Antecipação dos efeitos da tutela relativa a prestações de seguridade social: reversibilidade e necessidade de devolução dos valores recebidos

Autor: Anderson Barg

Juiz Federal

publicado em 13.09.2016



Resumo

Possibilidade de concessão de antecipação dos efeitos da tutela em demandas judiciais envolvendo prestações da seguridade social, limitações, vedações e reversibilidade da medida. Necessidade de restituição dos valores percebidos por força de decisão antecipatória dos efeitos da tutela.

Sumário: Introdução. 1 Antecipação dos efeitos da tutela no direito processual brasileiro – visão geral. 2 Requisitos para a antecipação dos efeitos da tutela. 3 Vedações à concessão de provimentos antecipatórios – reversibilidade da medida. 4 Revogação da decisão antecipatória dos efeitos da tutela – restituição dos valores percebidos a título de benefícios da seguridade social. Conclusão. Referências bibliográficas.

Palavras-chave: Antecipação dos efeitos da tutela. Reversibilidade. Prestações da seguridade social. Revogação. Restituição.

Introdução

A concessão de medidas antecipatórias dos efeitos da tutela nas demandas envolvendo prestações da seguridade social e os efeitos de sua revogação têm sido objeto de discussão, notadamente no âmbito da doutrina previdenciária.

O presente estudo tem por objetivo analisar a questão sob o enfoque do direito processual civil, passando pela análise dos requisitos para a concessão das medidas antecipatórias dos efeitos da tutela e da sua revogabilidade, bem como das consequências da impossibilidade de restituição dos valores percebidos sob o aspecto da irreversibilidade da medida antecipatória dos efeitos da tutela, com base no julgamento do REsp nº 1.401.560/MT e da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

1 Antecipação dos efeitos da tutela no direito processual brasileiro – visão geral

O instituto da antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional foi introduzido formalmente no direito processual brasileiro com o advento da Lei nº 8.952, de 13 de dezembro de 1994, que alterou a redação dos artigos 273 e 461 do Código de Processo Civil de 1973. Tal alteração legislativa permitiu a antecipação dos efeitos práticos do provimento jurisdicional almejado pelo autor, desde que presentes os requisitos de verossimilhança das alegações, com base na prova inequívoca do direito afirmado, aliada ao risco de dano irreparável ou de difícil reparação. Tratou-se, em verdade, de uma positivação da prática jurídica, fundada no poder geral de cautela assegurado no art. 798 do CPC de 1973, pelo qual o Judiciário, sob a forma de medida cautelar inominada, vinha concedendo provimento de cunho satisfativo – e não meramente assecuratório, característico das cautelares.

O fundamento para a utilização da técnica da antecipação dos efeitos do provimento jurisdicional é a garantia da efetividade do processo, permitindo ao autor que, uma vez demonstrada a plausibilidade jurídica de suas alegações, amparadas em prova inequívoca, passasse a usufruir, desde logo, do bem da vida pretendido com a demanda judicial. Com efeito, o tempo despendido em um processo judicial é elemento fundamental para a efetivação do provimento jurisdicional. E, tendo o Estado assumido a responsabilidade pela pacificação social, por meio do monopólio da jurisdição, é imprescindível que a solução do litígio seja apresentada em tempo razoável, garantia erigida como direito fundamental pela Emenda Constitucional nº 45, de 31 de dezembro de 2004.

Como sabido, o tempo do processo angustia os litigantes, e a demora na solução do litígio é tanto mais insuportável quanto menos resistente economicamente é a parte, o que agrava a quase insuperável desigualdade substancial no procedimento. Dessa forma, o tempo é um dos grandes adversários da efetividade do processo. Então, a razoabilidade do tempo consiste em prover a decisão pautada na racionalidade do contraditório, em que o agente do Estado – o juiz – tenha o poder-dever inquisitório para tornar o processo um instrumento jurídico menos complicado e mais célere. Como advertiu Barbosa Moreira (1980), se o Estado proibiu a justiça de mão própria, assumiu para com todos e cada um de nós o grave compromisso de tornar realizada a disciplina das relações intersubjetivas prevista nas normas por ele mesmo editadas, pelo que o processo avizinha-se do optimum na proporção em que tende a fazer coincidir a situação concreta com a situação abstrata prevista na regra jurídica material; e afasta-se progressiva e perigosamente desse ideal na medida em que o resultado na verdade obtido difere daquele que se obteria caso os preceitos legais fossem observados de modo espontâneo e perfeito pelos membros da comunidade.

A excessiva delonga para a efetivação do provimento jurisdicional causa estado de injustiça e, por conseguinte, de insegurança no convívio social. Uma vez o Estado legitimado, por meio do monopólio da jurisdição, para garantir, preservar e restabelecer a paz social, distribuindo justiça mediante decisão imparcial de natureza coercitiva, a sua ineficiência gera perigoso descontentamento, cuja inevitável consequência é o descrédito popular. Nas palavras de Marinoni (1994):

“O processo, portanto, é um instrumento que sempre prejudica o autor que tem razão e beneficia o réu que não a tem! (...) Se o processo é um instrumento ético, que não pode impor dano à parte que tem razão, beneficiando a parte que não a tem, é inevitável que ele seja dotado de um mecanismo de antecipação da tutela, que nada mais é do que uma técnica que permite a distribuição racional do tempo do processo.”

