Princípio da disponibilidade da ação no processo de execução |
Autor:
José
Wilson Boiago Júnior (Advogado) | Artigo publicado em 08.03.2005 | |
Diferente do que acontecia no Direito Romano, onde para se compor uma lide, autor e réu eram submetidos ao Pretor que era espécie de juiz particular e que tinha a função de promover a Justiça, atualmente não mais vigora tal procedimento para buscar a paz social, pois compete agora à chamada Justiça Oficial que através do Estado-Poder Judiciário faz atuar a determinação da Lei ao caso concreto, sendo tal função chamada de jurisdição, conceituada como: função do Estado, atribuída ao Poder Judiciário para compor lides ou litígios, ou seja, conflitos de interesses qualificados por uma pretensão resistida (1), e que no nosso ordenamento jurídico Pátrio existe previsão na própria Magna Carta, em seu artigo 5º, inciso XXXV, dispondo que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Ao existir uma lesão ou ameaça ao direito de uma pessoa, nasce então a prerrogativa desta, por meio do processo judicial, pleitear o cumprimento da prestação jurisdicional, sendo que, para ser dada a devida prestação, faz-se necessário o preenchimento de algumas condições elencadas em nosso Instituto Processual Civil (2), bem como advindas do direito material, para ser tutelada a sua pretensão. Daí então, é que não podem ser confundidas as várias espécies de tutela jurisdicional, pois para cada espécie terá um tipo de processo, senão vejamos através do magistério do eminente doutrinador VICENTE GRECO FILHO: A tutela jurisdicional se concretiza de três formas, segundo
o pedido, interesse da parte e as condições em que se
encontra. Verifica-se, portanto, que na maioria dos casos, por existirem tipos de processos e procedimentos distintos uns dos outros, seus tratamentos por conseqüência não podem ser de forma idênticas. E dessa forma, será estudado e demonstrado que o tratamento para desistir da ação no processo de execução (princípio da disponibilidade) é totalmente diferente e independente do tratamento dado para a desistência da ação no processo de conhecimento, pois, no caso da disponibilidade da ação no processo de execução, o direito para tal exercício é regido por regras próprias e diferentes daquelas trazidas nos artigos 264 e 267, § 4º do Código de Processo Civil, pois para se exercer o princípio da disponibilidade da ação no processo executório, serão vistas e estudadas as regras do artigo 569 do Código de Processo Civil, para então se chegar à conclusão de que não há necessidade do exeqüente obter a anuência do executado para desistir da ação executória. Formação do processo de conhecimento e do processo de execução Por ter a ação executiva função específica, observa-se que o processo de execução se faz por autônomo (4) em relação aos processos de conhecimento e cautelar, pois aquele processo pode ou não ser originado de outro processo, ou seja, há necessidade de se verificar se a execução é baseada num título judicial (art. 584 do CPC), sendo que nesse caso pode-se dizer que a execução é precedida de um processo de conhecimento condenatório, ou se é fundada num título extrajudicial (art. 585 do CPC e outros títulos previstos em legislações específicas) quando a própria lei não exige um prévio processo de cunho condenatório, atribuindo assim o efeito executivo a documentos particulares ou públicos, sendo que nessa situação poderá existir um processo de cognição após a instauração do processo de execução, que se dá por meio da oposição dos embargos à execução (art. 736 do CPC). Tal fato é observado através do ensinamento do eminente doutrinador HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, senão vejamos: Esse método, que é o processo, naturalmente, não
pode ser o mesmo enquanto se procura conhecer a situação
das partes e enquanto se busca realizar concretamente o direito de uma
