|
||
publicado em 13.09.2016
|
||
Possibilidade de concessão de antecipação dos efeitos da tutela em demandas judiciais envolvendo prestações da seguridade social, limitações, vedações e reversibilidade da medida. Necessidade de restituição dos valores percebidos por força de decisão antecipatória dos efeitos da tutela. Sumário: Introdução. 1 Antecipação dos efeitos da tutela no direito processual brasileiro – visão geral. 2 Requisitos para a antecipação dos efeitos da tutela. 3 Vedações à concessão de provimentos antecipatórios – reversibilidade da medida. 4 Revogação da decisão antecipatória dos efeitos da tutela – restituição dos valores percebidos a título de benefícios da seguridade social. Conclusão. Referências bibliográficas. Palavras-chave: Antecipação dos efeitos da tutela. Reversibilidade. Prestações da seguridade social. Revogação. Restituição. Introdução A concessão de medidas antecipatórias dos efeitos da tutela nas demandas envolvendo prestações da seguridade social e os efeitos de sua revogação têm sido objeto de discussão, notadamente no âmbito da doutrina previdenciária. O presente estudo tem por objetivo analisar a questão sob o enfoque do direito processual civil, passando pela análise dos requisitos para a concessão das medidas antecipatórias dos efeitos da tutela e da sua revogabilidade, bem como das consequências da impossibilidade de restituição dos valores percebidos sob o aspecto da irreversibilidade da medida antecipatória dos efeitos da tutela, com base no julgamento do REsp nº 1.401.560/MT e da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. 1 Antecipação dos efeitos da tutela no direito processual brasileiro – visão geral O instituto da antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional foi introduzido formalmente no direito processual brasileiro com o advento da Lei nº 8.952, de 13 de dezembro de 1994, que alterou a redação dos artigos 273 e 461 do Código de Processo Civil de 1973. Tal alteração legislativa permitiu a antecipação dos efeitos práticos do provimento jurisdicional almejado pelo autor, desde que presentes os requisitos de verossimilhança das alegações, com base na prova inequívoca do direito afirmado, aliada ao risco de dano irreparável ou de difícil reparação. Tratou-se, em verdade, de uma positivação da prática jurídica, fundada no poder geral de cautela assegurado no art. 798 do CPC de 1973, pelo qual o Judiciário, sob a forma de medida cautelar inominada, vinha concedendo provimento de cunho satisfativo – e não meramente assecuratório, característico das cautelares. O fundamento para a utilização da técnica da antecipação dos efeitos do provimento jurisdicional é a garantia da efetividade do processo, permitindo ao autor que, uma vez demonstrada a plausibilidade jurídica de suas alegações, amparadas em prova inequívoca, passasse a usufruir, desde logo, do bem da vida pretendido com a demanda judicial. Com efeito, o tempo despendido em um processo judicial é elemento fundamental para a efetivação do provimento jurisdicional. E, tendo o Estado assumido a responsabilidade pela pacificação social, por meio do monopólio da jurisdição, é imprescindível que a solução do litígio seja apresentada em tempo razoável, garantia erigida como direito fundamental pela Emenda Constitucional nº 45, de 31 de dezembro de 2004. Como sabido, o tempo do processo angustia os litigantes, e a demora na solução do litígio é tanto mais insuportável quanto menos resistente economicamente é a parte, o que agrava a quase insuperável desigualdade substancial no procedimento. Dessa forma, o tempo é um dos grandes adversários da efetividade do processo. Então, a razoabilidade do tempo consiste em prover a decisão pautada na racionalidade do contraditório, em que o agente do Estado – o juiz – tenha o poder-dever inquisitório para tornar o processo um instrumento jurídico menos complicado e mais célere. Como advertiu Barbosa Moreira (1980), se o Estado proibiu a justiça de mão própria, assumiu para com todos e cada um de nós o grave compromisso de tornar realizada a disciplina das relações intersubjetivas prevista nas normas por ele mesmo editadas, pelo que o processo avizinha-se do optimum na proporção em que tende a fazer coincidir a