. 2. Por não se revelar instrumentalidade estatal, a Caixa de Assistência dos Advogados não é protegida pela imunidade tributária recíproca (art. 150, VI, a, da Constituição). 3. A circunstância de a Caixa de Assistência integrar a estrutura maior da OAB não implica a extensão da imunidade, dada a dissociação entre as atividades inerentes à atuação da OAB e as atividades providas em benefício individual dos associados. Recurso extraordinário conhecido e ao qual se dá provimento’. 2. In casu, o acórdão originariamente recorrido, divergindo do entendimento desta Corte, assentou: ‘CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. CAIXA DE ASSISTÊNCIA DOS ADVOGADOS DA BAHIA. ÓRGÃO DA OAB. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. IPTU. COBRANÇA INDEVIDA. TAXA DE LIMPEZA PÚBLICA. MUNÍCIPIO DE SALVADOR. EXCESSO DE PENHORA. VALOR DOS IMÓVEIS SUPERIOR AO CRÉDITO EXECUTADO. MATÉRIA RESERVADA AO PROCESSO DE EXECUÇÃO. AUSÊNCIA DE BENS EM SUBSTITUIÇÃO. 1. A Caixa de Assistência dos Advogados, como órgão componente da Ordem dos Advogados do Brasil (art. 45, IV, Lei nº 8.906/94), goza da imunidade (IPTU), por extensão, própria da OAB (§ 5º do art. 45 do Estatuto da Ordem). Precedentes. 2. Há ‘presunção juris tantum quanto à imunidade da autarquia (...), por força da própria sistemática legal (art. 334, IV, do CPC), de forma que caberia ao Município, mesmo em sede de embargos à execução, apresentar prova de fato impeditivo em relação a esse favor constitucional (art. 333, I, do CPC), por meio da comprovação de que os serviços prestados pelo ente administrativo ou seu patrimônio estão desvinculados dos objetivos institucionais’ (STJ. REsp 320948/MG, 2ª Turma, Rel. Min Eliana Calmon, DJ de 02.06.2003). 3. Prosseguindo a execução fiscal no tocante à TLP, todavia, não cabe a apreciação de excesso de penhora em sede de embargos do devedor, haja vista que, de acordo com o art. 685, I, do CPC, o momento para processamento do incidente de excesso de penhora é o seguinte à avaliação, nos próprios autos da execução fiscal. 4. Ademais, a embargante não indicou outros bens em substituição ao imóvel penhorado, para que a execução se processasse de forma menos gravosa. Não o fazendo, permanece lídimo o gravame sobre o único bem encontrado, para garantia do executivo fiscal. 5. Apelação parcialmente provida’. 3. Ademais, o agravante não trouxe nenhum argumento capaz de infirmar a decisão hostilizada, razão pela qual ela deve ser mantida por seus próprios fundamentos. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.” (RE 662816 AgR, Relator(a):  Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 28.02.2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-062 DIVULG 26.03.2012 PUBLIC 27.03.2012)

“Ementa: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS DE DECISÃO MONOCRÁTICA. CONVERSÃO EM AGRAVO REGIMENTAL. TRIBUTÁRIO. ALEGAÇÃO DE DIREITO À IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DO ART. 150, VI, C, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356 DO STF. IMUNIDADE RECÍPROCA. ART. 150, VI, A, DA CF. CAIXA DE ASSISTÊNCIA DOS ADVOGADOS. INAPLICABILIDADE. AGRAVO IMPROVIDO. I – Ausência de prequestionamento da questão constitucional suscitada (art. 150, VI, c, da CF). Incidência da Súmula 282 do STF. Ademais, não opostos embargos declaratórios para suprir a omissão, é inviável o recurso, a teor da Súmula 356 do STF. II – A circunstância de a Caixa de Assistência dos Advogados integrar a estrutura da Ordem dos Advogados do Brasil não implica a extensão da imunidade tributária prevista no art. 150, VI, a, da Lei Maior, ou seja, as Caixas de Assistência não estão protegidas pela imunidade recíproca aplicável à OAB. Precedente. III – Agravo regimental improvido.” (RE 405267 ED, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 24.04.2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-093 DIVULG 11.05.2012 PUBLIC 14.05.2012)

No conceito expresso no inciso IV do art. 5º do Decreto-Lei nº 200, de 1967, por sua vez, fundação pública é “a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, criada em virtude de autorização legislativa, para o desenvolvimento de atividades que não exijam execução por órgãos ou entidades de direito público, com autonomia administrativa, patrimônio próprio gerido pelos respectivos órgãos de direção, e funcionamento custeado por recursos da União e de outras fontes”.

O conceito está desatualizado, visto que a Constituição Federal dispôs de forma mais ampla sobre as fundações. Atualmente, as fundações públicas são entidades dotadas de personalidade jurídica de direito público ou privado, sem fins lucrativos, criadas em virtude de autorização legislativa para o desenvolvimento de atividades de interesse público, como assistência social, assistência médica e hospitalar, educação e ensino, pesquisa e atividades culturais, a justificar a vinculação de bens e recursos públicos para sua realização. Aqui não há necessário exercício de tarefa típica do Estado, que não pode ser delegada, mas há afetação especial de patrimônio público e total afastamento do intuito de lucro.

Como patrimônio público com finalidade especialmente afetada, as fundações públicas também merecem resguardo da tributação, estando seu patrimônio, sua renda e seus serviços protegidos pela imunidade recíproca.

Pela ausência de referência expressa no texto constitucional, a imunidade recíproca, em princípio, não abrangeria empresas públicas ou sociedades de economia mista.

Com efeito, a regra da imunidade recíproca não refere empresas públicas e sociedades de economia mista, porque essas entidades estão normalmente direcionadas ao desenvolvimento de atividade econômica, sob regime de direito privado, e a Constituição Federal expressamente veda o tratamento fiscal diferenciado que prejudique a livre concorrência (art. 174, § 2º, da CF). No mesmo sentido é a primeira parte do § 3º do artigo 150 da Constituição Federal, que veda a aplicação da imunidade recíproca ao patrimônio, à renda e aos serviços relacionados com a exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis aos empreendimentos privados.

O Supremo Tribunal Federal, porém, tem conferido interpretação ampla, no ponto, admitindo o alcance da imunidade recíproca a empresas públicas ou sociedades de economia mista que exerçam serviço público exclusivo ou sob monopólio do Estado, sem intuito de lucro, porque, nesse caso, não restaria violado o dispositivo que protege a livre concorrência e presente estaria o valor constitucionalmente protegido pela imunidade em questão.

