A técnica dos acordos na Justiça Federal

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Autor: Antônio Fernando Schenkel do Amaral e Silva
(Juiz do Juizado Especial Federal Previdenciário)

| Artigo publicado em 25.10.2004 |

 

1. Introdução

Toda atividade humana, das simples às complexas, exige uma técnica, uma tecnologia, um modo de proceder organizado, planejado, fruto de um conhecimento empírico, científico ou de ambos.

A verdade disto está nos resultados do emprego da técnica, pois quanto mais favoráveis e expressivos, com mais certeza estaremos diante de uma boa técnica, de uma forma de proceder adequada aos fins e resultados propostos.

Destarte, temos a pretensão de apresentar uma técnica dirigida à conciliação na Justiça Federal, uma forma planejada de proceder orientada à resolução dos conflitos, caracterizando-se pela necessidade de interação e diálogo com entidades públicas e privadas.

Antes, porém, de adentrarmos o assunto, é mister tecer algumas considerações a propósito da nossa instituição, da nossa forma de trabalho, dos nossos resultados e da avaliação da sociedade sobre o Poder Judiciário. Partindo dessas informações, poderemos elaborar uma conclusão, passando, desta forma, a entender a importância do assunto em pauta.


2. Autocrítica

Passos (1999, p. 48) adverte: “é da essência mesma do poder a exigência de sua efetividade, sem o que deixaria de existir como poder.”

Todos os profissionais do Direito convergem no sentido de identificar uma crise no Poder Judiciário. Esta crise, aliás, não é só nossa, mas do aparelho estatal como um todo (Poderes Executivo e Legislativo). É uma crise de efetividade, qualidade inerente a todo tipo de poder. O poder não-efetivo, ou seja, não-útil à sociedade, deixa de ser poder e corre o risco de deixar de existir como tal.

A par da crise de efetividade, é verdade que, a cada dia, os magistrados produzem cada vez mais decisões (sentenças e acórdãos). As estatísticas de produtividade estão aí para demonstrar. Então, é paradoxal tal situação, pois apesar das centenas de milhares de sentenças, vivemos uma crise de efetividade. Por quê? Porque as centenas de milhares de decisões judiciais não resolvem os conflitos. É claro que o nosso arcaico procedimento processual possibilita a eternização dos litígios. É claro que há excesso de recursos, além da nossa criatividade recursal orientada para a postergação da efetividade. É claro que há falta de material humano. É claro que falta equipamento. É claro que... É claro que...

Iludidos, após proferir dezenas de sentenças padronizadas ou não, vamos para casa com a agradável e enganosa sensação do dever cumprido. Por força da quantidade de processos a serem resolvidos, nos afastamos cada vez mais das pessoas, das partes, dos advogados, trancando-nos nos gabinetes para decidir. Tudo formal, cartoralizado, escrito, registrado, certificado. O processo virou uma obra-de-arte que não pode ser alterada, riscada, tocada, ferida. Esquecemos que, por trás do papel, existem pessoas, um mundo. O gabinete do juiz transformou-se em um bunker inacessível à parte e ao advogado (privado ou público). Perdemos o referencial humano do nosso tempo, o nosso verdadeiro significado.

As Corregedorias querem gabinetes “zerados”; os advogados, com os recursos prontos, querem as sentenças o mais rápido possível. As petições iniciais, as contestações, as sentenças e os acórdãos são padronizados. Todos já conhecem o resultado. Porém, este é o atual sistema. Audiências? Para quê? Pura perda de tempo do juiz e das partes. É mais rápido, cômodo e fácil sentenciar, fazer o padrão. Atender a parte e o seu advogado, para quê? Não está tudo descrito na petição?

Por força do sistema, nos tornamos “juízes sem rosto”, sem identidade, parecidos com um ente incorpóreo, que as pessoas sabem que existe, mas que desconhecem. Esta situação compromete a imagem do Judiciário, tanto que, por ocasião do Dia da Justiça de 2003, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ministro Maurício Corrêa, solicitou aos juízes ampla divulgação do trabalho forense na mídia.

