O Direito de Empresa

Autor: Prof. Norberto da Costa Caruso Mac-Donald
(Professor de Direito Comercial na Faculdade de Direito da UFRGS)

| Artigo publicado em 24.08.2004 |


(Transcrição da conferência proferida na “JORNADA DE DIREITO CIVIL: O NOVO CÓDIGO CIVIL E A JUSTIÇA FEDERAL” realizada no dia 23 de maio de 2003 em Porto Alegre)


[...] Os colegas devem ter recebido um trabalho que escrevi em 1999 sobre o Projeto de Código Civil e o Direito Comercial. Ocorre que não houve, a partir da época em que examinei o Projeto, em relação ao Código tal como entrou em vigor, maiores alterações. Apenas recomendo que os colegas, na parte pertinente ao Direito de Empresa, adiantem um número na numeração dos artigos. O Direito de Empresa começa no artigo 966, no Código Civil, e eu ainda referi, quando escrevi o trabalho, o artigo 965. A maior utilidade da distribuição desse estudo será a de sistematizar a matéria que me cabe examinar, dentro do curto espaço de tempo de que disponho.

Não poderei certamente desenvolver todas as questões que gostaria, e que a entrada em vigor do novo Código propõe a respeito do Direito Comercial e, principalmente, do Direito de Empresa, que é o que me cabe expor aos colegas. O Professor Sérgio Müller e eu não combinamos qual seria o objeto de nossas exposições. Felizmente preparei algumas questões que são complementares à exposição do Professor. Não haverá, então, superposição de matérias. Como nos tocou o Direito de Empresa, gostaria de iniciar dizendo que é uma das maiores inovações trazidas pelo novo Código Civil.

Como sabem os colegas, continua o Código Civil, como nosso Código anterior, dividido em Parte Geral e Parte Especial. É importante que isso seja salientado porque o modelo próximo do nosso atual Código, sem dúvida o Código Civil italiano, não possui Parte Geral.

E, num exame comparativo, releva levar em conta essa diferença.

Na Parte Especial houve uma reordenação das matérias. Agora se começa pelo Direito das Obrigações, não mais pelo Direito de Família. Mas aí se trata apenas de uma reorganização, observando-se uma seqüência mais lógica. A grande inovação é a inserção de um livro novo, pertinente ao Direito de Empresa, que, como tal – a observação é do professor Miguel Reale –, não figura em nenhum código contemporâneo. É uma originalidade do nosso Código. E por que chegamos ao Direito de Empresa? Por que substituímos a tradicional teoria dos atos de comércio, oriunda da codificação do início do século XIX, pelo Direito de Empresa? Nós só entenderemos isso se considerarmos os fatos sociais e econômicos que lhe estão subjacentes ou que provocaram esta evolução. Sabem os colegas – e eu não vou me deter nesses aspectos, já que temos outras questões também muito importantes para examinar, mas apenas para que fique o registro – que a unificação atingida no novo Código, e isso eu sustento no meu referido trabalho, não chega a subverter a tradição jurídico-privado, quer tendo em conta o Direito Comparado, onde se verifica essa mesma tendência, quer tendo em conta o Direito nacional.

Os colegas não ignoram que o artigo 121 do Código Comercial de 1850 mandava aplicar aos contratos comerciais as regras e disposições de Direito Civil, com as modificações e restrições estabelecidas no Código Comercial. E o Código Civil de 1916, no artigo 1.364, já possibilitava que as sociedades civis adotassem a forma das sociedades comerciais. Até a entrada em vigor do novo Código, era comum que tivéssemos as sociedades civis prestadoras de serviços sob a forma de sociedades por quotas de responsabilidade limitada, hoje sociedades limitadas.

Então, a unificação, ou pelo menos a unificação do Direito Obrigacional, não representa uma ruptura, mas sim o resultado de uma evolução natural.

Como se sabe, o Direito Comercial surgiu como o direito criado pelos comerciantes, pelos mercadores para os mercadores. Vigorou então o chamado sistema subjetivo: o direito mercantil, como direito de classe, era aplicado aos inscritos nas corporações, para regular suas atividades mercantis. Seu particularismo consistia em ser criado diretamente pelos próprios destinatários das normas, sem mediação da sociedade política.

