Sumário:1. Primeira Premissa: a publicização do Direito
Processual e os objetivos da jurisdição; 2. Premissa segunda:
o ser humano naturalmente sociável; 2.1 O homem liberal: bondade e racionalidade;
2.2 Críticas à concepção humana do liberalismo;
2.2.1 A reação biológica e da etologia à concepção
liberal sobre a natureza humana; 2.2.2 O combate da psicologia freudiana à racionalidade
e ao isolacionismo individual; 2.2.3 A crítica sociológica à teoria
e prática liberal; 2.3 A natural sociabilidade humana; 3. Os objetivos
sociais do processo; 3.1. Educar e pacificar; 3.2 A “voz moral” e
o Superego; 3.3. O Processo como Superego social; 4. Efetividade do processo,
legitimidade e escopos sociais da jurisdição: o processo que
se faz amar; 5. Conclusão; 6. Bibliografia.
1.
Primeira Premissa: A publicização do Direito Processual
e os objetivos da jurisdição
Tradicionalmente envoltas nas amarras do direito material, percorreram
as caravelas processualistas tortuosas águas até alcançar sua independência
científica. No período compreendido entre o fim do séc.
XIX e as últimas décadas do séc. XX, a trajetória
evolutiva do processo avançou sobre vasto terreno teórico, com
o surgimento de profícua elaboração doutrinária
acerca da origem, natureza e características de inúmeros institutos
que lhe são peculiares, assumindo o Direito Processual posição
destacada como ramo autônomo da ciência jurídica.
A partir de então, não mais se fazia necessária a afirmação
da independência do processo em relação ao direito material.
A superação das teorias civilistas da ação — que
a posicionavam como um atributo do direito subjetivo material, reagindo a uma
violação — e teorias procedimentalistas sobre a natureza
jurídica do processo já era por demais sedimentada. Desfilou
vitoriosa a publicidade do processo (1).
Com efeito, a árdua transposição dos paradigmas civilistas
contribuiu, durante aquele período, para que os estudiosos do direito
processual concentrassem seus esforços no sentido de ressaltar sua autonomia
e apontar para sua publicização (2). Ultrapassado esse esforço
científico, o direito processual iniciou nova fase de sua trajetória
histórica ao voltar-se para a melhora da prestação jurisdicional.
O processo, concebido como um instrumento forjado pelo Estado para a solução
dos conflitos intersubjetivos que surjam na sociedade (3), deve responder adequadamente às
questões trazidas ao Judiciário. Imperativo era o desenvolvimento
de refinada técnica processual de que se deveria armar o magistrado
para a justa solução do caso concreto (4).
Nessa corrida armamentista, entretanto, percebeu-se que o progresso
da técnica
processual não poderia determinar a prevalência do meio sobre
os fins. Vale dizer, a concepção do processo como instrumento
conduz naturalmente à procura dos objetivos que se pretendem atingir
através dele (5).
Na busca pelos escopos do processo, ponto de partida foi a constatação
de que, embora independentes, direito material e direito processual estão
intimamente relacionados dentro da teleologia estatal de ordenação
da vida social. Assim, o processo teria como objetivo precípuo a realização
e proteção do direito material (6).
Trata-se de visão do fenômeno processual sob o prisma
exclusivamente jurídico, presa à doutrina civilista que
perseguiu o estudo da jurisdição por muitos séculos.
Portanto, aparentemente longe do açoite do sincretismo privatista,
ainda reinava sub-repticiamente na senzala processual o modelo pandectista
que aprisionava o processo
ao direito material.
Somente a partir das últimas décadas do século passado
consolidou-se a compreensão da jurisdição como fenômeno
sociopolítico: primeiramente, expressão do poder soberano estatal;
por outro lado, porque destinada à resolução de conflitos,
aufere legitimidade pela utilidade que proporciona à vida social (7).
Não presta o Estado tutela jurisdicional a direitos. A tutela é dada
a pessoas (8). As lentes da ciência processual deslocaram-se, portanto, passando
a direcionar seu foco para o destinatário da prestação,
preocupando-se com a satisfação plena do indivíduo através
da atuação judicial. Ao deparar-se com este quilombo doutrinário,
ganhou força paulatinamente a idéia de que possui a função
jurisdicional finalidades maiores e que precedem a mera tutela dos direitos
na hierarquia de importância desses objetivos: escopos sociais e políticos (9).
