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publicado em 28.08.2015
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A presunção de legitimidade do ato administrativo revela-se necessária para a salvaguarda do interesse público. Não há interesse público, no entanto, nas hipóteses de violação a garantias constitucionais. Logo, a presunção de legitimidade do ato administrativo não pode subsistir quando for incompatível com o exercício do direito de defesa dos administrados. Palavras-chave: Ato administrativo. Presunção. Legitimidade. Prova diabólica. Impossível. Devido processo legal. Ampla defesa. Sumário: Introdução. 1 A presunção de legitimidade do ato administrativo: considerações gerais. 2 Prova diabólica. 2.1 A prova diabólica e sua influência sobre a presunção de legitimidade do ato administrativo. Conclusão. Referências bibliográficas. Introdução Quando Alexandre Dumas, em 1844, escreveu “Os Três Mosqueteiros”, certamente não imaginaria que o mote “um por todos, todos por um” transcenderia os limites de sua obra, sendo amplamente repetido em todo o mundo ocidental como sinônimo da união de um grupo. Exemplo dessa transcendência pode ser encontrado na Suíça, país que considera a frase seu lema, tanto que, em 1902, foi escrita em latim (unus pro omnibus, omnes pro uno) na cúpula do Palácio Federal. Seu uso foi popularizado na Suíça no século XIX, quando, entre o final de setembro e o início de outubro de 1868, tempestades de outono causaram inundações na região dos Alpes, o que levou ao lançamento de uma campanha estatal de apoio que evocava, com o lema “um por todos, todos por um”, a unidade do povo da então jovem nação – a Suíça tornara-se uma confederação 20 anos antes, e a última guerra civil entre os cantões, a Guerra de Sonderbund, acontecera em 1847. No Brasil, no entanto, a frase parece não ter sido bem compreendida, em especial no campo do Direito Administrativo. A lógica de união de grupo, aqui, nem sempre prevalece, não sendo raros os casos em que há o sacrifício do direito do cidadão sem a necessária contrapartida estatal, a pretexto de salvaguardar a tão repetida supremacia do interesse público sobre o privado. A admissão pura e simples dessa máxima, no entanto, pode levar à errônea conclusão de que a atividade estatal é sempre fundamentada na existência do interesse público, sendo aceitável, portanto, o sacrifício do interesse particular em determinados casos. Esse pensamento, como dito, modifica a lógica de união de grupo, fazendo com que a ideia inspiradora da expressão “um por todos, todos por um”, no Brasil, valha, muitas vezes, apenas na forma reduzida de “um por todos”. Ocorre que não se pode admitir a existência de interesse público quando há violação a garantias constitucionais, de modo que as prerrogativas do Estado – se são necessárias, em determinada medida, para a salvaguarda do interesse público – devem ser sempre interpretadas com a finalidade de não violar as garantias constitucionais dos administrados. É com base nessa premissa que se elabora este trabalho, realizado em razão do encerramento do Currículo Permanente – Módulo II – Direito Administrativo 2014, organizado pela Escola da Magistratura do TRF da 4ª Região. Para tanto, serão analisadas a doutrina e a jurisprudência dos tribunais sobre a presunção de legitimidade dos atos administrativos, bem como sobre a prova impossível ou diabólica. A finalidade do trabalho é concluir se a presunção de legitimidade dos atos administrativos pode ou não ser excepcionada quando ao administrado for impossível comprovar sua alegação de que a motivação do ato administrativo não corresponde à verdade. 