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publicado em 18.12.2013 |
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Palavras-chave: Direito ao silêncio. Autoincriminação. Nemo tenetur se detegere. Extensão. Limites. Sumário: Introdução. 1 Direito ao silêncio e sua positivação no ordenamento jurídico brasileiro. 2 Conformação pretoriana do direito ao silêncio. 3 Direito comparado: análise da jurisprudência estrangeira. 4 Provas invasivas e não invasivas: requisitos para realização. Conclusão. Referências bibliográficas. Introdução O tema ora abordado há tempos tem ocupado legisladores, doutrinadores, magistrados, advogados, promotores e, mais recentemente, a imprensa e a sociedade em geral (v. etilômetro). O debate não raramente acende paixões e externa diversas convicções a respeito do que seja justo, adequado e humanitário no que se refere às medidas que podem ser exigidas daquele cidadão acusado – ou em vias de ser acusado – de ter cometido um crime (colaboração ativa, oral ou corporal; colaboração passiva; tolerância; submissão a perícias criminais, etc.). O direito da acusação à prova de um delito tem e certamente deve ter limites, fundados na dignidade humana, não se admitindo, no atual estágio de desenvolvimento da sociedade, certos procedimentos atentatórios ao indivíduo para extração da verdade, como a tortura e certos métodos de interrogatório, sejam eles químicos (soro da verdade, narcoanálise) ou psíquicos (hipnose, lie detector). Por outro lado, alguma colaboração do acusado vem, em alguma medida, sendo admitida pelos ordenamentos jurídicos contemporâneos, sendo exemplo disso as obrigações de tolerar a realização de uma medida de busca e apreensão na própria residência e a de ser identificado criminalmente. O debate doutrinário e pretoriano acirra-se quando se tornam objeto de discussão medidas que não raramente vêm sendo inadmitidas pela jurisprudência, com fundamento na garantia contra a autoincriminação, e que, em determinados casos (v. g., bafômetro, anteriormente ao advento da Lei nº 12.760/2012), se inadmitidas, inviabilizam a prova do crime, surgindo um conflito insuperável entre o direito da acusação à produção de provas imprescindíveis ao esclarecimento dos fatos e a pretensão do acusado de não colaborar na produção de provas que possam incriminá-lo. Tem sido apontado, em certos setores da doutrina processual penal, um superdimensionamento da garantia de silenciar quanto a fatos em tese delituosos, de modo a comprometer o esclarecimento da verdade e a gerar impunidade, sem que igual conformação do direito ao silêncio seja vista em respeitados ordenamentos jurídicos estrangeiros. Nesse contexto, busca-se aprofundar o estudo do tema, sem que se tenha, porém, a pretensão de exauri-lo. 1 Direito ao silêncio e sua positivação no ordenamento jurídico brasileiro A Constituição Federal de 05.10.1988 prevê em seu art. 5º, inciso LXIII, que “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado”. A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), em seu artigo 8º, item 2, alínea g, prevê que toda pessoa acusada de um delito tem, durante o processo, a garantia de “não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada”. A Declaração Universal dos Direitos do Homem prevê em seu art. 11 que “ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante”. O Código de Processo Penal prevê o direito do acusado de ser advertido do “direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas”, sendo que “o silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa” (art. 186). O Código de Processo Civil, embora preveja o dever geral de exibição de documentos, pela parte e pelo terceiro, admite a escusa de exibição quando “a publicidade do documento redundar em desonra à parte ou ao terceiro, bem como a seus parentes consanguíneos ou afins até o terceiro grau; ou lhes representar perigo de ação penal” (art. 363, inciso III). Quanto às testemunhas, embora exista o dever cívico de depor a respeito de fatos presenciados, está prevista a ausência de obrigatoriedade de depoimento quanto a “fatos que lhe acarretem grave dano, bem como ao seu cônjuge e aos seus parentes consanguíneos ou afins, em linha reta, ou na colateral em segundo grau” (art. 406, inciso I). Quanto às intervenções cirúrgicas, o Código Civil as proíbe apenas quando houver risco de vida para o paciente, nos termos do art. 15 (“Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica”). Em seu artigo 232, o Código Civil permite que os efeitos da recusa recaiam contra a esfera jurídica do recusante (“A recusa à perícia médica ordenada pelo juiz poderá suprir a prova que se pretendia obter com o exame”). No mesmo sentido dispõe a Súmula nº 301 do STJ (“Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade”). 2 Conformação pretoriana do direito ao silêncio Uma análise de jurisprudência pátria demonstra que vem sendo admitida uma interpretação ampla do direito ao silêncio, entendido não apenas como direito de não realizar declarações de autoinculpação (colaboração ativa na forma oral), mas como o direito de não colaborar, ativa ou passivamente, em qualquer meio de prova, oral ou não, que possa vir a servir de elemento contrário aos interesses do acusado (v. HC 99.289).(3) u ao terceiro, bem como a seus parentes consanguíneos ou afins até o terceiro grau; ou lhes representar perigo de ação penal” (art. 363, inciso III). 