Da vacatio legis do novo CPC brasileiro*

Autor: Artur César de Souza

Juiz Federal, Doutor em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná, Pós-Doutor em Direito pela Università degli Studi Milano

publicado em 29.04.2016



Para que uma nova norma jurídica tenha vigência e eficácia em um determinado ordenamento jurídico, é necessário delinear-se um lapso temporal suficiente e adequado para que as pessoas sujeitas a esse novo regramento tenham ciência de sua existência, assim como possam compreender sua sistematização para regulação da conduta humana.

A vacatio legis, como instituto jurídico, busca justamente conferir essa cientificação e essa possibilidade de compreensão da nova normatização que se apresenta. Aliás, nessa perspectiva, é o que dispõe o art. 8º da Lei Complementar nº 95/98: “A vigência da lei será indicada de forma expressa e de modo a contemplar prazo razoável para que dela se tenha amplo conhecimento, reservada a cláusula ‘entra em vigor na data de sua publicação’ para as leis de pequena repercussão”.

A vacatio legis corresponde a esse lapso temporal que se constitui entre a publicação e a vigência de determinada norma jurídica.

O tempo necessário para que uma determinada normatização entre em vigor e passe a ser aplicada no ordenamento jurídico de cada Estado dependerá da complexidade e da extensão sistêmica do regramento que passará a vigorar.
A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942, estabelece alguns critérios normativos sobre a vacatio legis e a vigência da lei no território brasileiro, in verbis:

“Art. 1º Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada.

§ 1º Nos Estados estrangeiros, a obrigatoriedade da lei brasileira, quando admitida, se inicia três meses depois de oficialmente publicada. (Vide Lei nº 2.807, de 1956)
§ 2º (Revogado pela Lei nº 12.036, de 2009).
§ 3º Se, antes de entrar a lei em vigor, ocorrer nova publicação de seu texto, destinada a correção, o prazo deste artigo e dos parágrafos anteriores começará a correr da nova publicação.
§ 4º As correções a texto de lei já em vigor consideram-se lei nova.
Para se ter uma ideia, em Portugal a vacatio legis dos atos normativos é regulada pelo art. 2º da Lei nº 74/09, que assim dispõe:
“1 – Os atos legislativos e os outros atos de conteúdo genérico entram em vigor no dia neles fixado, não podendo, em caso algum, o início da vigência verificar-se no próprio dia da publicação.
2 – Na falta de fixação do dia, os diplomas referidos no número anterior entram em vigor, em todo o território nacional e no estrangeiro, no quinto dia após a publicação.
3 – (Revogado)
4 – O prazo referido no nº 2 conta-se a partir do dia imediato ao de sua disponibilização no sítio da Internet gerido pela Imprensa Nacional – Casa da Moeda, S.A.”
Se não houver disposição em contrário, a vacatio legis das leis no Brasil será de quarenta e cinco dias, sendo que, nos Estados estrangeiros, a obrigatoriedade de observância da lei brasileira terá início três meses depois de oficialmente publicada.

A vacatio legis do novo estatuto processual civil brasileiro (Lei nº 13.105, de 2015) encontra-se delineada em seu art. 1.045, in verbis:“Este Código entra em vigor após decorrido 1 (um) ano da data de sua publicação oficial”.(1)

Portanto, até entrar em vigor, no dia 18 de março de 2016, a Lei 13.105, de 2015, caracteriza-se como uma norma perfeita, válida, mas não eficaz, pois sua eficácia está condicionada à sua vigência.(2)

Cada país tem sua particularidade em relação à data de vigência de seus estatutos processuais.

A CPO (Civilprozessordnung) alemã entrou em vigor no dia 1º de outubro de 1879.

O Código de Processo Civil italiano entrou em vigor no dia 21 de abril de 1942.
O Código de Processo Civil espanhol (Ley 1/2000, de 7 de enero, de Enjuiciamiento Civil) entrou em vigor no dia 8 de janeiro de 2001.

