Como responsabilizar os autores de crimes ambientais organizados transnacionais?

Autora: Rafaela Santos Martins da Rosa

Juíza Federal Substituta, Mestranda em Direito e Jurisdição pela Univali e em Direito e Sustentabilidade Ambiental pela Universidade de Alicante, Espanha

 publicado em 18.12.2013



Resumo

Este artigo examina os fundamentos para a devida responsabilização penal dos autores de crimes ambientais organizados transnacionais. Para tanto, verifica o atual estágio de maturação do conceito de sustentabilidade, especialmente sua crescente densidade normativa. Levanta como hipótese possível a consideração da sustentabilidade ambiental como bem jurídico tutelado pelos crimes ambientais. Analisa se as ordens normativas já teriam acolhido essa proposição e aponta argumentos favoráveis ao acolhimento da hipótese. Reforça a exigência de legitimidade entre o direito penal e a norma constitucional. Por último, refuta a possibilidade de consideração dos crimes ambientais como delitos de lesa-humanidade.

Palavras-chave: Crimes ambientais organizados transnacionais. Sustentabilidade. Bem jurídico penal.

Sumário: Introdução. 1 Meio ambiente e direito. Direito penal ambiental e direito penal ambiental internacional. 1.1 Do desenvolvimento sustentável à sustentabilidade. 1.2 Sustentabilidade ambiental e direito penal. 2 A inafastável exigência de legitimidade (formal e material) de uma norma penal com pretensão de aplicabilidade, conexa ou independente ao território de um Estado, e a necessária identificação de um bem jurídico comum pelos direitos penais dos Estados implicados. 2.1 Direito penal ambiental brasileiro. 2.2 Direito penal ambiental internacional. 3 A possibilidade de se considerar os crimes ambientais transnacionais como crimes de lesa-humanidade. Considerações finais. Referências.

Introdução

O presente estudo se propõe a examinar os caminhos possíveis para a responsabilização penal dos autores de crimes ambientais organizados transnacionais.

Parte-se de um problema concreto que, ao longo do texto, se intentará responder: verificado o cometimento de um crime ambiental por estrutura criminosa organizada(1) (o abatimento de tubarões no litoral do Atlântico sul-americano,(2)-(3) a extração de suas barbatanas e a revenda delas em países como China, Hong Kong e Japão, por exemplo),(4) ocorrendo ação e resultados delitivos em mais de um território de Estado, ou mesmo em áreas consideradas sem jurisdição de qualquer Estado, caso das águas internacionais, como deverá ocorrer a responsabilização penal dos autores do ilícito?

Embora, a princípio, pareça tratar-se da verificação simples de regras de direito penal previstas nos ordenamentos dos Estados envolvidos, concernentes à jurisdição e à aplicação da lei penal no espaço, entende-se que uma série de questões subjazem a assertiva proposta: 1) Uma vez reconhecida a transnacionalidade do ilícito, em face da ocorrência de danos ao meio ambiente que se estendem pelos territórios de mais de um Estado, ou que atingem áreas não compreendidas como pertencentes a qualquer Estado, haveria um interesse supraestatal e, portanto, transnacional de responsabilizar os autores correspondentes e de recuperar o(s) ecossistema(s) afetado(s)?(5) 2) A existência do interesse apontado poderia ser resultado da identificação ou do reconhecimento da proteção da sustentabilidade do meio ambiente como algo próximo de um bem jurídico penal universal? 3) Sob qual normativa, então, se legitimaria uma atuação de direito penal ambiental além dos Estados, uma vez ausente ordem jurídica similar à de uma Constituição de contornos mundiais? Haveria uma congruência de tutela do bem jurídico sustentabilidade ambiental nos ordenamentos envolvidos que legitimasse (constitucionalmente?) a apreciação do caso por um órgão judiciário penal transnacional? Existiria tal órgão judiciário? Seria adequado criá-lo,(6) e haveria fundamentos suficientes para tanto? Ademais, partindo-se de movimentos já em curso, seria possível atalhar uma via protetiva, reconhecendo-se desde logo os crimes ambientais organizados transnacionais como crimes de lesa-humanidade, com força de ius cogens, e, portanto, submetê-los diretamente à competência e à jurisdição do Tribunal Penal Internacional, órgão já em funcionamento?

Para responder a essas perguntas, as quais, a rigor, representam o mote principal de abordagem do presente estudo, inicialmente é fundamental perquirir sobre o estágio de maturação do conceito de sustentabilidade ambiental.

1 Meio ambiente e direito. Direito penal ambiental e direito penal ambiental internacional

Onde atualmente se situa a proteção do meio ambiente pelo direito e, especificamente, pelo direito penal ambiental internacional?

1.1 Do desenvolvimento sustentável à sustentabilidade

Refletir sobre a forma pela qual a comunidade mundial entende deva dar-se a proteção do meio ambiente via direito implica, necessariamente, um exame das pactuações já encetadas a respeito do tema.

Nessa seara, a análise do teor dos tratados e das convenções celebradas de forma bilateral ou multilateral pelos Estados no plano do direito ambiental internacional revela uma ausência de prevalência entre posições enquadradas como antropocêntricas, que defendem a proteção do meio ambiente na medida em que é relevante aos interesses de manutenção das condições de vida do ser humano, e entendimentos ecocêntricos, que dão ao meio ambiente valor próprio merecedor de tutela pelo direito, independentemente do valor que possua para os homens.

Em razão dessa incongruência, o Professor Marcelo Dias Varella já chegou a sugerir(7) uma análise antropológica de sociedades complexas, hábil a demonstrar os interesses dos Estados em cada Convenção Internacional, para tentar demonstrar se haveria uma lógica subjacente a cada importante tratado. A rigor, parecem carecer de coerência os pactos ambientais internacionais, quando analisados conjuntamente.

Como então extrair, pelo menos a partir da leitura dos acordos internacionais em matéria ambiental, firmados pelos Estados, teoricamente como representantes dos interesses de seus correspondentes nacionais, a concepção que a sociedade mundial complexa da atualidade tem a respeito do fundamento que motiva a proteção do meio ambiente pelo direito?

Vê-se que ocorreram, de forma concomitante, proteções episódicas, centradas em uma determinada espécie da fauna ou da flora, por exemplo, ao mesmo tempo em que, com a tomada de consciência(8)-(9) do vínculo entre todos os recursos vivos e suas inter-relações, bem assim quanto à potencial extensão transfronteiriça dos danos ambientais,(10) foram pactuadas proteções com pretensões bem maiores de afetação, sem relação obrigatória de parametricidade com os limites dos territórios dos Estados (de tutela da higidez de toda a atmosfera, por exemplo).

A rigor, o incremento científico(11) sobre o grau de inter-relação entre todos os sistemas vivos,(12) acompanhado paralelamente de um aprimoramento por parte das ciências, tanto exatas(13) quanto humanas, incluindo-se a sociologia, a filosofia e o direito, demonstraram que, ainda que cercadas de boas intenções, preocupações e tutelas ambientais fragmentárias(14) e compartimentadas(15) não correspondiam à realidade do meio ambiente,(16) tanto físico/natural quanto interpessoal.

Portanto, entende-se que a pergunta ora por responder é: dada tal consciência,(17) o que se busca proteger, via direito, nas normas ambientais?(18) O que significa para os homens, hoje, uma lesão aos recursos naturais?

A visão que parece prevalecer, e que se consegue extrair da análise evolutiva das grandes conferências ambientais mundiais (Estocolmo, Joanesburgo, Rio 92,(19) Copenhague e Rio novamente), bem como dos tratados mais relevantes já pactuados, é a de que os Estados consideram que o direito ambiental está vocacionado a tutelar os mecanismos que garantem a manutenção das condições de vida para todos os que habitam a Terra, vida essa na forma em que conhecemos.(20) Há uma busca de consenso quanto à importância de conciliação da sadia qualidade de vida humana no planeta com a permissão de desenvolvimento pleno dos homens, de suas capacidades e habilidades, concomitantemente à conservação dos recursos naturais.(21)

Houve, felizmente, uma gradual percepção de que, para além da proteção de uma ou outra espécie ou valor ambiental individual, ou de radicalismos de movimentos como o deep ecology, era preciso garantir, também pelo direito, uma ambiência sadia a todos os seres que habitam o planeta, um bem-estar presente, que possa ser duradouro, atingindo as gerações futuras.(22) Corretamente empregado, é o que propõe o multicitado conceito de sustentabilidade (que se prefere ao de desenvolvimento sustentável).

O economista polonês Ignacy Sachs,(23) a quem muitos atribuem a autorica do termo desenvolvimento sustentável, tem reforçado em seus textos que se deve ter uma visão holística dos problemas da sociedade, não se restringindo apenas à gestão dos recursos naturais. Ressalta a exigência de reflexões bem mais profundas,(24) que visem a uma verdadeira metamorfose do modelo civilizatório atual.

Na mesma linha, o professor Juarez Freitas nos esclarece que a sustentabilidade é pluridimensional, demandando inteligência sistêmica e busca de um equilíbrio ecológico em sentido amplo:

“É, cognitiva e axiologicamente, diretiva relacionada ao desenvolvimento material e imaterial (no sentido de não adstrita à satisfação das necessidades básicas). Sem dúvida, se encarada exclusivamente como material, desemboca naquele trágico e irresponsável crescimento orientado pelo paradigma da insaciabilidade predatória e plutocrática. Em contrapartida, se não for também material, perde-se nas nuvens.”(25)

Ambos os autores confirmam que o que definitivamente já se teria comprovado equivocado seria a associação da ideia de desenvolvimento(26) com a de crescimento econômico pura e simplesmente.(27) Haveria um consenso de que um Estado ou conjunto de Estados pode vir a crescer economicamente (elevando seu Produto Interno Bruto, baliza do crescimento econômico) à custa de trabalho escravo, marginalização social e devastação ambiental (sobram exemplos), mas que isso com certeza não é desenvolvimento, na medida em que não garante o respeito ao valor da sustentabilidade, em todas as suas dimensões.

