Prescrição
da ação de cobrança do crédito tributário:
sua intercorrência e seu reconhecimento ex officio
Lawsuit prescription of tributary’s credit collecting: its intercurrentness and the ex officio document acknowledgment (Artigo
extraído da monografia de mesmo título, defendida em março
de 2003, como requisito para conclusão do Curso de Graduação
em Direito pela Universidade Estadual de Maringá – UEM, tendo
sido orientador o Mestre e Juiz Federal Erivaldo Ribeiro dos Santos) |
Autor:
Julio Dalton Ribeiro | Artigo publicado em 17.12.2004 | |
Resumo Examina brevemente a evolução histórica, a conceituação, a natureza jurídica e os requisitos da prescrição, enfatizando a importância do instituto para o direito tributário, em especial no que se refere à prescrição ocorrida no curso da ação judicial, dita intercorrente. Defende a necessidade de maior vigilância por parte do Judiciário sobre os atos da Fazenda Pública no impulsionamento da execução fiscal. Sustenta que a prescrição, enquanto norma geral de direito tributário, necessita de regulamentação por Lei Complementar, restando inaplicáveis os dispositivos da Lei nº 6.830/80 atinentes ao tema, quando se tratar de crédito tributário. Esclarece que no direito tributário a prescrição, além de extinguir o direito de ação, atinge, por via reflexa, também o direito material, pondo fim ao próprio crédito tributário. Apregoa, entretanto, que, não obstante essa particularidade, a prescrição dita intercorrente deve ser reconhecida ex officio pelo julgador, porquanto, desaparecendo o crédito tributário pela incidência da prescrição, nula será a execução, justificando-se a extinção do processo com fulcro no artigo 618, I, combinado com o 267, VI e § 3º, do Código de Processo Civil. Abstract The work analyzes historical evolution, the concept, the legal constitution and the requirements for the prescription, focusing on the importance of the tributary rights establishment, specially in the area referred to the prescription occurring at the course of the judicial lawsuit, named intercurrent. It defends the necessity of higher vigilance from the legal part over the performance of the public treasury on the impelling of the custom execution. It sustains that the prescription as a common principle of the tributary rights, requires regularization through the Complement Law, while the devices of the Law number 6.830/80, regarding the theme, remain inapplicable when dealing with tributary credit. It explains that in the tributary law, the prescription besides eliminating the right of suit, reaches also the material law through the reflexive way, taking out the tributary credit. It announces that in despite of this particularity, the mentioned intercurrent prescription must be declared by the judge as an ex officio document, whereas, when the tributary credit disappears by the prescription incidence, the execution will though be void, justifying the extinction of the process with the point of support in the article number 618, I, combined with 267, VI and § 3o of the civil law. Introdução Neste artigo, partindo-se de um estudo histórico, discutem-se o conceito e os requisitos do instituto jurídico da prescrição, verificando-se, inclusive, a sua intercorrência. Transportando-se esses elementos para o direito tributário, procura-se, nessa esfera, analisar o seu principal efeito sobre o crédito tributário – a sua extinção – e a conseqüência disto sobre o processo de execução fiscal. Ao longo deste trabalho, toda a ação interpretativa de leis e princípios direciona-se a remover um grande obstáculo à rápida e satisfatória prestação jurisdicional, que é o enorme volume de executivos fiscais sem movimentação eficaz por parte dos exeqüentes há mais de cinco anos. O objetivo primordial deste estudo é demonstrar aos magistrados, responsáveis pela administração da justiça, que a extinção ex officio da ação de cobrança de crédito tributário lastreado por título prescrito é, fundamentalmente, uma medida de lógica jurídica. Breve histórico A palavra prescrição deriva do latim praescriptio, do verbo prescribere, que denota prescrever, escrever antes, donde determinar ou prefixar.(1) No prístino direito romano, em que se não construiu um sistema ou teoria a respeito da prescrição,(2) vigendo a perpetuidade das ações, era a praescriptio um dado momento processual em que o réu fazia valer a alegação de que a ação do autor estava extinta ou de que ele, réu, na ação reivindicatória,(3) não podia ser expulso da posse da coisa, porque essa posse havia já durado algum tempo e era fundada em justo título e boa-fé – posse ad usucapionem.