Breves anotações ao Instituto da Expulsão de Estrangeiros: análise do art. 125, XIII, da Lei nº 6.815/80

Autor: Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz
Desembargador Federal do TRF da 4ª Região
Publicado na Edição 18 - 25.06.2007

O instituto expulsão está consagrado no Direito Internacional como poder inerente à soberania do Estado, tendo por fim afastar o cidadão estrangeiro cuja permanência no país contrarie os relevantes interesses nacionais, residindo no Presidente da República a competência para deliberar sobre a conveniência e oportunidade dessa medida de elevado alcance político, cingindo-se o controle do Judiciário ao que se relaciona com a legalidade ou constitucionalidade do ato discricionário.

Realmente, tanto no Decreto-Lei nº 941/69, como na lei atual, encontra-se prevista a pena de reclusão/detenção cumulada com a medida política de expulsão, não distinguindo o legislador uma da outra, como o impõe o rigor técnico, já que não se pode considerar a expulsão como pena criminal, uma vez que é ato discricionário do Presidente da República, configurando, portanto, medida política de defesa do Estado, e não, como já referido, penalidade no âmbito do direito criminal.

A respeito, pronunciou-se o Pretório Excelso, pela voz do eminente Ministro THOMPSON FLORES, relator do célebre caso “Guy Michel”, verbis:

“ (...)
É mister convir, e há momentos salientara no debate o eminente Ministro Aliomar Baleeiro, ser inescusável o direito assegurado ao Chefe do Poder Executivo de prover sobre a expulsão do estrangeiro, como ato de vontade do Estado, expressão da sua soberania. S. Exª., nos termos da Lei, art. 8º do DL. 479, de 08.06.38, é o juiz único da conveniência do ato, que se reveste, dessarte, do nítido cunho da discricionariedade, no sentido próprio dessa expressão.

Em tais condições, sua limitação reside, apenas, na Constituição e nas leis.”
(HC nº 45.067-DF, rel. Min. THOMPSON FLORES, in RTJ 49/835)

Nesse sentido é o magistério autorizado de CHARLES ROUSSEAU, Mestre da Universidade de Paris, verbis:

“Acte unilatéral et mesure de police, l’expulsion est l’expression d’une compétence discrétionnaire exercée par l’autorité administrative (en France par le ministre de l’Intérieur et le préfet dans les départements-frontière), et qui n’a pas à être motivée ... Suivant la formule traditionnelle de la jurisprudence administrative française, l’appréciation des faits à laquelle se livre le ministre de l’Intérieur pour estimer que la présence d’un étranger constitue une menace pour l’ordre public n’est pas susceptible d’être discutée devante le Conseil d’Etat en l’absence de détournement de pouvoir.”
(In Droit International Public, Sirey, 1977, Paris, t. III, p. 19, n. 13)

Caso singular restou julgado pelo Eg. TRF da 4ª Região na Apelação Criminal nº 95.04.61995-9/PR, rel. o Desembargador Federal JARDIM DE CAMARGO, publicado no DJU de 16.04.98, com a seguinte ementa, verbis:

“PENAL. INSERIR DECLARAÇÃO FALSA EM DOCUMENTO PÚBLICO. ESTRANGEIRO. VISTO PERMANENTE. EXPULSÃO. COMPETÊNCIA. CANCELAMENTO.
1 - O réu declarou falsamente que tinha filha brasileira e com a certidão de nascimento falsa instruiu pedido de visto permanente. Foi considerado que os crimes de falsidade ideológica e uso de documento falso restaram absorvidos pelo crime previsto no INC-13 do ART-125 do Estatuto do Estrangeiro, uma vez que o fim único era a obtenção do visto de permanência no Brasil.
2 - A competência para decretar a expulsão de estrangeiro é do Presidente da República, mediante decreto.
3 - Apelo provido para cancelar a pena de expulsão, sendo que, em face do princípio da reformatio in pejus, é incabível o retorno dos autos à origem para fixação de pena de reclusão.”

É este o inteiro teor do aresto, verbis:

“Trata-se de apelação interposta pelo Réu PETER UDO SIEGISMUND KOMERT, de nacionalidade alemã, contra sentença de primeiro grau que o condenou à pena de expulsão, pela prática do delito previsto no artigo 125, XIII, da Lei n° 6.815/80.