Desenvolver passa a implicar, necessariamente, desenvolver novos valores(28) – ou retomar antigos(29) –, no sentido de reposicionar os bens materiais em seu devido lugar, na posição de simples meios para realização das atividades humanas, e não de fins, de metas a serem buscadas. Desenvolver é também uma tomada de consciência de que a realização do bem-estar não virá com a garrafa de refrigerante, com o telefone de última geração, com mais, mais e mais bens.

De outra parte, esclarece Zenildo Bodnar que, a contar de Joanesburgo, o termo sustentabilidade teria ganhado autonomia semântica frente à usual conjugação com a expressão “desenvolvimento”. Refere que nessa conferência restaram consagradas, além da dimensão global, as perspectivas ecológica, social e econômica como qualificadoras de qualquer projeto de desenvolvimento, bem como a certeza de que, sem justiça social, não seria possível alcançar um meio ambiente sadio e equilibrado na sua perspectiva ampla.(30)

Ora, desde que a escolha da expressão “desenvolvimento”, agregada ao termo “sustentável”, não implique, em qualquer esfera de atuação, a obrigatoriedade de prevalência do crescimento (notadamente de viés econômico) em detrimento das demais condicionantes imbricadas, incluindo-se o bem-estar social, conforme bem pontua o Professor Gabriel Real Ferrer,(31) e que o verbo “desenvolver”, ademais, assuma definitivamente outra conotação, indicando uma evolução da própria escala de valores das comunidades, não haveria necessidade de reformar as normativas que aludem ao conceito de “desenvolvimento sustentável”, caso já assimilada a ideia de sustentabilidade que subjaz em seu lugar.

Na maturação do conceito de sustentabilidade, a propósito, foram identificadas e explicitadas suas respectivas dimensões. Com uma ou outra variação de abrangência, há consenso quanto à existência das dimensões social, econômica e ambiental ou ecológica, todas imbuídas na noção de sustentabilidade. Recentemente, há autores que vislumbram dimensões distintas no conceito, tais como a tecnológica (Gabriel Real Ferrer, Zenildo Bodnar), a ética e a jurídico-política (Juarez Freitas).

A rigor, assiste razão a Gomes Canotilho(32) quando pondera que a sustentabilidade é um princípio aberto, que carece de concretização conformadora e que não transportará soluções prontas, vivendo, ao revés, de ponderações e de decisões problemáticas.

Quanto à dimensão ambiental da sustentabilidade, pontua Ignacy Sachs que nela se inclui a necessidade do desenvolvimento de ferramentas que viabilizem a manutenção da produção dos meios necessários ao bem-estar humano, sem decréscimo quantitativo e qualitativo dos recursos naturais. Ademais, a dimensão ambiental da sustentabilidade exigiria também a criação de normas para uma adequada proteção ambiental, desenhando a máquina institucional e selecionando o composto de instrumentos econômicos, legais e administrativos necessários para o seu cumprimento.

Logo, encartada na dimensão ambiental do conceito de sustentabilidade,(33) entende-se que necessariamente está a exigência de conformação do direito com esse novo querer da sociedade.

O passo seguinte diz com a assimilação, portanto, da sustentabilidade ambiental como condicionante jurídico-política,(34) no sentido de que ela passe a integrar os ordenamentos jurídicos, com estatura de bem protegido juridicamente, para que se possa exigir, inclusive, que paute as escolhas políticas dos governantes e jurídicas dos legisladores e aplicadores das leis. Sintetizando, a sustentabilidade ambiental deve, necessariamente, adquirir densidade normativa.

Nessa perspectiva, grandes avanços igualmente já ocorreram. A quase totalidade das Constituições dos Estados, a contar de Estocolmo, ainda que sob diferentes enfoques (desde uma “obrigação dos Estados”, passando por um “direito e dever” dos indivíduos), dedicou-se ao reconhecimento da proteção do meio ambiente como valor constitucional. Os constituintes foram além, e, nas cartas recentemente promulgadas ou reformadas, a exigência de atendimento à sustentabilidade ou ao desenvolvimento sustentável e o respeito aos direitos das futuras gerações são constantes, senão vejamos: a) a Constituição francesa de 2005 (artigos 1 a 10); b) a Constituição suíça, revisada entre 1998 e 1999 (artigo 73); c) a Lei Fundamental alemã, revisada em 1994 (artigo 20a); d) a Constituição argentina, reformada em 1994 (artigo 41); e) a Constituição do Uruguai, reformada em 1996 (artigo 47); f) a Constituição de El Salvador, reformada em 2000 (artigo 117); g) a Constituição da Colômbia, reformada em 1991 e sucessivamente (artigo 80); h) a Constituição da Guatemala, reformada em 1993 (artigo 97); i) a Constituição portuguesa, reformada no ponto após a revisão de 1997 (artigo 81); j) a nova Constituição da Venezuela, promulgada em 1999 (artigo 127); l) a Constituição da Bolívia (artigo 33); m) a Constituição brasileira de 1988 (principalmente no artigo 225), entre outras.

Alusões ao respeito do princípio constitucional do desenvolvimento sustentável já passaram a pautar, inclusive, pronunciamentos judiciais pátrios:

“O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações.”(35)

1.2 Sustentabilidade ambiental e direito penal

Então, um passo a seguir, na tentativa de solver o problema inicialmente proposto, é perguntar se esse princípio ou valor constitucionalmente albergado, a sustentabilidade ambiental, poderia ser, igualmente, o fundamento motriz da proteção do meio ambiente pelo direito penal e, mais, pelo direito penal internacional.

Acredita-se que sim.

Acredita-se, inclusive, que finalmente pode-se ter conseguido precisar qual seja o bem jurídico por detrás das normas penais ambientais: a sustentabilidade ambiental.(36)

Veja-se que, na maioria dos ordenamentos em que está implantado, o direito penal ambiental, desde seu advento, foi alvo de duras e fundadas críticas por parte da doutrina,(37) que muitas vezes associou o surgimento de normas penais ambientais a manobras de cunho meramente político e simbólico, incluídas em balaios de política criminal direcionados a outros focos de criminalização, notadamente a econômica e a organizada transnacional de outros bens (drogas, armas e pessoas, por exemplo). Uma série de afrontas ao que seriam standards da teoria geral do delito (a responsabilidade penal limitada às pessoas físicas, a exigência de culpabilidade, bem assim a criminalização de condutas que importavam apenas na exposição abstrata de perigo do bem) foi apontada, antevendo os hoje sabidos déficits de eficácia dessas normas.

Sem nenhum receio, pode-se afirmar que o direito penal ambiental, nos moldes em que foi concebido, fracassou(38) em sua missão protetiva.

Na prática, por exemplo, corrente nos Tribunais brasileiros que apreciam crimes ambientais, o que ocorre é uma sucessão de procedimentos de cunho administrativo: as condutas autuadas pela fiscalização ambiental são denunciadas penalmente, mas prontamente enquadradas como delitos de menor potencial ofensivo, porquanto tipificadas em disposições atinentes à competência dos Juizados Criminais, ocorrendo um processo criminal abreviado, em que são inadmissíveis medidas investigatórias mais invasivas. As ações culminam com a incidência de mecanismos como a suspensão condicional do processo, ou na forma de um balcão de negociações, via transação criminal.(39) As raríssimas condenações penais com trânsito em julgado importam na aplicação de sanções restritivas de direitos, notadamente no pagamento de multas em pecúnia. As reparações dos danos ambientais acabam tendo que ser postuladas em ações cíveis posteriores, quando é verificado o descumprimento injustificável dessa obrigação, que usualmente integrara as condições para algum acordo ainda no foro criminal.

Afora isso, teorias criadas para solver questões de outras espécies de delito, caso típico do princípio da bagatela, originário dos pequenos furtos no pós-guerra do Estado alemão, são importadas e adaptadas, sem mais, para as particularidades da criminalidade ambiental, resultando em inúmeros pronunciamentos judiciais de absolvição pela atipicidade da conduta, então rotulada de ambientalmente insignificante.(40)-(41)

O Tribunal Supremo Espanhol, em sua Sala Penal, por sua vez, reiteradamente nega tipicidade penal às condutas atentatórias ao meio ambiente quando verificada apenas a exposição a perigo (abstrato) do bem ambiental. Reforça, inclusive, a necessidade de ponderação, para fins de reconhecimento da tipicidade penal, da dificuldade para o restabelecimento do que chama de equilíbrio dos sistemas concretamente afetados pela conduta sob julgamento:

“(...) Una última consideración. Siguiendo la doctrina de esta Sala del Tribunal Supremo, el Tribunal de instancia analiza en la fundamentación jurídica de la sentencia este elemento del tipo y razona que como la idea de peligro se basa en dos notas fundamentales, probabilidad y carácter negativo del eventual resultado, la gravedad se habrá de deducir de ambos elementos conjuntamente, lo que significa negar la tipicidad en los casos de resultados solo posibles o remotamente probables, así como de aquellos que, de llegar a producirse, afectasen de manera insignificante al bien jurídico. Dicha valoración podrá atender fundamentalmente a la magnitud de la conducta en relación con el espacio en el que se desarrolla, intensidad, reiteración, prolongación en el tiempo, dificultad para el restablecimiento del equilibrio de los sistemas, etc. para concluir que en el caso examinado, tales premisas avalan la gravedad del riesgo para el ecosistema producido por la actuación del acusado.”(42)

Urge, portanto, ajustar o foco do direito penal ambiental.

Um começo necessário, pensa-se, seria o quanto antes admitir que o interesse que se quer protegido pela norma penal ambiental, ao tipificar como ilícita determinada conduta, não é o meio ambiente, genericamente considerado, tampouco o objeto diretamente lesado ou exposto a perigo (exemplares da fauna ou da flora, por exemplo), mas sim a sustentabilidade ambiental da conduta especificamente praticada, isto é, se ela pode ser cometida sem afetar o equilíbrio do ecossistema em que está inserida.(43) Será insustentável ambientalmente toda a conduta hábil a macular essa equação. E, apenas para essas condutas, seria legítimo lançar-se mão do direito penal.(44)

O reconhecimento da sustentabilidade ambiental como bem jurídico a ser protegido pelo direito penal ambiental permite que haja uma intervenção de índole penal apenas em face das condutas ilícitas ambientalmente insustentáveis, porque concretamente afetaram o interesse protegido pela norma: o equilíbrio dinâmico da inter-relação homem-natureza.