situação concreta com a situação abstrata prevista na regra jurídica material; e afasta-se progressiva e perigosamente desse ideal na medida em que o resultado na verdade obtido difere daquele que se obteria caso os preceitos legais fossem observados de modo espontâneo e perfeito pelos membros da comunidade. A excessiva delonga para a efetivação do provimento jurisdicional causa estado de injustiça e, por conseguinte, de insegurança no convívio social. Uma vez o Estado legitimado, por meio do monopólio da jurisdição, para garantir, preservar e restabelecer a paz social, distribuindo justiça mediante decisão imparcial de natureza coercitiva, a sua ineficiência gera perigoso descontentamento, cuja inevitável consequência é o descrédito popular. Nas palavras de Marinoni (1994): “O processo, portanto, é um instrumento que sempre prejudica o autor que tem razão e beneficia o réu que não a tem! (...) Se o processo é um instrumento ético, que não pode impor dano à parte que tem razão, beneficiando a parte que não a tem, é inevitável que ele seja dotado de um mecanismo de antecipação da tutela, que nada mais é do que uma técnica que permite a distribuição racional do tempo do processo.” Nesse contexto, o instituto da antecipação dos efeitos da tutela, introduzido no ordenamento jurídico pela Lei nº 8.952/94, representou o rompimento definitivo com a tradição processual romano-canônica, que impossibilitava qualquer medida judicial de cunho satisfativo antes da sentença de mérito, proferida sob o auspício de um processo de cognição exauriente. Por essa razão, Didier Júnior (2008) afirma: “A ‘generalização’ da tutela antecipada satisfativa (e não a sua criação!, pois, como visto, ela já era prevista em alguns procedimentos especiais), em 1994, é um marco histórico inolvidável da evolução do direito processual civil brasileiro, principalmente por ter incorporado, ao processo de conhecimento, atividade jurisdicional executiva, dando início ao sincretismo processual que, anos depois, acabou por consolidar-se no direito brasileiro (notadamente com a edição da Lei Federal nº 11.232/2005).” A evolução do instituto ocorreu, porém, com a edição da Lei nº 10.444, de 05 de maio de 2002, pela qual o art. 273 do Código de Processo Civil de 1973 passou a vigorar nos seguintes termos: “Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: As alterações promovidas pela nova legislação consolidaram entendimento já assente quanto à fungibilidade dos provimentos de natureza cautelar e antecipatória, introduzindo, ainda, a hipótese de antecipação dos efeitos da tutela fundada na incontrovérsia do pedido – ou de parte dele –, dispensando, assim como nas hipóteses de “abuso do direito de defesa” ou “manifesto propósito protelatório do réu”, a demonstração da existência de receio de dano irreparável ou de difícil reparação – à qual Fredie Didier Júnior atribui a natureza jurídica de “resolução parcial do mérito”, e não propriamente antecipação dos efeitos da tutela.(1) 2 Requisitos para a antecipação dos efeitos da tutela A antecipação dos efeitos da tutela, na forma prevista no art. 273 do CPC de 1973, exige a presença de verossimilhança das alegações e de prova inequívoca do direito invocado. Tem-se que a exigência para a concessão da antecipação dos efeitos da tutela, tal qual positivada no nosso ordenamento, é mais rigorosa que o fumus boni iuris pressuposto da cautelar, já que na antecipação de tutela há juízo de cognição mais profundo do que o exigido para a cautelar, conquanto seja mais superficial que o exigido para a tutela definitiva. A verossimilhança das alegações não impõe juízo de certeza, mas, amparado em cognição sumária, indica a probabilidade do direito invocado. Estamos com Didier Júnior (2008), quando afirma: “A tutela provisória é aquela que dá eficácia imediata à tutela definitiva (satisfativa ou cautelar), permitindo sua pronta fruição. E, por ser provisória, será necessariamente substituída por uma tutela definitiva – que a confirme, revogue ou modifique. Prova inequívoca, ademais, não é a que conduz a uma verdade plena ou à melhor verdade possível (DIDIER JÚNIOR, 2008). É, no entanto, prova robusta, consistente, que conduz o magistrado a um juízo de probabilidade acerca dos