A
Constituição Federal, em seu art. 5º, LV, declara que
a lei assegurará aos acusados ampla defesa, com os recursos a ela
inerentes.
Abre-se,
assim, com o texto constitucional, ao acusado ampla possibilidade de interferência
na produção da prova e no debate das mais variadas quaestionis
juris.
Em
cumprimento ao mandamento constitucional, impõe-se ao legislador
ordinário, por meio da legislação processual penal,
conferir ao acusado a possibilidade de defender-se da forma mais completa
possível, sem, contudo, inviabilizar o normal prosseguimento da
ação penal.
O
tema é torturante e desafia, há décadas, as maiores
inteligências na matéria.
A
respeito, assinala, em obra clássica, NICOLA CARULLI, verbis:
“...la storia del processo penale è la storia della difesa.
Il processo penale, anche nei suoi aspetti più rudimentali, non
può prescindire dalla posizione del soggetto che si giudica, dalle
garanzie che ad esso si attribuiscono, dall'ampiezza dell’intervento
che gli si consente.
E quando si discute di sistemi processuali , sia in relazione a tempi
più antichi, sia in relazione a tempi più prossimi, sia
in prospettiva di riforma degli attuali ordinamenti sia infine nell’esame
comparativo dei sistemi adottati nei diversi Stati, il centro dell’indagine
è, in realtà, sempre costituito dal tema della difesa”
(In Il Diritto Di Difesa Dell’Imputato, Casa Editrice Dott. Eugenio
Jovene , Napoli, 1967, p. 3)
O exame do direito processual penal brasileiro revela que ele considera
indispensável, sob pena de nulidade, a defesa técnica do
réu, assegurando-lhe contrariar a acusação, produzir
provas e manifestar, acerca delas, juízo crítico.
Ora,
tal defesa, sob pena de tornar letra morta a garantia constitucional,
importa a realização de atos positivos em prol da tese sustentada
pelo acusado, reclamando de seu procurador empenho efetivo no decorrer
da instrução probatória.
Nesse
sentido, pronuncia-se a jurisprudência, como se verifica de aresto
do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do
Sul, em que foi relator o então Desembargador THOMPSON FLORES,
posteriormente Ministro e Presidente do Supremo Tribunal Federal, verbis:
“DEFENSOR QUE NÃO EXERCITA A DEFESA - NULIDADE - ARTS. 141,
§ 25, DA C. FEDERAL; 261, 381, II, do CPP.
- É nulo o processo quando a defesa concedida ao acusado foi apenas
aparente, formal, sem atingir no entanto, ao fim colimado pela franquia
constitucional e preceitos da legislação processual.
- Defensor judicial. Embora não precise a lei como deve exercer
sua missão no processo, sua completa inação em prol
do imputado, atenta contra a garantia da Carta Maior que impõe
o contraditório.
- Aplicação do art. 141, § 25, da Const. Fed. e arts.
261, 381, inc. II, do CPP.
- Apelação provida.”
(In Revista Jurídica, v. 7, p. 244)
Em seu douto voto, salientou o Desembargador THOMPSON FLORES, verbis:
“(...)
II - É flagrante a absoluta ausência de defesa, como ressaltou
o relatório e resumiu a rememoração anterior. Com
a simples investidura de defensor, realizada de parte do dr. juiz de direito,
iniciou-se apenas a determinação legal. Foi, porém,
de todo ineficaz, em vista da inação completa em que se
manteve.
Certo que, como acentuava Orozimbo Nonato, ‘o juiz da instrução
não é juiz da ação do advogado, não
podendo medir-lhe a eficiência, nem prefixar-lhe os rumos...’
(D. da Justiça, de 31.8.49, Apenso nº 201, págs. 2521-13).
Exato que a lei se conforma com a atuação profissional que
pode ser modesta, discreta, desbrilhante e até mesmo ineficiente.
Nem mesmo em certos lugares poder-se-ia exigir maior rigor. Mas a realização
de atos positivos de defesa se impõe. Requer-se a ação,
o empenho, e não o reverso, inércia total, como a que os
autos espelham. Com esse proceder houve apenas aparência da garantia,
jamais o cumprimento da norma constitucional que exige seja ampla e permita
firmar o contraditório. O feito se conduziu, simplesmente, pelo
ângulo da acusação, contrariando a recomendação
da Exposição de Motivos, quando acentua: ‘Ao contrário
das leis processuais em vigor, o projeto não pactua, em caso algum,
com a insídia de uma acusação, sem o correlativo
da defesa’ (Francisco Campos, Expos. de Motivos ao CPP, II,
in fine, grifei). Privado ficou o magistrado que sentenciou de atender
à exigência atribuída em o art. 381, inc. II, do Estatuto
Processual. É manifesta, assim, a invalidade do processado, cumprindo
que seja renovado guardadas as exigências legais. É a lição
dos comentadores, aceita nos Tribunais, inclusive no Pretório Excelso,
dando inteligência ao disposto em o art. 141, § 25, e art.