É claro que o simples ato de cortar uma única árvore lesa diretamente a flora e o meio ambiente, podendo materializar, no plano formal, uma ação prevista na norma penal de um determinado ordenamento jurídico. Contudo, e nisso reside a diferença em se identificar, na noção de sustentabilidade ambiental, o bem jurídico penal nos crimes ambientais, a tipicidade material do ilícito penal ambiental exigirá que a conduta prevista na norma e verificada em concreto seja, por si só, ambientalmente insustentável.

Sabe-se que a Constituição brasileira, por exemplo, exigiu a adoção de estratégias antecipatórias ao dano ambiental, hábeis a garantir o respeito a princípios como os da prevenção e da precaução, já mundialmente consagrados em matéria ambiental. Contudo, apenas associou a responsabilidade penal dos infratores no artigo 225 de seu texto, parágrafo 3º, quando cometidas condutas efetivamente “lesivas ao meio ambiente”, com a responsabilização dos infratores pelos danos “causados”. Dessa forma, é evidente que as responsabilidades civil e administrativa foram admitidas pelo constituinte como vias adequadas de responsabilização para as hipóteses de mera exposição a risco (abstrato ou concreto) do bem ambiental tutelado, resguardando-se a responsabilização criminal para quando é efetivamente danificado o equilíbrio ambiental.

Assim, seria então possível separar aquelas ações que não são hábeis, isoladamente consideradas,(45) a macular o interesse protegido pela norma penal ambiental. Para essas condutas, aquilo que autores como Hassemer, representante expoente da chamada Escola de Frankfurt, há muito propõem em seus textos como direito de intervenção – situando-o entre o direito administrativo e o direito penal – poderia erguer-se como uma via adequada, a se construir, de responsabilização.

O direito penal ambiental, já rotulado de secundário (Fábio d’Ávila), assim como o direito penal “primário ou clássico”, guardaria então a devida relação de pertinência exclusivamente com a conduta imputada, com o exame da ação ou da omissão penalmente relevantes. Retoma-se, igualmente, o respeito a consagrados princípios constitucionais, caso da lesividade e da ofensividade.

Assumindo-se essa postura teórica, será que a condição de crimes ambientais seria totalmente esvaziada? Certamente que não.

Com essa rotulagem, entende-se, restariam justamente os crimes ambientais organizados (caso do exemplo invocado), responsáveis verdadeiros pelo abalo da sustentabilidade ambiental, boa parte deles perpetrada por estruturas criminosas que formam redes transnacionais, por exemplo, de remessa de lixo tóxico e/ou hospitalar, de países como Estados Unidos, Alemanha, Espanha, entre outros, para países subdesenvolvidos, com empresas fantasmas sediadas em países distintos do destinatário e do receptor, mercado negro que movimenta cifras absurdas anualmente. Sem esquecer o comércio ilegal de espécimes da fauna, a biopirataria e a extração e o comércio ilícitos de madeira, este último apontado como típico crime organizado no recente Relatório “Carbono limpo, negócio sujo”, elaborado pela Interpol e pelo Pnuma e publicado em setembro de 2012.

O citado relatório, aliás, é categórico ao pontuar que:

“Portanto, reforçar a colaboração internacional em matéria de leis ambientais e sua aplicação deixou de ser uma opção. É a única resposta possível para lutar contra uma ameaça internacional organizada aos recursos naturais, a sustentabilidade do meio ambiente e os esforços para retirar milhões de pessoas da pobreza.”(46)

Guardar-se-ia a ultima ratio do direito penal justamente para a prevenção e a repressão dessas condutas, assim como todo o aparato investigatório correspondente.

Pois bem, e, para reconhecer que a sustentabilidade na dimensão ambiental é o bem jurídico a ser tutelado pelo direito penal, seja no âmbito do direito penal pátrio, seja no do direito alienígena, o que faltaria?

Poder-se-ia prescindir de uma correspondente normatização desse conceito nas ordens jurídicas correspondentes?

2 A inafastável exigência de legitimidade (formal e material) de uma norma penal com pretensão de aplicabilidade, conexa ou independente ao território de um Estado, e a necessária identificação de um bem jurídico comum pelos direitos penais dos Estados implicados

A noção de bem jurídico(47) é especialmente cara ao direito penal. É o seu núcleo duro.(48) Independentemente de uma revisão histórica do conceito, das teorias correspondentes e das influências,(49) importa pontuar que a relevância da noção de bem jurídico penal está justamente no fato de que ele representa a realidade de um tempo de vida, da visão de mundo que a sociedade possui em determinado momento e espaço, a qual é transposta para a escolha dos interesses por proteger.(50)

Isso demonstra que assiste razão a Ferrajoli quando afirma que, a rigor, não existe um conceito ontológico de bem jurídico,(51) orientando-se a ciência penal na busca de definições quanto aos bens que mereceriam tal rótulo. O conceito de bem jurídico, portanto, seria uma construção humana, mais do que isso, uma construção do direito, logo, não estática, mutável e de ínsito caráter evolutivo.

Nesse sentido, não se poderia exigir dos penalistas do século XIX, por exemplo, qualquer espécie de preocupação com o esgotamento dos recursos hídricos, ou mesmo com o aquecimento global, noções fornecidas pelas ciências após a formulação da doutrina penal da época, assim como seria impensável reprimir os civilistas que não se apercebiam da existência de direitos supraindividuais, ou mesmo da pretensão de tutela dos direitos subjetivos das gerações futuras.

Fenômeno similar, acredita-se, deverá ocorrer com o amadurecimento do conceito de sustentabilidade ambiental como bem jurídico penal.

Não obstante, é forçoso reconhecer que há muito já se consolidou doutrinariamente a noção de que a referência normativa última de um bem jurídico penal deverá ser a norma constitucional que lhe legitima.

2.1 Direito penal ambiental brasileiro

Em termos de ordem jurídica brasileira, há autores que afirmam que a sustentabilidade, em todas as suas dimensões, já figuraria na Constituição Federal de 1988. Nesse sentido, leciona o Professor Juarez Freitas que

“Sustentabilidade, no sistema brasileiro, é, entre valores, um valor de estatura constitucional. Mais: é ‘valor supremo’, acolhida a leitura da Carta endereçada à produção de homeostase biológica e social de longa duração.

Fácil justificar: no preâmbulo da Constituição, o desenvolvimento aparece como um dos ‘valores supremos’. Qual desenvolvimento? Não pode ser aquele da visão antropocêntrica soberba e degradante da natureza, nem o da insensibilidade característica das relações parasitárias e predatórias. É o desenvolvimento sustentável ou, como se prefere, a sustentabilidade que surge como um dos valores supremos. Bem observadas as coisas, a carga axiológica impregna o desenvolvimento desde o início. Do art. 3º, II, da CF, emerge o desenvolvimento, moldado pela sustentabilidade (não o contrário), como um dos objetivos fundamentais da República, incompatível com qualquer outro modelo inconsequente de progresso material ilimitado que, às vezes, por sua disparatada injustiça ambiental e social, ostenta tudo, menos densidade ética mínima...

Ademais, o conceito de desenvolvimento incorpora o sentido de sustentabilidade por força da incidência de outros dispositivos constitucionais, tais como, para ilustrar, o art. 174, parágrafo primeiro (planejamento do desenvolvimento equilibrado), o art. 192 (sistema financeiro tem que promover o desenvolvimento que serve aos interesses da coletividade), o art. 205 (vinculado ao pleno desenvolvimento da pessoa), o art. 218 (desenvolvimento científico e tecnológico, com o dever implícito de observar os ecológicos limites) e o art. 219 (segundo o qual será incentivado o desenvolvimento cultural e socioeconômico, o bem-estar e a autonomia tecnológica). Em sinergia com esses dispositivos, consta, no art. 170, VI, da Carta, a consagração expressa da defesa do ambiente, como princípio de regência da atividade econômica, a requerer o tratamento diferenciado, conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços...

Pelos motivos expostos, o desenvolvimento, entendido como um dos valores constitucionais supremos, somente se esclarece, interna e externamente, se conjugado à sustentabilidade, multidimensional. Afigura-se irretorquível a assertiva, ou de difícil refutação, mormente quando se completa o quadro com a alusão ao art. 225 da CF, de acordo com o qual todos têm direito ao ambiente equilibrado como bem de uso comum do povo, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”(52)

De fato, o constituinte brasileiro, quiçá de forma inédita, associou, em seu artigo 225, o direito de todos ao meio ambiente sadio e equilibrado, reconhecido como bem de uso comum do povo, e a responsabilização criminal dos autores de condutas hábeis a abalar esse equilíbrio, hábeis a abalar a sustentabilidade ambiental.

No plano teórico, o enunciado mostra que houve uma escolha constitucional pela proteção desse bem jurídico, devendo todo o aparato legal infraconstitucional e a correspondente atuação judiciária igualmente pautar-se por essa premissa.

2.2 Direito penal ambiental internacional

O cenário no plano do direito penal internacional é, ainda, deveras distinto.
Nesse caminho, segundo adverte Ricardo Alves de Lima,(53) “até que ponto a referência constitucional ultrapassa sua imperiosa estrutura formal, para legitimar, pela sua transcendência material que emerge em um contexto internacional, a escolha de bens jurídicos e sua tutela penal?”.

Como se viu, as Constituições da maioria dos Estados já conferiram assento ao princípio da sustentabilidade e/ou do desenvolvimento sustentável. As declarações resultantes das mais recentes conferências ambientais mundiais igualmente contemplam a exigência de atendimento ao princípio. O que ainda não se verifica, contudo, principalmente nos textos constitucionais, é a associação entre o princípio da sustentabilidade, em sua dimensão ambiental, e a autorização para o manuseio do direito penal na responsabilização dos autores de ilícitos ambientais.

E seria possível prescindir dessa substancial constitucionalidade?

A rigor, não.