fatos postos na lide. Aliado a tal pressuposto, deve-se observar ainda o que Didier Júnior (2008) denomina “pressupostos alternativos”, quais sejam, o perigo da demora (inciso I) ou o abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu (inciso II): “O ‘receio de dano irreparável ou de difícil reparação’, mencionado no art. 273, CPC [1973], que justifica a antecipação de tutela assecuratória é aquele risco de dano: i) concreto (certo), e não hipotético ou eventual, decorrente de mero temor subjetivo da parte; ii) atual, que está na iminência de ocorrer; e, enfim, iii) grave, que tem aptidão para prejudicar ou impedir a fruição do direito. Percebe-se, portanto, na hipótese da antecipação dos efeitos da tutela com base no inciso II do art. 273 do CPC de 1973, nítida modalidade de tutela da lealdade processual, revestindo-se a antecipação de tutela de caráter punitivo.(2) 3 Vedações à concessão de provimentos antecipatórios – reversibilidade da medida Desde a instituição das medidas antecipatórias – inclusive no regime precedente à Lei nº 8.952/94, sob a forma de cautelares inominadas –, o legislador editou diplomas legais que buscaram restringir a concessão de tais medidas, em resposta à concessão deliberada de tais provimentos. Assim, a Lei nº 4.348, de 26 de junho de 1964, instituiu vedação à concessão de medida liminar em mandados de segurança visando à reclassificação ou equiparação de servidores públicos, ou à concessão de aumento ou extensão de vantagens. Também a Lei nº 5.021, de 09 de junho de 1966, vedou a concessão de liminar para o efeito de pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias a servidor público. Já a Lei nº 8.437, de 30 de junho de 1992, estabeleceu: “Art. 1º Não será cabível medida liminar contra atos do poder público, no procedimento cautelar ou em quaisquer outras ações de natureza cautelar ou preventiva, toda vez que providência semelhante não puder ser concedida em ações de mandado de segurança, em virtude de vedação legal. Após o advento da Lei nº 8.952/94, instituindo a antecipação dos efeitos da tutela no art. 273 do CPC de 1973, surgiram dúvidas quanto à possibilidade de concessão da medida em face do poder público, especialmente nas hipóteses em que a legislação vedava a concessão de liminares e medidas cautelares inominadas. Para sanar a controvérsia, o Poder Executivo editou a Medida Provisória nº 1.570/97 – convertida na Lei nº 9.494, de 10 de setembro de 1997 –, que estendeu à antecipação dos efeitos da tutela, prevista nos arts. 273 e 461 do CPC de 1973, as vedações contidas nas Leis nos 4.348/64, 5.021/66 e 8.437/92. Conquanto a edição da MP nº 1.570 e sua conversão na Lei nº 9.494 tenha levado a substancial discussão quanto à constitucionalidade das restrições impostas, certo é que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Direta de Constitucionalidade nº 4/DF, reconheceu a constitucionalidade das disposições do art. 1º da Lei nº 9.494/97: “AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE – PROCESSO OBJETIVO DE CONTROLE NORMATIVO ABSTRATO – NATUREZA DÚPLICE DESSE INSTRUMENTO DE FISCALIZAÇÃO CONCENTRADA DE CONSTITUCIONALIDADE – POSSIBILIDADE JURÍDICO-PROCESSUAL DE CONCESSÃO DE MEDIDA CAUTELAR EM SEDE DE AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE – INERÊNCIA DO PODER GERAL DE CAUTELA EM RELAÇÃO À ATIVIDADE JURISDICIONAL – CARÁTER INSTRUMENTAL DO PROVIMENTO CAUTELAR CUJA FUNÇÃO BÁSICA CONSISTE EM CONFERIR UTILIDADE E ASSEGURAR EFETIVIDADE AO JULGAMENTO FINAL A SER ULTERIORMENTE PROFERIDO NO PROCESSO DE CONTROLE NORMATIVO ABSTRATO – IMPORTÂNCIA DO CONTROLE JURISDICIONAL DA RAZOABILIDADE DAS LEIS RESTRITIVAS DO PODER CAUTELAR DEFERIDO AOS JUÍZES E AOS TRIBUNAIS – INOCORRÊNCIA DE QUALQUER OFENSA, POR PARTE DA LEI Nº 9.494/97 (ART. 1º), AOS POSTULADOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE – LEGITIMIDADE DAS RESTRIÇÕES ESTABELECIDAS EM REFERIDA NORMA LEGAL E JUSTIFICADAS POR RAZÕES DE INTERESSE PÚBLICO – AUSÊNCIA DE VULNERAÇÃO À PLENITUDE DA JURISDIÇÃO E À CLÁUSULA DE PROTEÇÃO JUDICIAL EFETIVA – GARANTIA DE PLENO ACESSO À JURISDIÇÃO DO ESTADO NÃO COMPROMETIDA PELA CLÁUSULA RESTRITIVA INSCRITA NO PRECEITO LEGAL DISCIPLINADOR DA TUTELA ANTECIPATÓRIA EM PROCESSOS CONTRA A FAZENDA