Apresentação
O
presente parecer foi emitido pelo meu saudoso avô, o Ministro Carlos
Thompson Flores, em 1984, versando o alcance da Súmula 562 do STF
e os critérios de atualização monetária.
Quando de sua morte, em 2001, deparei-me com cerca de 40 pareceres por
ele proferidos após a sua aposentadoria no STF, em janeiro de 1981,
e, entre eles, o parecer ora publicado na Revista da Corte, com a anuência
da talentosa Des.ª Federal Maria Lúcia Luz Leiria, Diretora
da Revista.
Com efeito, o parecer examina a torturante questão da atualização
monetária do ato ilícito e o exato alcance da Súmula
562 do Pretório Excelso, que tem a sua origem no memorável
julgamento proferido no RE nº 79.663-SP, em que foi relator o eminente
e saudoso Ministro Rodrigues Alckmin, aresto publicado na RTJ 79/515,
merecidamente considerado um dos acórdãos mais importantes
da Suprema Corte.
Acredito que a publicação do parecer, ainda inédito,
do Ministro Thompson Flores, permitirá ao aplicador do direito
conhecer o alcance da Súmula 562 do STF, ainda hoje objeto de controvérsia,
bem como os acórdãos que originaram a sua edição,
pois, como lembrou Henri Capitant, “les décisions de
jurisprudence doivent remplir le même rôle que les gravures
et dessins explicatifs dans le livres de science. Elles mettront l’étudiant
en contact avec la vie juridique. Elles augmenteront, croyons-nous, l’intérêt
qu’il peut trouver à l’etude du droit théorique,
enfin elles l’habitueront à lire et à comprendre les
jugements.” (In Les Grands Arrêts de la Jurisprudence
Civile, 3ª edição, Dalloz, Paris, 1950, p. viii).
Carlos
Eduardo Thompson Flores Lenz
Des. Federal do TRF da 4ª Região
Parecer
I
Consultado
sobre a possibilidade de emitir parecer, ao ensejo da apreciação,
pelo Eg. S.T.F., do recurso extraordinário manifestado pelo consulente,
permito-me, em princípio, transcrever parte do parecer que apresentei
quando da interposição do agravo de instrumento contra o
despacho presidencial que inadmitira o referido excepcional.
Viso, com esse procedimento, a bem situar o tema jurídico em discussão,
ali, concisa e fielmente, exposto.
Ei-lo:
I - Os fatos
1. Para o devido exame das questões de direito formuladas na consulta,
mister se faz a precisa reconstituição dos fatos que originaram
as ações propostas, reciprocamente, pelo consulente e a
demandada, a primeira das quais ora pendente de julgamento perante o Eg.
S.T.F., através do agravo de instrumento interposto contra o despacho
presidencial que não admitiu o recurso extraordinário por
ele interposto.
Faço à vista, não dos autos, mas das peças
deles xerocopiadas, as quais me foram encaminhadas pelo ilustre procurador
do consulente.
2. Em sua petição de interposição do recurso
extraordinário, assim sintetiza ditos fatos:
“A recorrente teve violado seu direito contratual de preferência
para adquirir o imóvel em que se achava na exploração
de seu comércio de bar e restaurante no ponto mais valorizado da
Zona Sul, conhecido popularmente como Castelinho, que era o próprio
nome de seu estabelecimento. Tudo fez a recorrente para exercer seu inquestionável
direito de preferência, a ponto de haver depositado em juízo
a então vultosa importância de Cr$ 4.500.000,00, que fora
o preço da alienação do imóvel a terceiros.
Não lhe foi, porém, reconhecido direito real de preferência,
ficando-lhe assegurado apenas o substitutivo das perdas e danos, que a
violação do contrato ocasionou. Tais perdas, como é
óbvio, deveriam consistir na diferença de valor entre o
que teria desembolsado para adquirir aquele imóvel e o que terá
de pagar para instalar-se hoje noutro ponto semelhante, o que, seguramente,
orçará por várias dezenas de milhões de cruzeiros.