3 Direito comparado: análise da jurisprudência estrangeira É extremamente importante analisar-se a conformação (alcance e limites) do direito ao silêncio no direito comparado para que se possa fazer um juízo a respeito da posição predominante em terra brasilis. Nesse ponto, dois autores brasileiros destacam-se por terem abordado o tema de modo competente e aprofundado: Maria Elizabeth Queijo (QUEIJO, Maria Elizabeth. O direito de não produzir prova contra si mesmo. São Paulo: Saraiva, 2003) e Marcelo Schirmer Albuquerque (ALBUQUERQUE, Marcelo Schirmer. A garantia de não auto-incriminação: extensão e limites. Belo Horizonte: Del Rey, 2008). A seguir, será traçado um panorama geral, extraído a partir do estudo das obras acima mencionadas e de diversas decisões de Tribunais Constitucionais e de Cortes Supremas da Europa e dos Estados Unidos da América. Adiante-se a conclusão dos referidos autores, sintetizada pelo último: “O certo, porém, é que em países de reconhecida tradição no âmbito dos direitos humanos e em outros de também indiscutível desenvolvimento nas dogmáticas Penal e Processual Penal, o nemo tenetur se detegere quase nunca vai além da prerrogativa de se calar em interrogatório ou de se recusar a depor, protegendo o acusado contra a obrigatoriedade de emitir declarações verbais de conteúdo, em nada interferindo na questão probatória, contexto em que sequer é estudado. Por isso, ao dar início ao estudo da questão no Direito Comparado, Maria Elizabeth Queijo anuncia que [...] na questão probatória os ordenamentos jurídicos por ela pesquisados, em geral, alternam-se entre duas soluções – a execução coercitiva da medida que obrigue o acusado a prestar a colaboração exigida ou a aplicação de sanções por desobediência –, razão pela qual conclui que, ‘praticamente, reconhece-se, de forma não expressa, um dever de colaboração do acusado na produção das provas’.”(20) “1 – Se alguém pretender eximir-se ou obstar a qualquer exame devido ou a facultar coisa que deva ser examinada, pode ser compelido por decisão da autoridade judiciária competente. A constitucionalidade do art. 172 do CPP foi analisada pelo Tribunal Constitucional Português no Acórdão n° 155/2007. Tratava-se de situação em que o recorrente havia sido forçado, contra a sua vontade, por decisão da autoridade competente (no caso, o Ministério Público), a comparecer ao instituto médico legal para submissão a perícia (extração de saliva), “sempre na medida do estritamente necessário, adequado e indispensável”. Apurava-se um homicídio qualificado na cidade do Porto, tendo sido recolhidos vestígios biológicos na cena do crime, aptos a identificarem os assassinos. As diligências investigatórias levaram à identificação de um suspeito, que foi convidado “a prestar consentimento para a recolha de zaragatoas bucais com vista à identificação de seu perfil genético [...] e comparação com o dos vestígios” encontrados na cena do crime. O suspeito recusou-se a fornecer saliva para perícia e, por isso, foi aplicado o art. 172, ordenando-se a sujeição a exame. No ato pericial, realizado em 12.05.2005, o suspeito assinou declaração de recusa e, advertido de que a perícia seria realizada, mesmo à força, se necessária fosse, forneceu o material espontaneamente. Após, invocou, em diversas instâncias,(21) até chegar ao Tribunal Constitucional, os argumentos de intrusão ofensiva à sua integridade pessoal, ilegalidade da prova, violação a dispositivos constitucionais diversos, violação a Convenções Europeias de Direitos Humanos, à Declaração Universal dos Direitos do Homem, e, no que mais interessa a este trabalho, ofensa ao princípio nemo tenetur se detegere, do que resultaria a inconstitucionalidade do art. 172 do CPP. “A jurisprudência e a doutrina têm considerado que, mesmo nos casos de execução forçada da intervenção corporal, o acusado não exerce uma colaboração ativa, mas passiva, tolerando a execução. Tal postura de tolerância, que corresponde à colaboração passiva, é o que se poderia exigir do acusado. [...] os tribunais alemães, inclusive o Tribunal Constitucional Federal, têm admitido o reconhecimento e ainda a imposição de outras medidas, como cortar cabelo ou barba; usar de artifícios para forçar uma posição de cabeça; manter os olhos abertos; manter dada expressão facial. Tal orientação invoca, por vezes, a analogia com relação à submissão do acusado a exames, como o de sangue, e à identificação dactiloscópica. Outras vezes o fundamento é o de que tais medidas coercitivas exigem do acusado apenas uma colaboração passiva, ou seja, tolerância.”(27) Na Itália, antes da sentença n° 238/1996 da Corte Constitucional, permitia-se a realização coercitiva de inspeção em pessoas, inclusive com intervenção médica, desde que ausente perigo para a vida ou a saúde do investigado, podendo o Juiz, por exemplo, ordenar o exame de sangue. A referida sentença, porém, exigiu que tais medidas estivessem respaldadas em legislação que trouxesse rigorosa regulamentação da matéria, não bastando dispositivos legais genéricos. Como a legislação exigida ainda não sobreveio, atualmente o exame de sangue depende da concordância do acusado. Não, porém, por aplicação do princípio nemo tenetur se detegere, mas, sim, pela ausência de lei autorizadora que regulamente as hipóteses de admissibilidade e o procedimento da intervenção corporal. O art. 208 do CPP italiano, que prevê a submissão a perícias, teve sua constitucionalidade afirmada, por não afrontar o direito ao silêncio, na sentença n° 221, de 24.05.1991. 4 Provas invasivas e não invasivas: requisitos para realização Uma vez analisada a jurisprudência nacional, estrangeira e internacional a respeito do direito ao silêncio, chega-se ao entendimento de que o princípio nemo tenetur se detegere não tem o alcance de gerar imunidade corporal para o acusado, devendo-se atentar, quanto às intervenções, às cláusulas constitucionais que repugnam a tortura e que protegem a integridade física, a saúde, a vida e a dignidade de qualquer cidadão ou estrangeiro residente no Brasil, as quais, em determinados casos, servirão como óbices contra medidas investigatórias abusivas, juntamente com os requisitos que a seguir serão expostos. O privilege against self incrimination permite ao réu que silencie, abstendo-se de confessar o que quer que seja, mas, por outro lado, não confere ao investigado um direito amplo de não colaborar, ativa ou passivamente, em todos e quaisquer procedimentos probatórios vinculados à persecução penal in iudicio e extra iudicio que possam, de alguma forma, vir a produzir provas que possam ser valoradas para fins de condenação penal. Não é essa a finalidade para a qual esse direito foi positivado, não é esse o alcance desse direito em ordenamentos estrangeiros civilizados e de tradição humanitária e, por fim, esse alcance compromete de forma relevante o