Na linha da extensão da imunidade recíproca às entidades que desenvolvem atividade sob monopólio estatal, sejam elas empresas públicas ou sociedades de economia mista, há precedentes em relação aos Correios:

“EMENTA AGRAVO REGIMENTAL. DECISÃO QUE RECONHEU A INEXISTÊNCIA DE OBRIGAÇÃO DE RECOLHIMENTO DO IPVA. IMUNIDADE RECÍPROCA. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS (ECT). JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. MATÉRIA EXCLUSIVAMENTE DE DIREITO. AUSÊNCIA DE NULIDADE. PRECLUSÃO. NÃO PROVIMENTO DO AGRAVO. 1. Conjugando a regra do julgamento antecipado da lide com o procedimento contido no Regimento Interno desta Corte, não há prejuízo nem nulidade em despacho que dispensa produção de provas, determinando diretamente a oitiva da Procuradoria-Geral da República, sem a apresentação de razões finais pelas partes, porque lícito o julgamento antecipado quando se trata de matéria exclusivamente de direito. Como não houve instrução probatória no curso do processo, haja vista que foram bastantes para a formação do convencimento do magistrado as provas trazidas na inicial e na contestação, restou desnecessária a apresentação de razões finais. 2. A ausência de intimação do réu do conteúdo do despacho saneador foi suprida pela concessão de vista ao Procurador do Estado do Sergipe, ocasião em que o agravante deveria, sob pena de preclusão, ter alegado seu descontentamento (art. 245, caput, do CPC), e não tardiamente em sede de agravo regimental contra a decisão de mérito. 3. A concessão de imunidade tributária à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos é matéria que resta amplamente difundida nesta Corte, entendimento esse que foi reafirmado na ACO nº 789/PI, ocasião em que restou assentada a presença da regra de imunidade recíproca a afastar a incidência do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) sobre os veículos de propriedade da agravada, independentemente da natureza da atividade desempenhada, se serviço público ou atividade de cunho privado. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.” (ACO 819 AgR, Relator(a):  Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 17.11.2011, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-230 DIVULG 02.12.2011 PUBLIC 05.12.2011 RSJADV jan., 2012, p. 48-50)

“Ementa: TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE RECÍPROCA. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. IPTU. MOTIVAÇÃO DO LANÇAMENTO. ATOS ECONÔMICOS OU CONCORRENCIAIS. INEXISTÊNCIA DE INDICAÇÃO. NECESSIDADE DE REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROBATÓRIA. AGRAVO REGIMENTAL. A ECT é imune à tributação por impostos, nos termos do art. 150, IV, a, da Constituição. A discussão sobre o alcance da proteção constitucional, considerada a prática de atos em regime de concorrência ou cujo objetivo principal é a acumulação patrimonial e a partilha de lucros, atualmente realizada nos autos do RE 601.392, foi prejudicada por obstáculo processual. Como não há nos autos qualquer elemento que indique ter o lançamento se pautado em eventual prática de ato econômico de inequívoco interesse lucrativo ou concorrencial, para que fosse possível dar provimento ao recurso nos moldes pretendidos pela agravante, seria necessário reabrir a instrução probatória, providência inadmissível (Súmula 279/STF). Agravo regimental ao qual se nega provimento.” (AI 748027 AgR, Relator(a):  Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 25.09.2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-210 DIVULG 24.10.2012 PUBLIC 25.10.2012)

Cabe ressaltar que, em relação à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, há reconhecimento de repercussão (Tema 235 – Imunidade tributária das atividades exercidas pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT), cujo mérito foi julgado no recurso extraordinário 601.392/PR, representativo da controvérsia, em março de 2013, estando pendente a publicação do acórdão.

Também há precedente sobre o monopólio estatal em relação à Infraero:

“EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. ISS. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA. INFRAERO. EMPRESA PÚBLICA PRESTADORA DE SERVIÇO PÚBLICO. EXTENSÃO. 1. Ao julgar o ARE 638.315, da relatoria do ministro Cezar Peluso, o Plenário Virtual do Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral da questão constitucional analisada e resolveu reafirmar a jurisprudência desta nossa Casa de Justiça no sentido de que as empresas públicas prestadoras de serviço público estão abrangidas pela imunidade tributária recíproca prevista na alínea a do inciso VI do art. 150 da Magna Carta de 1988. Ressalva do ponto de vista pessoal do relator. 2. Agravo regimental desprovido.” (RE 542454 AgR, Relator(a):  Min. AYRES BRITTO, Segunda Turma, julgado em 06.12.2011, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-035 DIVULG 16.02.2012 PUBLIC 17.02.2012)

Também para a Infraero houve reconhecimento de repercussão geral (Tema 412 – Extensão da imunidade tributária recíproca às empresas públicas prestadoras de serviços públicos), cujo mérito já foi julgado no recurso extraordinário representativo da controvérsia, conforme segue:

“RECURSO. Extraordinário. Imunidade tributária recíproca. Extensão. Empresas públicas prestadoras de serviços públicos. Repercussão geral reconhecida. Precedentes. Reafirmação da jurisprudência. Recurso improvido. É compatível com a Constituição a extensão de imunidade tributária recíproca à Empresa Brasileira de Infraestrututa Aeroportuária – Infraero, na qualidade de empresa pública prestadora de serviço público.” (ARE 638315 RG, Relator(a): Min. MINISTRO PRESIDENTE, julgado em 09.06.2011, DJe-167 DIVULG 30.08.2011 PUBLIC 31.08.2011 EMENT VOL-02577-02 PP-00183 )

E também em relação à Codesp:

“EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CONHECIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE RECÍPROCA. IMÓVEL DE PROPRIEDADE DA UNIÃO E AFETADO À COMPANHIA DOCAS DO ESTADO DE SÃO PAULO – CODESP. UTILIZAÇÃO ARRENDADA A PARTICULAR. INAPLICABILIDADE DA PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL. ART. 150, VI, A, DA CONSTITUIÇÃO. RE 253.432 (PLENO). 1. A irretratabilidade do acordo de parcelamento (‘confissão de dívida’) e seu caráter impeditivo da discussão judicial da matéria constitui matéria autônoma que não foi objeto de recurso extraordinário e, portanto, a circunstância prejudica o exame deste recurso extraordinário (falta de interesse processual pela impossibilidade de alteração do julgado). 2. Propriedade imóvel cujo uso foi arrendado por empresa particular, para exploração econômica com objetivo lucrativo privado, não é protegida pela imunidade tributária recíproca, na forma do art. 150, VI, a, da Constituição. A existência de confissão de dívida e do respectivo parcelamento reforçam a incapacidade da tributação para surpreender a agravante. Recurso de embargos de declaração que se conhece como agravo regimental, ao qual se nega provimento.” (AI 703831 ED, Relator(a):  Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 07.12.2010, DJe-020 DIVULG 31.01.2011 PUBLIC 01.02.2011 EMENT VOL-02454-08 PP-01897)