Todavia, na determinação dessas perdas, o julgado exeqüendo,
que, infelizmente, já transitou em julgado, foi muito parcimonioso,
e, desprezando a opinião dos peritos, que estimaram o prejuízo
em 46 milhões, acabou arbitrando a condenação em
Cr$ 7.464.200,00, a serem acrescidos de correção monetária.
Discute-se, ainda, em torno do dies a quo para a cálculo
da correção monetária.
A recorrente advoga que o cálculo da correção se
faça a partir da data do evento danoso (1975) ou, pelo menos, a
partir da citação do devedor para a ação de
preferência; o v. acórdão recorrido, entretanto, só
assegurou que a correção se fizesse partindo do laudo pericial
de dezembro de 1978, isto é, de 3 anos depois, o que trará
prejuízo considerável para a recorrente, a qual acabará
recebendo uma importância talvez insuficiente para a compra de um
só dos muitos apartamentos que a recorrida construirá no
imóvel do litígio.”
3. Acrescento, o extraordinário foi interposto com base nas letras
a e d do inc. III do art. 119 da Constituição.
Quanto àquela, invocou negativa de vigência dos arts. 1059,
do C.Civ., e 1º, e seu § 2º, e 3º, da Lei nº
6.899, de 08-4-1981; e, no pertinente à última, manifesta
divergência com o verbete 562 da Súmula.
E, porque a decisão recorrida fora proferida em execução
por título judicial (R.I., art. 325, VI), argüiu, ad cautelam,
a relevância da questão federal, posto que dispensável,
face à segunda ressalva do caput do citado art. 325.
Em conciso despacho, o nobre Presidente do T.J. não admitiu o recurso
extraordinário, processando-se, todavia, a argüição
de relevância, a qual, por fim, não logrou sucesso.
O agravo de instrumento manifestado contra a parte denegatória
daquele despacho pende de apreciação do eminente relator
no Cdo. S.T.F.
II - Da controvérsia jurídica e seu deslinde
1. Proferida que foi a decisão objeto do recurso extraordinário
em execução por título judicial, liquidação,
o veto a que se refere o art. 325, VI, 1ª parte, do R.I. do S.T.F.,
ficaria arredado caso acolhida a argüição de relevância
suscitada.
Todavia, foi ela desprezada pelo Eg. Conselho.
2. Resta, assim, examinar a ocorrência da ressalva a que se refere
o já citado art. 325, caput, segunda hipótese,
e também suscitada na petição recursal. Invoca ela
estar o acórdão recorrido em manifesta divergência
com o enunciado 562 da Súmula.
3. Impende, pois, verificar, em princípio, se ela se operou, extraindo,
no caso afirmativo, as decorrências legais.
4. Penso que se consumou o dissídio em questão, ainda que
com a qualificação exigida.
Com efeito.
Para assim concluir, cabe examinar, prefacialmente, o acórdão
proferido na fase de conhecimentos e cotejá-lo com os dois outros
que a ele se seguiram, o último dos quais o ora recorrido.
É fato certo que a recorrida foi condenada a pagar à recorrente
perdas e danos pelo ato considerado ilícito, praticado pelos proprietários
do imóvel, e cuja responsabilidade ela assumiu, e com base nos
arts. 159 e 1059, ambos do C. Civ.
Todavia, na primeira fase da liquidação, os valores atribuídos
à citada reparação não corresponderam, e de
forma tão flagrante, gerando profunda injustiça, diversamente
do que se poderia extrair do determinado no acórdão exeqüendo,
como ficou acentuado atrás, ao ser destacado e transcrito fragmento
da petição de recurso. Sequer proporcionariam ditos valores
a possibilidade de compra de um apartamento no local, quando deveriam
assegurar à recorrente vitoriosa a disponibilidade consistente
na diferença entre o que teria desembolsado para adquirir o imóvel
por ela locado comercialmente, e na parte mais valorizada da Zona Sul
do Rio, e o que teria de pagar para instalar-se, então, em ponto
semelhante e com o lucro decorrente daquele seu rendoso comércio.
Inobstante, dito aresto que, de há muito, transitou em julgado,
ao fixar as perdas e danos em Cr$ 7.464.200,00, atribuiu, também,
correção monetária, sem fixar o seu dies a quo.