direito à prova, que pertence a ambas as partes (acusação e defesa), obstando o regular exercício do direito fundamental da sociedade à repressão criminal das condutas que de modo mais intenso afrontam o ordenamento jurídico (os delitos). Diante do princípio da legalidade (“ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”), a exigência de participação do acusado deve ter base legal. Admite-se, porém, a analogia, por se tratar de instrumento válido de integração normativa no processo penal (CPP, art. 3º). Neste ponto, há distinção entre o ordenamento jurídico português, em que há previsão geral de submissão a perícia mediante ordem judicial (CPP, art. 172), e o ordenamento italiano, em que se exige previsão legal específica regulando o procedimento de intervenção corporal (Sentença n° 238/1996 da Corte Constitucional). No Brasil, a tendência é exigir-se a autorização específica, e não genérica, mesmo que o meio de prova esteja previsto na própria Constituição, como se percebe da posição do STF quanto à inadmissibilidade das interceptações telefônicas antes do advento da Lei n° 9.296/96 (HC 81.494/SP). As provas não invasivas são aquelas que “tangenciam” direitos fundamentais, sem atingi-los diretamente. A contribuição do acusado é apenas passiva (tolerância), abrangendo o fornecimento de materiais ou objetos para exames comparativos desde que ele possa ser feito de modo simples, rápido, imediato (coleta de impressões digitais), sem que sejam necessárias a ingerência no corpo do acusado e a ordem da autoridade que o obrigue a permanecer em situação constrangedora, assim entendida segundo os padrões culturais e sociais da época de realização da diligência. São espécies de provas não invasivas o reconhecimento de pessoas e coisas, a identificação criminal (Lei n° 10.054/00), a prova documental (em regra) e algumas perícias de pouca ou nenhuma afetação no corpo do indivíduo. Inclui-se entre as modalidades de prova não invasiva o etilômetro (bafômetro), medida que não gera qualquer intervenção corporal – muito menos invasiva, dependendo apenas do “sopro” do indivíduo (medida exterior ao corpo, e não interna corporis) – e que está longe de afrontar o direito ao silêncio e o princípio nemo tenetur se detegere, como se percebe dos precedentes da jurisprudência europeia. As provas não invasivas, por não atingirem diretamente os direitos fundamentais, não dependem de ordem judicial, podendo ser determinadas pela autoridade policial.(40) Uma segunda corrente entende que, mesmo não havendo intervenção corporal, é também necessária a decisão judicial, que poderá, porém, ser proferida a posteriori.(41) As provas invasivas caracterizam-se por representarem ingerência diretamente na pessoa do acusado ou em sua esfera íntima, gerando impacto psíquico e em certos casos atingindo a sua integridade física, embora sem violá-la, o que seria proibido pela Constituição. São espécies destas provas os exames médicos que demandam intervenções corporais, as buscas e apreensões realizadas em domicílio e as interceptações telefônicas.(42) Poderiam ser mencionadas também as quebras de sigilos bancário e fiscal. Para o seu deferimento, não há necessidade de concordância do acusado, razão pela qual é irrelevante a sua eventual vontade de “não produzir prova contra si mesmo”.(43) Sendo ordenada a busca e apreensão, por exemplo, será o acusado forçado a suportá-la, não podendo alegar que ser obrigado a tolerar a busca significaria obrigá-lo a produzir, ou a admitir que se produzam, provas contra si mesmo. A interceptação telefônica é exemplo que demonstra o descabimento de compreender-se o direito ao silêncio como um direito amplo de não produzir quaisquer provas contra si mesmo, por se tratar de caso em que o próprio Poder Constituinte admitiu que o investigado produzisse, como de fato produz, provas autoincriminadoras – inclusive na forma oral (comunicativa), sem a sua prévia concordância –, as quais podem vir a ser utilizadas para buscar a sua condenação penal. Poderia o réu, em seu interrogatório, silenciar sobre os fatos incriminadores, mas, na interceptação, não tem o direito sequer de ser previamente advertido do direito de permanecer em silêncio. As provas invasivas sacrificam, em alguma medida, direitos fundamentais (sigilo telefônico, integridade física, direito ao silêncio, inviolabilidade do domicílio), mas são admitidas como restrições necessárias, autolimitativas (restrição interna) ou heterolimitativas (restrição externa) – conforme a concepção dogmática que se adote acerca dos direitos fundamentais –, com base no princípio da proporcionalidade. Em regra, sua execução está submetida à necessidade de prévia autorização judicial, embora haja, na legislação brasileira, exceções, relativas à quebra dos sigilos fiscal (CTN, art. 198, § 1º, inciso II) e bancário (LC n° 105, art. 6º), cuja legitimidade constitucional está sendo questionada perante a Suprema Corte. Os requisitos apontados em doutrina para o deferimento das provas invasivas integram aquilo que pode ser chamado de teoria geral da prova invasiva e, sem prejuízo da regulação legal específica existente ou que venha a ser criada para cada medida probatória, podem ser assim sintetizados:(44) (a) previsão legal autorizativa (art. 5º, inciso II, da CF/88); (b) fumus comissi delicti; (c) necessidade, fundada no princípio da menor intervenção possível (sendo viável produzir-se a prova por meio menos gravoso e invasivo, não caberá a medida mais gravosa);(45) (d) proporcionalidade (intervenções graves demandam que também graves, e não apenas leves ou de menor potencial ofensivo, sejam os delitos investigados);(46) (e) manutenção da saúde e da vida do acusado em caso de intervenção corporal, sendo irrelevante o eventual consentimento do acusado quando tais valores estiverem gravemente ameaçados; (f) intervenção da defesa técnica, mediante contraditório prévio e, não sendo possível (por frustrar a diligência, considerada a sua natureza), diferido; (g) decisão judicial autorizadora, devidamente motivada (CF/88, art. 93, inciso IX). Conclusão Entende-se que o princípio nemo tenetur se detegere não