1 A presunção de legitimidade do ato administrativo: considerações gerais A doutrina tradicional ensina que o ato administrativo possui, como um de seus atributos, a presunção de legitimidade. Na prática, isso significa dizer que a atuação da Administração Pública (rectius, dos agentes públicos) é presumidamente verdadeira, o que inverte o ônus da prova em desfavor do administrado. Este, caso queira impugnar o ato administrativo ao argumento de que a versão apresentada pelo agente público não corresponde à verdade, deverá comprovar que o fato ocorreu de outra forma, ou que a atuação estatal foi ilegal. Sobre o tema, Demian Guedes(1) afirma que “(...) a presunção de legalidade implica que ato exarado pela Administração presume-se legal (conforme o direito), valendo até o reconhecimento jurídico de sua nulidade. Em decorrência de sua presumida correção, tem-se a presunção de veracidade do ato: seus pressupostos fáticos são admitidos como verdadeiros até prova em contrário.” Parte da doutrina distingue a presunção de legitimidade da presunção de veracidade do ato administrativo, sendo a primeira inerente à conformação do ato com a legalidade, ao passo que a segunda refere-se aos fatos narrados pela Administração que motivaram a edição do ato. Nesse sentido, Maria Sylvia Zanella Di Pietro(2) ensina: “Embora se fale em presunção de legitimidade ou de veracidade como se fossem expressões de mesmo significado, as duas podem ser desdobradas, por abrangerem situações diferentes. A presunção de legitimidade diz respeito à conformidade do ato com a lei; em decorrência desse atributo, presume-se, até prova em contrário, que os atos administrativos foram emitidos com observância da lei. Essa diferenciação também é feita por Hely Lopes Meirelles,(3) para quem “Os atos administrativos, qualquer que seja sua categoria ou espécie, nascem com a presunção de legitimidade, independentemente de norma que a estabeleça. Já a presunção de veracidade, inerente à de legitimidade, refere-se aos fatos alegados e afirmados pela Administração para a prática do ato, os quais são tidos como verdadeiros até prova em contrário.” Para os fins deste trabalho, no entanto, será utilizada apenas a expressão “presunção de legitimidade” em seu sentido amplo, englobando em sua acepção a presunção de veracidade do ato administrativo. As razões inspiradoras da ideia de que a atuação da Administração Pública é presumidamente legítima são várias, conforme afirma Alexandre de Moraes(4): “Apontam-se alguns fundamentos para a existência desse atributo do ato administrativo: manifestação da soberania estatal, necessidade de garantir o pleno cumprimento do ato administrativo em virtude do interesse público almejado, existência de controles administrativos e jurisdicionais sobre a veracidade e a legalidade do ato.” Maria Sylvia Zanella Di Pietro,(5) por sua vez, aponta os seguintes fundamentos justificadores da presunção de legitimidade do ato administrativo: “1. o procedimento e as formalidades que precedem a sua edição, os quais constituem garantia de observância da lei; Diogo de Figueiredo Moreira Neto,(6) sobre o tema, afirma que “(...) a legitimidade se deriva diretamente do princípio democrático, destinada a informar fundamentalmente a relação entre a vontade geral do povo e as suas diversas expressões estatais – políticas, administrativas e judiciárias. Trata-se de uma vontade difusa, captada e definida formalmente a partir de debates políticos, de processos eleitorais e de instrumentos de participação política dispostos pela ordem jurídica, bem como captada e definida informalmente pelos veículos abertos à liberdade de expressão das pessoas, para saturar toda a estrutura do Estado democrático, de modo a se tornar necessariamente informativa, em maior ou menor grau, conforme hipótese aplicativa, do exercício de todas as funções e em todos os níveis em que se deva dar alguma integração jurídica de sua ação.” Hely Lopes Meirelles,(7) por seu turno, acrescenta, como uma das justificativas para a presunção de legitimidade do ato administrativo, a necessidade de não se impedir a movimentação da máquina administrativa, que se tornaria inviabilizada caso a Administração devesse provar constantemente a conformação de sua atividade à lei. Nesse sentido: “(...) a presunção de legitimidade e veracidade dos atos administrativos responde a exigências de celeridade e segurança das atividades do Poder Público, que não poderiam ficar na dependência da solução de impugnação dos administrados, quanto à legitimidade de seus atos, para só após dar-lhes execução.” A afirmação de que o ato administrativo goza da presunção relativa de legitimidade tem sido aceita há tempos pela doutrina e pela jurisprudência