Quando das reformas constitucionais, em particular da previdenciária, puderam os magistrados sentir o quanto a crise de efetividade atingiu a credibilidade do Poder Judiciário. A Associação dos Magistrados Brasileiros - AMB - divulgou editorial em 06 de outubro de 2003:

A AMB abraçou a bandeira da efetividade da Justiça de forma concreta. Os juízes não estão mais dispostos a pagar o preço por disfuncionalidades e precariedades do sistema às quais não deram causa, tornando-se alvos fáceis em qualquer tentativa de fragilização do Poder Judiciário e das carreiras de Estado. Os episódios relacionados à reforma da previdência deixaram isso bem claro. (Grifos nossos).

Mas nem tudo está perdido. Estamos nos conscientizando de que a mudança dever vir de dentro para fora. Para tanto, são despiciendas as preconizadas reformas do Judiciário e, até mesmo, das leis processuais. É uma imprescindível mudança de atitude dos juízes a grande reforma de que precisa o Judiciário, “antes de ser surpreendido por soluções externamente produzidas e para cuja formulação não contribuiu” (NALINI, 1994, p. 44).


3. O acesso à justiça

As portas de entrada para o sistema judicial, as conhecidas ondas de Cappelletti (1988), cresceram em gênero, número e grau. O problema é que a porta de saída não teve o mesmo desempenho, e as vias processuais adotadas acarretaram um movimento circular dos casos no foro, ou seja, o processo entra, e cada decisão nele proferida gera novo movimento circular dentro do sistema, não o levando, necessária e desejavelmente, em direção à saída.

O acesso, em si mesmo, não significa a pacificação do conflito. Pelo contrário, é gerador de traumas sociais diversos. A lentidão do processo é o amálgama deste perverso efeito colateral. Quanto maior a demora, maiores as chances de novas crises. A parte autora não estará mais em conflito apenas com a parte ré, mas também com o sistema de justiça. Bem por isso, a demora do processo em resolver a lide é o fator primordial do atrito da sociedade com o Poder Judiciário.

Se as ondas se referiam ao acesso à justiça, as novas ondas devem se referir à saída da justiça:

Originando-se, talvez, da ruptura da crença tradicional na confiabilidade de nossas instituições jurídicas e inspirando-se no desejo de tornar efetivos – e não meramente simbólicos – os direitos do cidadão comum, ela exige reformas de mais amplo alcance e uma nova criatividade. Recusa-se a aceitar como imutáveis quaisquer dos procedimentos e instituições que caracterizam nossa engrenagem de justiça (CAPPELLETTI, 1988, p. 8, grifos nossos).

Como visto, só podemos cogitar como saída a mudança no modo de trabalho dos juízes. A tradição do magistrado e a sua formação clássica adentraram o terceiro milênio. As mudanças sociais e a ética despertaram nos profissionais a necessidade de evolução, criando tensões entre a consciência e a formação jurídica, enraizada no positivismo, no dogma da inércia, no axioma da neutralidade.

Pois bem, é possível melhorar a saída dos processos sem abalar as estruturas, como veremos.


4. A conciliação e o conflito

A cultura do conflito por nós encravada no foro cria uma resistência psicológica contra a cultura do diálogo, originando um desconforto tenaz em relação à mediação como forma eficaz de solução de litígios.

Quando patrocinamos uma fórmula nova de trabalho, propomos aos profissionais do Direito acreditar na mediação como verdadeiro remédio para a crise de efetividade do nosso Poder. (1)

Entendemos por mediação o procedimento judicial destinado a obter uma conciliação, extinguindo-se o processo mediante a homologação do acordo pelo juiz. Por corolário, pode haver mediação sem conciliação.

Warat (2001, p. 31), com toda a sua sensibilidade filosófica, lembra: “Os conflitos nunca desaparecem, se transformam; isso porque, geralmente, tentamos intervir sobre o conflito e não sobre o sentimento das pessoas.”

Leciona Warat (2001) que o problema não está no conflito em si mesmo, mas na forma como lidamos com ele. As dificuldades não advêm somente dele, mas de como lidamos e nos relacionamos com ele. São inevitáveis por diversas razões, tais como o crescimento demográfico, as dificuldades econômicas, a desenfreada produção legislativa, etc.

