A superação das dificuldades técnicas de harmonização entre os conceitos de processo judicial, processo administrativo e processo de trabalho

 
Autora: Maria Elisa Bastos Macieira
(Mestre em Administração pela EBAPE/FGV, administradora pela EBAPE/FGV e consultora do Projeto de Fortalecimento e Modernização da Gestão do Poder Judiciário do Rio de Janeiro)
| Artigo publicado em 08.03.2005 |

 

1. Introdução

O modelo “Linha de Frente-Retaguarda”, que norteou a concepção da estrutura organizacional do Poder Judiciário, teve como fundamento conceitual a abordagem por processos de trabalho. Esse modelo, por adotar na sua definição o termo “processo”, provocou, incialmente, estranheza junto aos magistrados e servidores envolvidos na concepção da nova estrutura organizacional, por ser um termo amplamente utilizado no Poder Judiciário, sempre associado a processos judiciais ou a processos administrativos. Com isso, foi considerado fundamental definir as diferenças conceituais entre processo de trabalho, processo judicial e processo administrativo.

Incialmente, faz-se necessário compreender o que são processos de trabalho. A partir desse entendimento e do porquê de sua aplicação no desenho da estrutura organizacional, cabe apresentar o que caracteriza os processos judiciais e os processos administrativos.

A busca por melhorias estruturais e permanentes tem levado as organizações a rever a condução de suas atividades em busca de formas mais abrangentes, nas quais essas atividades passam a ser analisadas não em termos de funções, áreas ou produtos/serviços, mas de processos de trabalho.

O termo processo de trabalho, no contexto da gestão das organizações, possui várias definições, todas análogas e complementares entre si. O conceito adotado para o modelo de estrutura organizacional do Poder Judiciário considera o que as Normas NBR-ISO-9001:2000 definem como processos de trabalho – o conjunto de atividades inter-relacionadas ou interativas que transforma insumos (entradas) em produtos (saídas).

Por que adotar esse conceito na proposta de estrutura organizacional do Poder Judiciário fluminense? Ao se conhecerem os processos de trabalho existentes na organização, é possível o estabelecimento de critérios de análise que permitem verificar o que efetivamente é realizado em todos os níveis hierárquicos da Instituição.

O senso comum conduz a pensar as organizações sempre em termos de estrutura formal, representada pelo organograma clássico. Esse modelo vê as relações estáveis, formais, entre tarefas e unidades de trabalho como o fator mais importante numa organização. Tal visão exclui o comportamento das lideranças, o impacto do ambiente, as relações informais, a distribuição de poder, etc. E só capta, assim, uma fração do que realmente acontece nas organizações. Mas é a partir do conhecimento do que realmente se executa em cada célula da organização que se consegue propor o melhor desenho para a estrutura organizacional.

Na análise dos processos de trabalho, considera-se que as organizações, mesmo as pequenas, são sistemas complexos, sendo de pouca relevância prática analisar-se um processo de trabalho isoladamente, ressalvado o caso de haver um objetivo específico. As atividades que ocorrem nas organizações, mesmo as mais simples, compõem-se de uma rede de processos de trabalho interconectados, com ocorrência seqüencial ou concorrente, cada qual influenciando todos os demais e vice-versa.

A abordagem por processos de trabalho se distingue das versões hierarquizadas e verticalizadas da estrutura típica funcional. A estrutura organizacional funcional impõe uma visão fragmentada e estanque das responsabilidades, embora indique as relações de subordinação com clareza. Em contrapartida, a estrutura por processos de trabalho permite uma visão dinâmica da forma pela qual a organização agrega valor ao seu negócio.

Uma estrutura organizacional baseada em processos de trabalho, portanto, é construída em torno do modo de fazer o trabalho, e não em torno de habilitações específicas departamentalizadas. Uma estrutura baseada em processos combina uma orientação para a ação com um certo grau de estrutura formal.