brasileiras, sem muitas vozes dissonantes. Há quem afirme, no entanto, que a presunção remanesce enquanto o ato não for impugnado, pois, havendo impugnação, ela deixa de existir. Nesse sentido, Ney José de Freitas(8) afirma que “(...) a impugnação pulveriza e elimina a presunção de validade, e daí em diante a questão será resolvida no sítio da teoria geral da prova”. No mesmo sentido, Lúcia Vale Figueiredo(9) afirma: “Se os atos administrativos desde logo são imperativos e podem ser exigíveis (i.e., tornam-se obrigatórios e executáveis), há de militar em seu favor a presunção iuris tantum de legalidade. Essa afirmação, no entanto, não é compartilhada por Hely Lopes Meirelles,(10) para quem “(...) Outra consequência da presunção de legitimidade e veracidade é a transferência do ônus da prova de invalidade do ato administrativo para quem a invoca. Cuide-se de arguição de nulidade do ato por vício formal ou ideológico ou de motivo, a prova do defeito apontado ficará sempre a cargo do impugnante, e até sua anulação o ato terá plena eficácia.” A jurisprudência brasileira também tem admitido que é ônus do administrado comprovar sua versão dos fatos, quando sua pretensão for a de obter a invalidade do ato administrativo. Nesse sentido: “ADMINISTRATIVO. INFRAÇÃO DE TRÂNSITO. AÇÃO ORDINÁRIA DE ANULAÇÃO DE MULTA DE TRÂNSITO CUMULADA COM REPARAÇÃO POR DANO MORAL. Caso em que a prova dos autos, na medida em que não é suficiente para desfazer a presunção de legitimidade do procedimento administrativo da autuação, não ampara a tese sustentada pelo recorrente, de que não teria ocorrido ultrapassagem proibida, em curva, pela contramão e sem visibilidade. Há casos, no entanto, em que não é possível ao administrado provar que os fatos ocorreram de outra forma, sendo necessário ponderar se prevalece a presunção de legitimidade do ato administrativo ou se, diversamente, deve ocorrer a distribuição do ônus probatório. É o que se passa a analisar. 2 Prova diabólica A doutrina processualista nomina de prova diabólica aquela cuja produção se revela de extrema dificuldade ou mesmo impossível à parte que apresenta a alegação a ser provada. A respeito do tema, Alexandre Freitas Câmara(11) afirma que “(...) é expressão que se encontra na doutrina para fazer referência àqueles casos em que a prova da veracidade da alegação a respeito de um fato é extremamente difícil, nenhum meio de prova sendo capaz de permitir tal demonstração.” Costuma-se afirmar que uma das hipóteses de prova diabólica é a referente a fatos negativos. A prova diabólica, no entanto, não se confunde com a prova de fato negativo, pois há casos em que a negação pode ser provada. É o que ensinam Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira(12): “(...) a ideia de que os fatos negativos não precisam ser provados – decorrente do brocardo negativa non sunt provanda – vem perdendo seu valor (...) todo fato negativo corresponde a um fato positivo (afirmativo) e vice-versa. Assim sendo, em se tratando de fato absolutamente negativo, a produção da prova torna-se impossível, tratando-se de hipótese da chamada prova diabólica. Nesses casos de necessidade de produção de prova diabólica, impõe-se a distribuição do ônus da prova, conforme ensinam Didier Jr., Braga e Oliveira(13): “(...) nosso CPC acolheu a teoria estática do ônus da prova (teoria clássica), distribuindo prévia e abstratamente o encargo probatório, nos seguintes termos: ao autor incumbe provar os fatos constitutivos do seu direito e ao réu provar os fatos impeditivos, modificativos ou extintivos (art. 333, CPC). A distribuição do ônus probatório justifica-se nesses casos, pois as regras processuais sobre o ônus da prova devem ser interpretadas em harmonia com a Constituição da República, que consagra a garantia constitucional ao devido processo legal, da qual se extrai a necessidade de se permitir o pleno exercício do direito de defesa (art. 5º, LIV e LV). Logo, se é excessivamente oneroso ou impossível para uma das partes da relação processual desincumbir-se do ônus da prova, deve haver a proporcional distribuição deste, sob pena de violação à garantia constitucional do devido processo legal. Sobre o tema, a lição de