Isso porque, depois que se consegue desvelar e compreender, ainda que minimamente, as proposições que implicam uma visão funcional-sistêmica dos sistemas sociais, incluindo-se o político e o jurídico, sabe-se que o papel de uma Constituição em sentido moderno será, invariavelmente, o de servir como fonte de legitimidade, vinculação e diálogo desses sistemas. Logo, é um comportamento, no mínimo, omissivo e ingênuo não procurar respostas que consigam dar a necessária coerência teórico-dogmática para a matéria. Quando se aceita de bom grado que Constituição é um termo com sentido preciso, que conjuga os sistemas político e jurídico de uma determinada comunidade, sendo ela a fonte última de legitimidade, tanto formal quanto material, de todo o ordenamento normativo correspondente,(54) resulta impensável cogitar que possa um sistema legal, portanto, infraconstitucional, caso de uma norma que defina tipos penais, não guardar relação com a vontade expressada por seu constituinte.

Conforme leciona Mário Ferreira Monte:

“(...) existe, por isso, uma analogia substancial entre a ordem axiológica-constitucional e a ordem legal dos bens jurídicos tutelados pelo Direito Penal (Figueiredo Dias) ou uma substancial constitucionalidade do Direito Penal nos termos acabados de expor; então, qualquer tentativa de superação da ordem interna punitiva há de passar também pela superação da ordem constitucional de cada Estado. Do mesmo modo que a harmonização ou unificação das normas penais europeias terá que passar sempre, em grande medida, pela harmonização constitucional.”(55)

Idêntico o pensamento de Faria Costa:

“(...) a Constituição constitui-se como um quadro referencial obrigatório da atividade punitiva. São os bens jurídicos, portanto, muito especialmente quando atraídos pela nota da fundamentalidade, a realidade prático-normativa que estabelece as pontes de vinculação entre a Constituição e o Direito Penal.”(56)

Dessa forma, se a sustentabilidade ambiental é um bem jurídico, mais, um bem jurídico transnacional, porque anseia a sociedade mundial protegê-lo, porque lhe reconhece tal valor e importância fulcral, deve legitimar-se como tal normativamente, sob pena de inviabilizar a própria legitimidade de uma atuação judiciária de índole penal transnacional, que certamente teria de enfrentar alegações de violação a princípios aplicáveis ao direito penal e de longa data consagrados, os quais, infelizmente, não seriam superados.(57) O apelo ao direito penal seguiria resultando em respostas não tão claras.(58) Fenômeno similar ocorre com o direito penal ambiental no âmbito dos Estados, indicando a fidelidade da ciência criminal a seus princípios.(59)

Em termos de sociedade mundial, sabe-se, não há por ora qualquer ordenamento normativo que possa funcionalmente equivaler a um texto constitucional de espectro planetário,(60) o qual pudesse, em seu teor, legitimar uma norma penal ambiental transnacional, bem como uma atuação judiciária transnacional, independente dos Estados.(61)

De outra parte, para que já se pudesse cogitar a materialização de uma normatização comum entre os ordenamentos, hábil a permitir discussões quanto à emergência de um princípio de caráter universal (situação dos crimes contra a dignidade humana), transcendente aos sistemas penais nacionais, ao menos já se deveria ter superado a compatibilização das ordens jurídicas estatais no ponto, ou seja, no reconhecimento da sustentabilidade ambiental como bem jurídico penal transnacional.(62)

Portanto, a sustentabilidade ambiental como bem jurídico tutelado pelo direito penal, com guarida em ordem constitucional, ainda é um projeto em construção, seja em termos de ordenamento jurídico brasileiro, em que já há indícios dessa tomada de posição, seja no que concerne a um direito penal de índole transnacional.

Consequentemente, por ora, quando se pretende uma responsabilização criminal dos autores de um delito ambiental organizado transnacional, caso do exemplo citado, ela invariavelmente ocorrerá ainda em sede de direito penal estatal. Iniciativas de criação de cortes penais internacionais para o julgamento de crimes ambientais proliferam,(63) mas deveriam necessariamente enfrentar o déficit de legitimação apontado.

3 A possibilidade de se considerar os crimes ambientais transnacionais como crimes de lesa-humanidade

A sustentabilidade na dimensão ambiental já encerra em si um conceito que corretamente consegue correlacionar homem e natureza e que define que a proteção do equilíbrio dessa relação é justamente o que deve ser buscado. Avançar e reconhecer que o uso do direito, incluindo o direito penal, como ferramenta para essa manutenção é necessário, adequado e proporcional importa em salto dogmático tremendo, o qual, espera-se, deva ser confirmado normativamente e na práxis dos Tribunais.

Assim estruturado e sob esse fundamento, o direito penal ambiental, também em uma dimensão transnacional, certamente poderia instituir-se e vocacionar-se à repressão dos crimes ambientais cometidos por organizações criminosas, porquanto tais crimes, via de regra, produzem efeitos que transcendem aos limites dos territórios estatais e revelam-se delitos violadores das condições ambientais que permitem a vida humana na forma em que a conhecemos. Agridem o equílibrio ambiental, a exigência de uma situação de não colapso.

Indiretamente, porque afetam a sustentabilidade ambiental, é evidente que os delitos ambientais acabam por afetar os seres humanos, e mesmo a comunhão de todas as sociedades. Mas a lesão aí será sempre indireta. É porque a sustentabilidade ambiental foi afetada que, dependendo a manutenção das condições da vida humana do meio ambiente, restarão violadas as condições que permitem o bem-estar humano.

Ao que tudo indica, e aqui se procurou apontar, a sustentabilidade ambiental caminha para consolidar-se como princípio de estatura constitucional na maioria dos ordenamentos jurídicos. Na ordem constitucional brasileira, inclusive, já é possível fixar uma correlação entre a sustentabilidade ambiental e a responsabilização penal dos infratores ambientais, permitindo erigir à condição de bem jurídico penal, constitucionalmente tutelado, a sustentabilidade do meio ambiente. Espera-se que o quadro normativo nos demais ordenamentos igualmente evolua nesse sentido. O direito penal ambiental certamente encontraria sua razão de existir.

Por tais razões, não há como qualificar senão como uma confusão infrutífera a pretensão de se enquadrar os crimes ambientais mais graves (entre os quais estariam incluídas as práticas delituosas cometidas por organizações criminosas transnacionais) em crimes de lesa-humanidade.(64)-(65)-(66)

A definição do que sejam crimes contra a humanidade – ou crimes de lesa-humanidade – remonta aos Princípios de Nuremberg, aprovados pela ONU ainda na década de 1950, que contam, no plano internacional, com o status de ius cogens (direito imperativo). A natureza de ius cogens reconhecida aos crimes contra a dignidade da pessoa humana pode até mesmo justificar a alegação de uma jurisdição universal, viabilizando processo e julgamento de crime em local distinto de seu cometimento.

Ainda em 1950 já eram elencados os elementos que compunham a definição dos crimes contra a humanidade, sendo eles: 1) atos desumanos; 2) contra a população civil; e 3) em um ambiente hostil de conflito generalizado (durante uma guerra ou outro conflito armado). Em sequência, veio a ser amplamente aceito pelos tribunais penais internacionais e pelos tratados internacionais o elemento da generalidade ou sistematicidade dos atos desumanos. Assim constam, por exemplo, nos Estatutos do Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia, para Ruanda e para Serra Leoa.(67)

A construção e a sistematização do conceito de crimes contra a humanidade, portanto, têm em vista exatamente o refreamento de violências praticadas pelos Estados, em especial mediante a atuação das forças de segurança pública.(68) O embasamento teórico é distinto, os fundamentos idem. Posicionar os crimes ambientais organizados nessa espécie de delito seria apenas uma tentativa de atalho protetivo perigosa e, provavelmente, sem resultado efetivo algum.

Considerações finais

A sustentabilidade, em todas as suas dimensões, não é uma campanha episódica.(69) Configura-se, antes disso, como uma dimensão autocompreensiva de uma Constituição que leve a sério a salvaguarda da comunidade política em que se insere. Alguns autores aludem mesmo ao aparecimento de um novo paradigma secular, do gênero daqueles que se sucederam na gênese e no desenvolvimento do constitucionalismo (humanismo no séc. XVIII, questão social no séc. XIX, democracia social no séc. XX e sustentabilidade no séc. XXI).(70)

Na consolidação da sustentabilidade como valor constitucionalmente albergado, acredita-se ter-se encontrado, na dimensão ambiental do conceito, o bem jurídico a ser tutelado pelo direito penal ambiental. No caminho para a responsabilização dos autores de crimes ambientais organizados transnacionais, delitos agressores do equilíbrio dinâmico da inter-relação homem-natureza, violadores da sustentabilidade, encontra-se, ainda, a exigência inafastável de normatização desse reconhecimento nas ordens jurídicas implicadas, assegurando-se a legitimação constitucional das prescrições de conteúdo criminal.

Atualmente, portanto, o julgamento dos crimes ambientais organizados por ente nos moldes de um Tribunal Penal Internacional ainda seria algo, muito embora desejável, forjado – se escolhida a simples equiparação com delitos de lesa-humanidade – e dogmaticamente não respaldado. Apenas um atalho.

Antes de se pensar em um tribunal penal ambiental com jurisdição transnacional, é preciso afinar o discurso. Assumir, também normativamente, a sustentabilidade ambiental como bem jurídico a ser tutelado pelo direito penal do meio ambiente. Nessa perspectiva, por certo o direito penal ambiental encontrará cenário frutífero como colaborador da preservação da casa Terra.

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Outras fontes

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Notas

1. Veja-se atualíssimo relatório elaborado pela Interpol e pelo Pnuma, publicado em setembro de 2012, intitulado Carbono limpo, negócio sujo, em que são denunciadas novas formas de ação das organizações criminosas ambientais voltadas ao tráfico de madeira. NELLEMANN, C. (coord.).Carbono limpio, negocio sucio: tala ilegal, blanqueo y fraude fiscal en los bosques tropicales del mundo. Evaluación de respuesta rápida. Arendal, Noruega: Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, Grid-Arendal, 2012.