“EMENTA: CODESP – SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA INCUMBIDA DE EXECUTAR, COMO ATIVIDADE-FIM, EM FUNÇÃO DE SUA ESPECÍFICA DESTINAÇÃO INSTITUCIONAL, SERVIÇOS DE ADMINISTRAÇÃO DE PORTO MARÍTIMO – MATÉRIA SOB RESERVA CONSTITUCIONAL DE MONOPÓLIO ESTATAL (CF, ART. 21, XII, f) – POSSIBILIDADE DE A UNIÃO FEDERAL OUTORGAR, A UMA EMPRESA GOVERNAMENTAL, O EXERCÍCIO DESSE ENCARGO, SEM QUE ESTE PERCA O ATRIBUTO DE ESTATALIDADE QUE LHE É PRÓPRIO – OPÇÃO CONSTITUCIONALMENTE LEGÍTIMA – CODESP COMO INSTRUMENTALIDADE ADMINISTRATIVA DA UNIÃO FEDERAL, INCUMBIDA, NESSA CONDIÇÃO INSTITUCIONAL, DE EXECUTAR TÍPICO SERVIÇO PÚBLICO – CONSEQUENTE EXTENSÃO A ESSA EMPRESA GOVERNAMENTAL, EM MATÉRIA DE IMPOSTOS, DA PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL FUNDADA NA GARANTIA DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA (CF, ART. 150, VI, a) – O ALTO SIGNIFICADO POLÍTICO-JURÍDICO DESSA GARANTIA CONSTITUCIONAL, QUE TRADUZ UMA DAS PROJEÇÕES CONCRETIZADORAS DO POSTULADO DA FEDERAÇÃO – IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DA CODESP, EM FACE DO IPTU, QUANTO ÀS ATIVIDADES EXECUTADAS NO DESEMPENHO DO ENCARGO, QUE, A ELA OUTORGADO, FOI DEFERIDO, CONSTITUCIONALMENTE, À UNIÃO FEDERAL – DOUTRINA – JURISPRUDÊNCIA – PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS. – A Codesp, que é sociedade de economia mista, executa, como atividade-fim, em regime de monopólio, serviços de administração de porto marítimo constitucionalmente outorgados à União Federal, qualificando-se, em razão de sua específica destinação institucional, como entidade delegatária dos serviços públicos a que se refere o art. 21, inciso XII, alínea f, da Lei Fundamental, o que exclui essa empresa governamental, em matéria de impostos, por efeito da imunidade tributária recíproca (CF, art. 150, VI, a), do poder de tributar dos entes políticos em geral, inclusive o dos Municípios. – Consequente inexigibilidade, por parte do Município tributante, do IPTU referente às atividades executadas pela Codesp na prestação dos serviços públicos de administração de porto marítimo e daquelas necessárias à realização dessa atividade-fim. – Para que o julgamento se mostre legítimo, basta que se observe, ressalvadas as hipóteses previstas no art. 83, § 1º, do RISTF, o interstício temporal mínimo de 48 horas entre a data da publicação da pauta e a da realização da sessão de julgamento, não sendo necessário, para tal fim, que conste, da pauta, o dia em que se procederá à apreciação do litígio. Precedentes. Observância, no caso, de lapso superior a 48 horas. Plena regularidade do julgamento assim realizado.” (RE 265749 ED-ED, Relator(a):  Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 28.06.2011, DJe-160 DIVULG 19.08.2011 PUBLIC 22.08.2011 EMENT VOL-02570-02 PP-00273)

“Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO TRIBUTÁRIO. IPTU. IMÓVEIS DO ACERVO PATRIMONIAL DO PORTO DE SANTOS, INTEGRANTES DO DOMÍNIO DA UNIÃO. CODESP – SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA INCUMBIDA DE EXECUTAR, COMO ATIVIDADE-FIM, EM FUNÇÃO DE SUA ESPECÍFICA DESTINAÇÃO INSTITUCIONAL, SERVIÇOS DE ADMINISTRAÇÃO DE PORTO MARÍTIMO (ART. 21, XII, F, DA CF). IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA (ART. 150, VI, A, DA CF). ACÓRDÃO RECORRIDO EM DISSONÂNCIA COM O ENTENDIMENTO DO PLENÁRIO DESTA CORTE (RE Nº 253.472). AGRAVO IMPROVIDO. 1. No julgamento do RE nº 253.472, Redator para o acórdão o Ministro Joaquim Barbosa, DJe de 01.02.11, o Plenário do STF reconheceu, por efeito da imunidade tributária recíproca (art. 150, VI, a, da CF), a inexigibilidade, por parte do Município tributante, do IPTU referente às atividades executadas pela Codesp – entidade delegatária de serviços públicos a que se refere o art. 21, XII, f, da CF – na prestação dos serviços públicos de administração de porto marítimo e daquelas necessárias à realização dessa atividade-fim. (Precedentes: RE nº 253.394, Relator o Ministro Ilmar Galvão, 1ª Turma, DJ de 11.04.03; AI nº 458.856, Relator o Ministro Eros Grau, 1ª Turma, DJ de 20.04.07; RE nº 265.749-Ed-Ed, Relator o Ministro Celso de Mello, 2ª Turma, DJe de 22.08.11; AI nº 738.332-AgR, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, 1ª Turma, DJe de 26.11.10, entre outros). 2. In casu, o acórdão originariamente recorrido assentou: ‘IMPOSTO – Predial e Territorial Urbano – Município de Santos – Codesp – Pretensão à imunidade do lançamento fiscal – Inviabilidade – Imunidade se aplica aos bens e serviços de ente estatal, não às sociedades de economia mista que os exploram – Isenção não renovada depois da Constituição Federal de 1988 – Tributo devido. (...)’. 3. Agravo Regimental a que se nega provimento.” (RE 462704 AgR, Relator(a):  Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 04.12.2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-022 DIVULG 31.01.2013 PUBLIC 01.02.2013)

Por sua vez, em relação às sociedades de economia mista, os precedentes também seguem na linha de estender a imunidade recíproca quando presente a prestação de serviço público sem intuito de lucro:

“EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. SERVIÇOS DE SAÚDE. 1. A saúde é direito fundamental de todos e dever do Estado (arts. 6º e 196 da Constituição Federal). Dever que é cumprido por meio de ações e serviços que, em face de sua prestação pelo Estado mesmo, se definem como de natureza pública (art. 197 da Lei das leis). 2. A prestação de ações e serviços de saúde por sociedades de economia mista corresponde à própria atuação do Estado, desde que a empresa estatal não tenha por finalidade a obtenção de lucro. 3. As sociedades de economia mista prestadoras de ações e serviços de saúde, cujo capital social seja majoritariamente estatal, gozam da imunidade tributária prevista na alínea a do inciso VI do art. 150 da Constituição Federal. 3. Recurso extraordinário a que se dá provimento, com repercussão geral.” (RE 580264, Relator(a):  Min. JOAQUIM BARBOSA, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. AYRES BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 16.12.2010, REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-192 DIVULG 05.10.2011 PUBLIC 06.10.2011 EMENT VOL-02602-01 PP-00078)

“Ementa: AGRAVO REGIMENTAL. TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE RECÍPROCA. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS E CUSTAS JUDICIAIS (SUCUMBÊNCIA). PARTILHA PROPORCIONAL. No julgamento do RE 253.472 (rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ acórdão Min. Joaquim Barbosa, Pleno, j. 25.08.2010), esta Corte reconheceu que a imunidade tributária recíproca aplica-se às sociedades de economia mista que se caracterizem inequivocamente como instrumentalidades estatais (sociedades de economia mista ‘anômalas’). O foco na obtenção de lucro, a transferência do benefício a particular ilegítimo ou a lesão à livre iniciativa e às regras de concorrência podem, em tese, justificar o afastamento da imunidade. Sem o devido processo legal de constituição do crédito tributário, decorrente de atividade administrativa plenamente vinculada do lançamento a servir de motivação, é impossível concordar com as afirmações gerais e hipotéticas de que há ‘exploração econômica, inclusive por terceiros, os chamados arrendatários das instalações e áreas portuárias’, e que ela se dá em regime de concorrência, devido à possibilidade de privatização. Como responsável pelo ato administrativo, é o ente tributante a parte dotada dos melhores instrumentos para demonstrar ter seguido os preceitos que dão densidade ao devido processo legal formal e substantivo. Quanto à inversão dos ônus sucumbenciais, a empresa-agravada ficou vencida em parte muito pequena de sua pretensão (cobrança de taxas), de modo que o argumento levantado pelo município-agravante é insuficiente para afastar a proporcionalidade da condenação. Agravo regimental ao qual se nega provimento.” (AI 558682 AgR, Relator(a):  Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 29.05.2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-119 DIVULG 18.06.2012 PUBLIC 19.06.2012)

“EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. IMUNIDADE RECÍPROCA. ART. 150, INC. VI, ALÍNEA A, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. EXTENSÃO A SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO. PRECEDENTE. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.” (RE 647881 AgR, Relator(a):  Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, julgado em 18.09.2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-196 DIVULG 04.10.2012 PUBLIC 05.10.2012)

Além do precedente antes referido, julgado sob o regime de repercussão geral (Tema 115 – Aplicação da imunidade tributária recíproca às sociedades de economia mista que prestam serviços de saúde exclusivamente pelo SUS), há mais um tema pertinente com repercussão geral reconhecida e ainda pendente de julgamento do mérito (Tema 508 – Imunidade tributária recíproca para sociedade de economia mista com participação acionária negociada em bolsa de valores), no recurso extraordinário 600.867.

Por outro lado, não obstante o § 3º do artigo 150 da Constituição Federal vede a aplicação da imunidade recíproca ao patrimônio, à renda e aos serviços relacionados com a exploração de atividades em que haja contraprestação ou pagamento de preços e tarifas pelo usuário, o Supremo Tribunal Federal também aqui tem adotado interpretação branda, quando configurada a prestação de serviço público essencial e afastado o intuito de lucro:

“EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PROPÓSITO MODIFICATIVO. EXCEPCIONALIDADE AUSENTE. ALEGADA CONTRADIÇÃO. INEXISTÊNCIA. ACÓRDÃO QUE TOMA COMO PREMISSA A VINCULAÇÃO DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA À ATIVIDADE ESSENCIAL DA ENTIDADE PROTEGIDA. APLICAÇÃO AO PRODUTO DE OPERAÇÕES FINANCEIRAS PARA AFASTAR O IOF. 1. Conforme assentado em uma série de precedentes e no próprio acórdão embargado, a imunidade tributária é indiferente à integral gratuidade dos serviços prestados e abarca os meios de existência da entidade, ainda que inconfundíveis com a respectiva atuação institucional. 2. O benefício não será aplicável, dentre outros motivos, se ficar constatado (i) desvio de finalidade ou (ii) risco à concorrência e à livre iniciativa. 3. Tanto a decisão agravada como o acórdão recorrido indicaram explicitamente que as razões de recurso extraordinário basearam-se em meras presunções, que não são toleradas à luz do devido processo legal de constituição do crédito tributário. 4. O trânsito em julgado desta decisão não restringe inexoravelmente a atividade de fiscalização, de forma a cobrir todo e qualquer investimento da entidade contra a incidência do IOF, independentemente das circunstâncias e para todo o sempre. Recurso de embargos de declaração rejeitado.” (RE 259976 AgR-ED, Relator(a):  Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 19.10.2010, DJe-217 DIVULG 11.11.2010 PUBLIC 12.11.2010 EMENT VOL-02430-01 PP-00069)

“Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE RECÍPROCA. ABRANGÊNCIA. AUTARQUIA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO ESSENCIAL E EXCLUSIVO DO ESTADO. FORNECIMENTO DE ÁGUA. ATIVIDADE REMUNERADA POR TARIFA. POSSIBILIDADE. AGRAVO IMPROVIDO. I – A imunidade do art. 150, VI, a, da CF alcança as autarquias e empresas públicas que prestem inequívoco serviço público. A cobrança de tarifas, isoladamente considerada, não descaracteriza a regra imunizante. Precedentes. II – Agravo regimental improvido.” (RE 482814 AgR, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 29.11.2011, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-236 DIVULG 13.12.2011 PUBLIC 14.12.2011)

“EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA. AUTARQUIA. SERVIÇO PÚBLICO DE ÁGUA E ESGOTO. APLICABILIDADE. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal entende que a autarquia prestadora de serviço público de água e esgoto é abrangida pela imunidade tributária recíproca, nos termos da alínea a do inciso VI do art. 150 da Constituição da República. Precedentes. 2. Agravo regimental desprovido.” (RE 672187 AgR, Relator(a):  Min. CEZAR PELUSO, Segunda Turma, julgado em 27.03.2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-078 DIVULG 20.04.2012 PUBLIC 23.04.2012)

“EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. SERVIÇO PÚBLICO DE ÁGUA E ESGOTO. APLICABILIDADE. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal entende que a sociedade de economia mista prestadora de serviço público de água e esgoto é abrangida pela imunidade tributária recíproca, nos termos da alínea a do inciso VI do art. 150 da Constituição Federal. Precedentes. 2. Agravo regimental desprovido.” (RE 631309 AgR, Relator(a):  Min. AYRES BRITTO, Segunda Turma, julgado em 27.03.2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-081 DIVULG 25.04.2012 PUBLIC 26.04.2012)

“EMENTA Agravo regimental no recurso extraordinário. Imunidade recíproca. Autarquia municipal que presta serviços remunerados por tarifa. Inafastabilidade do beneplácito constitucional em virtude da contraprestação auferida. Matéria de direito devidamente prequestionada no Tribunal de origem. Agravo regimental não provido. 1. O debate sobre o alcance da norma imunizante e a possível incidência de uma regra de exceção, a qual também está constitucionalmente prevista, não denota qualquer prejudicialidade de ordem legal. 2. O agravante não apresentou argumentos voltados a demonstrar um eventual desacerto do juízo monocrático, limitando-se a reiterar a tese sustentada pelo Tribunal de origem. 3. De acordo com a jurisprudência consolidada pelo Supremo Tribunal Federal, a cobrança de tarifas, isoladamente considerada, não descaracteriza a regra imunizante. Precedentes. 4. Agravo regimental não provido.” (RE 598912 AgR, Relator(a):  Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 05.02.2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-054 DIVULG 20.03.2013 PUBLIC 21.03.2013)

Pertinente e merecedor de registro são ainda os julgados, em controle concentrado e difuso, que afastaram a aplicação da imunidade recíproca aos serviços notariais e de registro, das serventias extrajudiciais, sob regime privado:

“EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ITENS 21 E 21.1 DA LISTA ANEXA À LEI COMPLEMENTAR 116/2003. INCIDÊNCIA DO IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA – ISSQN SOBRE SERVIÇOS DE REGISTROS PÚBLICOS, CARTORÁRIOS E NOTARIAIS. CONSTITUCIONALIDADE. Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada contra os itens 21 e 21.1 da Lista Anexa à Lei Complementar 116/2003, que permitem a tributação dos serviços de registros públicos, cartorários e notariais pelo Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN. Alegada violação dos arts. 145, II, 156, III, e 236, caput, da Constituição, porquanto a matriz constitucional do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza permitiria a incidência do tributo tão somente sobre a prestação de serviços de índole privada. Ademais, a tributação da prestação dos serviços notariais também ofenderia o art. 150, VI, a e §§ 2º e 3º, da Constituição, na medida em que tais serviços públicos são imunes à tributação recíproca pelos entes federados. As pessoas que exercem atividade notarial não são imunes à tributação, porquanto a circunstância de desenvolverem os respectivos serviços com intuito lucrativo invoca a exceção prevista no art. 150, § 3º, da Constituição. O recebimento de remuneração pela prestação dos serviços confirma, ainda, capacidade contributiva. A imunidade recíproca é uma garantia ou prerrogativa imediata de entidades políticas federativas, e não de particulares que executem, com inequívoco intuito lucrativo, serviços públicos mediante concessão ou delegação, devidamente remunerados. Não há diferenciação que justifique a tributação dos serviços públicos concedidos e a não tributação das atividades delegadas. Ação Direta de Inconstitucionalidade conhecida, mas julgada improcedente.” (ADI 3089, Relator(a):  Min. CARLOS BRITTO, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 13.02.2008, DJe-142 DIVULG 31.07.2008 PUBLIC 01.08.2008 EMENT VOL-02326-02 PP-00265 RTJ VOL-00209-01 PP-00069 LEXSTF v. 30, n. 357, 2008, p. 25-58)

“EMENTA: TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA. ATIVIDADE NOTARIAL. INCIDÊNCIA. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. Os serviços notariais e de registro exercidos em caráter privado e mediante delegação sofrem a incidência do ISS. A imunidade tributária recíproca não se aplica aos notários e aos registradores. Como o único fundamento para afastar a lei local sobre a tributação utilizado pelo Tribunal de origem versa sobre as questões de fundo próprias à tributação (e.g., imunidade), aplica-se ao caso integralmente a orientação firmada na ADI 3.089 (rel. Min. Ayres Britto, red. p/ acórdão Min. Joaquim Barbosa). Agravo regimental ao qual se nega provimento.” (RE 599527 AgR, Relator(a):  Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 15.03.2011, DJe-065 DIVULG 05.04.2011 PUBLIC 06.04.2011 EMENT VOL-02497-02 PP-00301)

5.4 Tributo a que se refere a imunidade recíproca

Como já referido anteriormente, embora a imunidade possa ser estabelecida para qualquer espécie tributária, as previstas no inciso VI do artigo 150 da Constituição Federal se referem apenas aos impostos.

Assim, também a imunidade recíproca só impede a instituição de imposto de uma entidade da federação sobre o patrimônio, a renda e os serviços de outra.

Não estão compreendidas na imunidade recíproca outras espécies tributárias além do imposto, de modo que as entidades da federação e as demais entidades a que se estende a imunidade recíproca podem exigir umas das outras as demais espécies tributárias: taxas, contribuição de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições especiais.