Daí a nova discussão para fixá-lo, terminando com
o acórdão ora impugnado, o qual desproveu o apelo da recorrente
que postulava fosse reconhecida a correção monetária
a partir da prática do ato ilícito, ou seja, a venda do
imóvel locado, ou, pelo menos, a contar da citação
para a ação por ela proposta.
Confirmando a sentença que estatuiu a correção, a
partir de dezembro de 1978, três anos após a venda - 1975,
assim justificou sua conclusão:
“Esse momento foi o da elaboração dos laudos manipulados
- o do perito do Juízo e o da Bolsa de Imóveis - ambos de
dezembro de 1978, que, de resto, também é o termo repetidamente
indicado no julgado exeqüendo. O valor nominativo de então
a cada dia deixava de corresponder ao valor real.
Para que correspondam, nenhuma solução de continuidade pode
haver no fluxo do poder corretivo da indenização, que aí
se inicia; e, de outra parte, esse poder corretivo não pode fluir
de termo diverso ou de retroagir à data da alienação,
como se pretende, porque já tendo sido exercido pelo laudo adotado
importaria numa dupla ou cumulada correção.
Só se corrige o que não foi corrigido.
E isso foi feito.”
Porque o acórdão fora proferido quando já em vigor
a Lei nº 6.899/81, prequestionou a recorrente, através de
embargos de declaração, sobre a omissão, ainda sem
sucesso, dispondo o acórdão embargado, em sua ementa:
“Correção monetária. Lei intercorrente que
a estabelece. Inaplicabilidade.
Não prevalece o dies a quo da lei intercorrente se antes
de sua vigência foi determinado o valor nominativo da moeda da execução.”
5. De todo o exposto, conclui-se:
a) que o acórdão proferido na fase de conhecimento assegurou
à recorrente o pagamento das perdas e danos com base nos arts.
159 e 1059 do C. Civ.;
b) que, tanto o primeiro como o segundo dos julgados da fase de liquidação,
não atenderam o alcance previsto no aresto exeqüendo; aquele
ao fixar o valor nominal do dano, e o último, ao estatuir o dies
a quo da correção monetária, reduzindo-a consideravelmente.
II
Do
recurso extraordinário, ora pendente de julgamento
1. Provido que foi o agravo de instrumento e ordenado o processamento
do recurso extraordinário, cabe, agora, à Cda. Primeira
Turma da Suprema Corte, com jurisdição preventa, apreciá-lo
e decidi-lo.
2. Ratifico, integralmente, todas as considerações aduzidas
no parecer referido, o qual, segundo o costume, creio encontrar-se junto,
por linha, aos autos do citado agravo. Faço-o porque tenho ditas
considerações como juridicamente corretas. E a elas acrescento,
agora, com melhores subsídios informativos e mais oportunidade,
o que segue.
3. Posto que o recurso extraordinário não vise, em princípio,
a reparar injustiças, porque elas não lhe servem de fundamento
(Constituição, art. 119 e seus incisos), constitui ele,
vezes muitas, o único e derradeiro instrumento capaz de repará-las.
A propósito, preleciona BARBOSA MOREIRA, com absoluto acerto:
“... No seu âmbito, contudo, parece excessivo negar que sirva
de instrumento à tutela de direitos subjetivos das partes e de
terceiros prejudicados (Comentários ao C.P.C., Forense, V, 1978,
p. 641).”
No mesmo sentido, e invocando Pontes de Miranda e Calamandrei, escreve
JOSÉ AFONSO DA SILVA:
“... Seu fundamento e sua finalidade são, pois, político-constitucionais.
Mas isto não lhe tira o caráter, eminentemente processual.
É um meio processual que o Estado pôs à disposição
das partes para que, defendendo o próprio interesse subjetivo,
dêem ao Pretório Excelso o instrumento de controle da unidade
do direito nacional e, sobretudo, da supremacia da Constituição
(Do Recurso Extraordinário no Direito Processual Brasileiro, Rev.
dos Tribunais, 1962, p.107).”
De outra parte, o enunciado na Súmula 456 e sua aplicação
não autorizam conclusão diversa, antes reafirmam o princípio.