A mediação é a forma ideal para resolvermos o conflito em suas dimensões objetiva e subjetiva, isto é, para resolvermos o processo (parte objetiva) e o conflito interior das pessoas (parte subjetiva) em um tempo razoável. É que elas buscam na Justiça uma melhoria na qualidade de vida, que é o objetivo do processo e que passa necessariamente pela solução dos conflitos interiorizados. A paz, a tranqüilidade, a segurança e a sensação de justiça são valores que a sentença não alcança em tempo razoável.

É a transformação, pelo acordo, dos vínculos conflitivos em vínculos respeitosos que permite a convivência pacífica e harmoniosa entre os sujeitos.

A conciliação também apresenta uma dimensão de cidadania, conferindo capacidade às pessoas de se autodeterminarem na resolução de suas pendengas.

“Em termos de autonomia, cidadania, democracia e direitos humanos a mediação pode ser vista como a sua melhor forma de realização” (WARAT, 2001, p. 88).

O acordo judicial, como fruto da mediação, deve ser bom para o indivíduo nos aspectos econômicos e psicológicos. De nada adianta, neste sentido, ultimar a lide em um acordo se uma das partes, intimamente, se sentir injustiçada, insatisfeita. O conflito persistirá. Por isso, cada parte tem que sair do acordo tão satisfeita quanto houvesse havido a reparação total do dano ou o atendimento total da pretensão. Caso contrário, novamente estaremos retornando ao grande dilema da atualidade, qual seja, o de não resolver o conflito intersubjetivo do cidadão com a parte adversa e com o próprio Judiciário.


5. A técnica da conciliação

Todo o nosso fracasso atual nas conciliações com os entes públicos e privados tem como fator comum a dimensão humana. De fato, não há conciliação sem contato pessoal entre os profissionais envolvidos na lide. Como dito anteriormente, estamos todos trancados em gabinetes, e as audiências, única oportunidade de reunião dos interessados, relegadas ao ostracismo. A única conversação estabelecida é a peticionada, cartorária e arcaica manifestação escrita. A dialética é fria, distante, impessoal e inexitosa.

A negociação, em geral, é feita diretamente pelos interessados, o que normalmente não alcança qualquer resultado objetivo, já que as partes litigantes mantêm seus interesses pessoais em primeiro plano, não aceitando qualquer redução ou simples prorrogação de um prazo para uma maior reflexão (CARVALHO, 2002, p. 69).

Os professores da Universidade de Harvard lecionam que sem comunicação não há negociação. Entendem que a negociação é um processo de comunicação bilateral com o objetivo de se chegar a uma decisão conjunta. Segundo eles, a comunicação nunca é fácil, mesmo entre pessoas que têm um imenso histórico de valores e experiências compartilhadas (FISCHER et alii., 1994). Portanto, o juiz será o elo de comunicação entre os litigantes.

O juiz deve capitanear o processo de quebra destes paradigmas, aproximando-se dos demais operadores. Não se faz justiça sozinho e isolado. A nova justiça é cidadã e participativa. Divide responsabilidades, procurando integrar todos os envolvidos na solução dos problemas e litígios. Como é o fator humano o diferencial, a aproximação física é o meio necessário à comunicação eficaz, à conversação, ao diálogo, ao entendimento.

O magistrado, na fase preparatória, deve abandonar a inércia e adotar uma disposição pró-ativa: visitar as entidades públicas com as quais se relaciona processualmente, estabelecer contato mais estreito, conhecer a realidade daquelas organizações, tais como a União, o INSS, a Caixa Econômica Federal, a Ordem dos Advogados do Brasil, o Ministério Público Federal, etc.

Conhecer as dificuldades e as potencialidades evita medidas judiciais divorciadas da realidade, previne mal-entendidos e abre canais de conversação e entendimento capazes de viabilizar rotinas e procedimentos de trabalho desburocratizados e produtivos para todos. Tal disposição não significa e não se confunde com subserviência ou perda da imparcialidade do juiz.

Uma vez aberto o canal de entendimento, devem ser iniciados os estudos das hipóteses onde os acordos são factíveis. De modo geral, qualquer caso deve ser considerado como possível, ou seja, não deve ser aprioristicamente excluído.