PÚBLICA – OUTORGA DE DEFINITIVIDADE AO PROVIMENTO CAUTELAR QUE SE DEFERIU, LIMINARMENTE, NA PRESENTE CAUSA – AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE JULGADA PROCEDENTE PARA CONFIRMAR, COM EFEITO VINCULANTE E EFICÁCIA GERAL E EX TUNC, A INTEIRA VALIDADE JURÍDICO-CONSTITUCIONAL DO ART. 1º DA LEI 9.494, DE 10.09.1997, QUE ‘DISCIPLINA A APLICAÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA’.” (ADC 4, relator(a): Min. Sydney Sanches, relator(a) p/ acórdão: Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgado em 01.10.2008) Não obstante, subsistem as críticas às vedações trazidas pela legislação citada. De outro norte, a própria Lei nº 8.952/94, ao institutir a antecipação dos efeitos da tutela, estabeleceu requisitos negativos à sua concessão. Exemplo disso é o § 2º, que veda a concessão de antecipação de tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento. Inicialmente, há evidente falha na técnica legislativa, porquanto não se pode falar em irreversibilidade do “provimento” antecipatório, já que a decisão que antecipa os efeitos da tutela está sujeita aos recursos previstos na legislação processual. Ademais, por sua própria natureza, trata-se de decisão que não induz à coisa julgada, podendo ser revogada a qualquer tempo, inclusive de ofício, conforme previa o § 4º do próprio art. 273. Correto seria, então, estar vedada a concessão de antecipação dos efeitos da tutela quando presente risco de irreversibilidade dos próprios efeitos da antecipação. Sobre o tema, Didier Júnior (2008) leciona: “Cumulativamente com o preenchimento do pressuposto visto no item anterior, exige-se, pois, que os efeitos da tutela antecipada sejam reversíveis, que seja possível retornar-se ao status quo ante acaso se constate, no curso do processo, que deve ser alterada ou revogada. Essa é a marca da provisoriedade/precariedade da tutela antecipada.” Mesma linha é sustentada por Zavaski (1999): “No particular, o dispositivo observa estritamente o princípio da salvaguarda do núcleo essencial: antecipar irreversivelmente seria antecipar a própria vitória definitiva do autor, sem assegurar ao réu o exercício do seu direito fundamental de se defender, exercício esse que, ante a irreversibilidade da situação de fato, tornar-se-ia absolutamente inútil, como inútil seria, nesses casos, o prosseguimento do próprio processo.” Wambier (2007) aponta na mesma direção: “A tutela antecipada deve ser reversível, isto é, as suas consequências de fato devem ser reversíveis, no plano empírico. Todavia, como bem alerta Didier Júnior (2008), há casos em que, mesmo sendo irreversível a medida antecipatória, é essencial o seu deferimento. Em casos tais, a vedação deve ser aplicada com temperamentos, deve ser abrandada de forma a não se inutilizar o próprio instituto: “Em razão da urgência e da evidência do direito da parte/requerente, é imprescindível que se conceda a tutela antecipatória, entregando-lhe, de imediato, o bem da vida, de forma a resguardar seu direito fundamental à efetividade da jurisdição. Portanto, em regra, a concessão da antecipação dos efeitos da tutela não deve produzir efeitos que não podem ser desfeitos, seja pela restituição das partes ao status quo ante, seja pelo ressarcimento pecuniário. Tal concepção ganha evidente relevo, notadamente, nas demandas envolvendo relações jurídicas da seguridade social – previdência e assistência social –, sobretudo por envolver prestações de cunho alimentar. 4 Revogação da decisão antecipatória dos efeitos da tutela – restituição dos valores percebidos a título de benefícios da seguridade social Diante do que já foi analisado no presente estudo, resta evidenciado que a concessão de provimento antecipatório dos efeitos da tutela deve, em regra, restringir-se aos casos em que é possível o desfazimento do ato, restaurando a situação de fato anteriormente existente ou permitindo a recomposição das partes, ainda que mediante ressarcimento em pecúnia. Não por outra razão, o Superior Tribunal de Justiça, analisando o Recurso Especial nº 1.401.560/MT, submetido ao regime dos recursos repetitivos (art. 543-C do CPC de 1973), assentou entendimento pela necessidade de devolução dos valores relativos a benefícios previdenciários percebidos