Com a Revolução Francesa passou-se ao sistema objetivo, ao sistema dos atos de comércio, e isto em homenagem ao princípio da igualdade e da unidade do sujeito jurídico. Não se admitia que o homem, o sujeito jurídico, tivesse suas atividades reguladas ora por uma determinada legislação, ora por outra legislação, a não ser em função de circunstâncias ou de requisitos acidentais. Aplicava-se o Direito Comercial ou as regras do Código Comercial se a pessoa estivesse praticando atos de comércio, ainda que não fosse comerciante. Era um critério objetivo para preservar a unidade do sujeito jurídico.

Essa pretensa unidade do sujeito jurídico foi quebrada quando, na segunda metade do século XIX, houve, na bipartição dos códigos, a partir principalmente do Código alemão, na segunda metade dos oitocentos, o regramento completo também da matéria obrigacional e de contratos. E essa disciplina, que integrou os códigos comerciais, passou também a ser aplicada aos não-comerciantes, desde que contratassem com um comerciante. Tecnicamente, é a chamada teoria dos atos mistos, quando se tratava de um comerciante estar contratando com um não-comerciante. Por exemplo, da compra efetuada por comerciante a um produtor rural, que não era considerado comerciante, e posterior venda a um não-comerciante, a um consumidor. Essas relações, embora fossem estabelecidas entre um comerciante e um não-comerciante, eram regidas pelo Direito Comercial. E aí se observa, e essa é a nota importante para nós chegarmos ao estágio atual, que esse não-comerciante ficava sujeito às regras do Direito Comercial. E justamente essa circunstância é reveladora da expansão do Direito Comercial.

Vejam, eu não estou aqui fazendo a apologia do Direito Comercial, ou da excelência do Direito Comercial, de sua expansão. Foi o sistema capitalista, que paulatinamente levou à expansão dessas regras de Direito Comercial, por mais adequadas ao novo espírito que se estabeleceu visando à acumulação do capital. Assim, tivemos a expansão do Direito Comercial a abranger também as chamadas relações mistas, entre comerciantes e não-comerciantes. Mas com o tempo, com a Revolução Industrial, o interesse da classe mercantil como um todo estendeu-se às relações econômicas em geral, inclusive àquelas em que não participavam comerciantes, que deixaram de ser basicamente meros intermediários na compra e venda.

O comerciante, com a Revolução Industrial, passou a influenciar decisivamente o processo produtivo. Os produtores passaram a produzir para os comerciantes, que, gradualmente, dominaram o processo produtivo. Então, a noção de empresa ligada à produção, que antes, nos códigos oitocentistas, era uma espécie do gênero ato de comércio, como encontramos no Regulamento 737 de 1850, se tornou o gênero: a atividade empresarial (produtiva) passou ao primeiro plano dentre as atividades mercantis. E daí a introdução da noção de empresa, a adoção deste critério que, como eu disse inicialmente, é o do Código italiano, o modelo mais próximo do nosso: o sistema de regulação da atividade econômica sintetizado pela teoria da empresa.

A seguir, a partir dessa exposição inicial, farei algumas colocações. Primeiro, o nosso Código, assim como o Código italiano, não definiram empresa, mas somente empresário. E aqui parece importante salientar uma crítica que os juristas italianos fazem ao seu Código. A concepção que foi trazida para dentro do Código é restrita, ou restritiva, ou redutora, porque, como dizem aqueles juristas, ela se preocupou apenas com um dos partícipes, um dos protagonistas do processo de produção. Ela contemplou o empresário, mas, olhando internamente a empresa, esqueceu-se do co-partícipe, que é o empregado, que é o fornecedor de trabalho. De outra parte, também não há dispositivo no Código pertinente à função social da empresa, ou seja, relativo às suas responsabilidades para com a sociedade como um todo. Nesse sentido é que, na Itália, se tem recorrido a regras da Constituição para embasar a função social da empresa, e aqui os italianos falam em “socialità” que o Professor Miguel Reale aponta como uma das características do novo Código Civil.