2. “Um dos principais grupos exportadores do Brasil foi multado em R$ 140 mil pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Foram descobertas ilegalidades na exportação de barbatanas de tubarão. A vistoria nas indústrias do grupo, localizadas na Baixada Santista, no litoral paulista, só aconteceu após auditoria de um ano. As barbatanas são exportadas principalmente para a China, onde a sopa com a iguaria é muito famosa. Segundo dados fornecidos por equipe especializada do Ibama, foram exportados cerca de 54 mil quilos de barbatanas de tubarão pelo Estado de São Paulo em 2011. A questão é extremamente preocupante em razão do declínio vertiginoso da população de algumas espécies, como a do tubarão-azul, umas das preferidas pelo mercado chinês. Após a captura, muitas vezes as carcaças dos tubarões são descartadas no mar, visando ao simples aproveitamento das barbatanas.” Íntegra do artigo disponível em: <http://www.terradagente.com.br/NOT,0,0,395409,Exportador+de+barbatanas+de+
tubarao+e+multado+em+R+140+mil+na+Baixada+Santista.aspx
>. Acesso em: 23 jan. 2013.

3. “A Superintendência do Ibama no Rio Grande do Norte apreendeu 5.385 quilos de barbatanas de tubarão no litoral potiguar. A apreensão se deu no domingo (21), mas só se tornou pública em nota divulgada pelo órgão nesta terça-feira (23). A empresa infratora foi multada em R$ 137.700. De acordo com o Ibama, a empresa infratora foi enquadrada por transportar, conservar, beneficiar, descaracterizar, industrializar ou comercializar pescados ou produtos originados da pesca, sem comprovante de origem ou autorização do órgão competente. No final de 2011, o Ibama já havia efetuado uma outra atuação e apreensão de barbatanas, em um lote de 6.387 quilos em uma única operação, em conjunto com a Receita Federal e o Ministério da Agricultura também no litoral potiguar. Na nota, o Ibama diz que as barbatanas de tubarão são iguarias consumidas pelos países asiáticos, usadas como afrodisíaco e consumidas na forma de sopas, em especial na China, em Taiwan e no Japão. São comercializadas pelos pescadores por elevados valores, que podem atingir até 15 vezes o valor da carne do tubarão, apenas na primeira comercialização. Esse elevado valor acaba por gerar um interesse elevado nas barbatanas, em detrimento das carcaças dos animais, o que vem disparando uma corrida por este produto para exportação, sendo as espécies tubarão-azul e tubarão-cavala as mais procuradas, por serem as mais apropriadas para elaboração das iguarias, devido ao grande tamanho e à textura. Ainda na nota, o Ibama diz que o crime é conhecido como ‘finning’, que é a prática de pesca ilegal de tubarões com a retirada das barbatanas e o posterior descarte da carcaça no mar, desprezando a carne do pescado. Essa prática, além de constituir um grande desperdício de pescado, vem sendo responsável pela redução dos estoques de tubarões em todos os oceanos do planeta.  O Ibama lembrou na nota que o Brasil foi o primeiro país no âmbito da Comissão Internacional para a Conservação do Atum Atlântico (ICCAT) a propor uma medida de controle sobre a atividade ilegal, por meio da publicação de portaria. Por meio dessa medida, somente está autorizada a comercialização de barbatanas em percentual máximo de 5% do peso das carcaças, a fim de controlar o limite que corresponde a proporção aceitável de barbatanas com relação às carcaças desembarcadas, que indiquem a origem legal do produto. Conforme o coordenador de operações da fiscalização do Ibama/RN, Marcelo Lira, a continuidade da prática do finning nas águas jurisdicionais brasileiras tem contribuído para a sobrepesca de praticamente todas as espécies de tubarões. ‘O Ministério do Meio Ambiente encontra-se em fase de elaboração de revisão da referida legislação, a fim de estabelecer controles mais efetivos, em especial no desembarque e na exportação de tubarões e suas barbatanas’.” Íntegra da notícia pode ser consultada em: <http://g1.globo.com/rn/rio-grande-do-norte/noticia/2012/10/ibama-apreende-mais-de-5-toneladas-de-barbatana-de-tubarao-no-rn.html>. Acesso em: 23 jan. 2013.

4. Exemplos recentes de atividades criminosas organizadas relacionadas à exportação de lixo hospitalar: “Receita Federal apreendeu nesta quarta-feira (23), em Itajaí (94 km de Florianópolis), 20 toneladas de lixo hospitalar e de hotéis que estavam acondicionadas em um contêiner no porto da cidade. O material veio de hospitais e hotéis da Espanha e estava relacionado como sendo ‘tecido atoalhado de algodão’. A apreensão faz parte da operação Maré Vermelha, da Receita, iniciada em março. Em um intervalo de oito meses, a equipe conseguiu impedir a entrada de 120 toneladas de lixo no país. O material especificado deveria ser tecido usado na fabricação de toalhas de limpeza. Porém, os fiscais acabaram encontrando itens usados, que foram descartados como resíduo, devido ao péssimo estado de conservação. ‘Havia muitas toalhas e lençóis de hospitais. Inclusive, o laudo do Ibama atestou o material como ‘resíduo nocivo ao meio ambiente e à saúde humana', declara Christiane Larcher, assessora da Receita Federal. Segundo o Ibama, a carga saiu do porto de Valência, e as medidas já estão sendo tomadas para devolver o contêiner à Espanha em até 30 dias. A empresa importadora, que não pode ser identificada, levará multa e ainda vai arcar com as despesas de devolução do material. Segundo a Receita Federal, esta é a terceira vez em oito meses que carregamentos de lixo são encontrados em contêineres no porto de Itajaí. Há dois meses, outras 40 toneladas já haviam sido apreendidas no porto”. Notícia extraída do sítio eletrônico: <http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2012/05/24/20-toneladas-de-lixo-hospitalar-espanhol-sao-encontradas-em-conteiner-no-porto-de-itajai-sc.htm>. Acesso em: 23 jan. 2013.

5. Princípio de Convicção comum expresso na Declaração de Estocolmo, de 1972: “21 – De acordo com a Carta das Nações Unidas e com os princípios do direito internacional, os Estados têm o direito soberano de explorar seus próprios recursos, de acordo com a sua política ambiental, desde que as atividades levadas a efeito, dentro da jurisdição ou sob seu controle, não prejudiquem o meio ambiente de outros Estados ou de zonas situadas fora de toda a jurisdição nacional”.

6. “Ahora bien, las Constituiciones tienen ámbito y objetivos sólo de relevancia nacional, se dirigen sobre todo a los ciudadanos de cada país y sus autoridades, intrínsecamente están pensadas para este tipo de interlocutores cuyas relaciones con el poder se pretende levar por los cauces de los derechos fundamentales. Por lo contrario, el enfoque que hoy parece necesario implica a todos los habitantes de nuestro planeta y a todos los poderes públicos que en este espacio cohabitan. La respuesta debería venir de un ordenamiento supranacional o al menos internacional que incorporen los grandes princípios rectores necesarios, a partir de los cuales se establezcan políticas y programas, cuya aplicación, Estado por Estado, podría venir facilitada por la adopción de Acuerdos y Tratados internacionales o mejor aún mediante el obligatorio cumplimiento de lo decidido en instancias mundiales o regionais ya establecidas...” MARTIN MATEO, Ramon. Manual del Derecho Ambiental. Navarra: Thomson Aranzadi, 2003. p. 41-42.

7. VARELLA, Marcelo Dias. O surgimento e a evolução do direito internacional do meio ambiente: da proteção da natureza ao desenvolvimento sustentável. In: ______; BARROS-PLATIAU, Ana Flávia (org.). Proteção Internacional do Meio Ambiente. Brasília: Unitar, Inuceub, UnB, 2009. (Direito Ambiental, v. 4).

8. “O direito ambiental internacional possui uma tendência à setorização. Normas nascidas para responder com urgência a processos de degradação percebidos com certo atraso histórico, as regras internacionais se orientavam aos quatro setores básicos da biosfera: atmosfera, águas, flora e fauna. Essa divisão em setores acabou limitando os objetos de proteção e a metodologia, de forma que, com o tempo, se percebeu a necessidade de correção.” VALLE MUÑIZ, José Manuel (coord.). La proteción jurídica del medio ambiente. Pamplona: Aranzadi, 1997.  p. 23.

9. A Diretiva Aves (1979) é a legislação mais antiga da União Europeia para a conservação in situ da diversidade biológica. Já naquela época foi necessária uma abordagem pan-europeia para coordenar e apoiar as iniciativas nacionais, em particular as relativas à migração transfronteiriça de aves. A Diretiva apelava ao estabelecimento de Zonas de Proteção Especial (ZPE) para as espécies de aves ameaçadas. As zonas úmidas foram reconhecidas na Diretiva como sendo de particular importância para a migração das aves.

10. “En algunos casos, los problemas ambientales se resuelven mediante políticas y actuaciones locales y nacionales. Pero existen recursos compartidos, tales como la atmosfera y la hidrosfera, por lo que la vieja concepción basada em conceptos tales como la soberania estatal y la liberdad de la alta mar deja de ser operativa en el momento en que se plantean la contaminación transfronteiriza y la explotación sostenible de los recursos vivos.” ORTEGA DOMINGUEZ, Ramón; RODRÍGUEZ MUÑOZ, Ignacio. Tratados internacionales del medio ambiente suscritos por España. Revista de Derecho Ambiental, n. 12, Espanha, 1994, p. 119.

11. “A ciência, de cunho físico-matemático, ensejou a criação de um horizonte simultaneamente ilimitado e sem possibilidade de retorno, em que a descoberta enseja a descoberta, concretizando-se em miraculosas realizações.”FARACO DE AZEVEDO, Plauto. Do direito ambiental: reflexões sobre seu sentido e aplicação. In: PASSOS DE FREITAS, Vladimir (org.). Direito ambiental em evolução. Curitiba: Juruá, 1998. p. 281.

12. “Quanto mais estudamos os principais problemas de nossa época, mais somos levados a perceber que eles não podem ser entendidos isoladamente. São problemas sistêmicos, o que significa que estão interligados e são interdependentes.” CAPRA, F. A teia da vida. Traduzido por Newton Roberval Eichemberg. São Paulo: Cultrix, 1996. p. 26.