(4) Portanto, o aspecto que primeiro salientou-se foi o da prescrição aquisitiva, tendo a Lei das XII Tábuas a consagrado pela usucapião no ano de 449 a.C. A prescrição extintiva, por sua vez, veio a ser estabelecida em data de 204 a.C. por meio da Lei Furia de Sponsu, pela qual se decretou que as ações contra os sponsores e os fidepromissores da Itália extinguiam-se no prazo de 2 (dois) anos a contar do vencimento da dívida.(5) Conceito e natureza jurídica O instituto da prescrição, no direito brasileiro, apresenta-se sob duplo aspecto: como aquisitiva e como extintiva ou liberatória.(6) Interessa para o presente estudo apenas esta última face, qual seja: a prescrição como modo extintivo ou liberatório. Orlando Gomes (7) tem a prescrição como “o modo pelo qual um direito se extingue em virtude da inércia, durante certo lapso de tempo, do seu titular, que, em conseqüência, fica sem ação para assegurá-lo”. A este pensamento alinha-se Caio Mário da Silva Pereira.(8) Este autor explica que a prescrição, como força extintiva ou liberatória, “conduz à perda do direito pelo seu titular negligente, ao fim de certo lapso de tempo”. Nada obstante o posicionamento desses dois mestres da ciência jurídica, a mais escorreita definição de prescrição deve levar em conta seus dados históricos. A prescrição sempre operou como instituto jurídico destinado a extinguir ações,(9) porquanto, ainda na primitiva ação reivindicatória, sendo o réu, possuidor, favorecido pela praescriptio, não se tornava proprietário, de forma que sua defesa afastava tão-só a pretensão do reivindicante. Se perdesse a posse para outrem, não lhe cabia reivindicar, mas sim ao proprietário. (10) Com
singular brilhantismo, Agnelo Amorim Filho (11)
(p. 19) explica a procedência do pensamento de que a prescrição
extingue a ação e não o direito: A prescrição é, portanto, a perda da ação atribuída a um direito, de toda a sua capacidade defensiva, em conseqüência do não uso dela, durante um determinado espaço de tempo.(12) Requisitos Sinteticamente,
Maria Helena Diniz (1995, p. 203), amparando-se nos trabalhos de Antônio
Luís da Câmara Leal,(13) Agnelo Amorim
Filho(14) e Valter Soares,(15)
reúne quatro requisitos imprescindíveis para a configuração
da prescrição: Prescrição no Direito Tributário
As disposições do Código Civil (CC) e do Código
de Processo Civil (CPC), relativas a pormenores de institutos e conceitos
do direito privado não regulados pelo Código Tributário
Nacional (CTN), aplicam-se subsidiariamente a este(16),
consoante dispõem os arts. 109 e 110 do CTN:
O estabelecimento de normas gerais em matéria de legislação
tributária sobre prescrição está atualmente
reservado ao legislador complementar, por força do art. 146, inciso
III, alínea b, da Constituição Federal de
1988 (CF/88): Prescrição intercorrente Dispõe o art. 174 do Código Tributário Nacional que “a ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em 5 (cinco) anos, contados da data da sua constituição definitiva”. Por força do parágrafo único, inciso I, do art. 174 do CTN, proposta a execução fiscal e citado o devedor, tem-se por interrompido o curso do prazo prescricional, ou seja, inutiliza-se o prazo prescricional em curso, destruindo a eficácia do tempo transcorrido(17), e determinando o seu reinício, como se nunca houvesse fluído.(18) Nada obstante, a prática desse ato, isoladamente, não é capaz de interromper eternamente a fluência do lapso prescricional, ressuscitando o sistema romano de perpetuidade das ações. Aliás, explicita Clóvis Beviláqua que a intenção foi exatamente o oposto.(19) Tendo Antônio Luís da Câmara Leal afirmado ser a perpetuidade da lide, no sentido de não correr a prescrição da ação enquanto essa se processa, uma conseqüência necessária do conceito e fundamento jurídicos da prescrição, parte integrante da teoria prescricional, independendo de preceito expresso(20), conclui-se, ao mesmo passo, que a perpetuação de uma ação em que o credor não age iguala-se à situação daquele possuidor de crédito que não intenta sua pretensão no devido tempo, mostrando-se desinteressado na satisfação de seu direito, sendo inerte e negligente. Por isso, essa ação, embora proposta, é passível de prescrever, independentemente de dispositivo normativo para tanto, porquanto atenta contra os fundamentos norteadores do instituto da prescrição, como o da segurança jurídica e o da punição ao credor displicente. Assim, se a demanda, após aperfeiçoada a relação processual,(21) por inércia do credor, é paralisada, o prazo da prescrição começa a correr e será igual ao prazo da prescrição da ação(22), ou seja, de cinco anos para a execução fiscal. Isso porque a negligência do Fisco, deixando de exercitar seu direito de ação, fomenta novamente a incidência dos requisitos da prescrição. A expressão prescrição intercorrente, à qual Antônio Carlos Costa e Silva (23) prefere o termo prescrição superveniente, destina-se, então, à prescrição ocorrida durante o curso da ação judicial, que, por displicência, o autor deixou de movimentar, ficando o processo paralisado pelo tempo necessário à ocorrência da prescrição qüinqüenal.