Seu texto foi incluído no R.I., art. 324, in fine.
4. In casu, o recorrente sofreu gravíssima injustiça
com as decisões na fase da execução e liquidação,
as quais não se mantiveram fiéis ao acórdão
que lhes cumpria executar, contravindo, assim, a garantia que contém
o art. 610 do C.P.C., notadamente com o alcance que lhe tem emprestado
a jurisprudência do S.T.F. (A. MENDONÇA LIMA, Comentários
ao C.P.C., VI, t. II, E. 3ª, Nota à p. 697). O julgado de
segundo grau, acolhendo o pedido do autor, ora recorrente, assegurou-lhe
a mais completa reparação pelo prejuízo sofrido com
a prática do ilícito contratual e cuja responsabilidade,
expressa e conscientemente, assumiu a recorrida, na própria escritura
pública de alienação do imóvel locado, tudo
nos termos dos arts. 159 e 1059 do C. Civ.
5. Tivesse a locadora cumprido o contrato, e assegurado, como nele ficara
expresso, a preferência na compra, tanto por tanto, tal como, em
realidade, se operou a transmissão, continuaria ele, ora recorrente,
sem os incômodos da presente demanda, a colher os lucros de seu
rendoso comércio com bar e restaurante e, especialmente, usufruir
das vantagens da galopante valorização do imóvel,
no estratégico e cobiçado ponto comercial, local conhecido
como Castelinho, nome do próprio estabelecimento explorado pelo
recorrente, sito à Avenida Vieira Souto, em Ipanema.
6. Assim, porém, não aconteceu. Triunfou o prestígio
econômico da ora recorrida, a qual, inobstante a ostensiva prática
do ilícito, dele passou a beneficiar-se, em detrimento do recorrente.
E a dura realidade, pasme afirmar, foi atribuir a irrisível indenização,
com a desvalorizada moeda - Cr$ 7.464.200,00, da qual se fez distrair
a importância de Cr$ 32.421,94, correspondente à taxa de
ocupação, enquanto a sentença reformada estimara
ditos valores em, respectivamente, Cr$ 41.528. 370,80 e Cr$ 15.652,00.
Visava-se, com tal estimativa, a cobrir o prejuízo - o dano emergente,
pela não aquisição do imóvel, e o lucro cessante,
com a perda do próprio negócio - ou, mais concretamente,
a diferença entre o preço da alienação e o
valor necessário para, somado àquele, adquirir outro bem
equivalente, pelo ponto e demais condições, àquele
que ficara obstado de adquirir, e mais o que representaria a paralisação
do comércio até sua nova instalação em prazo
razoável.
Todavia, ditos valores sequer proporcionariam a compra de um simples apartamento
dos muitos existentes no local ...
7. Unânime a decisão colegiada que assim determinou, somente
restava ao recorrente, na luta pelo seu postergado direito, a interposição
de recurso extraordinário. Foi o que fez. Inobstante, em presença
do veto a que se refere o art. 325, VI, 1ª parte, do R.I. do S.T.F.,
mister se tornou a argüição de relevância da
questão federal suscitada. Rejeitada pelo Eg. Conselho, viu-se
obrigada, posto que injustamente, a aceitar os comentados valores como
finais e definitivos, já que não comportavam qualquer outro
reexame.
8. Acontece que o acórdão que fixou as importâncias
antes mencionadas determinou que fossem elas corrigidas monetariamente,
com estas expressões, verbis:
“A reparação ficaria incompleta se não fosse
atualizada pela correção monetária.”
O julgado, porém, omitiu-se na fixação do dies
a quo do início de sua fluência. Veio a fazê-lo
em razão da oposição de embargos de declaração
provocados pelo recorrente. Recebendo-os, determinou o julgado que decorresse
a correção a partir de dezembro de 1978, época pela
qual se teriam orientado os laudos periciais.
9. Pretende o recorrente que dito marco inicial seja o da época
do ilícito contratual, o da escritura de alienação
do imóvel locado, ou seja, 22 de fevereiro de 1975.
Cinge-se aqui a única pretensão visada com o presente recurso
extremo, que proporcionaria três anos e dez meses de correção
monetária.