Cândido Rangel Dinamarco,(14) para quem “(...) nunca os encargos probatórios devem ser tão pesados para uma das partes que cheguem a ponto de dificultar excessivamente a defesa de seus possíveis direitos”. Consciente da existência de situações em que a produção da prova revela-se excessivamente onerosa ou impossível para uma das partes, o legislador ordinário tem admitido hipóteses de inversão do ônus da prova, valendo citar, como exemplo, o disposto no art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078, de 11.09.1990). A jurisprudência também tem relativizado a exigência de a parte desincumbir-se de provar suas alegações quando se tratar de hipótese de prova diabólica. Nesse sentido, vale citar o julgamento do Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial nº 823.122/DF, relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, relator para o acórdão o Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, 5ª Turma, julgado por maioria em 14.11.2007, DJU de 18.02.2008, p. 59, no qual foi firmado o entendimento de que a prova, nos casos de concessão de anistia para fins de reintegração ao serviço público, é sempre indireta e deve decorrer da interpretação do contexto e das circunstâncias do ato apontado como de motivação política. Sendo assim, a prova direta, material ou imediata é rigorosamente impossível em casos dessa espécie. Impor ao autor que a produza é o mesmo que, em última análise, impor a produção de prova diabólica, porque os afastamentos dos cargos, à época, eram velados. Eis a ementa do referido julgamento: “DIREITO ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. ANISTIA. DEMISSÃO POR MOTIVAÇÃO POLÍTICA. PROVA DIRETA OU MATERIAL. IMPOSSÍVEL. ATO DEMISSÓRIO DISSIMULADO. CONTEXTO DEMONSTRATIVO DA NOTA POLÍTICA DA DEMISSÃO DO RECORRENTE. PROVA EM CONTRÁRIO QUE COMPETE À ADMINISTRAÇÃO. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 7/STJ. VALORAÇÃO DA PROVA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. Em síntese, a disciplina legal do ônus da prova deve ser interpretada de forma a se harmonizar com a garantia constitucional do devido processo legal e permitir às partes o pleno exercício do direito de defesa. A lógica tradicional de que o ônus da prova é incumbência da parte que apresenta a alegação a ser provada deve ser afastada nas hipóteses de extrema dificuldade ou impossibilidade de produção da prova. 2.1 A prova diabólica e sua influência sobre a presunção de legitimidade do ato administrativo Assim como nos demais ramos do Direito, há situações, na seara do Direito Administrativo, de extrema dificuldade ou mesmo impossibilidade de produção da prova. Nesses casos, em que é extremamente difícil ou impossível ao administrado comprovar que a motivação que embasou a edição do ato administrativo ocorreu de outro modo, a conclusão a que se chega é que a presunção de legitimidade do ato administrativo transmuda-se de relativa para absoluta. Como consequência, a admissão da presunção de legitimidade do ato administrativo acaba por impossibilitar o exercício do direito de defesa por parte do administrado, em nítida violação à garantia constitucional do devido processo legal. Sobre o tema, Demian Guedes(15) pondera que “(...) a opção por um Estado Democrático de Direito acarreta a adoção de processos democráticos e controláveis para a formação da verdade. Nesses processos, publicidade e transparência são princípios fundamentais, na medida em que possibilitam uma verificação efetiva da veracidade alegada pela Administração – contando o cidadão, inclusive, com a intervenção do Poder Judiciário. Esses princípios afastam a compreensão tradicional da presunção de veracidade e impõem a exteriorização objetiva dos fatos que fundamentam a atuação estatal, tornando-a controlável sem a necessidade de impor, em desfavor do particular, ônus probatórios de fatos negativos, que muitas vezes impossibilitam o exercício de seu direito de defesa em face do Estado.” Lúcia do Valle Figueiredo,(16) por sua vez, afirma que deve haver inversão do ônus da prova nesses casos, em especial no que tange às hipóteses de imposição de sanções, nas quais cabe à Administração comprovar a existência da