Sempre com perspectiva interdisciplinar, trataremos, no presente estudo,
de algumas relações entre processo e sociedade, em especial analisando
os propagados objetivos sociais da jurisdição (10). Para tanto,
todavia, cabe fixar ainda outra premissa.
2.Premissa
segunda: o ser humano naturalmente sociável
2.1 O homem liberal: bondade e racionalidade
Se compreendemos a organização estatal, em sua gênese,
como uma tentativa de garantir a esfera intangível do indivíduo
e propiciar agregação social, os dois vetores direcionais em
torno dos quais a atividade estatal gravita são a
ordem e a autonomia
individual. A atividade do Estado penderá para um ou outro pólo
de acordo com o ideário filosófico-político que
acompanha a sociedade em que inserto.
Para os liberais, uma sociedade é melhor ordenada quando a liberdade é concebida
como valor máximo. O ideal de sociedade seria alcançado através
da maximização da autonomia, que seria mais que um meio para
obtenção de fins políticos: a liberdade individual representa,
na óptica do liberalismo, o último fim político em si
mesma. De acordo com essa compreensão, a ordem social seria alcançada
automaticamente, pela adição de individualidades.
O limite da liberdade seria a própria liberdade, traduzida no respeito à autonomia
dos demais. O indivíduo é livre para agir até onde suas
ações não causem “mal” aos outros, ou seja,
até o ponto em que não interfira ou desrespeite a liberdade alheia.
A autonomia, dessarte, afigura-se como a possibilidade de autodeterminação,
de livre escolha/opção individual, contida somente pela
autonomia dos demais (11).
O Iluminismo, doutrina que influencia muito os autores liberais, traçava
uma concepção do homem como um ser intrinsecamente bom. De acordo
com esta teoria — otimista em relação ao homem — o
Estado não pode intervir no processo social porque a sociabilidade brotaria
espontaneamente da bondade humana. Ademais, a idéia liberal acerca da
natureza humana aposta nas forças econômicas (a mão invisível
do mercado), que se ocupariam em estabelecer a ordem social neste ambiente
em que a autonomia individual representasse cânone supremo (12).
A atuação
do Estado, portanto, deveria ser extremamente contida, permitindo a livre atuação
dos demais entes sociais, sob pena de infringir, indevidamente, a liberdade
individual.
Nesta esteira reflexiva, as inúmeras teorias individualistas (na filosofia,
na economia, etc.) findaram por minimizar o papel dos valores morais (sejam
individuais ou sociais), já que a opção existencial do
indivíduo é expressão de sua autonomia, não podendo
haver discussão acerca da retidão desses valores, que são,
em última análise, resultantes da liberdade de escolhas individuais.
A ética é confinada pelo liberalismo ao campo da autonomia. Cada
indivíduo define a própria vida em torno dos valores e escolhas
que lhe aprouverem. No liberalismo, a “vida boa” (good life) é individual
(13).
As muitas e variadas formulações doutrinárias do liberalismo
comungam de outros pontos em comum. Aponta a teoria liberal, por exemplo, a
utilização da razão como artifício humano para
determinar o rumo da sociedade, o que pode ser observado nas obras de muitos
autores liberais. John Rawls, por exemplo, ao formular sua Teoria da Justiça,
sustenta que a sociedade fixaria seus princípios reguladores através
de um contrato social. Para tanto, cria o autor uma alegoria — a “posição
original” — onde os indivíduos participantes deste acordo
deliberariam sob um “véu de ignorância”. Assim, desalijados
de quaisquer condições socioculturais e desconhecendo seu passado,
despir-se-iam de toda a sua experiência de vida, para que suas decisões
para o futuro não fossem influenciadas por fatores outros que não
sua racionalidade deliberativa (14). Trata-se da
influência iluminista de
que o racionalismo liberta o indivíduo da ignorância, podendo
este deliberar acerca do curso que a sociedade deve seguir (15).
Como contraponto extremo da doutrina liberal, encontram-se autores conservadores,
que acreditam que a liberdade não pode ser protegida apenas pela liberdade.