tem, no ordenamento jurídico pátrio – da mesma forma como ocorre em diversos ordenamentos estrangeiros –, o alcance de poder ser invocado como óbice à participação do acusado em quaisquer meios probatórios que possam vir a produzir provas que venham a servir para a sua condenação penal. As normas constitucionais e convencionais internalizadas no ordenamento jurídico pátrio não positivam um direito amplo de não produzir provas contra si mesmo, mas o direito ao silêncio, com o propósito de preservar o instinto de autopreservação e a liberdade de autodeterminação do investigado, proscrevendo a extração forçada da verdade por meio da tortura. É simplório e reducionista o silogismo segundo o qual, ao dizer-se direito ao silêncio, pretendeu-se dizer direito de não participar de quaisquer medidas probatórias processuais penais. Não é essa a finalidade para a qual este direito foi positivado, não é esse o alcance deste direito em ordenamentos estrangeiros civilizados e de tradição humanitária e, por fim, esse alcance comprometeria de forma relevante o direito à prova, que pertence a ambas as partes (acusação e defesa), obstando o regular exercício do direito fundamental da sociedade à repressão criminal das condutas que de modo mais intenso afrontam o ordenamento jurídico (os delitos). Do ponto de vista histórico, é compreensível que um período pós-ditatorial seja marcado por excessos libertários em doutrina e jurisprudência. Todavia, é preciso perceber que não é toda limitação aos poderes investigatórios e probatórios que contribui para a maximização da eficácia dos direitos fundamentais. O acusado de um delito é titular de direitos fundamentais, assim como a vítima de um crime e seus familiares, que legitimamente esperam pela apuração de responsabilidades, pela comprovação das infrações praticadas e pela punição dos envolvidos na prática de delitos. É preciso encontrar um ponto intermediário, marcado por um entendimento que perceba, avalie, pondere e proteja todos os interesses juridicamente protegidos que estão envolvidos no tema em análise. Assim, ressalvada a colaboração oral ativa, cuja possibilidade de recusa é diretamente protegida pelo direito ao silêncio, não há óbice a que sejam exigidas do acusado outras formas de participação, ativa ou passiva, incluídas as medidas probatórias invasivas e não invasivas, desde que sejam observados os seguintes requisitos: (a) previsão legal autorizadora (art. 5º, inciso II, da CF/88); (b) fumus comissi delicti; (c) necessidade, fundada no princípio da menor intervenção possível; (d)proporcionalidade em sentido estrito; (e) manutenção da saúde, da integridade física e da vida do acusado em caso de intervenção corporal, sendo irrelevante o eventual consentimento do acusado quando tais valores estiverem gravemente ameaçados; (f) intervenção da defesa técnica, mediante contraditório prévio e, não sendo possível, diferido; (g) decisão judicial autorizadora, devidamente motivada (CF/88, art. 93, inciso IX). Referências bibliográficas ALBUQUERQUE, Marcelo Schirmer. A garantia de não auto-incriminação: extensão e limites. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. FELDENS, Luciano. A Constituição Penal. A dupla face da proporcionalidade no controle de normas penais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional. v. I. 5. ed. rev. atual. ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal comentado. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Breves notas sobre a não autoincriminação. Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n. 41, abr. 2011. Disponível em: <http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao041/eugenio_oliveira.html>. Acesso em: 02 jun. 2012. OLIVEIRA, Eugenio Pacelli; FISCHER, Douglas. Comentários ao Código de Processo Penal e sua jurisprudência. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. QUEIJO, Maria Elizabeth. O direito de não produzir prova contra si mesmo. São Paulo: Saraiva, 2003. RAMOS, João Gualberto Garcez. Curso de Direito Processual Penal norte-americano. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. Notas
1. ALBUQUERQUE, Marcelo Schirmer. A garantia de não auto-incriminação: extensão e limites. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 7 e 59. 2. ALBUQUERQUE, Marcelo Schirmer. A garantia de não auto-incriminação: extensão e limites. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 36. 3. “A recusa em responder ao interrogatório policial e/ou judicial e a falta de cooperação do indiciado ou do réu com as autoridades que o investigam ou que o processam traduzem comportamentos que são inteiramente legitimados pelo princípio constitucional que protege qualquer pessoa contra a autoincriminação, especialmente quando se tratar de pessoa exposta a atos de persecução penal. O Estado – que não tem o direito de tratar suspeitos, indiciados ou réus como se culpados fossem antes do trânsito em julgado de eventual sentença penal condenatória (RTJ 176/805-806) – também não pode constrangê-los a produzir provas contra si próprios (RTJ 141/512), em face da cláusula que lhes garante, constitucionalmente, a prerrogativa contra a autoincriminação. Aquele que sofre persecução penal instaurada pelo Estado tem, dentre outras prerrogativas básicas, (a) o direito de permanecer em silêncio, (b) o direito de não ser compelido a produzir elementos de incriminação contra si próprio nem de ser constrangido a apresentar provas que lhe comprometam a defesa e (c) o direito de se recusar a participar, ativa ou passivamente, de procedimentos probatórios que lhe possam afetar a esfera jurídica, tais como a reprodução simulada (reconstituição) do evento delituoso e o fornecimento de padrões gráficos ou de padrões vocais para efeito de perícia criminal (HC 96.219-MC/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.). Precedentes.” 4. “O suposto autor do ilícito penal não pode ser compelido, sob pena de caracterização de injusto constrangimento, a participar da reprodução simulada do fato delituoso. O magistério doutrinário, atento ao princípio que concede a qualquer indiciado ou réu o privilégio contra a autoincriminação, ressalta a circunstância de que é essencialmente voluntária a participação do imputado no ato – provido de indiscutível eficácia probatória - concretizador da reprodução simulada do fato delituoso.” 