261, respectivamente do Super Estatuto Federal e Diploma Processual Penal.”
(In Revista Jurídica, v. 7, p. 245).
Em voto que proferiu no julgamento do HC nº 54.531-DF, disse o saudoso
Min. BILAC PINTO, verbis:
“Está escrito na Súmula 523 que ‘No processo
penal, a falta da defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência
só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu’.
Tem-se aí que nulo será o processo se o acusado não
teve defensor (CPP art. 564, III, c), mas, se o teve, embora
deficiente, só ocorrerá a nulidade diante da prova de prejuízo.
Sobre o prejuízo disse o Ministro Victor Nunes Leal, no HC 42.274,
in R.T.J. 33/717:
‘Tais são, por exemplo, os casos em que o defensor oferece
razões omissas, ou não repergunta as testemunhas, ou tem
pouco tirocínio - embora com habilitação legal -
circunstâncias que se traduzem em deficiência da defesa...’
A este respeito, no RHC 43.501, in R.T.J. 43/581, ao ser concedida
a ordem com o provimento do recurso afirmou o Ministro Oswaldo Trigueiro:
‘A paciente foi processada à sua inteira revelia. Não
teve defesa, a despeito de ter-lhe sido dado defensor, na forma da lei.
Mas este não apresentou defesa prévia, não arrolou
testemunhas, não teve qualquer intervenção no sumário
da culpa e, à guisa de razões finais, escreveu as poucas
linhas que constam da fotocópia de fl. 26. Nestas condições
- não é de estranhar-se que os outros co-réus hajam
sido absolvidos e somente a paciente seja, a final, tida como responsável
pela trama delituosa.’
Estes dois julgados servem de referência à Súmula
523, e estão citados, numa demonstração do seu alcance,
no HC 54.185, recen-temente julgado e deferido pela Segunda Turma, em
pedido patrocinado pelo Professor Heleno Cláudio Fragoso, como
relator o Ministro Leitão de Abreu.
A jurisprudência desta Corte tem-se colocado, mais a mais, no sentido
de que ‘o exercício da defesa é indeclinável
injunção da lei, que não se preenche apenas com a
nomeação meramente formal de um defensor’ (RHC 43.011,
in R.T.J., 36/198; RHC 43.501, in R.T.J., 38/581; HC
50.951, in DJ de 21.5.76). A propósito, volto a mencionar
o HC 54.185, que traz, a este respeito, a doutrina e a jurisprudência.”
Da mesma forma, manifesta-se a melhor doutrina, como ALFREDO DE MARSICO,
Mestre da Universidade de Roma, verbis:
“La difesa dell’imputato dev’essere energia reale
spesa nel contrasto delle forze che fanno l'essenza- del rapporto processuale
per una utile e concreta cooperazione all’accertamento del vero
ed all’applicazione della legge.” (In Lezione di
Diritto Processuale Penale, 3ª ed., Casa Editrice Dott. Eugenio
Jovene, NapoIi, 1952, p. 94, n. 66)
Igualmente, GIROLAMO BELLAVISTA, ao afirmar “che la difesa -penale
non risponde ad una mera facoltà dell’imputato, ma ad una
necessità processuale irrinunziable” (In Lezioni
di Diritto Processuale Penale, Dott. A. Giuffrè Editore, Milano,
1965, p. 189, n. 118).
Outro não é o ensinamento de NICOLA CARULLI, verbis:
“...il diritto di difesa come diritto a difendersi è
in se e per sè indisponibile ed inviolabile: la rinuncia a tale
diritto sarebbe del tutto priva di effetti...” (In Op.
cit., p. 69)
Para
GIOVANNI LEONE, Mestre da Universidade de Roma, ‘il diritto
alla difesa è un diritto soggettivo pubblico, che, nel ripristinato
regime delle nullittà assolute, trova più ampio riconoscimento’
(In Trattato Di Diritto Processuale Penale, Casa Editrice Dott.
Eugenio Jovene, Napoli, 1961, v. I, p. 577).
Por
conseguinte, para tornar efetiva a garantia constitucional insculpida
no art. 5º, LV, da CF/88, é imperioso assegurar ao acusado,
no decorrer do processo penal, a ampla defesa, com os meios e recursos
a ela inerentes, devendo o seu procurador, constituído ou dativo,
empenhar-se efetivamente em sua defesa, sob pena da posterior declaração
da nulidade do processo, na forma da Súmula 523 do Pretório
Excelso.