O Código de Processo Civil português (Lei nº 41/2013) entrou em vigor no dia 1º de setembro de 2013, conforme estabeleceu seu artigo 8º: “A presente lei entra em vigor no dia 1 de setembro de 2013”.

Os dois últimos estatutos processuais brasileiros, ao contrário do que se verifica com o atual CPC de 2015, optaram por definir a vigência da lei processual em um determinado dia fixo.

O Código de Processo Civil de 1939 assim preconizou em seu art. 1.052: “Este Código entrará em vigor no dia 1º de fevereiro de 1940, revogadas as disposições em contrário”.

Por sua vez, o Código de Processo Civil de 1973 assim estabeleceu em seu art. 1.220: “Este Código entrará em vigor no dia 1º de janeiro de 1974, revogadas as disposições em contrário (Artigo renumerado pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)”.

O atual CPC, porém, preferiu estabelecer o prazo de 1 (um) ano de vacatio legis, contado da publicação da Lei nº 13.105, de 2015.

Diante dessa sistemática adotada pelo legislador, muitas indagações surgem sobre a data correta da vigência do novo CPC.

A primeira questão a ser dirimida diz respeito à contagem anual do prazo.

A contagem anual de prazo tem por base a Lei nº 810/49, que define o ano civil e estabelece no seu art. 1º a seguinte regra: “considera-se ano o período de 12 (doze) meses contados do dia do início ao dia e mês correspondentes do ano seguinte”.

Assim, por esse preceito normativo, em relação ao novo CPC, poder-se-ia considerar o prazo de um ano como o período compreendido entre o dia 17 de março de 2015 e 17 de março de 2016 (período que tem por prazo inicial a data da publicação da Lei 13.105/2015 no D.O.).

Contudo, não obstante a simplicidade da regra anual prevista na Lei 810/49, a doutrina não apresenta um pensamento uníssono sobre a correta data de entrada em vigor da Lei 13.105, de 16 de março de 2015.

Para Marinoni e Arenhart, a entrada em vigor do novo CPC ocorrerá em 16 de março de 2016 (Novo Código de Processo Civil. RT, 2015. p. 991).

O argumento de Marinoni e Arenhart teria sentido se se considerasse a contagem do prazo para a vigência do novo Código em dias (365 dias), e não em “ano”, como determina o legislador do novo CPC.

Para Scarpinella e Guilherme Rizzo, a vigência do novo CPC ocorrerá no dia 17 de março de 2016 (Novo Código de Processo Civil anotado. Saraiva, 2015. p. 39; Comentários às alterações do novo CPC. RT, 2015. p. 1077).

Porém, a análise da vigência do novo CPC não poderá ser definida somente com base em uma contagem simples do prazo de um ano entre a data da publicação e a data da vigência do estatuto processual.

É necessário também observar o que preconiza a Lei Complementar nº 95/98, que dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, conforme determina o parágrafo único do art. 59 da Constituição Federal, e estabelece normas para a consolidação dos atos normativos.

O art. 8º, § 1º, da Lei Complementar nº 95/98, com a redação dada pela Lei Complementar nº 107/2001, preconiza que “a vigência da lei será indicada de forma expressa e de modo a contemplar prazo razoável para que dela se tenha amplo conhecimento, reservada a cláusula ‘entra em vigor na data de sua publicação’ para as leis de pequena repercussão”.

Por sua vez, a Lei Complementar nº 107/2001 acrescentou o § 1º ao art. 8º da Lei 95/98, in verbis: “a contagem do prazo para entrada em vigor das leis que estabeleçam período de vacância far-se-á com a inclusão da data da publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor no dia subsequente à sua consumação integral”.

A publicação oficial da Lei 13.105 ocorreu no D.O. em 17 de março de 2015 (D.O.U. de 17 de março de 2015).