5. “Diante do princípio nemo tenetur se detegere, que informa o nosso direito de punir, é fora de dúvida que o dispositivo do inciso IV do art. 174 do Código de Processo Penal há de ser interpretado no sentido de não poder ser o indiciado compelido a fornecer padrões gráficos do próprio punho, para os exames periciais, cabendo apenas ser intimado para fazê-lo a seu alvedrio. É que a comparação gráfica configura ato de caráter essencialmente probatório, não se podendo, em face do privilégio de que desfruta o indiciado contra a autoincriminação, obrigar o suposto autor do delito a fornecer prova capaz de levar à caracterização de sua culpa.” 6. “O princípio constitucional da autodefesa (art. 5º, inciso LXIII, da CF/88) não alcança aquele que atribui falsa identidade perante autoridade policial com o intento de ocultar maus antecedentes, sendo, portanto, típica a conduta praticada pelo agente (art. 307 do CP).” 7. “A Sexta Turma deste Superior Tribunal de Justiça, alinhando-se à posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal, firmou a compreensão de que tanto a conduta de utilizar documento falso como a de atribuir-se falsa identidade, para ocultar a condição de foragido ou eximir-se de responsabilidade, caracterizam, respectivamente, o crime do art. 304 e do art. 307 do Código Penal, sendo inaplicável a tese de autodefesa.” 8. Eis a redação do art. 186 do CPP após o advento da Lei n° 10.792/03: "Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas. Parágrafo único. O silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa". 9. “Em relação à qualificação, não cabe direito ao silêncio, nem o fornecimento de dados falsos, sem que haja consequência jurídica, impondo sanção. O direito ao silêncio não é ilimitado, nem pode se exercido abusivamente. As implicações, nessa situação, podem ser graves, mormente quando o réu fornece, maldosamente, dados de terceiros, podendo responder pelo seu ato.” (NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal comentado. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 407) 10. “[...] Assente a jurisprudência do Tribunal em que o comportamento do réu durante o processo, na tentativa de defender-se, não se presta a agravar-lhe a pena (cf. HC 72.815, 5.9.95, Moreira Alves, DJ 06.10.95): é garantia que decorre da Constituição Federal, ao consagrar o princípio nemo tenetur se detegere (CF/88, art. 5º, LXIII). [...].” (STF, HC 83960, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 14.06.2005, DJ 01.07.2005 PP-00056 EMENT VOL-02198-02 PP-00305 LEXSTF v. 27, n. 322, 2005, p. 369-377) 11. “A alegação de que as circunstâncias do delito foram desfavoráveis, visto que a agente tentou ocultar a droga, dificultando o trabalho da polícia, não é de molde a autorizar o aumento procedido na primeira etapa da dosimetria, sob pena de malferir princípio da não autoincriminação – nemo tenetur se detegere –, segundo o qual ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo.” (HC 139.535/MS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 18.05.2010, DJe 07.06.2010) 12. “O investigado, intimado para prestar declarações perante a autoridade policial, não é obrigado a comparecer ao ato, sendo-lhe assegurada a garantia constitucional do silêncio.” (TRF4 5002975-70.2011.404.7211, Oitava Turma, Relator p/ Acórdão Paulo Afonso Brum Vaz, D.E. 08.03.2012) 13. QUEIJO, Maria Elizabeth. O direito de não produzir prova contra si mesmo. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 130. 14. Da ementa, colhe-se o seguinte trecho: “Legitimidade dos agentes policiais, sob o comando da autoridade policial competente (art. 4º do CPP), para tomar todas as providências necessárias à elucidação de um delito, incluindo-se aí a condução de pessoas para prestar esclarecimentos, resguardadas as garantias legais e constitucionais dos conduzidos” (HC 107644, Relator Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 06.09.2011). 15. “5. No caso dos autos, a determinação ao paciente de apresentar-se ao Instituto de Criminalística para o fim de submeter-se a perícia de confecção de imagens consiste, indubitavelmente, constrangimento ilegal e inconstitucional, agravado, ainda, pela ameaça concreta à liberdade de locomoção, em face da imposição de pena de prisão na hipótese de negativa de comparecimento em 5 dias. 6. Ordem concedida para o fim de, expedindo-se salvo conduto, assegurar ao paciente o direito de não ser obrigado a comparecer ao Instituto de Criminalística para fornecer sua imagem.” (HC 179.486/GO, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 14.06.2011, DJe 27.06.2011) 16. “Não há falar em ilicitude no fornecimento de material gráfico pelo paciente, uma vez que, tendo comparecido voluntariamente ao Instituto de Criminalística da Polícia Civil, nada obstou a possibilidade de recusa peremptória, o que, todavia, não fez. O princípio do nemo tenetur se detegere não foi, portanto, violado. [...]” (HC 93.874/DF, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 15.06.2010, DJe 02.08.2010) 17. OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Breves notas sobre a não autoincriminação. Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n. 41, abr. 2011. Disponível em: <http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao041/eugenio_oliveira.html>. Acesso em: 02 jun. 2012. 18. Eis a redação anterior à vigência da Lei nº 12.760/2012: “Art. 277. Todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influência de álcool será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo Contran, permitam certificar seu estado. (Redação dada pela Lei nº 11.275, de 2006) § 1o Medida correspondente aplica-se no caso de suspeita de uso de substância entorpecente, tóxica ou de efeitos análogos. (Renumerado do parágrafo único pela Lei nº 11.275, de 2006) 19. “Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência: (Redação dada pela Lei nº 11.705, de 2008) Regulamento Penas – detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. 