O magistrado deve reunir-se com os procuradores dos réus (entidades públicas/privadas) munido de uma pauta de casos nos quais verificou ser possível o acordo, seja porque a matéria de Direito já está pacificada (FGTS, IRSM/94, etc.), seja porque a matéria de fato é de fácil compreensão e julgamento (tempo de serviço rural, cobrança de crédito rotativo, execução).

Deve, também, solicitar a designação de um procurador público (Procurador-Chefe ou congênere) para estabelecer um diálogo constante e profícuo, sendo certo que esta pessoa da Procuradoria deve ter perfil adequado para a conciliação. Deve ser uma figura comprometida com a pacificação de litígios e espíritos, com a resolução dos processos e prestígio da Justiça, que não pertence a nós (os juízes), mas a todos.

Ter “perfil adequado” não significa domesticação do advogado pelo juiz, mas é necessário que este profissional esteja preparado culturalmente para exercer um novo múnus público, isto é, exercer a defesa econômica do réu. Uma vez vencida a defesa jurídica (matéria já pacificada nos Tribunais), cabe ao procurador propor acordos economicamente vantajosos para o requerido, economizando os recursos públicos e os honorários advocatícios da iminente sucumbência jurídica. Abrem-se, sem dúvida, duas vertentes de defesa: a jurídica e a econômica.

A defesa jurídica é o primeiro campo de resistência, tendo lugar nos processos enquanto exista ou persista a discussão sobre a melhor exegese da norma. Exemplo atual: se é possível reconhecimento do trabalho rural ao menor de 14 anos de idade. O INSS aguarda uma posição do STF.

A econômica, segunda linha de defesa, exsurge após a pacificação da matéria. Destarte, se o STF decidir em favor do trabalho adolescente, uma vez provado o labor nos autos, o acordo é a melhor opção para o réu (outra seria deixar de recorrer), uma vez que se defenderá o interesse econômico através de uma conciliação.

A economia de divisas viria no “desconto” de parte da condenação, bem como na falta de sucumbência quanto aos honorários advocatícios. A dinâmica da audiência viabilizaria um pacto vantajoso para os contendores.

Bem preparado será o causídico que souber diferenciar os casos e escolher a melhor defesa ao ente patrocinado.

Não é frutificante a troca de procuradores. É mister certa perenidade daquele profissional no trabalho, sob pena de seu substituto não se engajar no desenvolvimento e consolidação das iniciativas até então tomadas, das questões resolvidas e das a resolver.

Entendimento requer trabalho, paciência, perseverança. Não se deve pretender ou querer resolver todas as questões em apenas uma única reunião. Outras podem ser e serão necessárias. É preciso fazer tantas quantas as circunstâncias exigirem. Outrossim, o entendimento sempre será um trabalho inacabado, pois novas situações exsurgirão pedindo outros acertos e consertos.

Os advogados privados, por sua vez, também merecem atenção do magistrado nesta seara. É preciso desconstruir a tradição cultural que nos cerca, construindo com eles a crença de que devemos tentar a conciliação a qualquer tempo no processo. A participação do advogado é crucial, pois tem ele a confiança do seu cliente, o conhecimento jurídico da demanda e a frieza que separa o passional do racional, dicotomia indispensável a qualquer tentativa de acordo.

Um cliente satisfeito é garantia de nova clientela e prestígio profissional para o advogado.


6. O discurso da audiência

Na fase executiva, as partes na audiência devem ficar à vontade, soltas, livres, desprevenidas, despreocupadas, pois assim conseguem manifestar suas vontades. Ao contrário, se tensas, tendem a se fechar em si mesmas, a repelir qualquer aproximação, qualquer forma de abordagem do problema, a dificultar a busca de soluções e a própria negociação.

O mediador deve procurar colocar cada um dos contendores “no lugar do outro”. Isto facilita a percepção das dificuldades que o “outro” sofre. Por exemplo, as limitações impostas pelos superiores hierárquicos, pelos controles administrativos (Tribunal de Contas da União) ou pelas instruções internas da entidade pública restringem a vontade do procurador público. Serve, também, para que o advogado público sinta “na pele” as situações vividas pelo particular, a justificar a propositura ou a alteração da proposta de acordo para bases melhores e mais justas.