Convicto está o recorrente do seu bom direito, a esta altura singela
"gota d'água", capaz, todavia, de mitigar-lhe o prejuízo
sofrido.
Com efeito.
O acórdão embargado houve por bem reformar a decisão
de primeiro grau que fixara a indenização em Cr$ 41.528.370,80,
fundado no laudo do perito do Juízo. Entretanto, reduzindo, consideravelmente,
aquele quantum, não se ateve a quaisquer dos louvados,
como se verifica, data vênia, de sua complexa e pouco precisa fundamentação.
Não havia, pois, como e por que, legítima e racionalmente,
orientar-se pelas datas dos laudos em questão, para delas fazer
incidir a correção monetária, sob o falso pretexto
de prevenir o bis in idem. E, tanto mais, porque, quanto ao valor
da taxa de ocupação, a descontar da indenização,
também corrigida, ordenou que emergisse da data da notificação
para o despejo.
9.a. A propósito, esclarece, com propriedade, o bem deduzido parecer
que seque anexo, do ilustre Professor da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Engenheiro Juarez Lins de Albuquerque, ao responder ao último
dos quesitos formulados pelos procuradores do ora recorrente (fl. 1),
verbis:
“Se esta correção (referia-se à correção
monetária) retroagir a fevereiro de 1975, estaria o Castelinho
se beneficiando da dupla correção?”
Fê-lo nestes precisos termos (fl. 9):
“...é forçoso negar que a retroação
da correção monetária da indenização
a fevereiro de 1975, implique na dupla correção. Isso absolutamente
não ocorre, pois, como acima ficou demonstrado, essa correção
quer conceitual, quer matematicamente, só poderia tomar como marco
inicial fevereiro de 1975, o mesmo que foi utilizado nas correções
que beneficiaram a Real."
9.b. E, acentue-se que dito pronunciamento, incisivamente conclusivo,
como convém, decorreu da convincente demonstração
que a ele precedeu, após minucioso estudo dos laudos periciais
que constam dos autos, os quais, mal considerados, data maxima
venia, pelo acórdão impugnado, originaram sua errônea
conclusão.
Observe-se, ainda, que, na fundamentação que aduziu, não
se cingiu o nobre parecerista, mestre de Economia, Estatística
e Cálculo de Probabilidade, a examinar o erro no qual incorreu
o aresto ora recorrido, em prejuízo do Castelinho. Antes, fê-lo
a partir do julgado que o precedeu, embora a essa altura, insuscetível
de correção, posto que, no remate final, não possa
deixar o julgador de considerá-lo sensível a uma melhor
distribuição de justiça.
E, passando ele à mais profunda análise do decisório
atacado neste recurso, objetivamente demonstra que suas afirmações
da impossibilidade de conceder a dupla correção, eis que
o laudo adotado já fizera retroagir a fevereiro de 1975, improcedem
e por inteiro, revendo e cotejando os dados nos quais se fundou.
10. Assim decidindo, o acórdão impugnado não só
desatendeu o que afirmara antes - que a reparação seria
a mais completa, o que, sem a atualização da correção,
assim não se faria, mas, o que é muito mais importante e,
agora, decisivo, entrou em manifesta divergência com a Súmula
562.
O memorável julgamento do Plenário do S.T.F., em 18.9.1975,
proferido no R.E. nº 79.663-SP, do qual se tornou relator o eminente
e saudoso Min. Rodrigues Alckmin (RTJ, 79/515 e segs.), e que serviu de
base àquele verbete, representou o acesso a mais um degrau da progressiva
jurisprudência do Supremo, iniciada com o primeiro julgado que proporcionou
o enunciado 490 do Repositório em questão. Seguiram-se numerosos
outros, dos quais destaco, apenas porque mais significativos, os RE nºs.
74.581 e 79.979 (respectivamente, in RTJ, 66/237 e 73/955). Tal orientação
inspirou-se no princípio, sempre repetido, da mais completa e integral
reparação pelo ilícito causado, com o sentido emprestado
pelos doutrinadores (Michel Gendrel et alii, Influence de La Dépréciation
Monétaire Sur La Vie Juridique Privée, L.G. D. J., Paris,
1961, pp. 188/9; G. Scaduto, I Debiti Pecuniari E Il Deprezzamento Monetario,
Casa Editrice Dottor Francesco Vallardi, Milano, 1924, p. 181 e segs.).