Nesse contexto, o instituto da antecipação dos efeitos da tutela, introduzido no ordenamento jurídico pela Lei nº 8.952/94, representou o rompimento definitivo com a tradição processual romano-canônica, que impossibilitava qualquer medida judicial de cunho satisfativo antes da sentença de mérito, proferida sob o auspício de um processo de cognição exauriente.

Por essa razão, Didier Júnior (2008) afirma:

“A ‘generalização’ da tutela antecipada satisfativa (e não a sua criação!, pois, como visto, ela já era prevista em alguns procedimentos especiais), em 1994, é um marco histórico inolvidável da evolução do direito processual civil brasileiro, principalmente por ter incorporado, ao processo de conhecimento, atividade jurisdicional executiva, dando início ao sincretismo processual que, anos depois, acabou por consolidar-se no direito brasileiro (notadamente com a edição da Lei Federal nº 11.232/2005).”

A evolução do instituto ocorreu, porém, com a edição da Lei nº 10.444, de 05 de maio de 2002, pela qual o art. 273 do Código de Processo Civil de 1973 passou a vigorar nos seguintes termos:

“Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:
I – haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou
II – fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.
§ 1º Na decisão que antecipar a tutela, o juiz indicará, de modo claro e preciso, as razões do seu convencimento.
§ 2º Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado.
§ 3º A efetivação da tutela antecipada observará, no que couber e conforme sua natureza, as normas previstas nos arts. 588, 461, §§ 4º e 5º, e 461-A.
§ 4º A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão fundamentada.
§ 5º Concedida ou não a antecipação da tutela, prosseguirá o processo até final julgamento.
§ 6º A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso.
§ 7º Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado.”

As alterações promovidas pela nova legislação consolidaram entendimento já assente quanto à fungibilidade dos provimentos de natureza cautelar e antecipatória, introduzindo, ainda, a hipótese de antecipação dos efeitos da tutela fundada na incontrovérsia do pedido – ou de parte dele –, dispensando, assim como nas hipóteses de “abuso do direito de defesa” ou “manifesto propósito protelatório do réu”, a demonstração da existência de receio de dano irreparável ou de difícil reparação – à qual Fredie Didier Júnior atribui a natureza jurídica de “resolução parcial do mérito”, e não propriamente antecipação dos efeitos da tutela.(1)

2 Requisitos para a antecipação dos efeitos da tutela

A antecipação dos efeitos da tutela, na forma prevista no art. 273 do CPC de 1973, exige a presença de verossimilhança das alegações e de prova inequívoca do direito invocado.

Tem-se que a exigência para a concessão da antecipação dos efeitos da tutela, tal qual positivada no nosso ordenamento, é mais rigorosa que o fumus boni iuris pressuposto da cautelar, já que na antecipação de tutela há juízo de cognição mais profundo do que o exigido para a cautelar, conquanto seja mais superficial que o exigido para a tutela definitiva.

A verossimilhança das alegações não impõe juízo de certeza, mas, amparado em cognição sumária, indica a probabilidade do direito invocado.

Estamos com Didier Júnior (2008), quando afirma:

“A tutela provisória é aquela que dá eficácia imediata à tutela definitiva (satisfativa ou cautelar), permitindo sua pronta fruição. E, por ser provisória, será necessariamente substituída por uma tutela definitiva – que a confirme, revogue ou modifique.
É marcada por duas características essenciais: a sumariedade da cognição e a precariedade.
Identifica-se por ser fundada em uma cognição sumária, em uma análise superficial do objeto da causa, que conduz o magistrado a um juízo de probabilidade.”

Prova inequívoca, ademais, não é a que conduz a uma verdade plena ou à melhor verdade possível (DIDIER JÚNIOR, 2008). É, no entanto, prova robusta, consistente, que conduz o magistrado a um juízo de probabilidade acerca dos fatos postos na lide.

Aliado a tal pressuposto, deve-se observar ainda o que Didier Júnior (2008) denomina “pressupostos alternativos”, quais sejam, o perigo da demora (inciso I) ou o abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu (inciso II):

“O ‘receio de dano irreparável ou de difícil reparação’, mencionado no art. 273, CPC [1973], que justifica a antecipação de tutela assecuratória é aquele risco de dano: i) concreto (certo), e não hipotético ou eventual, decorrente de mero temor subjetivo da parte; ii) atual, que está na iminência de ocorrer; e, enfim, iii) grave, que tem aptidão para prejudicar ou impedir a fruição do direito.
(...)
Enfim, o deferimento da tutela antecipada somente se justifica se a demora do processo puder causar à parte um dano irreversível ou de difícil reversibilidade. Isto é, quando não for possível aguardar pelo término do processo para entregar a tutela jurisdicional.
(...)
O ‘abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu’ dão ensejo à antecipação de tutela – ainda que não haja risco de dano.
(...)
As expressões ‘abuso de direito de defesa’ e ‘manifesto propósito protelatório’ têm sentidos distintos: aquela abrange atos praticados dentro do processo, em defesa, o que inclui os atos protelatórios praticados no processo; esta última se refere aos comportamentos do réu, protelatórios, adotados fora do processo (ex.: simulação de doença, ocultação de prova etc.).
O termo ‘abuso de direito de defesa’ deve ser interpretado de forma ampla. Abarca não só abusos e excessos cometidos pela via da contestação (defesa em sentido estrito), mas também em qualquer outra manifestação da parte – como, por exemplo, com o uso infundado de exceções rituais, pelo simples fato de suspenderem o processo, a interposição de recursos protelatórios ou a solicitação desnecessária de oitiva de testemunha.
Já no que diz respeito ao ‘manifesto propósito protelatório’ emerge interessante questão: esses atos ardilosos extraprocessuais podem ser praticados antes do início do processo ou só quando já está pendente o feito? Ao que parece, a litispendência é pressuposto para a concessão da tutela antecipada com base nesse inciso, mas é possível que, após citado o réu, se conceda a providência em razão de comportamentos da parte anteriores à formação do processo.”