a título de antecipação de tutela, na hipótese de revogação da decisão antecipatória. A ementa do acórdão está assim redigida: “PREVIDÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. REVERSIBILIDADE DA DECISÃO. Prevaleceu, no julgamento citado, o voto do Ministro Ari Pargendler: “O grande número de ações, e a demora que disso resultou para a prestação jurisdicional, levou o legislador a antecipar a tutela judicial naqueles casos em que, desde logo, houvesse, a partir dos fatos conhecidos, uma grande verossimilhança no direito alegado pelo autor. O pressuposto básico do instituto é a reversibilidade da decisão judicial. Havendo perigo de irreversibilidade, não há tutela antecipada (CPC, art. 273, § 2º). Por isso, quando o juiz antecipa a tutela, está anunciando que seu decisum não é irreversível. Malsucedida a demanda, o autor da ação responde pelo que recebeu indevidamente. O argumento de que ele confiou no juiz ignora o fato de que a parte, no processo, está representada por advogado, o qual sabe que a antecipação de tutela tem natureza precária. Precedentemente a tal decisão, a Primeira Seção do STJ já havia reconhecido a necessidade de devolução dos valores relativos a benefícios previdenciários percebidos por força de decisão antecipatória dos efeitos da tutela posteriormente revogada, nos termos do REsp nº 1.384.418/SC: “PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. RECEBIMENTO VIA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA POSTERIORMENTE REVOGADA. DEVOLUÇÃO. REALINHAMENTO JURISPRUDENCIAL. HIPÓTESE ANÁLOGA. SERVIDOR PÚBLICO. CRITÉRIOS. CARÁTER ALIMENTAR E BOA-FÉ OBJETIVA. NATUREZA PRECÁRIA DA DECISÃO. RESSARCIMENTO DEVIDO. DESCONTO EM FOLHA. PARÂMETROS. E, no mesmo sentido, recentemente assentou a Corte Superior ser possível a devolução dos valores percebidos em caso de revogação da decisão antecipatória dos efeitos da tutela que determinara o pagamento de benefício previdenciário: “RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. PREVIDÊNCIA PRIVADA. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO COMPLEMENTAR. RECEBIMENTO PROVISÓRIO. TUTELA ANTECIPADA CONCEDIDA. POSTERIOR REVOGAÇÃO. DEVOLUÇÃO DOS VALORES. NECESSIDADE. MEDIDA DE NATUREZA PRECÁRIA. REVERSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE BOA-FÉ OBJETIVA. DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO. POSSIBILIDADE. VERBA DE NATUREZA ALIMENTAR. PARÂMETROS. Sustentou o Ministro Villas Bôas Cueva em seu voto, seguido à unanimidade pelos ministros que compõem a Terceira Turma do STJ: “Logo, não há falar em definitividade das verbas recebidas por meio de antecipação de tutela, sendo descabido ao titular do direito precário pressupor a incorporação do benefício em seu patrimônio. O que se extrai, portanto, do entendimento consolidado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça é que, ainda que se trate de verba de cunho alimentar, não há falar em irrepetibilidade, dado o caráter nitidamente precário pelo qual foi percebida. Com efeito, defender a irrepetibilidade dos valores implicaria a subversão do próprio instituto da antecipação dos efeitos da tutela quando se trata de benefício de cunho previdenciário ou assistencial. Isso porque a parte-autora, o segurado, que outrora ocupava uma posição de inferioridade processual e material em face do instituto previdenciário-réu, passaria a ocupar posição de indevida superioridade, gozando de privilégio não garantido a nenhum outro litigante. Ademais, a pretexto da natureza alimentar do benefício – argumento que, no mais das vezes, justifica a urgência na concessão da medida antecipatória, quando presentes os demais requisitos –, estar-se-ia sufragando judicialmente o enriquecimento ilícito, ainda que demonstrado no curso do processo que a parte não tem direito ao benefício, em evidente prejuízo aos cofres da Previdência Social. Note-se que, ao proclamar a reversibilidade como pressuposto negativo para a concessão da antecipação dos efeitos da tutela (art. 273, § 2º, CPC 1973), o legislador processual não afastou – como amplamente reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência – a concessão da medida nas hipóteses em que não seja possível o completo desfazimento do ato. Para