O Supremo Tribunal Federal é firme no ponto, havendo inúmeros precedentes a respeito. Na vigência da Constituição Federal de 1946, o Supremo Tribunal Federal editou súmula da jurisprudência dominante sobre o tema, com o seguinte teor:

“Súmula 324: A imunidade do art. 31, V, da Constituição Federal não compreende as taxas.” (Data de Aprovação: Sessão Plenária de 13.12.1963)

Em controle concentrado de constitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal tratou da questão na ADIn 2.024-2/DF, pela qual se impugnou, inclusive sob a alegação de violação da imunidade recíproca, o § 13 do artigo 40 da Constituição Federal, acrescentado pela Emenda Constitucional 20/98, o qual sujeitou ao Regime Geral de Previdência Social o servidor comissionado ou temporário e o empregado público dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. A ementa sintetiza bem o fundamento da decisão:

“EMENTA: I. Ação direta de inconstitucionalidade: seu cabimento – sedimentado na jurisprudência do Tribunal – para questionar a compatibilidade de emenda constitucional com os limites formais ou materiais impostos pela Constituição ao poder constituinte derivado: precedentes. II. Previdência social (CF, art. 40, § 13, cf. EC 20/98): submissão dos ocupantes exclusivamente de cargos em comissão, assim como os de outro cargo temporário ou de emprego público, ao regime geral da previdência social: arguição de inconstitucionalidade do preceito por tendente a abolir a ‘forma federativa do Estado’ (CF, art. 60, § 4º, I): improcedência. 1. A ‘forma federativa de Estado’ – elevada a princípio intangível por todas as Constituições da República – não pode ser conceituada a partir de um modelo ideal e apriorístico de Federação, mas, sim, daquele que o constituinte originário concretamente adotou e, como o adotou, erigiu em limite material imposto às futuras emendas à Constituição; de resto, as limitações materiais ao poder constituinte de reforma, que o art. 60, § 4º, da Lei Fundamental enumera, não significam a intangibilidade literal da respectiva disciplina na Constituição originária, mas apenas a proteção do núcleo essencial dos princípios e institutos cuja preservação nelas se protege. 2. À vista do modelo ainda acentuadamente centralizado do federalismo adotado pela versão originária da Constituição de 1988, o preceito questionado da EC 20/98 nem tende a aboli-lo, nem sequer a afetá-lo. 3. Já assentou o Tribunal (MS 23047-MC, Pertence) que no novo art. 40 e seus parágrafos da Constituição (cf. EC 20/98), nela, pouco inovou, ‘sob a perspectiva da Federação, a explicitação de que aos servidores efetivos dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios ‘é assegurado regime de previdência de caráter contributivo, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial’, assim como as normas relativas às respectivas aposentadorias e pensões, objeto dos seus numerosos parágrafos: afinal, toda a disciplina constitucional originária do regime dos servidores públicos – inclusive a do seu regime previdenciário – já abrangia os três níveis da organização federativa, impondo-se à observância de todas as unidades federadas, ainda quando, com base no art. 149, parágrafo único – que a proposta não altera –, organizem sistema previdenciário próprio para os seus servidores’: análise da evolução do tema, do texto constitucional de 1988, passando pela EC 3/93, até a recente reforma previdenciária. 4. A matéria da disposição discutida é previdenciária e, por sua natureza, comporta norma geral de âmbito nacional de validade, que à União se facultava editar, sem prejuízo da legislação estadual suplementar ou plena, na falta de lei federal (CF 88, arts. 24, XII, e 40, § 2º): se já o podia ter feito a lei federal, com base nos preceitos recordados do texto constitucional originário, obviamente não afeta ou, menos ainda, tende a abolir a autonomia dos Estados-membros que assim agora tenha prescrito diretamente a norma constitucional sobrevinda. 5. É da jurisprudência do Supremo Tribunal que o princípio da imunidade tributária recíproca (CF, art. 150, VI, a) – ainda que se discuta a sua aplicabilidade a outros tributos, que não os impostos – não pode ser invocado na hipótese de contribuições previdenciárias. 6. A autoaplicabilidade do novo art. 40, § 13, é questão estranha à constitucionalidade do preceito e, portanto, ao âmbito próprio da ação direta.” (ADI 2024, Relator(a):  Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 03.05.2007, DJe-042 DIVULG 21.06.2007 PUBLIC 22.06.2007 DJ 22.06.2007 PP-00016 EMENT VOL-02281-01 PP-00128 RDDT n. 143, 2007, p. 230-231)

A decisão foi confirmada em controle difuso:

“EMENTA Agravo regimental no recurso extraordinário. Servidor ocupante de cargo em comissão, cargo temporário ou emprego público. Lei nº 9.717/98. Regime geral da previdência (art. 40, § 13). Ausência de violação do princípio federativo ou da imunidade tributária recíproca. ADI nº 2.024. 1. Esta Corte já decidiu que: (i) a Constituição do Brasil não confere às entidades da federação autonomia irrestrita para organizar o regime previdenciário de seus servidores; (ii) por se tratar de tema tributário, a matéria discutida nestes autos pode ser disciplinada por norma geral, editada pela União, sem prejuízo da legislação estadual, suplementar ou plena, na ausência de lei federal (ADI nº 2.024, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 22.06.10). 2. É da jurisprudência do Supremo Tribunal que o princípio da imunidade tributária recíproca (CF, art. 150, inciso VI, alínea a) – ainda que se discuta a sua aplicabilidade a outros tributos que não os impostos – não pode ser invocado na hipótese de contribuições previdenciárias. 3. Agravo regimental não provido.” (RE 388373 AgR, Relator(a):  Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 02.10.2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-209 DIVULG 23.10.2012 PUBLIC 24.10.2012)

Ainda em controle difuso, inúmeros são os precedentes sobre todas as demais espécies tributárias:

“Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO TRIBUTÁRIO. ARTIGO 150, INCISO VI, ALÍNEA A, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. IMUNIDADE RECÍPROCA. TAXAS. INEXISTÊNCIA. TAXA DE COLETA DE LIXO DOMICILIAR. SERVIÇOS ESPECÍFICOS E DIVISÍVEIS. CONSTITUCIONALIDADE. ELEMENTOS DA BASE DE CÁLCULO PRÓPRIA DE IMPOSTOS. SÚMULA VINCULANTE Nº 29 DO STF. IPTU. AUSÊNCIA DE IDENTIDADE. ARTIGO 145, II E § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. CONFIRMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. 1. A imunidade tributária recíproca não engloba o conceito de taxa, porquanto o preceito constitucional (artigo 150, inciso VI, alínea a, da Constituição Federal) só faz alusão expressa a imposto (Precedentes: RE nº 424.227, Relator o Ministro CARLOS VELLOSO, 2ª Turma, DJ de 10.09.04; RE nº 253.394, Relator o Ministro ILMAR GALVÃO, 1ª Turma, DJ de 11.04.03; e AI nº 458.856, Relator o Ministro EROS GRAU, 1ª Turma, DJ de 20.04.07). 2. As taxas cobradas em razão dos serviços públicos de coleta, remoção e tratamento ou destinação de lixo ou resíduos provenientes de imóveis, desde que dissociadas da cobrança de outros serviços públicos de limpeza, são constitucionais (RE nº 576.321-QO, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJe de 13.02.09). 3. As taxas que, na apuração do montante devido, adotem um ou mais elementos que compõem a base de cálculo própria de determinado imposto, desde que não se verifique identidade integral entre uma base e outra, são constitucionais (Súmula Vinculante nº 29 do STF) (Precedentes: RE nº 232.393, Relator o Ministro CARLOS VELLOSO, Plenário, DJ 05.04.02; RE nº 550.403-ED, Relatora a Ministra CÁRMEN LÚCIA, 1ª Turma, DJe de 26.06.09; RE nº 524.045-AgR, Relator o Ministro CEZAR PELUSO, 2ª Turma, DJe de 09.10.09; e RE nº 232.577-EDv, Relator o Ministro CEZAR PELUSO, Plenário, DJe de 09.04.10). 4. Agravo regimental não provido.” (RE 613287 AgR, Relator(a):  Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 02.08.2011, DJe-159 DIVULG 18.08.2011 PUBLIC 19.08.2011 EMENT VOL-02569-02 PP-00273)

“EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. PASEP. CONTRIBUIÇÃO EXIGIDA DE ENTES ESTATAIS. IMUNIDADE. 1. Pasep. Exigibilidade da contribuição pelas unidades da federação, pois a Constituição de 1988 retirou o caráter facultativo, bem assim a necessidade de legislação específica, para a adesão dos entes estatais ao Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público. Precedente do Plenário. 2. Imunidade recíproca. Matéria não discutida nas instâncias ordinárias. Inovação da lide. Impossibilidade. Inexigibilidade do tributo em decorrência de imunidade conferida aos entes da federação. Improcedência da pretensão. A imunidade tributária diz respeito aos impostos, não alcançando as contribuições. Agravo regimental não provido.” (RE 378144 AgR, Relator(a):  Min. EROS GRAU, Primeira Turma, julgado em 30.11.2004, DJ 22.04.2005 PP-00014 EMENT VOL-02188-03 PP-00497)

5.5 Base econômica alcançada pela imunidade recíproca

Além de vedar a instituição apenas de impostos, a imunidade recíproca está limitada às bases econômicas patrimônio, renda e serviços. Apenas os impostos que atinjam diretamente o patrimônio, a renda e o serviço das entidades imunes estão obstaculizados pela regra da imunidade recíproca. Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a incidência direta se verifica quando a lei instituidora define a entidade imune como contribuinte da obrigação tributária.

Bem por isso, não tem sido considerado abrangido pela imunidade recíproca o pagamento de IPI ou ICMS nas compras realizadas pelos entes políticos, suas autarquias ou fundações. É que, na compra de mercadorias e produtos, a União, os Estados, os Municípios, o Distrito Federal e suas autarquias e fundações são meros contribuintes de fato, sem nenhuma relação com o Fisco; a relação tributária se estabelece entre sujeito ativo e sujeito passivo dos referidos tributos, que, no caso, é o comerciante ou o industrial, contribuinte de direito.

Sobre o tema, há súmula do Supremo Tribunal Federal:

“Súmula 591: A imunidade ou a isenção tributária do comprador não se estende ao produtor, contribuinte do imposto sobre produtos industrializados.”

Além de inúmeros precedentes:

“Ementa: TRIBUTÁRIO. ICMS. SERVIÇOS DE ENERGIA ELÉTRICA. MUNICÍPIO. CONTRIBUINTE DE FATO. IMUNIDADE RECÍPROCA. ART. 150, VI, A, DA CONSTITUIÇÃO. INAPLICABILIDADE. AGRAVO IMPROVIDO. I – A imunidade do art. 150, VI, a, da Constituição somente se aplica ao imposto incidente sobre serviço, patrimônio ou renda do próprio ente beneficiado, na qualidade de contribuinte de direito. II – Como o Município não é contribuinte de direito do ICMS relativo a serviços de energia elétrica, não tem o benefício da imunidade em questão, uma vez que esta não alcança o contribuinte de fato. Precedentes. III – Agravo regimental improvido.” (ARE 663552 AgR, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 28.02.2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-051 DIVULG 09.03.2012 PUBLIC 12.03.2012 RET v. 14, n. 84, 2012, p. 121-123)

“Ementa: TRIBUTÁRIO. ICMS. AQUISIÇÕES DE BENS. MUNICÍPIO. CONTRIBUINTE DE FATO. IMUNIDADE RECÍPROCA. ART. 150, VI, A, DA CONSTITUIÇÃO. INAPLICABILIDADE. AGRAVO IMPROVIDO. I – A imunidade do art. 150, VI, a, da Constituição somente se aplica ao imposto incidente sobre serviço, patrimônio ou renda do próprio ente beneficiado, na qualidade de contribuinte de direito. II – Como o Município não é contribuinte de direito do ICMS incidente sobre aquisições de bens, não tem o benefício da imunidade em questão, uma vez que esta não alcança o contribuinte de fato. Precedentes. III – Agravo regimental improvido.” (ARE 690382 AgR, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 04.12.2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-246 DIVULG 14.12.2012 PUBLIC 17.12.2012 RB v. 25, n. 591, 2013, p. 63-64)

“EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS – ICMS. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA. SERVIÇO DE FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA: INAPLICABILIDADE. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.” (AI 717793 AgR, Relator(a):  Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 15.02.2011, DJe-050 DIVULG 16.03.2011 PUBLIC 17.03.2011 EMENT VOL-02483-02 PP-00301)

A definição das entidades políticas, suas autarquias e fundações como substitutas tributárias também tem sido admitida pelo Supremo Tribunal Federal, visto que aqui também não é a entidade imune que suporta o ônus financeiro da tributação, o substituído é quem tem efetivamente o patrimônio, a renda ou o serviço tributado:

“Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. ISS. SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA. IMUNIDADE DAS EMPRESAS PÚBLICAS PRESTADORAS DE SERVIÇOS PÚBLICOS. INFRAERO. POSSIBILIDADE DE SUJEIÇÃO PASSIVA NA QUALIDADE DE SUBSTITUTO TRIBUTÁRIO. SERVIÇOS PRESTADOS POR TERCEIRO NÃO ABRANGIDOS PELA IMUNIDADE. AGRAVO IMPROVIDO. I – A imunidade recíproca aplicada aos serviços públicos imanentes ao Estado, quando prestados por empresas públicas, não impede a qualificação dessas entidades como substitutas tributárias em relação ao ISS devido em decorrência de serviços prestados por terceiros não abrangidos por norma de desoneração. II – Agravo regimental improvido.” (RE 446530 AgR, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 29.05.2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-114 DIVULG 12.06.2012 PUBLIC 13.06.2012 RTFP v. 20, n. 105, 2012, p. 411-416 RT v. 101, n. 926, 2012, p. 783-787)

Caso de responsabilidade tributária por sucessão está aguardando julgamento, sob repercussão geral já reconhecida (Tema 224 – Imunidade tributária recíproca do responsável tributário por sucessão).