Em longo, substancioso e erudito estudo, o especialista no assunto, Prof.
ARNOLDO WALD, rememorou toda a elaboração da jurisprudência
do S.T.F. a respeito do importante tema (RT, 524/26-35).
Cabe, porém, voltar à Súmula 562, pois representa
ela o esteio deste recurso.
É certo que versou sobre danos materiais, causados por culpa aquiliana,
em cuja indenização ordenada se fez incidir a correção
desde a prática do ilícito.
O princípio em que se assentou, e que é fundamental, permitiu,
logo a seguir ao seu advento, em 21.10.1975, sua aplicação
a caso de culpa contratual. É o que se verifica no julgamento do
RE nº 81.451-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Bilac Pinto (RTJ, 76/623
e segs.), cuja ementa, por expressiva, cumpre transcrever:
“Ato ilícito contratual. Perdas e danos. Possibilidade de
sua atualização, conforme recente orientação
do Supremo Tribunal (RE 79.663, de 18.9.75), servindo para este fim os
índices de correção monetária.
Recurso conhecido pela letra d, porém desprovido.”
E razão, em verdade, não havia para distinguir os casos
de culpa aquiliana daqueles em que era ela contratual, para o efeito da
mais completa reparação do dano cometido.
A propósito, com acerto e propriedade, acentuou o eminente Min.
Soares Muñoz, ao votar, como relator, no julgamento do RE nº
85.604-RJ, em 29.8.1978, perante a 1ª Turma. (RTJ, 89/193), verbis:
“Aliás, não vejo, relativamente à incidência
da correção monetária, diferença entre a responsabilidade
resultante de culpa aquiliana da decorrente de infração
contratual. De ambas deflui a obrigação de repor o patrimônio
do lesado no estado em que se achava quando da ocorrência do dano.”
Dito julgado foi mantido pelo Plenário, no julgamento dos embargos
de divergência a ele opostos, quando, longo e substancioso voto
proferiu seu relator, o eminente Min. Djaci Falcão, ao rememorar
toda a jurisprudência da Corte, a respeito do tema (RTJ 96/162 e
segs.).
Seguiram-se, a tais vereditos, numerosos outros, todos eles com o mesmo
entendimento, ou seja, assegurando a correção monetária
nos ilícitos contratuais e, cumpre destacar-se, a partir de sua
prática, como já se vinha procedendo antes do advento da
Súmula 562 e, com sua invocação, após a edição
do mencionado verbete.
Assim decidiu o S.T.F. quando do julgamento do RE nº 99.222-RJ, de
03.02.83, Relator o Min. Moreira Alves, consoante dispõe a sua
completa e expressiva ementa:
“REPETIÇÃO DO INDÉBITO FISCAL. CORREÇÃO
MONETÁRIA (início de sua fluência). LEI 6899/81. A
Lei 6899/81 não veio impedir a fluência da correção
monetária nos casos em que, anteriormente, já era admitida,
mas, sim, estendê-la a hipóteses a que essa correção
não se aplicava.
Permanece íntegra a jurisprudência desta Corte no sentido
de que a fluência da correção monetária na
repetição do indébito é a do recolhimento
indevido.”
Idem, no RE nº 95.533, em 04.5.1982, Rel. Min. Decio Miranda (RTJ,
101/1309-11).
Nos casos em menção, foram indicados vários outros
precedentes.
12. Reservei, propositadamente, para concluir o elenco de julgados, todos
eles, a meu ver, de tanta valia, dois outros, quiçá mais
expressivos, em termos de analogia ou semelhança, os quais, por
feliz coincidência, promanam da Eg. 1ª Turma e tiveram o mesmo
Relator, o eminente ministro Rafael Mayer, ao qual também foi,
por prevenção, distribuído o recurso extraordinário
manifestado pelo consulente a que se refere este parecer. E mais: neste,
como no primeiro dos julgados que, a seguir, serão indicados, os
recursos extremos resultaram processados com o provimento dos agravos
de instrumento interpostos, originando, quanto ao precedente em questão,
o conhecimento e provimento.