tais hipóteses, contenta-se a norma processual com a recomposição pecuniária dos danos havidos pela parte contrária. E, na hipótese da concessão de benefício previdenciário mediante decisão antecipatória dos efeitos da tutela, a restituição das importâncias corresponde à recomposição pecuniária – já que não há como remover do mundo dos fatos os pagamentos já efetivados por ocasião da revogação da medida antecipatória. Nesse ponto, manifestou-se o Ministro Campbell Marques no julgamento do REsp nº 1.401.560/MT: “Do ponto de vista processual, Sua Excelência o Ministro Ari Pargendler afirma que há contrassenso em admitir uma antecipação de tutela que seja irreversível. Coaduno da mesma reflexão. Assim, é imprescindível a observância do que decidiu o STJ no REsp nº 1.401.560/MT, impondo-se a restituição das prestações da seguridade social recebidas por força de antecipação dos efeitos da tutela posteriormente revogada. Deve-se, para tanto, observar a regra contida no art. 115, II e § 1º, da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991: “Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios: A adoção de tal entendimento, em nosso sentir, permite a coexistência do importantíssimo mecanismo da antecipação dos efeitos da tutela e sua aplicabilidade às demandas envolvendo prestações da seguridade social com a necessária vedação ao enriquecimento ilícito na percepção de valores a título de antecipação dos efeitos da tutela, de caráter nitidamente precário. Conclusão A antecipação dos efeitos da tutela, positivada no direito processual civil brasileiro com a Lei nº 8.952/94, constituiu importante mecanismo para a adequada distribuição do ônus da demora na solução das lides pelo Poder Judiciário. A concessão de antecipação dos efeitos da tutela deve, invariavelmente, observar a presença dos requisitos da verossimilhança das alegações, amparada por prova inequívoca do direito invocado, quando haja receio de dano irreparável ou de difícil reparação, ou em caso de abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu. Também é necessário que a medida antecipada seja passível de reversibilidade, permitindo às partes o retorno ao status quo ante, ou a reparação pecuniária dos prejuízos dela decorrentes. A concessão de antecipação dos efeitos da tutela nas demandas envolvendo prestações da seguridade social não encontra óbice na irreversibilidade da medida, seja porque não se trata de requisito absoluto – podendo ser relevado mediante a ponderação dos direitos em litígio –, seja porque a própria manutenção do benefício pode ser interrompida, em caso de revogação da decisão antecipatória. Tampouco o caráter alimentar do benefício implica a irrepetibilidade dos valores pagos a esse título, sob pena de enriquecimento ilícito da parte beneficiária, e o desrespeito à vedação imposta pela norma processual. Por tal razão, é necessário que se assegure a completa reparação dos valores pagos a título de prestações da seguridade social determinada por decisão antecipatória dos efeitos da tutela, mediante repetição dos valores pagos, adotando-se o mecanismo já previsto no art. 115, II e § 1º, da Lei nº 8.213/91. Referências bibliográficas DIDIER JÚNIOR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual civil. 3. ed. Salvador: JusPodium, 2008. v. 2, Direito probatório, decisão judicial, cumprimento e liquidação da sentença e coisa julgada. MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela antecipatória, julgamento antecipado e execução imediata de sentença. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. ______; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo de conhecimento. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. MOREIRA, José Carlos Barbosa. Tutela sancionatória e tutela preventiva. In: ______. Temas de direito processual. 2. série. São Paulo: Saraiva, 1980. WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de processo civil. 9. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. v. 1, Teoria geral do processo de conhecimento. ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação de tutela. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 1999.
|
||
Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023:2002/ABNT): |
||
|