Narra a denúncia que, no dia 11.04.85, o denunciado PETER fez inserir em documento público declaração falsa de que no dia 08.04.85 nascera MARIANA GENOWEFA KOMERT, filha dele e da denunciada INGRID GERKER, com a finalidade de obter o direito de permanecer definitivamente no Brasil. Posteriormente, no dia 27.06.85, o denunciado PETER usou tal documento para instruir um pedido de visto de permanência definitiva no Brasil. Após, no dia 10.12.85, inseriu, em documento particular, declaração falsa de que era pai de MARIANA GENOWEFA KOMERT, sendo que, na ocasião, a denunciada INGRID afirmou que tal declaração era verdadeira, com o objetivo de auxiliar PETER, seu marido, a obter o visto de permanência definitiva no Brasil. A denúncia imputou ao Réu PETER a prática dos crimes previstos nos artigos 299, § único, e 304, ambos do Código Penal, e no artigo 125, XIII, da Lei n° 6.815/80.

Foi declarada extinta a punibilidade da Ré INGRID GERKER, com fundamento no artigo 109, V, c/c o artigo 110, § 1°, ambos do Código Penal.

Em suas razões de apelação, o Réu PETER UDO SIEGISMUND KOMERT sustenta, em preliminar, que não cabe a apelação da pena de expulsão por um crime já prescrito, razão pela qual deve ser julgada extinta a punibilidade. No mérito, sustenta, em síntese, que não sabia que o ato por ele praticado era considerado crime pela legislação penal brasileira; que não houve dano, não existindo, então, crime de falsidade ideológica, uma vez que não necessitava da certidão de nascimento para instruir o pedido de permanência definitiva no Brasil, pois já preenchia, à época, o requisito de ter cônjuge brasileiro, não havendo, dessa forma, dolo em sua conduta. Alega, também, que a acusação é nula, uma vez que a certidão de nascimento de fl. 23 é imprestável como prova, pois não foi submetida a exame pericial, conforme preceitua o artigo 158 do CPP. Sustenta, ainda, que, nos termos do artigo 75 da Lei 6.815/80, não pode ser expulso, pois vive como se casado fosse, possuindo filho brasileiro. Por fim, pede a reforma da sentença.

Com as contra-razões, subiram os autos.

O Ministério Público Federal, junto a este Tribunal, tendo em vista que a aplicação da pena de expulsão é da competência privativa do Presidente da República, opinou pelo cancelamento do decreto condenatório e pelo retorno dos autos à Vara de origem, para que o MM. Juízo a quo se manifeste acerca das circunstâncias do artigo 59 do Código Penal, aplicando a pena e, se for o caso, reconhecendo, ou não, a verificação da prescrição.

É o relatório.
À Revisão.

VOTO

O ilustre julgador singular considerou que os crimes de falsidade ideológica e de uso de documento falso restaram absorvidos pelo crime previsto no estatuto estrangeiro, uma vez que o fim único era a obtenção da permanência definitiva no Brasil. Em conseqüência, julgou parcialmente procedente a denúncia aduzindo que:

‘Despicienda qualquer análise das circunstâncias judiciais, circunstâncias atenuantes e agravantes e causas de diminuição e aumento de pena, tendo em vista que a pena prevista para o ato do réu Peter, em razão de sua nacionalidade alemã, é a expulsão.

Fica, portanto, fixada a pena de expulsão ao réu Peter.’

Não houve recurso da acusação.

Conforme bem ressaltou o ilustre Representante do Ministério Público Federal em seu parecer:

‘É de ser provido o apelo.

Com a devida vênia, equivocou-se o douto Juiz a quo ao estabelecer a pena de expulsão, pois esta, consoante assinalado por MIRTÔ FRAGA, configura medida de defesa ou sanção administrativa que somente pode ser decretada pelo Presidente da República (in O Novo Estatuto do Estrangeiro Comentado, Forense, 1985, p. 485, nº 23).

De fato, nos termos do artigo 66 da Lei 6.815/80, ‘caberá exclusivamente ao Presidente da República resolver sobre a conveniência e a oportunidade da expulsão ou de sua revogação’. Ainda, o parágrafo único desse artigo dispõe que ‘a medida expulsória ou a sua revogação far-se-á por decreto’.

Entretanto, é incabível o retorno dos autos à vara de origem para fixação de pena de reclusão, em face do princípio da reformatio in pejus.

Isso posto, dou provimento ao apelo para cancelar a pena de expulsão.

É o voto.”

Ao revisar os autos, anotou a eminente Desembargadora Federal TANIA ESCOBAR, verbis:

“VOTO

A Sra. Juíza Tania Escobar

Senhor Presidente:

Revisei estes autos.

Os fatos trazidos ao conhecimento do Tribunal revelam que a decisão recorrida não encontra base legal alguma para ser mantida.
O Magistrado laborou em equívoco ao se manifestar pela expulsão do réu. Diz o dispositivo da sentença:
‘Em face do exposto, julgo parcialmente procedente a de¬núncia, para o fim de condenar Peter Udo Siegismund Komert como incurso no art. 125, inciso XIII, da Lei n° 6.815/80...