Refiro-me aos RE nºs. 99.521-3 (R.T.J., 106/522) e 99.892-9, julgados,
respectivamente, em 28.8 e 12.8.1983.
Dispõe a ementa do primeiro:
“Correção monetária. Responsabilidade civil.
Ato ilícito. Danos materiais. Dívida de valor. Súmula
562. Lei 6.899/81 (inaplicação). 1. A circunstância
de a própria autora ter realizado às suas custas obras de
reparo do seu imóvel danificado não transmuda o quantitativo
despendido em dívida de dinheiro, pois é dívida de
valor, e, como tal, deve ser atualizado com relação à
data do pagamento, para que haja completa reparação do dano.
2. A correção monetária, advinda com a Lei nº
6.899/81, com abrangência indiscriminada das dívidas de dinheiro
ajuizadas, não firma a construção jurisprudencial
da atualização monetária, no sentido amplo, da divida
de valor, a qual tem a significação jurídica de propiciar
a completa reparação do desfalque patrimonial resultante
do ato ilícito. Recurso conhecido e provido.”
Como o que cuida este parecer, provém o precedente do Estado no
Rio de Janeiro. Nele ocorria também o óbice regimental.
Aqui, era o do art. 325, VI, 1ª parte; ali, o do V, b, todos do R.I.
do S.T.F.
Em ambos cuida-se de ação de responsabilidade civil, emergente
de ato ilícito, e nos quais, presente a Lei 6899/81, negou-se,
na instância local, a correção monetária, com
a amplitude consagrada pela jurisprudência assente do Eg. Supremo.
Por isso, nos extraordinários, invocou-se manifesta divergência
com a Súmula 562.
Foi ela, a divergência, reconhecida no precedente indicado, e, assim,
conhecido e provido o recurso para atribuir-se a correção,
além da previsão do citado Diploma.
Aqui, o provimento do agravo de instrumento, proporcionando o processamento
do recurso, autoriza a fortificação da esperança
de que venha a ser reparada, também, a grave injustiça sofrida
pelo consulente, assegurando-se-lhe a correção monetária
a partir da prática do ilícito, sem a qual não ficaria,
por inteiro, restabelecido o seu patrimônio lesado, tudo em homenagem
à jurisprudência em questão, e, especialmente, com
o padrão acima indicado, pois que, em um como no outro, flagrante
foi a desatenção à citada Súmula, com base
na qual confia-se o conhecimento e o provimento do excepcional.
13. O outro precedente antes indicado RE 99.882-9, também provém
do Estado do Rio de Janeiro. Apresenta ele igual analogia com o anterior,
como se apura de sua completa e expressiva ementa, da qual impende destacar,
verbis:
“....................................................................................................
Correção monetária. Culpa contratual. Dívida
de valor. Lei contemporânea, Lei 6899/81 (inaplicação).
A construção jurisprudencial do S.T.F., anterior ao advento
da Lei 6.899/81, já considera devida a reparação
de dívida de valor, corrigida monetariamente, com o fim de repor
o patrimônio do prejudicado no status quo ante, devendo
prevalecer, no ponto. Recurso extraordinário não conhecido.”
Proferindo seu douto voto, acentuou o eminente Relator, verbis:
“Já no julgamento do RE 94.840, pela Egrégia Primeira
Turma, de que fui relator, ficou acentuado que, em se tratando de culpa
contratual resultante de inexecução de obrigação
pactuada, como é o caso dos autos, é devida a reparação
que cabe a uma dívida de valor, e, como tal, deve ser corrigida
monetariamente. Essa construção jurisprudencial, considerada
pelo S.T.F. antes do advento da Lei 6.899/81, com o fim de repor o patrimônio
do prejudicado na situação de persistir, em que pese o novo
diploma. Assim, o acórdão recorrido, ao fazer incidir a
correção monetária a partir do ajuizamento da ação,
e poderia tê-la retrogradado ao instante do evento lesivo, não
descumpriu o preceito legal, que não está em causa”
(grifei).