Percebe-se, portanto, na hipótese da antecipação dos efeitos da tutela com base no inciso II do art. 273 do CPC de 1973, nítida modalidade de tutela da lealdade processual, revestindo-se a antecipação de tutela de caráter punitivo.(2)

3 Vedações à concessão de provimentos antecipatórios – reversibilidade da medida

Desde a instituição das medidas antecipatórias – inclusive no regime precedente à Lei nº 8.952/94, sob a forma de cautelares inominadas –, o legislador editou diplomas legais que buscaram restringir a concessão de tais medidas, em resposta à concessão deliberada de tais provimentos.

Assim, a Lei nº 4.348, de 26 de junho de 1964, instituiu vedação à concessão de medida liminar em mandados de segurança visando à reclassificação ou equiparação de servidores públicos, ou à concessão de aumento ou extensão de vantagens.

Também a Lei nº 5.021, de 09 de junho de 1966, vedou a concessão de liminar para o efeito de pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias a servidor público.

Já a Lei nº 8.437, de 30 de junho de 1992, estabeleceu:

“Art. 1º Não será cabível medida liminar contra atos do poder público, no procedimento cautelar ou em quaisquer outras ações de natureza cautelar ou preventiva, toda vez que providência semelhante não puder ser concedida em ações de mandado de segurança, em virtude de vedação legal.
§ 1º Não será cabível, no juízo de primeiro grau, medida cautelar inominada ou a sua liminar, quando impugnado ato de autoridade sujeita, na via de mandado de segurança, à competência originária de tribunal.
§ 2º O disposto no parágrafo anterior não se aplica aos processos de ação popular e de ação civil pública.
§ 3º Não será cabível medida liminar que esgote, no todo ou em qualquer parte, o objeto da ação.”

Após o advento da Lei nº 8.952/94, instituindo a antecipação dos efeitos da tutela no art. 273 do CPC de 1973, surgiram dúvidas quanto à possibilidade de concessão da medida em face do poder público, especialmente nas hipóteses em que a legislação vedava a concessão de liminares e medidas cautelares inominadas. Para sanar a controvérsia, o Poder Executivo editou a Medida Provisória nº 1.570/97 – convertida na Lei nº 9.494, de 10 de setembro de 1997 –, que estendeu à antecipação dos efeitos da tutela, prevista nos arts. 273 e 461 do CPC de 1973, as vedações contidas nas Leis nos 4.348/64, 5.021/66 e 8.437/92.

Conquanto a edição da MP nº 1.570 e sua conversão na Lei nº 9.494 tenha levado a substancial discussão quanto à constitucionalidade das restrições impostas, certo é que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Direta de Constitucionalidade nº 4/DF, reconheceu a constitucionalidade das disposições do art. 1º da Lei nº 9.494/97:

“AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE – PROCESSO OBJETIVO DE CONTROLE NORMATIVO ABSTRATO – NATUREZA DÚPLICE DESSE INSTRUMENTO DE FISCALIZAÇÃO CONCENTRADA DE CONSTITUCIONALIDADE – POSSIBILIDADE JURÍDICO-PROCESSUAL DE CONCESSÃO DE MEDIDA CAUTELAR EM SEDE DE AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE – INERÊNCIA DO PODER GERAL DE CAUTELA EM RELAÇÃO À ATIVIDADE JURISDICIONAL – CARÁTER INSTRUMENTAL DO PROVIMENTO CAUTELAR CUJA FUNÇÃO BÁSICA CONSISTE EM CONFERIR UTILIDADE E ASSEGURAR EFETIVIDADE AO JULGAMENTO FINAL A SER ULTERIORMENTE PROFERIDO NO PROCESSO DE CONTROLE NORMATIVO ABSTRATO – IMPORTÂNCIA DO CONTROLE JURISDICIONAL DA RAZOABILIDADE DAS LEIS RESTRITIVAS DO PODER CAUTELAR DEFERIDO AOS JUÍZES E AOS TRIBUNAIS – INOCORRÊNCIA DE QUALQUER OFENSA, POR PARTE DA LEI Nº 9.494/97 (ART. 1º), AOS POSTULADOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE – LEGITIMIDADE DAS RESTRIÇÕES ESTABELECIDAS EM REFERIDA NORMA LEGAL E JUSTIFICADAS POR RAZÕES DE INTERESSE PÚBLICO – AUSÊNCIA DE VULNERAÇÃO À PLENITUDE DA JURISDIÇÃO E À CLÁUSULA DE PROTEÇÃO JUDICIAL EFETIVA – GARANTIA DE PLENO ACESSO À JURISDIÇÃO DO ESTADO NÃO COMPROMETIDA PELA CLÁUSULA RESTRITIVA INSCRITA NO PRECEITO LEGAL DISCIPLINADOR DA TUTELA ANTECIPATÓRIA EM PROCESSOS CONTRA A FAZENDA PÚBLICA – OUTORGA DE DEFINITIVIDADE AO PROVIMENTO CAUTELAR QUE SE DEFERIU, LIMINARMENTE, NA PRESENTE CAUSA – AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE JULGADA PROCEDENTE PARA CONFIRMAR, COM EFEITO VINCULANTE E EFICÁCIA GERAL E EX TUNC, A INTEIRA VALIDADE JURÍDICO-CONSTITUCIONAL DO ART. 1º DA LEI 9.494, DE 10.09.1997, QUE ‘DISCIPLINA A APLICAÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA’.” (ADC 4, relator(a): Min. Sydney Sanches, relator(a) p/ acórdão: Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgado em 01.10.2008)