situação fática que ensejou a aplicação da penalidade, e não ao administrado provar o contrário. Eis as suas palavras: “(...) se a regra de que a prova é de quem alega não fosse invertida, teríamos, muitas vezes, a determinação feita ao administrado de prova impossível, por exemplo, da inocorrência da situação de fato. Ademais, há que se ter em consideração que a relação jurídica entre Administração Pública e administrado é de sujeição às regras unilateralmente impostas pelo Estado, o qual, aliás, detém o monopólio da força, sendo razoável, portanto, impor ao ente estatal o ônus da prova nas hipóteses em que é juridicamente impossível ao administrado defender-se. Para tanto, é possível estabelecer um critério razoável para a distribuição ou inversão do ônus probatório, a saber, se há recursos materiais e/ou tecnológicos acessíveis à Administração para que esta comprove a existência da situação fática que motivou o ato administrativo, bem como se é possível ou não ao administrado comprovar que a motivação do ato não corresponde à verdade. Como exemplo, podem-se citar os casos de autuações de trânsito de excesso de velocidade ou de desrespeito à sinalização eletrônica em cruzamentos, nas quais equipamentos eletrônicos, devidamente aferidos pelo Instituto de Metrologia, fotografam o veículo do cidadão infrator. Há casos, no entanto, em que a motivação do ato é fundamentada exclusivamente na palavra do agente público, tornando impossível ao administrado provar que a versão apresentada por aquele não correspondente à verdade, em especial quando o fato não foi presenciado por testemunhas. Como exemplo, pode-se citar o caso de uso irregular de luz alta em rodovias, em situações nas quais há apenas a presença do motorista autuado e da autoridade policial que procedeu à autuação. Considerando que é impossível ao administrado a produção da prova de que não agiu de forma ilícita, pois não há sequer testemunhas do ocorrido, não se pode admitir como presumidamente verdadeira a afirmação contida na autuação, sob pena de violação à garantia constitucional da ampla defesa. Nesse caso, caberia à Administração comprovar, por meio de recursos tecnológicos disponíveis (fotografias ou filmagens, por exemplo), que o motorista acionou indevidamente o farol alto de seu veículo. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem admitido o afastamento da presunção de legitimidade do ato administrativo quando ao administrado é impossível comprovar suas alegações, conforme se infere da leitura do seguinte julgado: “PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. MULTA POR INFRAÇÃO À LEGISLAÇÃO TRABALHISTA. EXEGESE DOS §§ 3º E 4º DO ART. 630 DA CLT. COMPROVAÇÃO DE FATO NEGATIVO PELO DEMANDADO. IMPOSSIBILIDADE. NECESSÁRIO REEXAME DE PROVAS. SÚMULA Nº 07/STJ. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. INEXISTÊNCIA. Do voto do ministro relator, extrai-se o seguinte excerto: “Ab initio, ressalte-se que, afirmando o empregador a inexistência de horas extraordinárias de trabalho, não há como lhe exigir a comprovação dos documentos inerentes ao seu pagamento. Em síntese, a presunção de legitimidade do ato administrativo não deve prevalecer quando ao administrado for impossível a prova de sua alegação, sob pena de violação às garantias constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. Nesses casos de impossibilidade de produção da prova, cabe à Administração Pública demonstrar a ocorrência da situação fática que levou à edição do ato administrativo, em especial em se tratando de atuação estatal voltada à restrição de direitos dos administrados. Conclusão Não é pretensão deste trabalho, obviamente, trazer conclusões definitivas sobre o problema apresentado. O que se busca, antes de tudo, é provocar reflexões sobre o tema. As garantias constitucionais sempre devem nortear o intérprete na aplicação do Direito, de modo que os antigos institutos jurídicos devem ser revisitados para que sua aplicação em tempos atuais se dê em harmonia ao texto constitucional vigente. Com base nessa premissa, impõe-se a reflexão sobre os limites da presunção de legitimidade do ato administrativo em face do atual regime constitucional. A presunção