A relação pessoal entre os litigantes tende a ser confundida por eles com o seu problema, objeto da ação judicial. Por isso, o conciliador deve procurar identificar a carga negativa (sentimentos) para, a partir daí, deslocá-la do litígio propriamente dito (substância). Separada a carga negativa/sentimental, pode demonstrar às partes formas diferentes de reconstruir o presente e o futuro, pois o passado jamais volta, propugnando e fomentando a criação de um tempo diferente, melhor para ambos, edificado a partir do conflito instaurado no processo. O processo judicial passará de um mal a uma boa oportunidade de melhoria na qualidade de vida (visão prospectiva).

É importante frisar que o conciliador, por abster-se e abster as partes de remexer e reexaminar o passado, está livre das teorias e teses jurídicas do processo e com elas descompromissado. Warat (2001) ensina que relacionamentos baseados apenas na racionalidade não prosperam, pois há necessidade de dar-se afetividade ao relacionamento. A aproximação dos entes favorece a construção do respeito, da amizade e da compreensão. Utilizam-se as armas da sensibilidade e humanismo para o acertamento de vontades na audiência.

O conciliador tem a missão de auxiliar as pessoas a se encontrarem, a se despirem das mágoas pessoais em relação ao outro. É comum o cidadão ter sentimentos negativos em relação ao órgão público, em virtude de mau atendimento, da espera em longas filas, etc. O conciliador deve descobrir o que, internamente, produz resistência ao acordo (dúvidas, incertezas, mágoas, etc.). Daí serem imprescindíveis paciência e tempo, pois a audiência pode funcionar como terapia, propiciando a descarga de todos os traumas.

A linguagem da ciência do Direito é inadequada para os leigos, devendo ser evitada nas tratativas, pois as pessoas simples desconhecem o sentido técnico e as conseqüências das expressões jurídicas, acabando alijadas das discussões de seus problemas. A linguagem deve ser inteligível ao homem que está na audiência, pois o seu interagir é base e pressuposto do sucesso da conciliação. Um acordo mal-entendido é sinônimo de fracasso na sua fase executiva, pois as dúvidas e incertezas causarão o fraquejamento do espírito. Para o sucesso do acordo, a totalidade do ser (razão e emoção) deve estar comprometida com ele.

A audiência não pode ser ritualizada, isto é, ser dividida em partes rígidas. Pelo reverso, deve ser informal o suficiente para apresentar momentos distintos entre si, porém sem observar qualquer desencadeamento uniforme de fases (de apresentação, conversação, negociação, etc.).

Com razão, apregoa-se que a conciliação requer perfil dos envolvidos, em particular, do magistrado, por presidir os trabalhos no processo judicial. O juiz reúne, por dever de ofício, as qualidades exigidas para a mediação: neutralidade, imparcialidade, desinteresse pessoal na causa, conhecimento jurídico, conhecimento do caso sub judice, confidencialidade (sigilo) e confiança das partes.

Desta forma, com maior ou menor perfil congênito para a negociação, qualquer juiz pode tornar-se um hábil conciliador, desde que atue observando algumas prescrições básicas, mais ou menos já referidas:

I. Saudar os presentes, ressaltando a importância da presença de todos para o sucesso dos trabalhos.

II. Apresentar mutuamente as partes, quebrando a inércia da audiência e já fomentando os contatos pessoais entre os interessados.

III. Explicar a conciliação como alternativa para solução do processo, sendo o juiz um encaminhador de soluções a serem criadas pelas próprias partes envolvidas com ganhos mútuos.

IV. Alertar que não está em jogo na conciliação saber quem tem mais ou menos razão ou direito.

V. Estimular as partes para que falem das experiências (vivências) que as levaram a entrar com o processo na Justiça (terapia), lembrando que todos terão oportunidade de manifestação.

VI. Não deixar que existam ataques pessoais, intervindo imediatamente para coibir tais iniciativas, retomando o diálogo profícuo na busca de soluções.