(24) A verificação da incidência da prescrição intercorrente é sempre retroativa, consistindo esse trabalho em buscar, dentro do processo executivo, um lapso de tempo contínuo de cinco anos, em que se caracterize a inércia da Fazenda Pública.(25) Somente atos que revelem o esforço e a diligência da Fazenda Pública são capazes de quebrar o lapso temporal prescricional, tornando-se verdadeiras causas interruptivas, sendo impossível, assim, a soma de prazos descontínuos.(26) O comportamento do Fisco deve estar revestido pelo atributo da atividade processual, impulsionando o andamento célere da execução.(27) Nessas condições, quando a Fazenda Pública é intimada reiteradamente a manifestar-se sobre o prosseguimento do feito e diz simplesmente que não logrou êxito em encontrar o devedor ou seus bens, deixando, entretanto, de comprovar suas diligências, o lapso de tempo decorrido caracteriza-se como prescricional, posto que não restou demonstrada uma atuação eficaz da exeqüente. O juiz deve manter-se alerta e sensível na visualização de atos meramente protelatórios e irrelevantes, sob pena de manter viva uma execução, na qual os próprios devedores, seus sucessores e herdeiros, não mais existam.(28) Mesmo nos casos em que a prática do ato dependa, exclusivamente, dos órgãos da jurisdição, é preciso que fique clara a vigilância da Fazenda Pública na defesa de seu interesse, reclamando contra o juízo ou a desídia funcional de seus auxiliares.(29) O reconhecimento ex officio da prescrição O que será dito adiante suscitará, indubitavelmente, críticas, máxime por vigorar nos Tribunais Pátrios o entendimento, com base no reformado art. 166 do Código Civil de 1916, de que “a prescrição, quando se tratar de direitos patrimoniais, não pode ser declarada de ofício pelo julgador”.(30) Esse posicionamento tende a continuar, apenas com uma nova faceta: “o juiz não pode suprir, de ofício, a alegação de prescrição, salvo se favorecer a absolutamente incapazes”; conforme estabelecido no art. 194 do Código Civil vigente. A questão do reconhecimento ex officio da prescrição está ligada à liberdade oferecida pelo legislador(31) ao prescribente, que pode abrir mão da prescrição que lhe beneficia, renunciando-a tácita ou expressamente. Nesse contexto, não poderia ser conferido ao juiz um poder capaz de tolher essa liberdade. (32) No direito tributário, entretanto, há um peculiar efeito atribuído pela lei à prescrição, que viabiliza a extinção da execução fiscal de ofício pelo juiz, qual seja: o da extinção do crédito tributário (art. 156, V, do CTN). Nada obstante, atingir a prescrição diretamente a ação, é inegável que, por via reflexa, atinja o direito material(33), porquanto este fica desprovido de qualquer defesa.(34) No direito tributário, em especial, fica evidente esse abalo do direito pelo reconhecimento da prescrição da ação, porquanto, em expressa disposição legal, determinou o legislador que a prescrição da execução fiscal extinguisse o crédito tributário propriamente dito, contrariando até mesmo a finalidade do instituto que é o de extinguir ações.(35) Paulo de Barros Carvalho, ao escrever sobre o assunto, acentua que o perecimento do direito de ação à cobrança do crédito tributário esvazia de juridicidade o vínculo obrigacional.(36) Não se cogite aqui da necessidade da efetiva decretação(37) da prescrição nos autos de execução fiscal para se ver extinto o crédito. De longa data escreveu Antônio Luís da Câmara Leal (1959, p. 80-81) que, “consumada pelo decurso do tempo, ela (prescrição) produz os seus efeitos ipso jure, e poderá servir de fundamento jurídico tanto para atos extrajudiciais, como judiciais, atuando nestes quer por meio de ação, quer por meio de exceção”. A
prescrição, revelada pelo decurso do tempo, é fato
jurídico que, independentemente de ser invocado em juízo,
já está apto a produzir seus efeitos(38)
– vale dizer, mesmo que, na ação de cobrança
da dívida fiscal, o devedor não suscite a exceção
de prescrição, torna-se inarredável, se concretizada
a situação do art. 174 do CTN, a conclusão acerca
da extinção do crédito tributário. Não
necessitará o juiz invocar a exceção de prescrição,