Não obstante, subsistem as críticas às vedações trazidas pela legislação citada.

De outro norte, a própria Lei nº 8.952/94, ao institutir a antecipação dos efeitos da tutela, estabeleceu requisitos negativos à sua concessão. Exemplo disso é o § 2º, que veda a concessão de antecipação de tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento.

Inicialmente, há evidente falha na técnica legislativa, porquanto não se pode falar em irreversibilidade do “provimento” antecipatório, já que a decisão que antecipa os efeitos da tutela está sujeita aos recursos previstos na legislação processual. Ademais, por sua própria natureza, trata-se de decisão que não induz à coisa julgada, podendo ser revogada a qualquer tempo, inclusive de ofício, conforme previa o § 4º do próprio art. 273. Correto seria, então, estar vedada a concessão de antecipação dos efeitos da tutela quando presente risco de irreversibilidade dos próprios efeitos da antecipação.

Sobre o tema, Didier Júnior (2008) leciona:

“Cumulativamente com o preenchimento do pressuposto visto no item anterior, exige-se, pois, que os efeitos da tutela antecipada sejam reversíveis, que seja possível retornar-se ao status quo ante acaso se constate, no curso do processo, que deve ser alterada ou revogada. Essa é a marca da provisoriedade/precariedade da tutela antecipada.”

Mesma linha é sustentada por Zavaski (1999):

“No particular, o dispositivo observa estritamente o princípio da salvaguarda do núcleo essencial: antecipar irreversivelmente seria antecipar a própria vitória definitiva do autor, sem assegurar ao réu o exercício do seu direito fundamental de se defender, exercício esse que, ante a irreversibilidade da situação de fato, tornar-se-ia absolutamente inútil, como inútil seria, nesses casos, o prosseguimento do próprio processo.”

Wambier (2007) aponta na mesma direção:

“A tutela antecipada deve ser reversível, isto é, as suas consequências de fato devem ser reversíveis, no plano empírico.
Essa reversibilidade que exige a lei pode ser in natura, o que é sempre preferível. O que se deseja é que seja possível a volta ao status quo ante, que haja reposição do estado de coisas tal qual estas existiam antes da providência.
Considera-se, todavia, reversível o provimento (reversíveis os seus efeitos), toda vez que puder haver indenização e que esta seja capaz de efetivamente compensar o dano sofrido.”

Todavia, como bem alerta Didier Júnior (2008), há casos em que, mesmo sendo irreversível a medida antecipatória, é essencial o seu deferimento. Em casos tais, a vedação deve ser aplicada com temperamentos, deve ser abrandada de forma a não se inutilizar o próprio instituto:

“Em razão da urgência e da evidência do direito da parte/requerente, é imprescindível que se conceda a tutela antecipatória, entregando-lhe, de imediato, o bem da vida, de forma a resguardar seu direito fundamental à efetividade da jurisdição.
(...)
Diante desses direitos fundamentais em choque – efetividade versus segurança –, deve-se invocar o princípio da proporcionalidade, para que sejam devidamente compatibilizados.
Toda vez que forem constatados a verossimilhança do direito e o risco de danos irreparáveis (ou de difícil reparação) resultantes da sua não satisfação imediata, deve-se privilegiar esse direito provável, adiantando sua fruição, em detrimento do direito improvável da contraparte. Deve-se dar primazia à efetividade da tutela com sua antecipação, em prejuízo da segurança jurídica da parte adversária, que deverá suportar sua irreversibilidade e contentar-se, quando possível, com uma reparação pelo equivalente em pecúnia.
Em tais situações, cabe ao juiz ponderar os valores em jogo – com base no princípio da proporcionalidade –, dando proteção àquele que, no caso concreto, tenha maior relevo.”

Portanto, em regra, a concessão da antecipação dos efeitos da tutela não deve produzir efeitos que não podem ser desfeitos, seja pela restituição das partes ao status quo ante, seja pelo ressarcimento pecuniário.

Tal concepção ganha evidente relevo, notadamente, nas demandas envolvendo relações jurídicas da seguridade social – previdência e assistência social –, sobretudo por envolver prestações de cunho alimentar.