20. ALBUQUERQUE, Marcelo Schirmer. A garantia de não auto-incriminação: extensão e limites. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 59. 21. Registrem-se os argumentos do Tribunal de Relação do Porto (Acórdão de 03.05.2006) sobre o caso mencionado: “Ora, as colheitas de cabelos ou sangue, caso não consentidas, consubstanciam intervenções no corpo que, realizadas por perito médico ‘com rigorosa observância das regras das leges artis, se podem e devem graduar como ofensas insignificantes (mínimas) do direito à integridade corporal e do direito à autodeterminação corporal, visto que afectam, transitória e momentaneamente, de forma muito reduzida, o corpo físico e o sistema volitivo” do interveniente. Quanto à recolha de saliva ou de urina, afigura-se-nos que nem sequer se pode considerar susceptível de ofensa o direito à integridade corporal do recorrente, mas tão-só o direito à autodeterminação corporal, e em grau ou medida desprezível, isto é, irrelevante”. 22. “A recolha de material biológico para análise do DNA, embora possa ser entendida como uma restrição do direito à integridade pessoal, não colide com nenhuma das suas dimensões essenciais, podendo justificar-se de acordo com critérios de proporcionalidade, desde que em ordem à prossecução de uma finalidade constitucionalmente legítima.” 23. “Por seu turno, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), em sentença proferida em 17 de dezembro de 1996 (caso Sauders versus Reino Unido), concluiu que o citado direito à não autoincriminação se refere, em primeira linha, ao respeito pela vontade do arguido em não prestar declarações, ao direito ao silêncio, acrescentando que esse direito se não estende ao uso, em processo penal, de elementos obtidos do arguido por meio de poderes coercivos, mas que existam independentemente da vontade do sujeito, por exemplo as colheitas, por expiração, de sangue, de urina, assim como de tecidos corporais com finalidade de análises de ADN. E o Tribunal Constitucional espanhol, nomeadamente a propósito da obrigatoriedade de submissão a testes de alcoolemia, afirmou que a sua realização 'não constitui, em si mesmo, uma declaração ou incriminação, para efeitos deste privilégio', uma vez que não se obriga o detectado a emitir uma declaração que exteriorize um conteúdo, admitindo a sua culpa, mas apenas a tolerar que sobre ele recaia uma especial modalidade de perícia (STC 103/1985). E, reiterando tal doutrina, analisou em 1997 (STC 191/1997) – depois de citar jurisprudência do TEDH em que se reconhece que o direito ao silêncio e o direito à não autoincriminação, embora não expressamente mencionados pelo artigo 6° da CEDH, situam-se no coração do direito a um processo equitativo e se relacionam estreitamente com o direito à defesa e à presunção da inocência – a questão na perspectiva, que é também a do agora recorrente, da violação do princípio da presunção de inocência. Nesse contexto, considerou, então, que as garantias face à autoincriminação só se referem às contribuições do arguido de conteúdo directamente incriminatório, não tendo o alcance de integrar no direito à presunção da inocência a faculdade de se poder subtrair a diligências de prevenção, indagação ou de prova. A configuração genérica de um tal direito a não suportar nenhuma diligência deste tipo deixaria desarmados os poderes públicos no desempenho das suas legítimas funções de protecção da liberdade e convivência, lesaria o valor da justiça e as garantias de uma tutela judicial efectiva [. . .].” 24. “Na verdade, em Espanha, depois de o Tribunal Constitucional (STC 207/1996, de 16 de dezembro) ter explicitamente afirmado que os preceitos do processo penal espanhol (concretamente os artigos 311° e 339° da Ley de Enjuiciamento Criminal então invocados) não conferiam a esta concreta medida restritiva dos direitos à intimidade e à integridade física a cobertura legal requerida pela doutrina daquele Tribunal para qualquer acto limitativo de direitos fundamentais, o Governo, através da Ley Orgánica n° 15/2003, de 25 de novembro, limitou-se, para o que agora importa, a acrescentar um parágrafo 3° ao artigo 326° e um parágrafo 2° ao artigo 363°, ambos da referida Ley de Enjuiciamento Criminal, onde se dispõe, no primeiro, que 'quando seja evidente que a análise biológica de vestígios pode contribuir para o esclarecimento do facto investigado, o juiz de instrução adoptará ou ordenará à polícia judicial ou ao médico forense que adopte as medidas necessárias para que a sua recolha, custódia e exame se verifique em condições que garantam a sua autenticidade' e, no segundo, que, 'sempre que ocorram fundadas razões que o justifiquem, o juiz de instrução poderá determinar, em decisão fundamentada, a obtenção de amostras biológicas do arguido que sejam indispensáveis à determinação do seu perfil de ADN, podendo, para esse efeito, determinar a prática daqueles actos de inspecção, reconhecimento ou intervenção corporal que resultem adequados aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade'. Também na Alemanha, face à controvérsia doutrinária sobre a questão de saber se o § 81, alínea a), do Código de Processo Penal (StPO), que expressamente autorizava a recolha coactiva de sangue para fins de processo penal, podia ser interpretado em termos de permitir igualmente essa colheita para efeitos de determinação do perfil genético do arguido, o legislador, em 1997, limitou-se a acrescentar um novo parágrafo ao StPO – o § 81, alínea e) –, em que passou a autorizar expressamente que o sangue assim recolhido pudesse ser geneticamente analisado para fins de investigação criminal.” 