13. “Francis Bacon foi um dos primeiros a tentar articular o que é o método da ciência moderna. No início do século XVII, propôs que a meta da ciência é o melhoramento da vida do homem na terra...” CHALMERS, A. F. O que é ciência afinal? 2. ed. Traduzido por Raul Filker. São Paulo: Brasiliense, 1993. p. 15.

14. “Durante os anos, as responsabilidades ambientais, em vez de se consolidarem dentro do Pnuma, têm se espalhado por muitas organizações internacionais, incluindo: 1) as agências especializadas da ONU, como a Organização Mundial de Meteorologia, a Unesco, a FAO e outras; 2) os programas da ONU como o Pnud e o Programa Mundial de Alimentação; 3) as comissões econômicas e sociais regionais da ONU; 4) as instituições de Bretton Woods (como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional); 5) a Organização Mundial de Comércio; e 6) o Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF). Essa fragmentação resultou em sobreposições, brechas e dificuldades do sistema em responder a problemas ambientais globais.” O conteúdo integral do Relatório apresentado pelo Vitae Civilis Instituto para o Desenvolvimento, Meio Ambiente e Paz pode ser obtido em consulta ao sítio eletrônico: <http://pt.scribd.com/doc/7916316/Governanca-Ambiental-Internacional>. Acesso em: 16 jul. 2012.

15. Pontuando a falha das organizações internacionais na administração das questões globais, entre elas o meio ambiente, o professor Marcelo Varella é categórico: “As organizações internacionais, com atenção especial à ONU, falharam na gestão destes novos problemas e questões globais, fossem eles de segurança, como as sucessivas crises nas operações de paz e de manutenção da paz, em meio ambiente, vide os problemas de executabilidade – enforcement – de todos os principais instrumentos oriundos da Conferência do Rio (1992) ou dos péssimos balanços da Conferência de Joanesburgo (2002), fossem na área de desenvolvimento, como ficou evidente quando da publicação dos frustrantes resultados finais da ‘Década do Desenvolvimento da ONU’. Todos esses fatores contribuíram para a caracterização da tão difundida ‘Crise do Multilateralismo’ e para que se buscassem abordagens mais flexíveis e novos conceitos operacionais”. BARROS-PLATIAU, Ana Flávia; VARELLA, Marcelo Dias; SCHLEICHER, Rafael T. Meio ambiente e relações internacionais: perspectivas teóricas, respostas institucionais e novas dimensões de debate. Artigo disponível no sítio eletrônico: <http://www.marcelodvarella.org/International_Environmental_Law.html>. Acesso em: 07 jul. 2012.

16. CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Introdução ao direito do ambiente. Lisboa: Universidade Aberta, 1998. p. 20.

17. “Pode-se afirmar que hoje existe a firme convicção de que uma resposta adequada à questão do meio ambiente não se consegue por meio das possíveis medidas adotadas unilateralmente pelos Estados soberanos, senão mediante a colaboração e a coordenação entre os diferentes Estados. A imperiosa necessidade de uma tutela internacional do meio ambiente deriva de uma série de fatores, dos quais poderíamos listar os seguintes exemplos: a) a contaminação transfronteiriça, que se origina no território de um Estado, mas que extrapola para outro, caso de Chernobyl; b) a exportação de contaminação para outros países, como verter substâncias radioativas para fora de zonas marítimas; c) a globalização econômica e a falta de uniformidade na regulação das relações de mercado; e d) a existência de espaços vitais de ecossistemas que não estão sob a jurisdição de país algum, caso da Antártida.” BARREIRO, Augustin Jorge (org.). Estudios sobre la protección penal del medio ambiente en el ordenamiento jurídico español. Granada: Comares, 2005. Capítulo I: El bien jurídico protegido en los delitos contra el medio ambiente en el CP de 1995. p. 10.

18. “Podemos ter muitas razões para os nossos esforços de conservação – nem todas elas sendo parasitárias dos nossos próprios padrões de vida (ou das nossas necessidades de satisfação), e algumas delas apelam sobretudo para o nosso sentido de valores e para que reconheçamos uma nossa responsabilidade fiduciária.” Amartya Sen, in Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 340, apud FREITAS, Juarez. Sustentabilidade: direito ao futuro. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 47.

19. Princípios que constaram na declaração final da Conferência Rio 92: “o direito ao desenvolvimento deve ser realizado de modo a satisfazer equanimemente as exigências relativas ao ambiente e ao desenvolvimento das gerações futuras” (princípio terceiro). A tutela do ambiente “com o fim de chegar a um desenvolvimento sustentável” e a uma “melhor qualidade de vida” deve constituir “parte integrante do processo de desenvolvimento” e não pode ser considerada separadamente deste (princípio quarto). Para o mesmo fim, os Estados “deverão reduzir e eliminar os modos de produção e consumo insustentáveis e promover políticas demográficas adequadas” (princípio oitavo). A cooperação entre os Estados deverá fortalecer “as capacidades institucionais endógenas para o desenvolvimento sustentável, melhorando a compreensão científica mediante trocas de conhecimentos” (princípio 9).

20. REAL FERRER, Gabriel. O que esperar da conferência RIO+20. Aula ministrada no curso de Direito Ambiental e da Sustentabilidade, na Universidade de Alicante, Espanha, em abril de 2012. Tradução livre.

21. “Resulta importante o reconhecimento de que o desenvolvimento e o crescimento da economia são precursores de benefícios coletivos apreciáveis só se contribuem a melhorar a ‘qualidade da vida’, portanto, só se ‘sustentáveis para o ambiente’ que, por sua vez, é essencial para a existência do homem. Essa orientação leva em consideração o fato de que a Terra tem uma origem anterior ao homem e convida a refletir sobre a necessidade de que nós, homens do tempo presente, preservemos o ambiente, enquanto conscientes de sermos somente zeladores temporários de um patrimônio que deverá ser transmitido a quem virá depois de nós. Trata-se de uma consideração que foi traduzida em forma jurídica pelo constitucionalismo recente, com referência aos ‘direitos das futuras gerações’. REAL FERRER, Gabriel. O que esperar da conferência RIO+20. Aula ministrada no curso de Direito Ambiental e da Sustentabilidade, na Universidade de Alicante, Espanha, em abril de 2012. Tradução livre.

22. FREITAS, ob. cit.,Introdução.

23. “Ecológica, que pode ser melhorada utilizando-se das seguintes ferramentas: ampliar a capacidade de carga da espaçonave Terra, por meio da criatividade, isto é, intensificando o uso do potencial de recursos dos diversos ecossistemas, com um mínimo de danos aos sistemas de sustentação da vida; limitar o consumo de combustíveis fósseis e de outro recursos e produtos que são facilmente esgotáveis ou danosos ao meio ambiente, substituindo-os por recursos ou produtos renováveis e/ou abundantes, usados de forma não agressiva ao meio ambiente; reduzir o volume de resíduos e de poluição, por meio da conservação de energia e de recursos e da reciclagem; promover a autolimitação no consumo de materiais por parte dos países ricos e dos indivíduos em todo o planeta; intensificar a pesquisa para a obtenção de tecnologias de baixo teor de resíduos e eficientes no uso de recursos para o desenvolvimento urbano, rural e industrial; definir normas para uma adequada proteção ambiental, desenhando a máquina institucional e selecionando o composto de instrumentos econômicos, legais e administrativos necessários para o seu cumprimento.” SACHS, I. Estratégias de transição para o século XXI. In: BURSZTYN, M. Para pensar o desenvolvimento sustentável. São Paulo: Brasiliense, 1993. p. 29-56.

24. “Tratamos o ecológico como metáfora do que podemos considerar característico de nossa época. A dissolução do paradigma moderno pode oferecer as chaves fundamentais para a compreensão do discurso sobre o meio ambiente.” “O fenômeno ambiental desestabiliza nossas estruturas cognitivas, força-nos a pensarmos de novo e abre-nos uma reflexão sobre todo nosso sistema. Pensar o meio ambiente é, sobretudo, refletir sobre uma problemática em que os perigos, os riscos, as culpas e as responsabilidades, presentes e futuras, abrem as portas a questionar nosso mundo.” CAMPOS, Beatriz Santamarina. Ecologia y poder: el discurso medioambiental como mercancía. Madri: La Catarata, 2006. p.16.

25. FREITAS, ob. cit., p. 55-56.

26. “Estamos em uma era agônica, de morte e de nascimento, na qual, como nunca até hoje, as ameaças convergem sobre o planeta, a sua biosfera, os seus seres humanos, as nossas culturas, a nossa civilização. O mais trágico, ou cômico, é que todas essas novas ameaças (desastres ecológicos, aniquilamento nuclear, manipulações tecnocientíficas, etc.) provêm dos próprios desenvolvimentos da nossa civilização. (...) Trata-se atualmente de controlar o desenvolvimento descontrolado da nossa era planetária. A Terra-Pátria está em perigo. Estamos em perigo, e o inimigo, podemos finalmente apreendê-lo hoje, não é outro senão nós próprios.” MORIN, E.; BOCCHI, G.; CERUTI, M. Os problemas do fim do século. 3. ed. Traduzido por Cascais Franco. Lisboa: Notícia, 1996. p. 22-23.

27. “Rejeitar o conceito subdesenvolvido do desenvolvimento que fazia do crescimento tecnoindustrial a panaceia de todo desenvolvimento antropossocial, e renunciar à ideia mitológica de um progresso irresistível que cresce ao infinito.” MORIN, Edgar; KEM, Anne Brigitte. Terra pátria. 6. ed. Porto Alegre: Sulina, 2011. p. 83 (apud FREITAS, Juarez. Sustentabilidade: direito ao futuro. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2012).