4 Revogação da decisão antecipatória dos efeitos da tutela – restituição dos valores percebidos a título de benefícios da seguridade social

Diante do que já foi analisado no presente estudo, resta evidenciado que a concessão de provimento antecipatório dos efeitos da tutela deve, em regra, restringir-se aos casos em que é possível o desfazimento do ato, restaurando a situação de fato anteriormente existente ou permitindo a recomposição das partes, ainda que mediante ressarcimento em pecúnia.

Não por outra razão, o Superior Tribunal de Justiça, analisando o Recurso Especial nº 1.401.560/MT, submetido ao regime dos recursos repetitivos (art. 543-C do CPC de 1973), assentou entendimento pela necessidade de devolução dos valores relativos a benefícios previdenciários percebidos a título de antecipação de tutela, na hipótese de revogação da decisão antecipatória. A ementa do acórdão está assim redigida:

“PREVIDÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. REVERSIBILIDADE DA DECISÃO.
O grande número de ações, e a demora que disso resultou para a prestação jurisdicional, levou o legislador a antecipar a tutela judicial naqueles casos em que, desde logo, houvesse, a partir dos fatos conhecidos, uma grande verossimilhança no direito alegado pelo autor. O pressuposto básico do instituto é a reversibilidade da decisão judicial. Havendo perigo de irreversibilidade, não há tutela antecipada (CPC, art. 273, § 2º). Por isso, quando o juiz antecipa a tutela, está anunciando que seu decisum não é irreversível. Malsucedida a demanda, o autor da ação responde pelo que recebeu indevidamente. O argumento de que ele confiou no juiz ignora o fato de que a parte, no processo, está representada por advogado, o qual sabe que a antecipação de tutela tem natureza precária.
Para essa solução, há ainda o reforço do direito material. Um dos princípios gerais do direito é o de que não pode haver enriquecimento sem causa. Sendo um princípio geral, ele se aplica ao direito público, e com maior razão neste caso porque o lesado é o patrimônio público. O art. 115, II, da Lei nº 8.213, de 1991, é expresso no sentido de que os benefícios previdenciários pagos indevidamente estão sujeitos à repetição. Uma decisão do Superior Tribunal de Justiça que viesse a desconsiderá-lo estaria, por via transversa, deixando de aplicar norma legal que, contrario sensu, o Supremo Tribunal Federal declarou constitucional. Com efeito, o art. 115, II, da Lei nº 8.213, de 1991, exige o que o art. 130, parágrafo único, na redação originária (declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal – ADI 675), dispensava.
Orientação a ser seguida nos termos do art. 543-C do Código de Processo Civil: a reforma da decisão que antecipa a tutela obriga o autor da ação a devolver os benefícios previdenciários indevidamente recebidos.
Recurso especial conhecido e provido.” (REsp 1.401.560/MT, rel. Ministro Sérgio Kukina, rel. p/ acórdão Ministro Ari Pargendler, Primeira Seção, julgado em 12.02.2014, DJe 13.10.2015)

Prevaleceu, no julgamento citado, o voto do Ministro Ari Pargendler:

“O grande número de ações, e a demora que disso resultou para a prestação jurisdicional, levou o legislador a antecipar a tutela judicial naqueles casos em que, desde logo, houvesse, a partir dos fatos conhecidos, uma grande verossimilhança no direito alegado pelo autor. O pressuposto básico do instituto é a reversibilidade da decisão judicial. Havendo perigo de irreversibilidade, não há tutela antecipada (CPC, art. 273, § 2º). Por isso, quando o juiz antecipa a tutela, está anunciando que seu decisum não é irreversível. Malsucedida a demanda, o autor da ação responde pelo que recebeu indevidamente. O argumento de que ele confiou no juiz ignora o fato de que a parte, no processo, está representada por advogado, o qual sabe que a antecipação de tutela tem natureza precária.
Para essa solução, há ainda o reforço do direito material. Um dos princípios gerais do direito é o de que não pode haver enriquecimento sem causa. Sendo um princípio geral, ele se aplica ao direito público, e com maior razão neste caso porque o lesado é o patrimônio público. O art. 115, II, da Lei nº 8.213, de 1991, é expresso no sentido de que os benefícios previdenciários pagos indevidamente estão sujeitos à repetição. Uma decisão do Superior Tribunal de Justiça que viesse a desconsiderá-lo estaria, por via transversa, deixando de aplicar norma legal que, contrario sensu, o Supremo Tribunal Federal declarou constitucional. Com efeito, o art. 115, II, da Lei nº 8.213, de 1991, exige o que o art. 130, parágrafo único, na redação originária (declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal – ADI 675), dispensava.”

Precedentemente a tal decisão, a Primeira Seção do STJ já havia reconhecido a necessidade de devolução dos valores relativos a benefícios previdenciários percebidos por força de decisão antecipatória dos efeitos da tutela posteriormente revogada, nos termos do REsp nº 1.384.418/SC:

“PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. RECEBIMENTO VIA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA POSTERIORMENTE REVOGADA. DEVOLUÇÃO. REALINHAMENTO JURISPRUDENCIAL. HIPÓTESE ANÁLOGA. SERVIDOR PÚBLICO. CRITÉRIOS. CARÁTER ALIMENTAR E BOA-FÉ OBJETIVA. NATUREZA PRECÁRIA DA DECISÃO. RESSARCIMENTO DEVIDO. DESCONTO EM FOLHA. PARÂMETROS.
1. Trata-se, na hipótese, de constatar se há o dever de o segurado da Previdência Social devolver valores de benefício previdenciário recebidos por força de antecipação de tutela (art. 273 do CPC) posteriormente revogada.
2. Historicamente, a jurisprudência do STJ fundamenta-se no princípio da irrepetibilidade dos alimentos para isentar os segurados do RGPS de restituir valores obtidos por antecipação de tutela que posteriormente é revogada.
3. Essa construção derivou da aplicação do citado princípio em ações rescisórias julgadas procedentes para cassar decisão rescindenda que concedeu benefício previdenciário, que, por conseguinte, adveio da construção pretoriana acerca da prestação alimentícia do direito de família. A propósito: REsp 728.728/RS, rel. Ministro José Arnaldo da Fonseca, Quinta Turma, DJ 09.05.2005.
4. Já a jurisprudência que cuida da devolução de valores percebidos indevidamente por servidores públicos evoluiu para considerar não apenas o caráter alimentar da verba, mas também a boa-fé objetiva envolvida in casu.
5. O elemento que evidencia a boa-fé objetiva no caso é a ‘legítima confiança ou justificada expectativa, que o beneficiário adquire, de que valores recebidos são legais e de que integraram em definitivo o seu patrimônio’ (AgRg no REsp 1.263.480/CE, rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 09.09.2011). Na mesma linha quanto à imposição de devolução de valores relativos a servidor público: AgRg no AREsp 40.007/SC, rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJe 16.04.2012; EDcl nos EDcl no REsp 1.241.909/SC, rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 15.09.2011; AgRg no REsp 1.332.763/CE, rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 28.08.2012; AgRg no REsp 639.544/PR, rel. Ministra Alderita Ramos de Oliveira (desembargadora convocada do TJ/PE), Sexta Turma, DJe 29.04.2013; AgRg no REsp 1.177.349/ES, rel. Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, DJe 01.08.2012; AgRg no RMS 23.746/SC, rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 14.03.2011.
6. Tal compreensão foi validada pela Primeira Seção em julgado sob o rito do art. 543-C do CPC, em situação na qual se debateu a devolução de valores pagos por erro administrativo: ‘quando a administração pública interpreta erroneamente uma lei, resultando em pagamento indevido ao servidor, cria-se uma falsa expectativa de que os valores recebidos são legais e definitivos, impedindo, assim, que ocorra o seu desconto, ante a boa-fé do servidor público’ (REsp 1.244.182/PB, rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, DJe 19.10.2012).
7. Não há dúvida de que os provimentos oriundos de antecipação de tutela (art. 273 do CPC) preenchem o requisito da boa-fé subjetiva, isto é, enquanto o segurado os obteve existia legitimidade jurídica, apesar de precária.
8. Do ponto de vista objetivo, por sua vez, é inviável falar na percepção, pelo segurado, da definitividade do pagamento recebido via tutela antecipatória, não havendo o titular do direito precário como pressupor a incorporação irreversível da verba ao seu patrimônio.
9. Segundo o art. 3º da LINDB, ‘ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece’, o que induz à premissa de que o caráter precário das decisões judiciais liminares é de conhecimento inescusável (art. 273 do CPC).
10. Dentro de uma escala axiológica, mostra-se desproporcional o Poder Judiciário desautorizar a reposição do principal ao Erário em situações como a dos autos, enquanto se permite que o próprio segurado tome empréstimos e consigne descontos em folha, pagando, além do principal, juros remuneratórios a instituições financeiras.
11. À luz do princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF) e considerando o dever do segurado de devolver os valores obtidos por força de antecipação de tutela posteriormente revogada, devem ser observados os seguintes parâmetros para o ressarcimento: a) a execução de sentença declaratória do direito deverá se promovida; b) liquidado e incontroverso o crédito executado, o INSS poderá fazer o desconto em folha de até 10% da remuneração dos benefícios previdenciários em manutenção até a satisfação do crédito, adotado por simetria com o percentual aplicado aos servidores públicos (art. 46, § 1º, da Lei 8.213/1991).
12. Recurso especial provido.” (REsp 1.384.418/SC, rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 12.06.2013, DJe 30.08.2013)

E, no mesmo sentido, recentemente assentou a Corte Superior ser possível a devolução dos valores percebidos em caso de revogação da decisão antecipatória dos efeitos da tutela que determinara o pagamento de benefício previdenciário:

“RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. PREVIDÊNCIA PRIVADA. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO COMPLEMENTAR. RECEBIMENTO PROVISÓRIO. TUTELA ANTECIPADA CONCEDIDA. POSTERIOR REVOGAÇÃO. DEVOLUÇÃO DOS VALORES. NECESSIDADE. MEDIDA DE NATUREZA PRECÁRIA. REVERSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE BOA-FÉ OBJETIVA. DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO. POSSIBILIDADE. VERBA DE NATUREZA ALIMENTAR. PARÂMETROS.
1. Cinge-se a controvérsia a saber se a revogação da tutela antecipada obriga o assistido de plano de previdência privada a devolver os valores recebidos com base na decisão provisória, ou seja, busca-se definir se tais verbas são repetíveis ou irrepetíveis.
2. O Supremo Tribunal Federal já assentou inexistir repercussão geral quanto ao tema da possibilidade de devolução dos valores de benefício previdenciário recebidos em virtude de tutela antecipada posteriormente revogada, porquanto o exame da questão constitucional não prescinde da prévia análise de normas infraconstitucionais, o que se traduziria em eventual ofensa reflexa à Constituição Federal, incapaz de ser conhecida na via do recurso extraordinário (ARE nº 722.421 RG/MG).
3. A tutela antecipada é um provimento judicial provisório e, em regra, reversível (art. 273, § 2º, do CPC), devendo a irrepetibilidade da verba previdenciária recebida indevidamente ser examinada não somente sob o aspecto de sua natureza alimentar, mas também sob o prisma da boa-fé objetiva, que consiste na presunção de definitividade do pagamento. Precedente da Primeira Seção, firmado em recurso especial representativo de controvérsia (REsp nº 1.401.560/MT).
4. Os valores recebidos precariamente são legítimos enquanto vigorar o título judicial antecipatório, o que caracteriza a boa-fé subjetiva do autor. Entretanto, como isso não enseja a presunção de que tais verbas, ainda que alimentares, integram o seu patrimônio em definitivo, não há a configuração da boa-fé objetiva, a acarretar, portanto, o dever de devolução em caso de revogação da medida provisória, até mesmo como forma de se evitar o enriquecimento sem causa do então beneficiado (arts. 884 e 885 do CC e 475-O, I, do CPC).
5. A boa-fé objetiva estará presente, tornando irrepetível a verba previdenciária recebida indevidamente, se restar evidente a legítima expectativa de titularidade do direito pelo beneficiário, isto é, de que o pagamento assumiu ares de definitividade, a exemplo de erros administrativos cometidos pela própria entidade pagadora ou de provimentos judiciais dotados de força definitiva (decisão judicial transitada em julgado e posteriormente rescindida). Precedentes.
6. As verbas de natureza alimentar do Direito de Família são irrepetíveis, porquanto regidas pelo binômio necessidade/possibilidade, ao contrário das verbas oriundas da suplementação de aposentadoria, que possuem índole contratual, estando sujeitas, portanto, à repetição.
7. Os valores de benefícios previdenciários complementares recebidos por força de tutela antecipada posteriormente revogada devem ser devolvidos, ante a reversibilidade da medida antecipatória, a ausência de boa-fé objetiva do beneficiário e a vedação do enriquecimento sem causa.
8. Como as verbas previdenciárias complementares são de natureza alimentar e periódica, e para não haver o comprometimento da subsistência do devedor, tornando efetivo o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF), deve ser observado, na execução, o limite mensal de desconto em folha de pagamento de 10% (dez por cento) da renda mensal do benefício previdenciário suplementar até a satisfação integral do crédito.
9. Recurso especial parcialmente provido.” (REsp 1.555.853/RS, rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 10.11.2015, DJe 16.11.2015)

Sustentou o Ministro Villas Bôas Cueva em seu voto, seguido à unanimidade pelos ministros que compõem a Terceira Turma do STJ:

“Logo, não há falar em definitividade das verbas recebidas por meio de antecipação de tutela, sendo descabido ao titular do direito precário pressupor a incorporação do benefício em seu patrimônio.
Nesse contexto, apesar de a concessão de benefícios oferecidos pelas entidades abertas ou fechadas de previdência privada não depender da concessão de benefício oriundo do regime geral de previdência social, haja vista as especificidades de cada regime e a autonomia existente entre eles, o mesmo raciocínio quanto à reversibilidade do provimento antecipado, de caráter instrumental, deve ser aplicado, de modo comum, a ambos os sistemas.
Efetivamente, a Quarta Turma deste Tribunal Superior já assentou que deve incidir na previdência complementar a mesma exegese feita na previdência oficial sobre a reversibilidade das tutelas de urgência concessivas de valores atinentes a benefício previdenciário em virtude da sua repetibilidade.”

O que se extrai, portanto, do entendimento consolidado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça é que, ainda que se trate de verba de cunho alimentar, não há falar em irrepetibilidade, dado o caráter nitidamente precário pelo qual foi percebida.

Com efeito, defender a irrepetibilidade dos valores implicaria a subversão do próprio instituto da antecipação dos efeitos da tutela quando se trata de benefício de cunho previdenciário ou assistencial. Isso porque a parte-autora, o segurado, que outrora ocupava uma posição de inferioridade processual e material em face do instituto previdenciário-réu, passaria a ocupar posição de indevida superioridade, gozando de privilégio não garantido a nenhum outro litigante.

Ademais, a pretexto da natureza alimentar do benefício – argumento que, no mais das vezes, justifica a urgência na concessão da medida antecipatória, quando presentes os demais requisitos –, estar-se-ia sufragando judicialmente o enriquecimento ilícito, ainda que demonstrado no curso do processo que a parte não tem direito ao benefício, em evidente prejuízo aos cofres da Previdência Social.

Note-se que, ao proclamar a reversibilidade como pressuposto negativo para a concessão da antecipação dos efeitos da tutela (art. 273, § 2º, CPC 1973), o legislador processual não afastou – como amplamente reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência – a concessão da medida nas hipóteses em que não seja possível o completo desfazimento do ato. Para tais hipóteses, contenta-se a norma processual com a recomposição pecuniária dos danos havidos pela parte contrária. E, na hipótese da concessão de benefício previdenciário mediante decisão antecipatória dos efeitos da tutela, a restituição das importâncias corresponde à recomposição pecuniária – já que não há como remover do mundo dos fatos os pagamentos já efetivados por ocasião da revogação da medida antecipatória.