Essa socialidade, que os italianos invocam para buscar em artigos da Constituição os fundamentos da função social da empresa, para possibilitar uma interpretação mais adequada dos dispositivos pertinentes ao direito de empresa, considero conveniente que nós também a tenhamos presente ao interpretar o Livro II da Parte Especial do Código Civil. Porque temos, na nossa Constituição, dispositivos análogos àqueles da Constituição italiana, que são invocados pelos juristas peninsulares. Por exemplo, a função social da propriedade, no artigo 5º, inciso XXIII, da Constituição; o artigo 170 da Constituição; e temos ainda, agora, no próprio Código Civil, e vamos encará-lo como um sistema, na parte relativa aos contratos, o artigo 421, pertinente à função social dos contratos. Ora, o contrato de sociedade é um contrato plurilateral. E há uma tendência moderna no sentido de estender as regras de interpretação, de conclusão e de execução dos contratos ao ato constitutivo e às relações entre os sócios, ainda naquelas sociedades classificáveis como institucionais, como as sociedades anônimas. Aqui, no nosso direito, ainda há essa proximidade da limitada com as sociedades de pessoas, mas, na Europa, são sociedades de capitais as sociedades por ações e as sociedades limitadas.

Tende-se a restringir aquela visão institucionalista de que, no momento em que uma sociedade se registra e adquire personalidade jurídica, ela se despe das vestes contratuais, deixando a vontade social de ser entendida como ato executivo do contrato originário para se tornar a expressão volitiva de uma nova pessoa (jurídica), cuja vontade é formada numa assembléia, em que vigora o princípio majoritário; a partir daí, injustiças podem ser cometidas sobretudo em relação aos sócios minoritários. Muitas questões são passíveis de defrontação com as regras da parte geral dos contratos, que enfatiza a boa-fé objetiva e é onde se encontram cláusulas gerais das mais importantes do novo Código Civil.

Temos, outrossim, no nosso Código, o artigo 1.228 que trata da propriedade em geral e que salienta a função social da propriedade, no seu parágrafo 1º. E, na Lei das Sociedades Anônimas (Lei 6.404/76), o artigo 116, parágrafo único, pertinente aos deveres do acionista controlador, e o artigo 154, relativo à administração da sociedade, também mencionam a função social.

Penso que em todo o nosso sistema, a partir da Constituição Federal, há embasamento para a sustentação da função social da empresa. Eu já vinha adotando há algum tempo este entendimento. E tive a satisfação de ver que uma das conclusões a que chegou a “Jornada de Direito Civil” promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, no período de 11 a 13 de setembro de 2002, sob a coordenação do Ministro Ruy Rosado, expressa no Enunciado 53, que se reporta ao artigo 966 do Código, é do seguinte teor: Deve-se levar em consideração o princípio da função social na interpretação das normas relativas à empresa, a despeito da falta de referência expressa”. Esse me parece um dos aspectos importantes que devemos ter em vista ao interpretar as regras do Direito de Empresa. Porém, cumpre ressalvar que o reconhecimento da função social da empresa não deve implicar a transferência, para o âmbito privado, das responsabilidades sociais do Estado.

Ainda tenho alguns minutos e gostaria de aproveitá-los para refletir com os colegas sobre questões que têm sido veiculadas pela imprensa e têm causado preocupação a respeito da interpretação de algumas normas do novo Código Civil.

Claro que o Código Civil é elogiado sob muitos aspectos e criticado sob outros. Isso é salutar. Mas tanto o elogio quanto a crítica devem ter fundamento. Se nós elogiássemos tudo ou criticássemos tudo seria completamente improdutivo no sentido de bem aplicarmos o novo Código.

Tem-se apontado na imprensa e em algumas publicações, não raro mescladas com manifestações de juristas eminentes que não têm nada que ver com o contexto, opiniões despidas de qualquer consistência. Em primeiro lugar, eu referiria o artigo 50 do novo Código Civil, sobre o abuso de personalidade jurídica, que tem sido invocado para afirmar o comprometimento da limitação da responsabilidade dos sócios e dos administradores, mesmo em se tratando de sociedades de responsabilidade limitada.