14. Em face da longa exposição, por vezes insistente e até
repetitiva, evidencia-se que o acórdão recorrido, deixando
de conceder correção monetária a partir da data do
ilícito reconhecido, adiando-a, sob falso pretexto, por mais de
três anos, entrou em manifesta divergência com o enunciado
562 da Súmula, deixando configurar a ressalva a que se refere o
art. 325, caput, do R.I. do S.T.F.
Fê-lo, menos por suas expressões verbais que a depreciariam,
aniquilando seu propósito, mas por seu real sentido, o qual a vivifica,
permitindo que dele se extraia o seu verdadeiro e justo alcance. E foi
assim que pôde o enunciado em questão frutificar, em julgamentos
que a ele se seguiram, inspirados nos salutares princípios que
nele se contêm.
Justifica-se, assim, a plena confiança de que o recurso extraordinário
seja conhecido e provido, procurando-se, com o insignificante valor propugnado,
ao menos, mitigar a grave injustiça imposta ao recorrente.
A propósito, já ensinava o Velho Testamento (Eclo, 7, 6):
“Não procures tornar-te juiz se não tens força
para extirpar a injustiça.”
15. A esta altura, resta, apenas, responder às dúvidas suscitadas
pelo consulente.
16. É o que passo a fazer, em seguimento, dando, com as respectivas
respostas, por encerrado este parecer.
III
Respostas conclusivas às dúvidas suscitadas
1ª) NÃO. O provimento do agravo de instrumento, proporcionando
o processamento do recurso extraordinário, apenas justifica o propósito
do Relator de melhor examinar, na presença dos autos do processo,
e, portanto, com maiores elementos de convicção da possibilidade
ou não de conhecer da irresignação.
2ª) Reitero aqui as respostas que dei, no parecer anterior, e já
referido, às dúvidas então manifestadas, e nestes
termos:
“5ª - Sim. Considero que a ressalva a que se refere a resposta
anterior - manifesta divergência com a Súmula 562 - ocorreu;
menos pela literalidade do seu enunciado, mas pelos princípios
que a inspiraram e os consubstanciou e dos quais brotam as mais variadas
conseqüências, bastante se examinem os votos proferidos no
leading case que lhe serviu de base (R.E. 79.663, R.T.J., 79/515)
e os precedentes que lhe seguiram inclusive aqueles que enfrentaram a
Lei nº 6.899/81 (R.E. 96.478, 1ª Turma, de 23.3.82, Relator
Min. Soares Muñoz).
.....................................................................................................
7ª - Sim. Penso que o excepcional possa ser conhecido; de um lado,
face ao dissídio qualificado com o comentado verbete sumulado,
e, de outro, porque ocorreu flagrante denegação de vigência
do art. 1.059 do C. Civ., invocado na petição de recurso
extraordinário, o qual, conjugado aos arts. 159 e 1.060, se bem
aplicados teriam assegurado ao lesado, frente ao ilícito contratual,
a mais completa indenização pelas perdas e danos ocasionados,
o que não sucedeu.
8ª - Sim. Dos elementos de informação que me foram
encaminhados e que os autos, provavelmente, melhor esclarecem, ante os
laudos periciais apresentados, parece-me que a concessão da correção
monetária, a começar pela prática do ilícito
- 1975, em lugar de sua fixação a contar de dezembro de
1978, não incorrerá no bis in idem, como admitiu
o acórdão impugnado, antes, será a única via
capaz de mitigar ou reduzir a grave injustiça sofrida pela recorrente.
9ª - Sim. Agora, com base em subsídios outros, extraídos
dos autos, e, em especial, do parecer anexo, do conceituado Professor
Lins de Albuquerque, evidenciado ficou o erro no qual incorreu o aresto
recorrido, afirmando a impossibilidade de conceder a retroação
da correção monetária, eis que importaria na aceitação
do bis in idem quanto a ela, correção.”
É o PARECER, datilografado em 20 folhas, apenas no anverso, todas
por mim autenticadas.
Porto
Alegre, 22 de agosto de 1984.
Carlos
Thompson Flores |