28. “Tratamos o ecológico como metáfora do que podemos considerar característico de nossa época. A dissolução do paradigma moderno pode oferecer as chaves fundamentais para a compreensão do discurso sobre o meio ambiente.” “O fenômeno ambiental desestabiliza nossas estruturas cognitivas, força-nos a pensarmos de novo e abre-nos uma reflexão sobre todo nosso sistema. Pensar o meio ambiente é, sobretudo, refletir sobre uma problemática em que os perigos, os riscos, as culpas e as responsabilidades, presentes e futuras, abrem as portas a questionar nosso mundo.” CAMPOS, ob. cit., p. 16.

29. A Humanidade enquanto tal nunca havia assumido a problemática ambiental, e apenas em épocas bem recentes se reconhece a essas questões uma transcendência planetária. Na verdade, o culto à natureza tem precedentes nas culturas antigas, mas agora exige-se do homem ocidental um retorno a suas raízes, que renasçam nele motivações que já existiram em gerações passadas.” MARTÍN MATEO, Ramón. Tratado de Derecho Ambiental. v. 1. Madrid: Trivium, 1991. p. 5. Texto original em espanhol.

30. CRUZ, Paulo Márcio; BODNAR, Zenildo. O novo paradigma do direito na pós-modernidade. Revista de Estudos Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito (RECHTD), p. 75-83.

31. REAL FERRER, Gabriel. O que esperar da conferência RIO+20. Aula ministrada no curso de Direito Ambiental e da Sustentabilidade, na Universidade de Alicante, Espanha, em abril de 2012.

32. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. O princípio da sustentabilidade como princípio estruturante do direito constitucional. Revista de Estudos Politécnicos (Polytechnical Studies Review), v. VIII, n 13, Coimbra, 2010.

33. Ou na dimensão jurídico-política, segundo Juarez Freitas, na obra Sustentabilidade: direito ao futuro.

34. FREITAS, ob. cit., p. 52.

35. STF, ADI 3540 MC, Relator(a):  Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 01.09.2005, DJ 03.02.2006 PP-00014 EMENT VOL-02219-03 PP-00528.

36. Nesse sentido, confira-se palestra do Professor Doutor Mário Ferreira Monte, intitulada “A tutela penal da sustentabilidade”, proferida na Univali, em Itajaí, em 09.04.2012. Informações sobre o conteúdo da exposição podem ser obtidas no sítio www.univali.br.

37. Entre muitos, consulte-se: SILVA SANCHÉZ, Jesús-Maria. A expansão do direito penal: aspectos da política criminal nas sociedades pós-industriais. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

38. Este moderno direito penal não está funcionando satisfatoriamente. Os campos obscuros nesse direito penal são muito amplos. Por exemplo, o comércio internacional de detritos, o tráfico internacional de drogas, a criminalidade econômica apresentam campos obscuros, isto é, não esclarecidos. Não são apenas muitos, mas são também seletivos. No campo ambiental, no tráfico de drogas, por exemplo, nunca se apanham os chefões, apenas os chamados “peixes pequenos”, e isso é injusto do ponto de vista jurídico. Assim, a maior parte dos processos penais não são concluídos, geralmente acabam na base do acordo, muito raramente chega-se a uma sentença. Geralmente temos uma negociação ou acordo e o processo é arquivado. Tudo isso são déficits de execução. Quando sai uma sentença, ela tem que estar no limite inferior, sempre no limite inferior da pena. Por quê? Porque o juiz sabe que foi pego apenas um entre milhares e, de certa forma, não pode aplicar todo o peso da lei nesse pobre coitado.

39. “A transação no direito criminal. No campo do Direito Penal moderno, em quase todos os casos da criminalidade moderna, temos a chamada ‘negociação no Direito Penal’. Grandes processos penais econômicos, na área de drogas, na área ambiental, entre outras, não são decididos por meio de uma sentença. Um exemplo: hoje em dia, estou defendendo um grande processo penal econômico, que já está completando cinco anos. Não houve ainda nenhuma acusação formalizada, mas já existe do lado da Procuradoria um sinal de que talvez antes da acusação se possa fazer um acordo, ou seja, não haverá audiência pública, os fatos não serão esclarecidos. Não se trata de culpa ou inocência, mas haverá uma negociação, secreta, naturalmente; negocia-se quanto se pode dar e quanto se pode ceder. Eu acho isso um escândalo em processo penal! E acredito que isso provém do fato de o direito material ter recebido demasiados encargos da nova criminalidade, encargos que não pode suportar.”  HASSEMER, Wilfried. Perspectivas de uma moderna ciência criminal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 8, out. 1994 (Resumo elaborado por Cezar Roberto Bitencourt, sem revisão do autor, da conferência realizada no Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, dia 17.11.93).

40. “(...) Considerando-se a inexistência de lesão ao meio ambiente (fauna aquática), tendo em vista a quantidade ínfima de pescado apreendido com o acusado, deve ser reconhecida a atipicidade material da conduta. 3. Agravo regimental improvido.” (STJ, AgRg no RHC 32.220/RS, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 04.10.2012, DJe 15.10.2012)

41. “PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE (ART. 40 DA LEI Nº 9.605/95). CORTE DE UMA ÁRVORE. COMPENSAÇÃO DO EVENTUAL DANO AMBIENTAL. CONDUTA QUE NÃO PRESSUPÔS MÍNIMA OFENSIVIDADE AO BEM JURÍDICO TUTELADO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA. ORDEM CONCEDIDA. 1. É de se reconhecer a atipicidade material da conduta de suprimir um exemplar arbóreo, tendo em vista a completa ausência de ofensividade ao bem jurídico tutelado pela norma penal. 2. Ordem concedida, acolhido o parecer ministerial, para reconhecer a atipicidade material da conduta e trancar a Ação Penal nº 002.05.038755-5, Controle nº 203/07, da Vigésima Quarta Vara Criminal da comarca de São Paulo.” (HC 128.566/SP, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 31.05.2011, DJe 15.06.2011)

42.Tipo Órgano: Tribunal Supremo. Sala de lo Penal
Municipio: Madrid – Sección:1
Ponente: DIEGO ANTONIO RAMOS GANCEDO
Nº Recurso: 1054/2011 – Fecha: 03.04.2012
Tipo Resolución: Sentencia. ROJ/STS 2512/2012.

43. Já foram proferidos julgamentos pelo E. TRF da 4ª Região no sentido de identificar o ecossistema diretamente envolvido com a conduta denunciada como o bem jurídico protegido pela norma penal e pela Constituição brasileira: TRF4, ACR 0002435-16.2006.404.7201, Oitava Turma, Relator Rony Ferreira, D.E. 22.01.2013; TRF4 5007382-55.2011.404.7200, Oitava Turma, Relator p/ Acórdão Luiz Fernando Wowk Penteado, D.E. 10.01.2013.

44. “Em sua dimensão jurídico-política, a sustentabilidade, no enfoque aqui adotado, assume as feições de: (...) (c) critério que permite afirmar a antijuridicidade das condutas causadoras de danos intergeracionais, tais como as práticas deploráveis do patrimonialismo (...).” FREITAS, ob. cit., p. 19.

45. Estamos com Silva Sánchez, no sentido de repudiar a possibilidade de incriminação dos chamados delitos de acumulação, que apenas importariam em ofensa ao bem jurídico quando considerados em seu conjunto. O direito penal tem toda sua teoria geral construída no exame do delito, da conduta isoladamente considerada, e é ela que deve, independentemente de relação com outras condutas repetidas, praticadas por autores distintos, merecer o sancionamento normativo correspondente.

46. Relatório Carbono limpo, negócio sujo, elaborado pela Interpol e pelo Pnuma e publicado em setembro de 2012, disponível para consulta no sítio eletrônico da Interpol: www.interpol.int.

47. “As fronteiras do Direito Penal legítimo se determinam por meio da teoria dos bens jurídicos penais, que nada mais é do que um rebento da filosofia idealista e do Iluminismo.” HASSEMER, Winfried. Direito penal: fundamentos, estrutura, política. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2008. p. 26.

48. “O Direito Penal é um ramo do ordenamento jurídico que visa garantir aos cidadãos uma existência pacífica, livre e socialmente segura, sempre e quando essas metas não puderem ser alcançadas por meio de outras medidas político-sociais que afetem em menor medida a liberdade dos indivíduos. Entende-se, pois, que o Direito Penal tem como objetivo imediato e primordial proteger os bens jurídicos mais valiosos e fundamentais para a sociedade contra condutas que os lesem ou os exponham a perigo de lesões, a fim de assegurar aos cidadãos uma coexistência pacífica em sociedade.” ROXIN, Claus. A proteção de bens jurídicos como função do direito penal. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 16.

49. “O conceito de ‘bem’ foi introduzido na discussão jurídico-penal por Birnbaum, em 1834, com a expressa finalidade de lograr uma definição ‘natural’ de delito, independente do direito positivo. Até hoje, apesar disso, essa pretensão não se pode cumprir. Para Binding, que é realmente quem impulsionou o conceito de ‘bem jurídico’, o único determinante era a decisão do legislador de outorgar proteção jurídica a um bem. Em contraposição, foram sobretudo V. Liszt e a doutrina neokantiana do Direito Penal, representada, entre outros, por M. E. Mayer e Honig, os que tentaram desenvolver parâmetros ‘pré-legais’. Von Liszt definiu os bens jurídicos como ‘interesses humanos’ que engendram a vida mesma, apesar do que nunca se pode oferecer precisão acerca de quais interesses merecem proteção penal e quais não; contudo, foi natural apoiar-se nas condições materiais da vida do homem. As doutrinas neokantianas, ao contrário, para definir o conteúdo de bem jurídico, fizeram referência às ideias valorativas previamente dadas pela cultura, com o que fortaleciam novamente a importância dos pontos de vista normativos, mas não puderam aportar à teoria do bem jurídico, apesar da vinculação com a correspondente convicção cultural, precisamente a função crítica que se questiona. Apesar dos esforços, não se logrou até hoje um conceito de bem jurídico, nem sequer de forma aproximada.” STRATENWETH, Günther. Derecho Penal: Parte General I – El hecho punible. Traduzido por Manuel Cancio Meliá e Marcelo A. Sancinetti. Navarra: Thomson Civitas, 2005. p. 55.