delas, alterando a esfera jurídica da outra. Percebe-se também que o processo de cognição tem por finalidade declarar a certeza do direito subjetivo numa relação jurídica processual, o que acarretará na prolação de uma sentença condenatória. Já com o processo de execução, o Estado visa a alcançar, contra a vontade do executado, a satisfação do direito do credor (6). Como o processo de execução é autônomo ao processo de conhecimento, cada qual é regido na maioria das vezes por princípios próprios, sendo que a iniciativa dos dois tipos de processos acima mencionados se dá pela mesma forma, ou seja, ambos serão instaurados sempre por iniciativa da parte (7) (artigo 262 do CPC), senão vejamos o que leciona o festejado SERGIO BERMUDES sobre o assunto: O processo civil começa por iniciativa da parte, diz a primeira proposição do art. 262 do Código de Processo Civil. Já se explicou que a qualidade de parte se adquire pela simples presença na relação processual, sem qualquer outra consideração. Propondo a ação (CPC, art. 263) através da demanda, a parte proponente – o autor – dá início à relação processual, que principia linear. Pode-se, com efeito, concebê-la como uma linha inclinada, em cuja extremidade inferior se encontra o demandante e, na ponta superior, o órgão judicial. O processo só se angulariza com a integração do réu na relação, mediante sua citação, ou seu comparecimento espontâneo (8). Assim, verifica-se que a instauração do processo (tanto de conhecimento quanto de execução) se dá pela provocação da parte, sendo certo que a relação processual só será completada com a citação válida ou pelo comparecimento espontâneo do réu. Não obstante ser o processo de cognição diferente do processo de execução, foi visto acima que as suas instaurações se dão da mesma forma, ou seja, por provocação da parte (autora). Entretanto, no caso da desistência da ação no processo
de conhecimento, o tratamento é totalmente diferente da desistência
da ação no processo de execução, pois este
tipo de processo é regido por Livro próprio no Código
de Processo Civil (9). Da desistência da ação no processo de conhecimento A desistência da ação se dá quando o autor abre mão do processo, não do direito material que eventualmente possa ter perante o réu (10), sendo certo que diante disso, o processo deva ser extinto sem apreciação do mérito, consoante artigo 267, inciso VIII, do Código de Processo Civil. No processo de cognição, a desistência da ação é ato que compete única e exclusivamente ao autor, e tal direito pode ser exercido, nos termos do artigo 267, § 4º do CPC, até antes de decorrer o prazo para a resposta do réu, ou mesmo antes de apresentada a contestação. Sobre o tema, frisa-se o ensinamento do Doutrinador HUMBERTO THEODOR JUNIOR: É a desistência da ação ato unilateral do
autor, quando praticado antes de vencido o prazo de resposta do réu,
não depois dessa fase processual. Assim, pode-se afirmar que a desistência da ação pressupõe não haver sido proferida sentença de mérito, sendo que se já tiver sido apresentada a defesa no processo, deverá o autor obter o consentimento do réu, e além do mais, se houver no processo sentença contrária ao autor, o mesmo só poderá desistir do recurso de apelação e não da ação. Entretanto, deve ser frisado que o momento processual para a desistência da ação (12) (tratado no artigo 267, § 4º, do CPC) é diferente do momento processual para o autor fazer qualquer alteração no pedido ou na causa de pedir, pois neste caso, conforme dispõe o artigo 264 do CPC, o autor poderá fazer qualquer modificação unilateralmente, antes do réu ser citado. E feita a citação válida, torna-se defeso ao autor modificar o pedido ou a causa de pedir, sem o consentimento do réu. Diante disso, conclui-se, que sobre a desistência da ação deve ser observado o prazo para a resposta do réu, ou a apresentação de sua defesa. Já sobre a modificação do pedido ou da causa de pedir do autor, deve ser observado se o réu foi ou não citado. Da desistência da ação no processo de execução Antes de ser tratado o assunto sobre a desistência da ação no processo de execução especificamente, importante lembrar que um dos princípios que regem o processo de execução é o princípio do resultado (é óbvio que esse princípio deve ser interpretado com as reservas dispostas pelo artigo 602 do CPC) elencado no artigo 612 do CPC, o qual dispõe que a execução deverá ser realizada sempre em proveito do credor, sendo que diante disso o devedor é quem arcará com as despesas processuais, bem como os honorários advocatícios. Assim, como dito anteriormente, o objetivo da instauração de um processo executório é de satisfazer o direito do credor já estampado em um título judicial ou extrajudicial. Nesse sentido é que ARAKEN DE ASSIS nos ensina: Toda execução, portanto, há de ser específica.