Assim, a data da publicação da Lei nº 13.105 (Código de Processo Civil) ocorreu no dia 17 de março de 2015 (terça-feira).

Diante disso, a Lei nº 13.105 (Código de Processo Civil) entrará em vigor nas primeiras horas do dia 18 de março de 2016. Essa é a melhor análise da questão.

É certo, porém, que se encontra tramitando na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 2.913 de 2015, de autoria do Deputado Victor Mendes, alterando o art. 1.045 do novo CPC e ampliando o prazo para a vigência do novo Código.

Segundo o projeto, a entrada em vigor ocorreria no prazo de 3 (três) anos após a data de sua publicação oficial.

Notas

* Este trabalho trata-se de um capítulo retirado da obra Direito intertemporal (do velho ao novo CPC) e livro complementar do novo CPC (das disposições transitórias e complementares), que se encontra no prelo da Editora Almedina de Coimbra.

1. É certo que está em tramitação na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 2.913 de 2015, que dá nova redação ao art. 1.045 da Lei 13.105, de 2015:
“Art. 1º O art. 1.045 da Lei 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), passa a vigorar com a seguinte redação:
‘Art. 1045. Este Código entra em vigor após decorridos 3 (três) anos da data de sua publicação oficial.’”
Essa prorrogação de vigência de texto normativo já ocorreu em nosso ordenamento jurídico. O Código Penal brasileiro de 1969 (Decreto-Lei nº 1.004/69), publicado em 21 de outubro de 1969, era para entrar em vigor no dia 1º de janeiro de 1970, nos termos de seu art. 407.Porém, a vacatio legis do referido estatuto penal foi prorrogada por diversas vezes, tendo sido revogado pela Lei 6.578, de 1978 (BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. v. I. p. 97).