mas tão-somente verificar a ocorrência de um fato jurídico
para deduzir que o crédito tributário esvaziou-se de todos
os seus elementos. Estabelece
o art. 618, inciso I, do CPC: Ensinam Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery(39) que a hipótese elencada neste artigo refere-se à inexistência de condição para a ação de execução, sendo passível de reconhecimento de ofício pelo juiz, com fulcro no art. 267, inciso VI, combinado com o art. 267, § 3º, ambos do CPC.(40) Araken de Assis (1998, p. 123-126) doutrina que o atributo da certeza do título relaciona-se com a existência mesmo do crédito; o da liquidez, com a expressa determinação do objeto da obrigação; e o da exigibilidade, com o implemento do termo ou da condição que outorgam atualidade ao crédito. É de uma simplicidade ímpar constatar que, operando-se a extinção do crédito tributário, o título executivo da ação de execução fiscal perde todos os seus atributos pelo desaparecimento do crédito exigido. Finalizando, consumada a prescrição qüinqüenal, ainda que intercorrente, seu efeito imediato é a extinção do crédito tributário, que retira da certidão de dívida ativa todos os atributos caracterizadores do título executivo, autorizando o juiz a encerrar o processo, sem julgamento do mérito, com fulcro nos arts. 618, I, 267, VI, combinados com o art. 267, § 3º, todos do CPC. Se o prestígio à inércia, à omissão e à negligência da Fazenda Pública não tem nenhuma afinidade com o princípio da moralidade,(41) o que se dirá da cobrança de um crédito que, por lei, está extinto? A decretação ex officio da prescrição a favor de incapazes O art. 194 do Código Civil é claro ao permitir a argüição ex officio da prescrição quando favorecer absolutamente incapazes de exercerem pessoalmente os atos da vida civil (menores de dezesseis anos, os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos e os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade). A situação fundamenta-se na completa ausência de liberdade desses indivíduos para disporem de qualquer direito, especialmente, o de renunciar à prescrição. Destarte, omitindo-se os representantes judiciais dos absolutamente incapazes na alegação da prescrição, deve o juiz intervir, decretando a prescrição e extinguindo o processo com apreciação do mérito (art. 269, IV, do CPC). No processo executivo fiscal, circunstância similar ocorre quando se dá a nomeação de curador especial para assumir a defesa do executado citado por edital.(42) Nessas condições, tratando-se também de direitos indisponíveis, é lícito ao juiz agir, reconhecendo a ocorrência da prescrição, a fim de resguardar o direito do devedor à ampla defesa. Conclusão Não como verdades absolutas, mas apenas como fruto de extenso trabalho de pesquisa, expõem-se, a seguir, as principais conclusões acerca do instituto da prescrição relativamente à ação de cobrança do crédito tributário. Instituto surgido historicamente com a finalidade de romper o sistema romano de perpetuidade das ações, o conceito mais apropriado para a prescrição relaciona-se diretamente com a extinção do direito de ação, operando, tão-somente de forma reflexiva, seus efeitos sobre o próprio direito material. A prescrição, como norma geral de direito tributário, tem sua regulamentação adstrita à Lei Complementar, sendo, por isso, inaplicáveis os dispositivos da Lei nº 6.830/80, no que diz respeito à prescrição de créditos tributários. A prescrição intercorrente é a que se dá durante o curso da ação judicial, que, por displicência, o autor deixou de movimentar, ficando o processo paralisado pelo tempo necessário à ocorrência da prescrição qüinqüenal. Configura-se como mecanismo que evita a continuação de processos abandonados ao ócio pela Fazenda Pública. O reconhecimento ex officio da prescrição, embora se revele como medida justa, ofende o sistema legal, quando não for direcionada a favorecer absolutamente incapazes. Nada obstante, a prescrição, por ser causa extintiva do crédito tributário, e, ainda, por ter esse efeito materializado independentemente da decretação por decisão judicial, provoca a nulidade da execução fiscal, passível de reconhecimento ex officio, tendo em vista que o título representativo do crédito tributário esvazia-se de todos os seus atributos: liquidez, certeza e exigibilidade. No processo executivo fiscal, quando se dá a nomeação de curador especial para assumir a defesa do executado citado por edital, é lícito ao juiz agir, reconhecer a ocorrência da prescrição, a fim de resguardar o direito do devedor à ampla defesa.
|
REVISTA
DE DOUTRINA DA 4ª REGIÃO
PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRF DA 4ª REGIÃO - EMAGIS |