Nesse ponto, manifestou-se o Ministro Campbell Marques no julgamento do REsp nº 1.401.560/MT:

“Do ponto de vista processual, Sua Excelência o Ministro Ari Pargendler afirma que há contrassenso em admitir uma antecipação de tutela que seja irreversível. Coaduno da mesma reflexão.
Acrescente-se que não é possível restringir a análise da tese sob o ângulo exclusivo do direito previdenciário, pois dessa forma estaríamos, inexoravelmente, conduzindo a jurisprudência no rumo de dar à tutela antecipatória as galas de definitividade absoluta.
Outrossim, não vou me permitir caminhar com meu raciocínio para analisar se boa-fé ou má-fé houve por parte do segurado, não chegaria a entrar nessa seara, mas a preocupação que se tem é que, sobretudo em se tratando de direito previdenciário, estando o Erário e nós todos, componentes do mesmo sistema, solidários com isso, estaríamos a abarcar tese que é rechaçada por absoluto no direito privado, em que, lá, o particular contra o particular, essa reversibilidade é tranquila, é pacífica.”

Assim, é imprescindível a observância do que decidiu o STJ no REsp nº 1.401.560/MT, impondo-se a restituição das prestações da seguridade social recebidas por força de antecipação dos efeitos da tutela posteriormente revogada. Deve-se, para tanto, observar a regra contida no art. 115, II e § 1º, da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991:

“Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios:
I – contribuições devidas pelo segurado à Previdência Social;
II – pagamento de benefício além do devido;
III – Imposto de Renda retido na fonte;
IV – pensão de alimentos decretada em sentença judicial;
V – mensalidades de associações e demais entidades de aposentados legalmente reconhecidas, desde que autorizadas por seus filiados;
VI – pagamento de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil concedidos por instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil, ou por entidades fechadas ou abertas de previdência complementar, públicas e privadas, quando expressamente autorizado pelo beneficiário, até o limite de 35% (trinta e cinco por cento) do valor do benefício, sendo 5% (cinco por cento) destinados exclusivamente para: (Redação dada pela Lei nº 13.183, de 2015)
a) amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito; ou (Redação dada pela Lei nº 13.183, de 2015)
b) utilização com a finalidade de saque por meio do cartão de crédito. (Redação dada pela Lei nº 13.183, de 2015)
§ 1º Na hipótese do inciso II, o desconto será feito em parcelas, conforme dispuser o regulamento, salvo má-fé. (Renumerado do Parágrafo único pela Lei nº 10.820, de 17.12.2003)
§ 2º Na hipótese dos incisos II e VI, haverá prevalência do desconto do inciso II. (Incluído pela Lei nº 10.820, de 17.12.2003)”

A adoção de tal entendimento, em nosso sentir, permite a coexistência do importantíssimo mecanismo da antecipação dos efeitos da tutela e sua aplicabilidade às demandas envolvendo prestações da seguridade social com a necessária vedação ao enriquecimento ilícito na percepção de valores a título de antecipação dos efeitos da tutela, de caráter nitidamente precário.

Conclusão

A antecipação dos efeitos da tutela, positivada no direito processual civil brasileiro com a Lei nº 8.952/94, constituiu importante mecanismo para a adequada distribuição do ônus da demora na solução das lides pelo Poder Judiciário.

A concessão de antecipação dos efeitos da tutela deve, invariavelmente, observar a presença dos requisitos da verossimilhança das alegações, amparada por prova inequívoca do direito invocado, quando haja receio de dano irreparável ou de difícil reparação, ou em caso de abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu. Também é necessário que a medida antecipada seja passível de reversibilidade, permitindo às partes o retorno ao status quo ante, ou a reparação pecuniária dos prejuízos dela decorrentes.

A concessão de antecipação dos efeitos da tutela nas demandas envolvendo prestações da seguridade social não encontra óbice na irreversibilidade da medida, seja porque não se trata de requisito absoluto – podendo ser relevado mediante a ponderação dos direitos em litígio –, seja porque a própria manutenção do benefício pode ser interrompida, em caso de revogação da decisão antecipatória. Tampouco o caráter alimentar do benefício implica a irrepetibilidade dos valores pagos a esse título, sob pena de enriquecimento ilícito da parte beneficiária, e o desrespeito à vedação imposta pela norma processual.

Por tal razão, é necessário que se assegure a completa reparação dos valores pagos a título de prestações da seguridade social determinada por decisão antecipatória dos efeitos da tutela, mediante repetição dos valores pagos, adotando-se o mecanismo já previsto no art. 115, II e § 1º, da Lei nº 8.213/91.

Referências bibliográficas

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WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de processo civil. 9. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. v. 1, Teoria geral do processo de conhecimento.

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Notas

1. DIDIER JÚNIOR, 2008.

2. Em sentido contrário, todavia, Luiz Rodrigues Wambier (2007) sustenta não se estar diante de tutela punitiva, não sendo necessário analisar se o réu age dolosamente, mas apenas examinar objetivamente a defesa do réu.



Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023:2002/ABNT):
. . Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n., set. 2016. Disponível em:
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REVISTA DE DOUTRINA DA 4ª REGIÃO
PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRF DA 4ª REGIÃO - EMAGIS