Do réu Peter

Despicienda qualquer análise das circunstâncias judi¬ciais, circunstâncias atenuantes e agravantes e causas de diminuição de pena, tendo em vista que a pena pre¬vista para o ato do réu Peter, em razão de sua naciona¬lidade alemã, é a expulsão.’

Na individualização da pena, em razão de o acusado ser estrangeiro, de nacionalidade alemã, entendeu o julgador ser caso de expulsão, em razão de o texto legal do Estatuto do Estrangeiro prever a penalidade, nestes termos:

‘Art. 121. Constitui infração, sujeitando o infrator às penas aqui cominadas:

XIII - fazer declaração falsa em processo de transformação de visto, de registro, de alteração de assentamento, de naturalização, ou para obtenção de passaporte para estrangeiro, laissez passer, ou quando exigido visto de saída;

Pena - reclusão de 1 (um) a 5 (cinco) anos e, se o infrator for estrangeiro, expulsão;’

O Ministério Público, no parecer, em lúcida promoção, apontou a hipótese de se afastar do decreto condenatório a pena de expulsão.

Entretanto, constato que tal medida se torna impossível em razão de que não se pode ter como havida condenação alguma. A ‘penalidade’ imposta como sanção, da mesma forma, por incompetência absoluta, é inexeqüível.

Não há condenação sem pena; expulsão não é pena, é ato exclusivo do Presidente da República, feito por decreto, na dicção do art. 66, e seu parágrafo único, da Lei n° 6.815/90. Estabelece a lei que caberá exclusivamente ao Chefe do Executivo, resolver sobre a conveniência e a oportunidade da expulsão. O procedimento segue o rito estabelecido na lei de regência, artigos 67, usque, 75.

Não há fundamento legal para sustentar o decisum recorrido pelo apelante. Na forma do art. 564, III, m, do Código de Processo Penal, ocorrerá a nulidade por ausência de fórmulas e termos da sentença, cabendo ao tribunal anular a malsinada decisão.

Cuidando-se de fato datado de 1985, denúncia recebida em 14 de maio de 1990, já temos mais de sete anos decorridos. Anulada a sentença pelo tribunal para que outra seja proferida, se a penalidade imposta se situar bem acima do termo médio, o que é de todo improvável, quatro anos por exemplo, até o julgamento do recurso decorrerão os oito anos exigidos no art. 109 do Código Penal, para a ocorrência da prescrição. Ademais, a pena mínima cominada de um ano de reclusão estaria a indicar a suspensão do processo na forma da legislação dos Juizados Especiais.

O Ministério Público não recorreu da sentença, com o que transitou em julgado qualquer possibilidade penal que possa piorar a situação do acusado. Não havendo pena concretizada, não se pode extinguir a punibilidade pela prescrição, eis que inexiste previsão legal para prescrição em apenamento hipotético. Pela pena em abstrato, o prazo prescricional da lei é de doze anos para o tipo penal do imputado ao apelante.

Diante da singular matéria em julgamento, em que a declaração de nulidade é inafastável, mas prejudicará o réu, acompanho o fundamento do nobre Relator, acolhendo o principio do non reformatio in pejus, para absolver o réu. Dou provimento ao apelo para o absolver.

É o voto.”

Com efeito, consoante assinalado no aresto antes transcrito, a pena de expulsão, nos termos da lição de MIRTÔ FRAGA (in O Novo Estatuto do Estrangeiro Comentado, Forense, 1985, p. 485, nº 23), configura medida de defesa ou sanção administrativa que somente pode ser decretada pelo Presidente da República, não constituindo sanção criminal.

Ao concluir, pertinente recordar a velha, mas sempre nova, lição de BLACK, verbis:

“Laws enacted for the prevention of fraud, for the suppression of a public wrong, or to effect a public good, are not, in the strict sense, penal acts, although they may inflict a penalty upon those persons who violate them. It was in this light, the court considered, that revenue laws should be viewed. They should be construed in such a manner as most effectually to accomplish the intention of the legislature in enacting them. In another case it was said: penalties annexed to violations of general revenue laws do not make such laws penal in the sense which requires them to be construed strictly.”

(HENRY CAMBELL BLACK, in Handbook on the Construction of the Laws, West Publishing Co., St. Paul, Minn., 1896, p. 330)

 

Referência bibliográfica: (de acordo com a NBR 6023: 2002/ABNT):
. Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n. , jun. 2007. Disponível em:
<>
Acesso em: .