A autonomia somente poderia ser assegurada através de uma ordem firme.
O Estado deve, assim, atuar severamente para a mantença da ordem, ainda
que com objetivo de preservar a liberdade. A ordem afigura-se, aqui, como valor
maior, relegando-se à liberdade papel meramente secundário.
No que tange à natureza humana, os conservadores possuem uma concepção
do homem como um ser pecador, mau por natureza, havendo necessidade de instituições
fortes para evitar o caos social.
Logo, em meio a este debate clássico entre liberais e conservadores,
nota-se uma contraposição maniqueísta de concepções
aparentemente opostas e mutuamente excludentes. Apresentam-se as idéias
de ordem e autonomia como antitéticas. O indivíduo e o Estado
são descritos como inimigos que conflitam ou que se devam evitar
(16). A
esfera privada e a esfera pública não possuem área de
interseção (17).
Nesse cenário, modernamente a teoria liberal começou a ser erodida
pela prática liberal. Em muitos Estados, podem ser notadas diferenças
gritantes entre aquilo que é preconizado pelo liberalismo e o que verdadeiramente
ocorre na realidade. De fato, observam-se na atualidade, como resultante das
conseqüências da prática liberal, uma série de mazelas
sociais contra as quais se insurgem filósofos e juristas (18).
De todas elas, os consectários mais sensíveis na sociedade atual
da prática do liberalismo, e para os quais se volta o alerta filosófico
de alguns setores doutrinários, são o isolacionismo do indivíduo
e a fragilidade dos laços sociais.
Com efeito, a elevação da autonomia ao degrau máximo da
teoria liberal produz indesejado resultado para o homem: a perda de qualquer
ligação com um grupo social (no trabalho, na vizinhança,
na escola). Apesar de viverem juntos, os indivíduos liberais, notadamente
nas grandes cidades, vivem solitários. Posto que congregados fisicamente
em grandes aglomerações, não possuem os homens liberais
laços comuns. Trata-se daquilo que se denomina atomismo individual,
fenômeno que fomenta o comportamento anti-social, ocasiona a perda de
identidade, a anomia política, a alienação em relação
aos temas da comunidade (19). Em suma, provoca
o afastamento do indivíduo
da esfera pública, lapidando pessoas cada vez mais livres e
vazias (20).
O individualismo liberal até foi justificável do ponto de vista
histórico e sua razão residia, em última análise,
na tentativa de libertar o sujeito e o tornar independente de todas as formas
de opressão e dominação do então Estado
absolutista (21).
Embora decorridos séculos após este contexto histórico,
ainda hoje a sociedade liberal é formada por indivíduos concebidos
como agentes existenciais, radicalmente isolados, egoístas e racionais.
São homens e mulheres protegidos, mas divididos por seus direitos e
liberdades inalienáveis (22). O liberalismo,
por conseguinte, centra-se em direitos e não em deveres sociais
(rights talk), baseando-se no ser
humano auto-suficiente, no indivíduo racionalmente “escolhedor”,
cujo bem maior reside “no conjunto de escolhas racionais” (23).
Ademais, o modelo capitalista, unido às crises econômicas mundiais,
adiciona outros elementos a esse contexto isolacionista. O constante aumento
populacional e o déficit progressivo das oportunidades de emprego tornam
acirrada a disputa pelo mercado de trabalho. Portanto, brota o cenário
favorável a uma competição individual ferrenha, onde não
resta espaço para qualquer tipo de comprometimento social. O indivíduo
liberal procura distância dos demais (24).
Expressão prática do atomismo é a proliferação
de fenômenos da dissociação: separação, trabalho
autônomo, divórcio, solidão, apatia política. Isto
porque a teoria de relacionamento intersubjetivo do liberalismo, forjada com
fundamento na autonomia, nutre-se do direito à ruptura. O que faz, por
exemplo, do casamento uma expressão do voluntarismo é a possibilidade
de divórcio (25).