É tão bem sucedida quanto entrega rigorosamente ao exeqüente
o bem perseguido, objeto da prestação inadimplida, e seus
consectários. Verifica-se, portanto, que a execução visa especificamente saldar a dívida que o executado possui, buscando a satisfação do credor através da coerção patrimonial daquele. Com relação à desistência da ação no processo de execução, o tratamento é diverso daquele do processo de conhecimento, pois na execução reconhece-se que o credor tem disponibilidade, no que tange ao prosseguimento da ação, tudo isso em virtude que o mesmo não está obrigado a dar andamento numa execução forçada, pois nesse caso o crédito do exeqüente é líquido e certo, sendo que a efetivação da tutela jurisdicional no caso, consiste apenas tornar materializado e efetivo o direito do credor, caso ele queira. Nesse sentido dispõe o artigo 569 do Código de Processo Civil que o credor tem a faculdade de desistir de toda a execução ou de apenas algumas medidas executivas. Assim, mesmo que o executado já tenha sido citado para compor a relação processual executória, o exeqüente tem o poder de forma unilateral de desistir (dispor) da ação, sem mesmo depender da anuência do executado para tal fim, eis que a execução só existe para tornar material e palpável o direito do exeqüente em relação ao título (judicial ou extrajudicial) líquido, certo e exigível. Agora para completar o entendimento transcreve-se os magistérios da Doutrina a respeito do tema, para ficar claro que, para se desistir da ação no processo de execução, ou seja, para aplicar o princípio da disponibilidade da ação no processo de execução, não há necessidade da anuência do executado: No processo de conhecimento, o autor pode desistir da ação
e, assim, o fazendo, extingue o processo (art. 267, nº VIII). No
entanto, uma vez decorrido o prazo de resposta, a desistência
só é possível mediante consentimento do réu
(art. 267, § 4º). É que, diante da incerteza caracterizadora
da lide de pretensão contestada, o direito à definição
jurisdicional do conflito pertence, tanto ao autor como ao réu. No mesmo sentido segue o entendimento da Jurisprudência sobre
o Princípio da Disponibilidade da Execução, senão
vejamos: Assim, verifica-se que Doutrina e Jurisprudência são uníssonas
sobre o Princípio da Disponibilidade da Ação no
Processo de Execução, onde demonstram que prescinde a
anuência do executado para a desistência da ação
executiva. É sobre essas conseqüências que será o final do objeto de presente estudo, e para tanto, importante explicitar que o mencionado parágrafo único abrange para o Princípio da Disponibilidade da Execução, três casos distintos, que na lição do Doutrinador HUMBERTO THEODORO JÚNIOR são os seguintes: Desse estado de sujeição a que se reduz o devedor dentro do processo executivo decorrem as seguintes conseqüências: a) enquanto não embargada a execução, ‘é
o exeqüente senhor de seu crédito, e dele pode desistir,
parcial ou totalmente’, sem depender de consentimento do devedor; Quanto à responsabilidade pela verba advocatícia de sucumbência, não será devida pelo credor, se a desistência total ou parcial acontecer antes da citação, ou depois dela, mas antes dos embargos, em princípio. Se o devedor citado já houver produzido seus embargos, a desistência da execução acarretará forçosamente o encargo para o credor de ressarcir os honorários sucumbenciais. Mesmo antes do aforamento dos embargos, se, depois de citado, o devedor constituir advogado que ingressou nos autos como no caso de nomeação de bens à penhora, ou de pedido de extinção do processo, a desistência da execução a essa altura não isentará o credor de repor os honorários do representante do executado (18). Tais fatos ocorrem, porque inexiste a chamada bilateralidade ação-execução, eis que não se fala em lide, mas sim pretensão insatisfeita. E nesses casos pode o exeqüente desistir parcial ou totalmente da execução sem a anuência do executado, caso este não tenha opostos embargos. Conclusão Diante do que foi estudado, conclui-se que as regras para a desistência da ação no processo de execução são diferentes das trazidas para a desistência da ação no processo de conhecimento elencadas no artigo 267, § 4º, do CPC, tendo em vista que, no caso de processo executivo, a prestação da jurisdição visa,basicamente, ao interesse do credor, conforme dispõe o artigo 612 do referido diploma legal. Assim, por existir norma própria (art. 569 do CPC) no processo de execução, é deste dispositivo que se tem de analisar para fazer valer o Princípio da Disponibilidade da Execução, e não o do artigo 267, § 4º, ou mesmo do artigo 264, todos do CPC. Por derradeiro, importante frisar que, no processo de execução, somente haverá necessidade de se obter a anuência do executado, caso esse tenha oferecido embargos (que versem sobre matéria de fundo), conforme dispõe o artigo 569, § único, alínea b do CPC. Referências bibliográficas AMARAL, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. Vol III. 16.ed. São Paulo: SARAIVA. 1997. ARAKEN, de Assis. Manual do Processo de Execução. 5ª ed. São Paulo: RT. 1998. BERMUDES, Sérgio. Introdução ao Processo Civil. 3ed. Rio de Janeiro: Forense. 2002. CASELLA, José Erasmo. Manual de Prática Forense. TOMO I. 3.ed. São Paulo: Saraiva. 2001. GRECO, Vicente Filho. Direito Processual Civil Brasileiro. Vol. II. 14.ed. São Paulo: Saraiva. 2000. LIEBMAN, Enrico Tullio. Estudo sobre o Processo Civil Brasileiro. Bestbook: Araras. 2001. NEGRÃO. Theotônio. Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva. 2002. THEODORO, Humberto Júnior. Curso de Direito Processual Civil.
Vol. II. 3.ed. RIO DE JANEIRO:Forense, 2002. NOTAS DE RODAPÉ |
REVISTA
DE DOUTRINA DA 4ª REGIÃO
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