25. “Direito de mentir? Não é incomum encontrar-se opiniões no sentido de que o princípio do nemo tenetur se detegere abrangeria também um suposto direito à mentira, sobretudo em relação aos fatos, devendo o réu, porém, informar corretamente sua identidade. Bem, que não há direito algum à prestação de informações falsas não pode restar dúvidas. Aliás, se o réu acusar terceiro como autor do fato, sabendo-o inocente, poderá até responder por denunciação caluniosa, na medida em que pode não se mostrar inteiramente justificada (excludente de ilicitude) a conduta, mesmo que em defesa de seu interesse. Pode-se mesmo aceitar que o réu elabore qualquer versão em seu favor; o limite seria o tangenciamento voluntário a direitos alheios, quando ciente da inocência alheia. É claro, por certo, que haverá situações, sobretudo envolvendo concurso de agentes, em que a atribuição de fato ou responsabilidade a outro, igualmente processado, ou em situação de sê-lo, estará plenamente justificada pelo contexto das circunstâncias.” (OLIVEIRA, Eugenio Pacelli; FISCHER, Douglas. Comentários ao Código de Processo Penal e sua jurisprudência. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 378) 26. ALBUQUERQUE, Marcelo Schirmer. A garantia de não auto-incriminação: extensão e limites. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 62. 27. QUEIJO, Maria Elizabeth. O direito de não produzir prova contra si mesmo. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 151. 28. Constituição Espanhola: “Artículo 24. I. Todas las personas tienen derecho a obtener la tutela efectiva de los jueces y tribunales en el ejercicio de sus derechos e intereses legítimos, sin que, en ningún caso, pueda producirse indefensión. 2. Asimismo, todos tienen derecho al Juez ordinario predeterminado por la ley, a la defensa y a la asistencia de letrado, a ser informados de la acusación formulada contra ellos, a un proceso público sin dilaciones indebidas y con todas las garantías, a utilizar los medios de prueba pertinentes para su defensa, a no declarar contra sí mismos, a no confesarse culpables y a la presunción de inocencia. La ley regulará los casos en que, por razón de parentesco o de secreto profesional, no se estará obligado a declarar sobre hechos presuntamente delictivos”. 29. Sentenças n° 103/85 e n° 65/86 do Tribunal Espanhol, com referências às decisões do Tribunal Europeu de Direito Humanos de 25.04.1978 (Tyrer), 18.01.1978 (Irlanda x Reino Unido), 25.04.1978 (Campbell x Cosans) e 07.06.1989 (Soering). 30. “No person shall be held to answer for a capital, or otherwise infamous crime, unless on a presentment or indictment of a Grand Jury, except in cases arising in the land or naval forces, or in the Militia, when in actual service in time of War or public danger; nor shall any person be subject for the same offense to be twice put in jeopardy of life or limb; nor shall be compelled in any criminal case to be a witness against himself, nor be deprived of life, liberty, or property, without due process of law; nor shall private property be taken for public use, without just compensation.” 31. RAMOS, João Gualberto Garcez. Curso de Direito Processual Penal norte-americano. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 138. 32. ALBUQUERQUE, Marcelo Schirmer. A garantia de não auto-incriminação: extensão e limites. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. 33. “Com efeito, muito embora a Constituição limite-se a dispor sobre o direito do preso de se calar, a doutrina parece reconhecer, com pequeníssima margem de hesitação, a existência do citado instituto, dando à expressão ‘não produzir’ uma acepção tão ampla que se estende para além de seus significados semântico e jurídico, abrangendo então a ideia de que o sujeito passivo de um processo penal ou de uma investigação criminal não pode ser compelido sequer a participar, prestando qualquer forma de mínima colaboração, de uma atividade probatória cujo resultado lhe possa ser, eventualmente, prejudicial. Entre tais atividades, costuma-se incluir o fornecimento de materiais para exames periciais (desde padrões gráficos, para perícia grafotécnica, até amostras de sangue, para testes de alcoolemia ou exame de DNA) e a participação em meios de prova previstos no Código de Processo Penal, entre os quais a acareação e a reconstituição simulada do crime.” (ALBUQUERQUE, Marcelo Schirmer. A garantia de não auto-incriminação: extensão e limites. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 2) 34. QUEIJO, Maria Elizabeth. O direito de não produzir prova contra si mesmo. São Paulo: Saraiva, 2003. 35. “Há uma tensão permanente entre o interesse na apuração dos delitos e o respeito aos direitos fundamentais do acusado, entre eles o de não se autoincriminar, que exige uma solução harmoniosa. Ambos os interesses são públicos: o primeiro, voltado à persecução penal, e o segundo, vinculado à construção de um processo penal ético. Não poderá ser inviabilizada a persecução penal, pelo reconhecimento de direitos fundamentais ilimitados, mas não será admissível também que sejam eles, inclusive o nemo tenetur se detegere, aniquilados, para dar lugar ao direito à prova ilimitado e à busca da verdade a qualquer custo, com a colaboração inarredável do acusado.” (QUEIJO, Maria Elizabeth. O direito de não produzir prova contra si mesmo. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 221) 36. “Se se protegesse o desejo de se autopreservar a ponto de ser lícito ao acusado alhear-se ao processo para evitar a condenação, restariam autorizadas as condutas de se esconder para evitar a citação (e também de se esconder das testemunhas) e de turbar a instrução criminal e, além delas, facultado ao acusado o direito de se evadir para evitar a aplicação da lei penal, sem que pudesse ser decretada sua prisão preventiva. É preciso lembrar que o processo penal não visa a evitar a aplicação da pena, mas, em alguma medida, legitimá-la.” (ALBUQUERQUE, Marcelo Schirmer. A garantia de não auto-incriminação: extensão e limites. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 96) 37. Maria Elizabeth Queijo parece estar de acordo com as conclusões expostas: “Havendo prática de novo delito, dissociada e independente de qualquer exigência ou solicitação de colaboração por parte da autoridade, para encobrir infração penal anteriormente praticada, não é possível afastar a punibilidade da segunda infração por incidência do nemo tenetur se detegere, porque não há nexo entre a incriminação e a exigência da autoridade, que inexiste. Nessa hipótese, não há risco concreto de autoincriminação, mas temor genérico de revelação de crime anteriormente praticado, não incidindo o nemo tenetur se detegere” (QUEIJO, Maria Elizabeth. O direito de não produzir prova contra si mesmo. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 229). 38. “Causa-nos profunda estranheza e pesar – por que não dizê-lo – recente decisão de Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (Arg. Incons. 990.10.159020-4 – 2010), no sentido de reconhecer a inconstitucionalidade do art. 305 da Lei 9.503/97 – Código de Trânsito Brasileiro –, afirmando, então, a suposta existência de um direito à omissão de socorro, que estaria legitimado pela finalidade de se evitar a autoincriminação. O equívoco na decisão é manifesto, seja quanto à fundamentação, seja quanto à extensão, e, sobretudo, quanto às consequências do julgado. Confundiu-se, ali e, infelizmente, como ocorre em outros tribunais, conceitos básicos da teoria do direito. Ao recusar a validade abstrata da exigência de prestação de socorro, retirou-se, com efeito, o dever de assistência à vítima do acidente de trânsito. Aliás, o equívoco do tribunal – e de boa parte da doutrina nacional – vai na contramão de direção de toda a legislação e toda a doutrina do Direito Comparado. Está-se criando no Brasil – e somente aqui! – um conceito absolutamente novo da não autoincriminação, ausente nos demais povos civilizados. Não há mesmo precedente em outro universo normativo. A prestação de socorro à vítima não decorre de mero dever de solidariedade humana; vai além, decorre de dever jurídico, imposto pelas legislações mundo afora (rapidamente: Alemanha, Itália, Portugal, Espanha, Estados Unidos, Argentina, etc.). E mais. Não se encontra o aludido direito à não autoincriminação em nenhum Tratado Internacional. O que neles se contém é o direito a permanecer em silêncio e a não sofrer ingerências abusivas e ilegais, o que nada tem que ver com o quanto decidido pelo Tribunal paulista. O autor do fato da omissão tem o mesmo dever jurídico de prestar socorro, quando puder fazê-lo sem risco pessoal, tenha ele causado ou não a situação de risco (acidente). O receio quanto a ser pego, processado e condenado criminalmente, se é que, nesse caso, poderia ser considerado relevante, se enquadraria no âmbito da culpabilidade – inexigibilidade de conduta; jamais no campo do direito subjetivo. Antes de ser direito, é dever (de socorro), oponível a todos: excepcionalmente, ao exame de cada situação concreta, é que se poderia pensar no reconhecimento de justa causa (excludente supralegal de ilicitude) ou, repita-se, de exclusão da culpabilidade.” (OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Breves notas sobre a não autoincriminação. Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n. 41, abr. 2011. Disponível em: <http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao041/eugenio_oliveira.html>. Acesso em: 02 jun. 2012) 39. Atente-se, nesse sentido, aos “mandados constitucionais de penalização” (FELDENS, Luciano. A Constituição Penal. A dupla face da proporcionalidade no controle de normas penais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005). 40. ALBUQUERQUE, Marcelo Schirmer. A garantia de não auto-incriminação: extensão e limites. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 99-101. 41. “As restrições ao nemo tenetur se detegere que implicarem intervenção corporal no acusado deverão ser determinadas por decisão judicial, devidamente motivada; nas demais, que não dependerem de intervenção corporal no acusado, o controle jurisdicional poderá ser efetuado a posteriori. [...] Com relação às provas produzidas com a cooperação do acusado, mas sem intervenção corporal, poderão ser determinadas pela autoridade policial ou pela autoridade judiciária, mesmo sem o consentimento do acusado, desde que impliquem apenas colaboração passiva deste.” (QUEIJO, Maria Elizabeth. O direito de não produzir prova contra si mesmo. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 225) 42. ALBUQUERQUE, Marcelo Schirmer. A garantia de não auto-incriminação: extensão e limites. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 108-111. 43. Posição defendida por Marcelo Schirmer Albuquerque, que se considera a mais adequada. Maria Elizabeth Queijo, porém, entende que o consentimento do acusado seria necessário, o que na prática inviabilizaria a realização de medidas em casos nos quais estaria ausente qualquer risco à saúde e à integridade física do acusado: “Com relação às provas produzidas mediante intervenção corporal invasiva, somente deverão ser realizadas com o consentimento do acusado, mediante prévio controle jurisdicional sobre a proporcionalidade da medida, frisando-se que a autorização judicial não poderá suprir tal consentimento” (QUEIJO, Maria Elizabeth. O direito de não produzir prova contra si mesmo. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 226). 44. Para maior aprofundamento, convém analisar as seguintes obras: QUEIJO, Maria Elizabeth. O direito de não produzir prova contra si mesmo. São Paulo: Saraiva, 2003; ALBUQUERQUE, Marcelo Schirmer. A garantia de não auto-incriminação: extensão e limites. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 116 e ss. 45. “A regra é que a acusação deve buscar provas que não dependam da colaboração do acusado para demonstrar os fatos. Somente por exceção se pode pretender que este coopere na produção de provas que possam incriminá-lo.” (QUEIJO, Maria Elizabeth. O direito de não produzir prova contra si mesmo. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 224) 46. Exemplo dessa exigência proporcional de gravidade mínima do delito, em contraste com a gravosidade da intervenção probatória, é dado pela Lei n° 9.296/96 (art. 2º, inciso III), que exige pena mínima de reclusão do delito investigado para que possa ser deferida a interceptação telefônica (que não cabe, por não ser proporcional, em delitos sujeitos a mera detenção).
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Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023:2002/ABNT): |
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