VII. Não ter pressa e, se for necessário, designar nova audiência para data próxima, porém com tempo suficiente para que as partes reflitam e/ou realizem determinadas tarefas necessárias à continuidade dos trabalhos (elaboração de cálculos, autorizações, documentos, etc.).
A criação e a melhoria das propostas, em especial pelos advogados públicos, requerem tempo, novas consultas aos superiores, autorizações, etc. É crucial, portanto, registrar os avanços da negociação na ata da audiência, a fim de que não se perca o “fio da meada”. Outrossim, com tal cuidado, qualquer outro colega poderá dar continuidade aos trabalhos, pois as bases já são conhecidas e estão registradas. Não obstante, tal registro deve ser autorizado pelos presentes.

VIII. Verificar, na inicial, qual o ganho pretendido. Pode ser a proposta de acordo melhor ou próxima daquela que é requerida, facilitando o entendimento.

IX. Usar termos simples, claros, objetivos e curtos. Evitar os “padrões” com todas aquelas fórmulas complexas e prolixas.

X. Dar às partes tempo para analisar, discutir e aprimorar o termo de acordo antes da assinatura.

XI. Reabrir a sessão, se alguém quiser, mesmo depois de pronta e assinada a conciliação, para análise do ponto que ainda suscita dúvida, pois o comprometimento moral com as cláusulas do acordo é a base de seu cumprimento.

XII. Nas ações já sentenciadas e/ou com trânsito em julgado, facilitar a conciliação fazendo uma simulação dos ganhos com a decisão judicial. Em alguns casos, poderá a proposta ser melhor que a própria sentença.

XIII. Ao finalizar a sessão, parabenizar as partes pelo entendimento, o qual solucionou a lide e trouxe de volta a tranqüilidade, o bem-estar e a segurança para os litigantes.

Mediação requer trabalho. Muito trabalho, esforço e paciência. Porém, um acordo na 1a Instância significa a inexistência de uma futura apelação, de um acórdão, de um provável recurso especial e/ou extraordinário. Significa a inexistência de liquidação de sentença, de execução e embargos. De uma nova sentença nos embargos, de nova apelação, de nova possibilidade de recurso especial e/ou extraordinário. Da eliminação de uma rescisória, de mandado de segurança, até. Não esqueçamos os agravos, possíveis de toda e qualquer decisão realizada em cada um dos processos listados.


7. Medidas a curto prazo

As mediações devem representar uma política institucional do Poder Judiciário, devendo os Tribunais se comprometerem com as seguintes medidas:

- colocação como um dos itens de avaliação do trabalho jurisdicional a realização de audiências conciliatórias;

- patrocínio (pelas escolas de magistratura) de cursos de mediação com a participação e colaboração dos órgãos públicos e de seus procuradores (União, INSS, CEF, EMGEA, Correios, etc.), da Ordem dos Advogados do Brasil e do Ministério Público Federal;

- colocação de matérias e disciplinas relativas à mediação no programa dos concursos para juízes.

A propósito, tramita no Congresso Nacional projeto de lei sobre mediação, cuja versão consensuada de 17.09.2003 traz alteração para o artigo 331 do Código de Processo Civil - Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973, sendo importante o parágrafo 5o, a saber:

O juiz deverá buscar, prioritariamente, a pacificação das partes, ao invés da solução adjudicada do conflito, sendo sua dedicada atuação nesse sentido reputada de relevante valor social e considerada para efeito de promoção por merecimento.


8. As mediações no Brasil

Diversos Tribunais vêm realizando audiências de conciliação, entre eles, o Tribunal de Justiça de São Paulo. Em matéria sobre o tema, o jornal O Estado de São Paulo (2003, p. A8) publicou: “Uma Justiça que não tarda nem falha”. Foram elogiadas a informalidade e a importância da “cultura da conciliação”, sendo que o percentual de acordos é de 40%. No mesmo periódico (2003, p. A3), foi publicado artigo elogiando a iniciativa da Justiça paulista como alternativa para resolução dos processos.
O Tribunal Regional do Trabalho da 6a Região (Pernambuco) criou o “Programa de Conciliação Prévia”, seguindo exemplo de outros Tribunais, onde o grau de acordos é de aproximadamente 50% (INFORMATIVO TRT 6ª R, 2003).

Nesta trilha, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (Porto Alegre) criou o Projeto "Conciliação no Tribunal Federal", conforme Resolução nº 37, de 26 de setembro de 2003. Foram selecionados processos relativos ao Sistema Financeiro da Habitação, e aplicadas as técnicas aqui descritas com a CEF/EMGEA.