Para
concluir, recordo a célebre oração forense de CH.
LACHAUD, ao patrocinar a causa de Troppmann, verbis:
“Troppmann m’a demandé de le défendre, c’est
un devoir que je viens remplir ici. Ceux qui ignorent quelle est la mission
de l’avocat, quelques-uns du moins, ont pu s’en étonner.
Ceux qui disent qu’il y a des crimes tellement abominables, des
criminels tellement horribles qu’il est impossible qu’on essaye
de demander pour eux la moindre atténuation dans l’application
de la peine; ceux qui pensent ainsi, Messieurs, se trompent, et dans leur
indignation généreuse ils confondent la justice avec la
colère et la vengeance. Ils n’ont pas compris qu’excités
par cette passion ardente et par leur pitié pour les nombreuses
victimes, ils demandent ainsi de laisser commettre un crime social, le
plus dangereux de tous: le sacrifice de la loi. Je comprends autrement
les obligations de la défense. Le législateur a voulu qú’à
côté de l’accusé, quelqu’il fût,
il y eût toujours une parole loyale et honnête pour arrêter,
s’il est possible, les émotions de la foule, qui sont d’autant
plus terribles qu’elles sont généreuses; elles peuvent
étouffer la vérité.
Le loi est calme, Messieurs, elle n’a jamais de ces emportements,
même des plus généreux; elle s’est dit que la
vérité n’est possible à découvrir que
quand elle est recherchée par l’accusation et par la défense.
Elle a compris qu’il arrive une heure où il faut ne plus
regarder les spectacles et s’éloigner des champs de carnage.
Elle a compris que tout n’est pas dans les victimes et qu’il
faut aussi jeter un regard surl’accusé; qu’il est du
devoir de la justice et du juge d’interroger l’homme, sa nature,
ses entrainements, son inteligence, son état moral. Elle dit alors
à l’avocat: “Vous serez à la barre, vous y serez
avec votre conscience.” C’est le premier mot de ce débat
solennel, prononcé par M. le Président, quand il a rappelé
au défenseur que tout ce qu’il avait à dire de l’accusé
devait sortir de sa conscience. Le droit de la défense, la liberté
de la défense, le législateur les confie a l’honneur
professionnel de l’avocat; il concilie ainsi les droits légitimes
de la société avec les droits non moins sacrés de
la défense, et vous étes bien sûrs, Messieurs, qu’en
nous présentant devant vous, c’est avec honnèteté
que nous venons chercher à expliquer la vérité telle
que nous la comprenons.
Si jamais une affaire criminelle a demandé une défense,
n’est-ce pas celle-ci, Messieurs? Un crime sans précédent,
des forfaits commis dans la plaine de Pantin, et au milieu de cette émotion
générale des clameurs ardentes et inévitables, qui
réclament contre le coupable vos sévérités
implacables! Comprenez-vous, Messieurs, que la parole d’un défenseur
doit vous prémunir contre ce danger? Vous avez juré de ne
sacrifier ni les intérêts de la société, ni
les intérêts de l’accusé; vous avez promis d’être
calmes, de rechercher la vérité en dehors des passions tumultueuses
de la foule; vous avez juré de laisser parler votre conscience
quand elle sera recueillie et quand vous aurez tout entendu. Eh bien!
Je vous en conjure, imposez silence à voz consciences, ayez ce
courage! attendez!”
(In Plaidoyers de Ch. Lachaud, recueillis pour Félix Sangnier,
Bibliothèque-Charpentier, Paris, t. 2, pp. 282/3)
Bibliografia
CARULLI, Nicola. In Il Diritto di Difesa Dell’Imputato,
Casa Editrice Dott. Eugenio Jovene, Napoli, 1967, p.3.
MARSICO,
Alfredo de. In Lezione di Diritto Processuale Penale, 3.ed.,
Casa Editrice Dott. Eugenio Jovene, Napoli, 1952, p. 94, n.66.
BELLAVISTA,
Girolano. In Lezione di Diritto Processuale Penale,
Dott. A. Giuffrè Editore, Milano, 1965, p.189, n. 118.
LEONE,
Giovanni. In Trattato di Diritto Processuale Penale, Casa Editrice
Dott. Eugenio Jovene, Napoli, 1961, v. I, p.577.
LACHAUD,
Ch. In Plaidoyers de Ch. Lachaud, recueillis pour Félix
Sangnier, Bibliothèque-Charpentier, Paris, t. 2, p.282/3.
|