Por outro lado, o § 2º do artigo 150 da Constituição Federal inclui na regra de imunidade apenas o patrimônio, a renda e os serviços das entidades políticas, suas autarquias e fundações, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes.

A regra levou ao debate a possível exclusão da regra de imunidade do patrimônio ou da renda que não estivesse sendo usado ou vinculado para o cumprimento da finalidade da entidade imune. O Supremo Tribunal Federal tem interpretado o dispositivo de modo a ampliar a inclusão:

“EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA. AUTARQUIA. EXTENSÃO AOS IMÓVEIS VAGOS E LOCADOS. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.” (ARE 680814 AgR, Relator(a):  Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, julgado em 18.09.2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-196 DIVULG 04.10.2012 PUBLIC 05.10.2012)

“Ementa: AGRAVO REGIMENTAL. TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE RECÍPROCA. IPTU. IMÓVEL VAGO OU ALUGADO. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DOS REQUISITOS PARA APLICAÇÃO DA SALVAGUARDA CONSTITUCIONAL. REEXAME DE FATOS E DE PROVAS. 1. O reconhecimento da imunidade recíproca à propriedade imóvel sem uso ou alugada depende do exame do destino dado aos aluguéis ou das razões que levam à ociosidade temporária do bem (precedentes). No caso em exame, para concluir pelo preenchimento dos requisitos para aplicação da salvaguarda constitucional, seria necessário abrir instrução probatória (Súmula 279/STF). 2. Quanto à alegada existência de decisão transitada em julgado favorável à pretensão da agravante, observo que eventual violação constitucional, se existente, seria indireta ou reflexa (precedentes). 3. Acerca do alegado cancelamento das certidões de dívida ativa, tal questão deve ser levada a tempo e modo próprios à autoridade administrativa ou judicial dotada de competência originária, pois descabe ampliar a causa de pedir do recurso extraordinário. Agravo regimental a que se nega provimento.” (RE 440657 AgR, Relator(a):  Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 29.05.2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-122 DIVULG 21.06.2012 PUBLIC 22.06.2012 RDDT n. 204, 2012, p. 178-181)

“EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. IPTU. IMÓVEL DE PROPRIEDADE DA UNIÃO. CONTRATO DE CONCESSÃO DE USO. POSSE PRECÁRIA. POLO PASSIVO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA. IMUNIDADE RECÍPROCA. ART. 150, VI, A, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. IMPOSSIBILIDADE DA TRIBUTAÇÃO. 1. O Supremo Tribunal Federal, em caso análogo ao presente, o RE nº 451.152, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJ de 27.04.07, fixou entendimento no sentido da impossibilidade de o detentor da posse precária e desdobrada, decorrente de contrato de concessão de uso, figurar no polo passivo da obrigação tributária. Precedentes. 2. Impossibilidade de tributação, pela Municipalidade, dos terrenos de propriedade da União, em face da imunidade prevista no art. 150, VI, a, da Constituição. Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento.” (RE 599417 AgR, Relator(a):  Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 29.09.2009, DJe-200 DIVULG 22.10.2009 PUBLIC 23.10.2009 EMENT VOL-02379-10 PP-02077 RT v. 99, n. 891, 2010, p. 234-237)

“EMENTA: Recurso Extraordinário. 2. IPTU. Imóvel da União destinado à exploração comercial. 3. Contrato de concessão de uso. Posse precária e desdobrada. 4. Impossibilidade de a recorrida figurar no polo passivo da obrigação tributária. Precedente. Recurso extraordinário a que se nega provimento.” (RE 451152, Relator(a):  Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 22.08.2006, DJe-004 DIVULG 26.04.2007 PUBLIC 27.04.2007 DJ 27.04.2007 PP-00107 EMENT VOL-02273-04 PP-00823 RIP v. 9, n. 42, 2007, p. 333-340 LEXSTF v. 29, n. 341, 2007, p. 250-262)

Por fim, o § 3º do art. 150 da CF explicitou ainda que a imunidade estabelecida no inciso VI, a, não exonera o promitente comprador da obrigação de pagar o imposto relativamente ao bem imóvel. A explicitação se fez necessária para afastar divergências. Houve quem sustentasse a tese de que o imóvel objeto de promessa de compra e venda, continuando como propriedade do promitente vendedor, integrando, pois, o patrimônio da entidade imune, não podia ser tributado. O próprio STF tinha decisão pela imunidade do imóvel transcrito no RI em nome da autarquia, embora objeto de promessa de compra e venda a particulares (Súmula 74). Daí a necessidade da regra expressa na CF de 1988.

Conclusão

Como as regras de imunidade têm sede exclusivamente constitucional, cabe ao Supremo Tribunal Federal, como responsável pela interpretação final do texto constitucional, fixar os limites e critérios de aplicação da imunidade recíproca.

A tarefa vem sendo exaurida pelo Supremo, que tem sido chamado a se manifestar sobre os mais variados temas ligados à matéria. Percebe-se a tendência de interpretação ampla do texto constitucional que estabelece a imunidade recíproca, certamente fruto do importante valor por ela primordialmente protegido, qual seja, a autonomia dos entes federados e a preservação das competências executivas constitucionalmente conferidas a cada um deles.

Não tributar patrimônios, renda e serviços das entidades políticas, das suas autarquias e fundações, ou mesmo das sociedades de economia mista e empresas públicas envolvidas com a prestação de serviços públicos sob monopólio estatal ou de caráter essencial ou exclusivo, tem significado relevante na preservação da autonomia e do próprio cumprimento da tarefa, os quais poderiam sofrer restrição se estivessem sob o jugo da tributação.

A pesquisa e a exposição sistematizada dos precedentes do Supremo Tribunal Federal relacionados a tema tão presente na atividade jurisdicional federal certamente em muito contribuirá para o alinhamento e a uniformização das decisões com o órgão encarregado da interpretação final da Constituição Federal.

Bibliografia

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Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023:2002/ABNT):
. . Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n., out. 2013. Edição especial 25 anos da Constituição de 1988. (Grandes temas do Brasil contemporâneo). Disponível em:
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Acesso em: .


REVISTA DE DOUTRINA DA 4ª REGIÃO
PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRF DA 4ª REGIÃO - EMAGIS