Dos 93 processos submetidos à conciliação, em 62 casos foram realizados acordos (66,66%), sendo também solucionados reflexamente 10 processos em tramitação na Primeira Instância. Em todos eles, o grau de satisfação dos mutuários foi excelente, ainda que não houvesse a conciliação. No transcorrer das audiências, várias indagações surgiram quanto à possibilidade de extensão do projeto aos demais processos em tramitação no Tribunal. Muitas pessoas ligaram para o TRF solicitando que também os seus processos fossem incluídos.

Na 1a Instância, diversas subseções têm alcançado grande êxito em conciliações. Em Maringá/PR, o percentual de acordos tem girado em torno de 50% nas questões relativas ao SFH (2). Em Foz do Iguaçu/PR, são realizadas conciliações em processos de execução de crédito rotativo, com 40% de êxito.(3) Em Joaçaba/SC, a Vara Federal tem alcançado mais de 50% de sucesso nas execuções fiscais promovidas pelo CREA, CORE E INMETRO, sendo de ressaltar que de 32 audiências 17 resultaram em acordos, destacando-se o fato de que, além das transações, ocorreram 06 pagamentos antes das audiências, porém após a intimação para comparecimento.(4)

O percentual médio de acordos, superior à casa dos 50%, reflete o potencial, a importância e a urgência de adotarmos uma política institucional neste sentido, pois, inegavelmente, solucionaríamos o problema da efetividade no Poder Judiciário.


9. Conclusões

A grande e verdadeira reforma do Poder Judiciário dispensa alterações na legislação. Está, sem dúvida, na mudança de atitude dos profissionais do Direito, a ser capitaneada pelos juízes, no sentido da gênese de uma “cultura da conciliação”.

A crise de efetividade pode ser superada pelas mediações, as quais exigem contato pessoal dos magistrados com as partes e seus procuradores, sendo as audiências o elo de comunicação a ser restabelecido e valorizado na Justiça Federal.

Os Tribunais devem adotar as mediações como política institucional, valorizando e incentivando todos os profissionais que se empenham na sua realização.

Por fim, a mediação não deve mais ser considerada como “processo alternativo”, mas como “processo natural” de solução de conflitos pelos profissionais do Direito.

10. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS – AMB. Informa, 06 out. 2003.
BRASIL. Congresso Nacional. Projeto de lei sobre mediação, cuja versão consensuada de 17.09.2003 traz alteração para o Artigo 331, Lei 5.869, § 5º, 11 jan. 1973.
CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à justiça. Tradução Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988.
CARVALHO, José Carlos Maldonado de. “Mediação: Aplicação no Brasil”. Revista do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, Brasília, n. 17, p. 69, jun. 2002.
FISCHER, Roger et alii. Como chegar ao sim (a negociação de acordos sem concessões). Projeto de negociação da ‘Harvard Law School’. Tradução Vera Ribeiro e Ana Luíza Borges. Rio de Janeiro: Imago, 1994.
INFORMATIVO TRT 6ª R, ano X, n. 86, jun. 2003.
JORNAL O ESTADO DE SÃO PAULO, p. A8, 06 out. 2003.
_____, p. A3, 13 out. 2003.
NALINI, José Renato. O juiz e o acesso à justiça. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994.
PASSOS, José Joaquim Calmon de. Direito, poder, justiça e processo: julgando os que nos julgam. Rio de Janeiro: Forense, 1999.
WARAT, Luis Alberto. O ofício do mediador. Florianópolis: Habitus, 2001. 279p.

NOTAS DE RODAPÉ

1. O Poder Judiciário pertence à sociedade, representada no foro pelos juízes, advogados e promotores.
2. Maiores detalhes com o colega Erivaldo (ribeiro@jfpr.gov.br).
3. Maiores detalhes com o colega Rony (rony@jfpr.gov.br).
4. Maiores detalhes com o colega Adriano (copetti@jfsc.gov.br).


REVISTA DE DOUTRINA DA 4ª REGIÃO
PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRF DA 4ª REGIÃO - EMAGIS