A análise dos processos de trabalho do Poder Judiciário fluminense iniciou-se com a criação da “Árvore de Processos de Trabalho”, onde foram identificados os grandes processos de trabalho e os seus respectivos desdobramentos. O quadro pormenoriza os processos de trabalho de primeiro e de segundo níveis.

Árvore de Processos de Trabalho do Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro


(clique para ver imagem)

A partir dos desdobramentos dos processos de trabalho iniciou-se a atividade de conhecimento pormenorizado do seu funcionamento. Para o entendimento de cada processo de trabalho foram consideradas as seguintes informações: o que o processo de trabalho necessita receber (informações, serviços, materiais, etc.), o que ele produz como resultado (informações, serviços, etc.), o que regula o seu funcionamento (leis, normas, etc.) e que tipo de recursos utiliza (pessoas, sistemas, equipamentos, etc.). Esse trabalho foi realizado em todas as unidades organizacionais do Poder Judiciário e contou com a colaboração efetiva de todos os servidores e magistrados indicados para a atividade.

O resultado do trabalho permitiu algumas reflexões sobre a gestão realizada nas unidades organizacionais, com a identificação das seguintes situações:
- necessidade de eliminar processos de trabalho que não agregavam valor;
- necessidade de harmonização das interfaces entre as áreas e entre as atividades;
- comunicação ineficiente;
- necessidade de prover autoridade (poder de decisão) para quem age;
- fluxo de processo de trabalho incompatível com as necessidades dos usuários;
- tempos de ciclos dos processos de trabalho elevados;
- necessidade de que as pessoas realizassem os processos de trabalho de forma estruturada, padronizada e integrada;
- ocorrência de gargalos de informação (cada vez que a informação se transforma, pode sofrer distorção);
- processos de trabalho realizados em duplicidade.

Apesar de reconhecer que as organizações funcionais são rígidas, a solução de abandonar esse tipo de estrutura é mais complicada do que se pode imaginar. Não se propõe que o processo de trabalho seja a única base para o desenho da estrutura organizacional. Uma estrutura organizacional alinhada com os processos de trabalho é importante para sinalizar quem são os responsáveis pelos grandes processos organizacionais.

A proposta apresentada para o novo modelo de estrutura organizacional do Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro é funcional, baseada em processos de trabalho, elaborada de forma a permitir que se conheçam e se melhorem os processos de trabalho, rumo a promover o melhor desempenho da organização.

Conforme mencionado no início do capítulo, é importante conceituar de forma objetiva as diferenças conceituas entre processo de trabalho, processo judicial e processo administrativo. Para tanto, o Desembargador Jessé Torres concebeu o quadro, a seguir apresentado, que identifica, para cada tipologia processual, parâmatros que possibilitam a comparação, a saber:
- instauração – quem inicia o processo;
- protagonistas principais – atores diretamente envolvidos;
- configuração das relações processuais – forma de associação relacionada ao andamento;
- suporte físico – mídia utilizada;
- impulso – responsável pelo andamento;
- objeto – escopo de análise;
- parâmetros – controles que parametrizam a análise;
- finalidade – foco efetivo da demanda;
- valor agregado – resultado efetivo da demanda;
- tempo de tramitação – tempo disponibilizado para a realização do processo;
- condições para aperfeiçoamento – ações que devem ser adotadas para melhoria do processo.


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Referências bibliográficas


DAVENPORT, Thomas H. Reengenharia de processos, Rio de Janeiro, Campus, 1994.
MARANHÂO, Mautiti e MACIEIRA, Maria Elisa Bastos. O Processo Nosso de Cada Dia – Modelagem de Processos de Trabalho, Rio de Janeiro, Qualitymark, 2004.
NADLER, David. Arquitetura Organizacional: a chave para a mudança empresarial. Rio de Janeiro, Campus, 1993




REVISTA DE DOUTRINA DA 4ª REGIÃO
PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRF DA 4ª REGIÃO - EMAGIS