Aliás, abrindo um parêntese, é bom que se registre que, contrariamente à tendência no Direito Comparado, tanto nos países de civil law quanto de common law, o nosso Código não acolheu a limitação da responsabilidade do empresário individual. Há uma diretiva do Conselho da União Européia, que já foi adotada pela maioria dos países, no sentido de admitir tal limitação quer sob a forma de sociedade unipessoal, quer sob a forma de patrimônio de afetação ou de destinação. Ou seja, o empresário destina parte de seus bens para o exercício da atividade empresarial, e só essa parte de seu patrimônio estará envolvida nos riscos dessa atividade. O nosso Código não adotou essa orientação. Continua, como os colegas sabem, o empresário individual, assim como ocorria com o comerciante individual, a responder com a totalidade de seus bens.

Mas relativamente às sociedades de responsabilidade limitada, em que os sócios não são chamados, de regra, a responder pelas obrigações sociais, nelas, me parece, sobre essa questão não houve alteração substancial.

A norma expressa a respeito do abuso de personalidade jurídica, que está consignada no artigo 50 do Código, não é nada mais do que a consagração do que já vinha sendo aplicado pela jurisprudência. Vejam que se trata de abuso da personalidade por desvio de finalidade da sociedade, ou por confusão patrimonial. Espera-se que a existência da norma tenha o efeito de pôr limites a certas decisões da jurisprudência, principalmente dos Tribunais do Trabalho, em que, muitas vezes, basta que a sociedade esteja insolvente, não possa cumprir com as suas obrigações e haja algum sócio que nem sequer foi administrador, que seja solvente, para estender a responsabilidade pelas obrigações trabalhistas a esse sócio, ainda que não tenha se verificado qualquer abuso da personalidade jurídica. Nessas hipóteses, estar-se-á, segundo Fábio Ulhoa Coelho, aplicando a teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica, que carece de qualquer fundamento.

Quer dizer, para desconsiderar a personalidade jurídica e a incomunicação patrimonial dela decorrente, está proclamado expressamente em lei, deve haver um motivo, e o Código Civil indica esses motivos. Isso não afeta a responsabilidade limitada, porquanto a possibilidade de coibir o abuso da personalidade jurídica vem ao encontro do princípio da limitação da responsabilidade: muitas vezes a realização da justiça substancial exige que não se trate esse princípio da limitação da responsabilidade como princípio absoluto. É uma exceção à regra dos efeitos da personificação, a partir da consideração de que atrás da pessoa jurídica estão os sócios: o que existe de fato são as pessoas dos sócios.

Fica aqui o registro: a meu ver, não há, em virtude do disposto no artigo 50, comprometimento da limitação da responsabilidade. Pelo contrário, procurou-se disciplinar essa questão. De outra parte, sustentei, num trabalho publicado em setembro do ano passado (Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, vol. 22, p. 300-376), entendimento que depois vi confirmado por um dos enunciados da Jornada de Direito Civil a que me referi há pouco. Trata-se do Enunciado 51, que se reporta ao artigo 50 do Código Civil: A teoria da desconsideração da personalidade jurídica fica positivada no novo Código Civil, mantidos os parâmetros existentes nos microssistemas legais e na construção jurídica sobre o tema. Portanto, o dispositivo legal, por maior que seja o alcance que se lhe venha a dar, não abrangerá todas as hipóteses possíveis de abuso. Mas o certo é que a aplicação da teoria deve ser fundamentada e condicionada à comprovação dos seus pressupostos, consoante a jurisprudência do STJ.

Quanto à responsabilidade geral dos sócios, o artigo 1.052 é específico à sociedade limitada: concerne à responsabilidade dos quotistas. Sanciona uma peculiaridade do nosso Direito, porque no Direito Comparado, na sociedade limitada, os sócios têm basicamente a mesma responsabilidade do acionista. Nas nossas sociedades limitadas continua a responsabilidade de cada sócio restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social. É, em essência, o que dispunham os artigos 2º e 9º da Lei das Sociedades por Quotas (Decreto 3.708 de 1919), ainda que o dispositivo em exame omita a referência à falência.

O artigo 1.080 é também específico às sociedades limitadas. Cabe essa ressalva, porque o artigo 1.053 dispõe que a sociedade limitada rege-se, nas omissões do capítulo que lhe é específico, pelas normas da sociedade simples. O artigo 1.080 corresponde basicamente ao artigo 16 da Lei de Sociedade por Quotas de 1919, ao estatuir que: As deliberações infringentes do contrato e da lei tornam ilimitada a responsabilidade dos que expressamente as aprovaram. Não houve aqui uma exacerbação da responsabilidade dos quotistas.