de legitimidade do ato administrativo não é um dogma. Em verdade, ela deriva de uma construção doutrinária que tem por finalidade permitir que a Administração Pública atue de forma eficaz, na busca de sua finalidade de atender ao interesse público. Mas é da essência do interesse público que as garantias constitucionais sejam respeitadas, de modo que a presunção de legitimidade do ato administrativo deve ser afastada quando conflitar com o ordenamento constitucional. Assim sendo, e por necessidade metodológica, para fins de encerramento deste trabalho, é possível concluir que: a) a presunção de legitimidade do ato administrativo, em certa medida, é necessária à regular atuação da máquina estatal; b) os atos administrativos, em especial quando editados com a finalidade de restringir direitos dos administrados, devem respeitar as garantias constitucionais destes; c) a presunção de legitimidade dos atos administrativos não prevalece quando ao administrado é impossível desincumbir-se do ônus da prova de que sua atuação ocorreu de forma lícita; e d) em se tratando de atividade estatal sancionadora, cabe à Administração comprovar a ocorrência da situação fática motivadora da aplicação da penalidade. Referências bibliográficas CÂMARA, Alexandre Freitas. Doenças preexistentes e o ônus da prova: o problema da prova diabólica e uma possível solução. Revista Dialética de Direito Processual, São Paulo, 2005. DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: JusPodivm, 2007. v. 2. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. São Paulo: Malheiros, 2001. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2008. DUMAS, Alexandre. Os três mosqueteiros. São Paulo: Nova Cultural, 1996. FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de Direito Administrativo. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. FREITAS, Ney José de. Ato administrativo: presunção de validade e a questão do ônus da prova. Belo Horizonte: Fórum, 2007. GUEDES, Demian. A presunção de veracidade e o Estado Democrático de Direito: uma reavaliação que se impõe. In: MARQUES NETO, Floriano de Azevedo; ARAGÃO, Alexandre Santos de (org.). Direito administrativo e seus novos paradigmas. Belo Horizonte: Fórum, 2008. ______. Processo administrativo e democracia: uma reavaliação da presunção de veracidade. Belo Horizonte: Fórum, 2007. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. 29. ed. São Paulo: Malheiros. SUPREMA CORTE FEDERAL DA SUÍÇA. La fraternité, jun. 2003. p. 2. O lema tradicional “um por todos, todos por um” não tem fundação constitucional ou legal. Disponível em: <http://www.bger.ch/fraternite.pdf>. Acesso em: 12 abr. 2015. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional Administrativo. São Paulo: Atlas, 2002. MOREIRA NETO, Diego de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. PARLAMENTO SUÍÇO. Assembleia Federal. Architecture. Disponível em: <http://www.parlament.ch/e/service-presse/parlamentsgebaeude/architektur/pages/default.aspx>. Acesso em: 10 abr. 2015. Notas
1. GUEDES, Demian. A presunção de veracidade e o Estado Democrático de Direito: uma reavaliação que se impõe. In: MARQUES NETO, Floriano de Azevedo; ARAGÃO, Alexandre Santos de (org.). Direito Administrativo e seus novos paradigmas. Belo Horizonte: Fórum, 2008. p. 245. 2. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 186-187. 6. MOREIRA NETO, Diego de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 89. 8. FREITAS, Ney José de. Ato administrativo: presunção de validade e a questão do ônus da prova. Belo Horizonte: Fórum, 2007. p. 142. 9. FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de Direito Administrativo. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 171. 11. CÂMARA, Alexandre Freitas. Doenças preexistentes e o ônus da prova: o problema da prova diabólica e uma possível solução. Revista Dialética de Direito Processual, São Paulo, n. 31, 2005. p. 12. 12. DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: JusPodivm, 2007. v. 2. p. 59-60.
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Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023:2002/ABNT): |
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