50. Síntese evolutiva das teorias sobre o conceito e o alcance de bem jurídico: ALVES LIMA, Ricardo. Transcriminalidade e sistema de direito penal europeu. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2012.

51. FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. 2. ed. Traduzido por Ana Paula Zomer Sica. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 429.

52. Juarez Freitas, ob. cit., p. 109-112.

53. Alves de Lima, ob. cit., p. 133.

54. “Nessa perspectiva, importa ressaltar que as conexões entre a Constituição e o Direito Penal não se reduzem ao estabelecimento, por aquela, de limites materiais ao direito de punir. Para além disso, a Constituição figura como fonte valorativa e mesmo como fundamento normativo do Direito Penal incriminador, é dizer, funciona não apenas para proibir, senão que também para legitimar, e, eventualmente, impor, em determinadas ou determináveis, a proteção jurídico-penal dos bens jurídicos, notadamente quando conectados à categoria dos direitos investidos da nota de fundamentalidade.” FELDENS, Luciano. A conformação constitucional do direito penal. In: WUNDERLICH, Alexandre (coord.). Política criminal contemporânea. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 228.

55. FERREIRA MONTE, Mário. Da autonomia constitucional do direito penal nacional à necessidade de um direito penal europeu. In: OLIVEIRA, António Cândido. Estudos em comemoração do 10º aniversário da licenciatura em direito da universidade do Minho. Coimbra: Almedina, 2004. p. 700-1.

56. FARIA COSTA, José Francisco de. O perigo em direito penal. Coimbra: Coimbra, 2000. p. 222.

57. “Eu advirto: o Direito Penal também tem uma tradição normativa, uma tradição de proteção jurídica, e não apenas tradição de eficiência e de luta. A tradição do Direito Penal está nessa tensão entre o normativo e o empírico, e essa tensão nós temos que conservá-la. Há o problema normativo a respeito do qual se deve fazer uma reflexão. Em todos os países onde discuti esse tema – na Europa Central, na Ásia Oriental e agora aqui no Brasil –, a política criminal está apenas preocupada com a eficiência, com o êxito, enfim, em ter respostas para a criminalidade. Em todos os lugares, pergunta-se como podemos combater a criminalidade moderna. Tudo bem, mas isso é apenas um aspecto do problema. Não podemos esquecer que a política criminal e o Direito Penal têm um aspecto normativo, o aspecto da Justiça, o equilíbrio da proteção jurídica dos atingidos pelo processo penal. E no momento encontramo-nos exatamente nessa situação, queremos lutar, queremos ter êxito, queremos resultados. E acredito que no Brasil atualmente a situação também não é diferente, em que esquecemos a tradição normativa – exagerando um pouco –, estamos pensando militarmente; estamos pensando apenas em termos de luta, de combate, de vitória, e o Direito Penal está sendo armado como um instrumento de luta, de combate à criminalidade.” HASSEMER, Wilfried. Perspectivas de uma moderna ciência criminal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 8, out. 1994 (Resumo elaborado por Cezar Roberto Bitencourt, sem revisão do autor, da conferência realizada no Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, dia 17.11.93).

58. DELMAS-MARTY, Mireille. Por um direito comum. Traduzido por Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 2004. p. 25.

59. “La actual política criminal tiene consciencia de estos problemas, pero se enfrenta con ellos desconociendo que un derecho penal fiel a sus principios no puede realizar la misión que se encomienda de control e represión de la violencia, decidiéndose, en cambio, por el debilitamiento de la vinculación del derecho penal a sus principios, minimizando los presupuestos de la pena con empleo superficial de delitos de peligro abstracto, difuminando los presupuestos de la imputación o endureciendo los medios coactivos. La consecuencia de esta evolución no es, ciertamente, como poco a poco se vá poniendo de relieve, que se haya conseguido estructurar un sistema jurídico-penal capaz de cumprir las nuevas tareas que se le asignan, sino, al contrario, que estas parcelas de un derecho penal ‘eficaz’ vayan acompañadas de ‘déficits de funcionamento’ continuos, específicos  y denunciados por todo el mundo.” HASSEMER, Wilfried. Persona, mundo y responsabilidad: bases para una teoría de la imputación en Derecho Penal. Traduzido por Francisco Muñoz Conde e Mª del Mar Díaz Pita. Valência: Tirant lo Blanch, 1999. p. 89-90.

60. Nesse sentido: NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo.São Paulo: Martins Fontes, 2009.

61. “Existe um poder econômico globalizado, mas não existe uma sociedade global, tampouco organizações internacionais fortes e menos ainda um Estado global.” ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Criminologia e política criminal. Rio de Janeiro: GZ, 2010. p. 165.

62. “El derecho penal internacional constituye la rama del sistema jurídico internacional configuradora de una de las estrategias empleadas para alcanzar, respecto de ciertos intereses mundiales, el más alto grado de sujeición y conformidad a los objetivos mundiales de prevención del delito, protección de la comunidad y rehabilitación de los delincuentes. (...) El objeto de las prescripciones normativas del Derecho Penal internacional consiste, por tanto, en delimitar conductas específicas que se consideran atentatórias de un interes social de transcendencia mundial dado, para cuya protección parece necesaria la aplicación a sus autores de sanciones penales; sanciones impuestas por los Estados membros de la comunidad a través de actuaciones nacionales o internacionales, colectivas y de cooperación.” BASSIOUNI, Cherif. El derecho penal internacional. Historia, objeto y contenido. Anuário de Derecho Penal y Ciencias Penales, 1982, p. 25. In: Cuadernos de Derecho Judicial, n. XIII, Madrid, 2003, Director Ángel Galgo Peco, Secretario de la Red Judicial Europea.

63. Propostas para a criação de uma corte penal ambiental internacional já existem, provenientes de mais de uma fonte, sob diferentes fundamentos. A Academia Internacional de Ciências Ambientais (IAES), por exemplo, sediada em Veneza, Itália, atualmente está em campanha pela criação de duas cortes penais para o julgamento de crimes ambientais transnacionais: uma Corte Penal Internacional do Meio Ambiente, nos moldes do Tribunal Penal Internacional, e uma Corte Penal Europeia para crimes ambientais (EECC, European Environmental Criminal Court).

64. Exemplo da posição do Presidente do Ibecrim, Professor Manoel Leonilson Bezerra Rocha, para quem os crimes mais graves cometidos contra o meio ambiente deveriam ser considerados como crimes contra a humanidade, dotando-se o Tribunal Penal Internacional ou outra Corte Internacional de competência para julgar tais delitos. Íntegra de artigo sobre o tema pode ser conferida no sítio eletrônico <www.ecolnews.com.br/crime_ambiental_e_soberania.htm>. Acesso em: 10 fev. 2012.

65. Assim comenta o Professor Doutor Marcelo Dias Varella: “Cada vez mais, o direito do meio ambiente é considerado pelos juristas dos direitos humanos como uma parte desse setor do direito internacional. Se for o caso, ali, de uma visão relativamente antropocêntrica que divide os juristas, ela é aceita pelas cortes internacionais, e vários casos já foram julgados na Corte Europeia dos Direitos do Homem que se referiam ao respeito ao direito do meio ambiente. Existem também pareceres em que situações tratadas pelas convenções de direito internacional do meio ambiente são analisadas sob a ótica dos direitos do homem, e as decisões estão baseadas nesse direito.” VARELLA, Marcelo Dias. A crescente complexidade do sistema jurídico internacional. Revista Brasília, n. 42, jul./set. 2005.

66. Iniciativa distinta é a da advogada escocesa Polly Higgins, que se autodefine como advogada da Terra e que propõe a inclusão do ecocídio entre os crimes de competência do Tribunal Penal Internacional. Define o ecocídio como “dano extensivo, destruição ou perda de ecossistemas de um determinado território, seja ele ocasionado pela atividade humana, seja por outras causas, a ponto de prejudicar significativamente o usufruto pacífico dos habitantes daquela região”. Matéria publicada na Revista Isto É, n. 2186, 05 out. 2011, p. 111-112.

67. “Estatuto de Roma: o Estatuto de Roma (que criou o TPI) admite como crimes contra a humanidade os atos desumanos (assassinato, extermínio etc.), cometidos como parte de um ataque (conflito armado), generalizado ou sistemático, contra uma população civil, com conhecimento do agente. Para além das quatro notas acima referidas (atos desumanos, contra a população civil, atos generalizados ou sistemáticos, durante conflito armado), o Estatuto de Roma agregou uma quinta nota: necessidade de conhecimento do agente (de todas as características anteriores). Sentenças dos Tribunais Internacionais: em várias sentenças dos Tribunais Penais Internacionais universais (ex-Iugoslávia, Ruanda etc.) firmou-se a doutrina (com uma ou outra variante) da necessidade das cinco notas mencionadas (cf. os casos Dusco Tadic, do Tribunal para a ex-Iugoslóavia, Akayesu, do Tribunal para Ruanda, Alex Tamba Brima, do Tribunal para Serra Leoa). Novidade veio, ademais, com o Estatuto de Roma, que passou a fazer uma outra exigência: que o ataque (que o conflito armado) corresponda a uma política de Estado ou de uma organização (que promova essa política).” Fonte: <http://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/1633577/crimes-contra-a-humanidade-conceito-e-imprescritibilidade-parte-ii>. Acesso em: 22 jan. 2013.

68. FROHLICH, Sandro. Crimes contra a humanidade e Tribunal Penal Internacional: a humanidade reconhecida como titular de direitos fundamentais. Artigo disponível para consulta em: <http://www.pucrs.br/edipucrs/Vmostra/V_MOSTRA_PDF/Ciencias_Criminais/83775-SANDRO_FROHLICH.pdf>. Acesso em: 22 jan. 2013.

69. FREITAS, ob. cit., p. 19.

70. CANOTILHO, Joaquim José Gomes. O princípio da sustentabilidade como princípio estruturante do direito constitucional. Revista de Estudos Politécnicos (Polytechnical Studies Review), p. 8.



Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023:2002/ABNT):
. . Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n., dez. 2013. Disponível em:
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Acesso em: .


REVISTA DE DOUTRINA DA 4ª REGIÃO
PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRF DA 4ª REGIÃO - EMAGIS