Ainda no tocante à responsabilidade dos sócios, o artigo 1.024, aplicável às sociedades limitadas por força do artigo 1.053, sanciona a regra da responsabilidade subsidiária, que é tradicional no nosso direito. Os sócios, quando respondem pelas obrigações sociais, o fazem subsidiariamente. O princípio constava no artigo 350 do Código Comercial e está consignado no artigo 596 do Código de Processo Civil. Também a esse respeito não ocorreu alteração trazida pelo Código.

Da mesma forma, o artigo 1.003, parágrafo único, aplicável por força do artigo 1.057, parágrafo único, não põe em risco a limitação da responsabilidade. Ressalvo que estou me atendo à sociedade limitada porque as anônimas continuam regidas pela Lei 6.404, tendo sua regulação sido retirada do Código Civil por uma emenda no Congresso Nacional. Assim, continuam elas com a mesma disciplina. E não vamos aqui falar dos demais tipos de sociedades, em completo desuso.

O artigo 1.003, parágrafo único, diz: Até dois anos depois de averbada a modificação do contrato, responde o cedente solidariamente com o cessionário, perante a sociedade e terceiros, pelas obrigações que tinha como sócio. Em primeiro lugar, na interpretação deste dispositivo há de ser enfatizada a expressão final: das obrigações que tinha como sócio. Se o sócio é de responsabilidade limitada e a ele, quando da transferência das quotas, não correspondiam obrigações de conformidade com a estrutura do tipo social, ele não responderá solidariamente. Se a lei pura e simplesmente tivesse dito que o sócio é solidariamente responsável, sem esse esclarecimento final, estaria se afastando de precedente que pode ser identificado no artigo 108 da Lei 6.404/76. Na mesma direção apontam o artigo 45, parágrafo oitavo, da mesma Lei 6.404, e o artigo 51 da Lei de Falências.

Em face do dispositivo em exame, cumpre verificar, dentro do sistema pertinente ao tipo social, quais obrigações que correspondiam ao cedente como sócio. Só por essas ele responde solidariamente.

E, finalmente, não querendo me alongar, trago aos colegas o que diz o artigo 1.016, também aplicável por força do artigo 1.053, a respeito aos administradores: Os administradores respondem solidariamente perante a sociedade e os terceiros prejudicados, por culpa no desempenho de suas funções.

Notem bem, exige-se aqui a culpa. O artigo 158 da Lei das S.A. só fala em dolo e culpa no inciso primeiro, tanto que há divergências doutrinárias a respeito da responsabilização com base no inciso II do mesmo artigo. Fábio Ulhoa Coelho preocupou-se em resenhar as diversas opiniões, que vão desde aquelas que entendem que deve ser apurada a culpa de acordo com a teoria tradicional da responsabilidade subjetiva, até as que sustentam a responsabilidade objetiva. Temos, outrossim, a responsabilidade dos administradores de acordo com o Código Tributário Nacional. Manteve-se, pois, o artigo 1.016 dentro da orientação tradicional.

Duas são as notas que afastam preocupações que têm sido veiculadas pela imprensa. No tocante ao sócio que se retira, quando diz o artigo 1.003 que ele continua a responder solidariamente pelas responsabilidades que tinha como sócio. Então, tem-se de apurar, dentro do sistema, que responsabilidade lhe cabia. E, em relação aos administradores, ao exigir-se a culpa. No sistema anterior ao Código, que vigorou até janeiro de 2003, chegou-se até a sustentar, para determinadas hipóteses, a responsabilidade objetiva.

Há, como se pode ver, muita matéria a ser discutida, mas acho que não será prematuro, a partir dessas rápidas considerações, podermos nos tranqüilizar de que não houve um comprometimento da indispensável limitação da responsabilidade quer em razão do artigo 50, quer em razão dos demais dispositivos antes referidos.

Eu teria muito prazer em continuar com os colegas, mas não quero abusar da paciência de vocês, que estão aguardando para ouvir o Professor Sérgio Porto. Muito obrigado pela sua atenção.

Referências

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REVISTA DE DOUTRINA DA 4ª REGIÃO
PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRF DA 4ª REGIÃO - EMAGIS