2. Segundo sustenta Antonio do Passo Cabral, há aplicação do novo CPC de 2015 no ordenamento jurídico brasileiro, ainda que não tenha entrado em vigor:
“(...) ficou evidente, de um lado, a repercussão que a simples tramitação do Código de Processo Civil no Congresso Nacional gerou na formação de normas na legislação brasileira. Os exemplos mais evidentes são a Lei 13.015/2014, que alterou o processo do trabalho, a Res. 118/2014 do Conselho Nacional do Ministério Público e a Res. 200/2015 do Conselho Nacional de Justiça. Em todas pode-se ver evidente inspiração no projeto do Código de Processo Civil, desde sua tramitação no parlamento.
A Lei 13.015/2014, dentre outras regras, previu o procedimento do recurso de revista repetitivo (art. 896-C da CLT), praticamente reproduzindo o regramento para os recursos extraordinário e especial repetitivos previstos, à época, no projeto de Código de Processo Civil (que na redação final correspondem aos arts. 1.036 ss.).
A Res. 118/2014 do CNMP, que disciplina o uso de técnicas extrajudiciais e os instrumentos alternativos de solução de controvérsias no âmbito do Ministério Público, prevê que o Ministério Público pode se valer de convenções processuais para adaptação do procedimento ou disposição sobre situações processuais (direitos, deveres, ônus), podendo inserir cláusulas dessa natureza em termos de ajustamento de conduta (arts. 15 a 17). Nos debates que precederam a aprovação da resolução do Conselho, foi declarada a inspiração no dispositivo que estava previsto no projeto e que corresponde ao art. 190 do texto final do CPC/2015.
Posteriormente, já aprovado e publicado, o Código de Processo Civil de 2015 inspirou ainda a Res. 200/2015 do Conselho Nacional de Justiça, que acrescentou hipótese de impedimento do juiz (art. 144, VIII), antecipando regra prevista no ordenamento do Código de Processo Civil de 2015, mas não prevista no Código de Processo Civil de 1973 (art. 134).
(...)
A doutrina já assentou a possibilidade de aplicação do Código de Processo Civil de 2015 mesmo durante a ‘vacatio’. Fredie Didier Jr. publicou interessante texto na Revista de Processo abordando a possibilidade de aplicação imediata das disposições do novo Código de Processo Civil mesmo no período da ‘vacatio legis’ (DIDIER JR., Fredie. Eficácia do novo Código de Processo Civil antes do término do período de vacância da Lei. RePro 236/325 e ss., out. 2014. Posteriormente, aduz-se que a interpretação processual já deveria considerar conceitos do novo Código de Processo Civil. Disponível em: <www.conjur.com.br/2015-mar-29/dierle-nunes-interpretacao-processual-deveria-considerar-cpc>).
Para tanto, Didier Jr. formula uma tipologia das normas, dividindo-se: a) normas jurídicas novas (...) b) pseudonovidades normativas (...) c) normas de caráter simbólico (...).
Segundo o autor, as normas jurídicas efetivamente novas não podem ser aplicadas antes do término da vacância da lei; podem atuar com função persuasiva, como instrumento retórico-argumentativo para que, mesmo antes da entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, possa haver mudança do regramento atual à luz do que o novo CPC pretendeu mudar. As pseudonovidades normativas também seriam ineficazes no período da ‘vacatio legis’ (...). E as normas simbólicas, estas sim poderiam ser aplicadas desde logo, porque o Estado deve se adequar às políticas públicas traçadas pelo legislador.
(...) Não se pode imaginar aplicação de normas ainda ineficazes. Mas o fenômeno da pré-eficácia assemelha-se, de alguma maneira, ao que ocorre na ultratividade das normas (pós-eficácia). Sem embargo, tanto na pré-eficácia quanto na ultratividade, fatos que ocorreram fora do tempo de vigência das leis encontram a aplicação do preceito ou dos princípios subjacentes àquela norma, ainda que seu conteúdo seja tomado apenas como vetor interpretativo: quando se estuda a ultratividade das leis, trata-se de um exame ‘ex post’; no campo da pré-eficácia, a atividade interpretativa que considera a norma planejada é um exame ‘ex ante’ (...).
Porém, a lei projetada ou em período de ‘vacatio legis’ não pode ser considerada imperativa. Por isso, discordamos de Fredie Didier Jr. quando afirma que as normas simbólicas podem incidir desde logo. Não vemos possibilidade de o Estado, p. ex., realizar despesa com base em uma norma que não está em vigor. Beirariam a improbidade administrativa, em nosso sentir, gastos justificados em uma lei que pode nem vir a vigorar.
Por outro lado, é possível alguma aplicação das normas projetadas ou daquelas publicadas, mas ainda ineficazes (porquanto ainda no período da ‘vacatio’) na interpretação e na aplicação das normas efetivamente em vigor, uma pré-eficácia interpretativa.
Não obstante, porque ainda não vigente, no processo intelectivo de interpretação e aplicação, a norma projetada ou em período de vacância deve ser vista como um ‘topos’ argumentativo não vinculativo, isto é, um elemento que informa a atividade hermenêutica, mas não pode jamais prevalecer sobre as fontes do direito vigente (...).
Essa experiência foi verificada no Brasil no passado recente. O STJ, por ocasião da aprovação do Código Civil de 2002, já se permitiu influenciar pela lei publicada, mas ainda ineficaz, durante o período de ‘vacatio legis’. Entre janeiro de 2002 e janeiro de 2003, quando o Código Civil entrou em vigor, o STJ por diversas vezes usou o novel regramento civil como fundamento para decidir.” (CABRAL, Antonio Passo. Pré-eficácia das norma e a aplicação do Código de Processo Civil de 2015 ainda no período de vacatio legis. Revista de Processo, São Paulo, a. 40, n. 246, ago./2015. p. 337-338 e 340)



Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023:2002/ABNT):
. . Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n., abr. 2016. Disponível em:
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Acesso em: .


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