Além disso, o isolamento do indivíduo afasta-o da esfera pública
de debate, enfraquecendo a cidadania participativa. Assim, contra os efeitos
maléficos do liberalismo insurgem-se filósofos e sociólogos
do Direito, notadamente os pensadores adeptos do “comunitarismo” (26)
. A veemente crítica comunitária ao liberalismo é acompanhada
por outros ramos do conhecimento científico e não é restrita
ao campo das ciências sociais. Inúmeras reações às
características do liberalismo e do homem liberal podem ser encontradas
não só no âmbito do Direito, mas na Sociologia, Psicologia,
Antropologia e até mesmo na Biologia e Etologia.
Procurando escapar de um “etnocentrismo jurídico”, partindo
da premissa do sistema jurídico como conjunto aberto, que absorve fatores
que lhe são externos, e com o escopo de tratar do tema sob uma perspectiva
interdisciplinar, analisaremos, a seguir, as críticas à doutrina
liberal em outras ciências, para então encamparmos a análise
comunitarista a respeito do tema(27).
2.2
Críticas à concepção humana do liberalismo
2.2.1
A reação biológica e da Etologia à concepção
liberal sobre a natureza humana
Pudemos analisar acima as teorias otimista (ou sangüínea), defendida
pelos liberais, e pessimista acerca da natureza humana. O homem liberal naturalmente
bom não deveria ter sua liberdade restringida, imperativo que o protege
mas também o isola. Se os liberais exaltam o homem isolado, dissociado
dos demais e da natureza que o cerca, os comunitaristas não associam
o homem à bondade ou maldade mas à sociabilidade. Pregam ser
o homem naturalmente sociável, nascido não para viver,
mas para conviver.
O apoio a esta formulação teórica na ciência biológica é recente.
Com efeito, a Biologia clássica, calcada na visão darwiniana
de luta eterna por sobrevivência, pregava serem todos os animais agressivos
por natureza, neles incluído, por óbvio, o homem. Tal concepção
vem sendo discutida e combatida no meio científico e, ao contrário
do que se poderia pensar, a Biologia ainda está evoluindo teoricamente (28).
As críticas a este posicionamento ideológico derivam precipuamente
da errônea separação entre homem e natureza, entre o animal
humano e os demais seres vivos. Classicamente, a visão iluminista do
ser humano insulado, confinado às fronteiras herméticas de si
mesmo, concebe homem e natureza em níveis diversos. O homem seria radicalmente
diverso dos outros animais ante sua capacidade de raciocínio e autoconsciência.
A natureza seria bruta, ausente de valor em si. Esse ideário expressa-se,
outrossim, na conceituação civilista do homem e dos animais
como sujeito/objeto de direitos (29).
Atualmente existem inúmeros estudos sobre como os animais cooperam,
pensam, usam linguagem, comunicam-se através de símbolos, formando
um ramo de pesquisa denominado de Etologia. A visão clássica
de combate infindável pela sobrevivência começa a
ser questionada: muitos etologistas afirmam que somos mais propensos
a viver
em harmonia com
os demais animais (30).
De fato, homens e os outros animais possuem muitos traços em comum.
O pensamento, a divisão de trabalho, altruísmo recíproco
e auto-reflexão. Estudos demonstram que animais como os chimpanzés
são seres pacíficos e capazes de negociação diplomática.
Muitos animais, como burros, cavalos, cachorros, macacos, pensam, comunicam-se,
percebem o mundo, têm cultura própria (31).
Além de fortalecer a tese acerca da sociabilidade dos animais,
a Etologia contribui atualmente para erodir o mito da racionalidade humana
como sendo
o ponto que o diferencia dos demais animais na cadeia evolutiva.
Várias pesquisas biológicas demonstram que inúmeras espécies
animais apontam sinais patentes de raciocínio. Cães têm
noção do que é permitido e proibido, envergonham-se quando
erram ou desagradam seus donos e se orgulham ao realizar um ato de bravura (32).
Começa-se a descobrir a razão, ainda que em menor grau, presente
em outras espécies animais que não o homem. Parece, portanto,
colocada em evidência a discussão sobre se a máxima cartesiana “penso,
logo existo” seria aplicável somente ao homem, assim como concebida
a expressão emblemática do humanismo no contexto iluminista então
vigente (33).
Decerto que o raciocínio humano é totalmente diverso da capacidade
intelectual dos animais, que não desenvolvem aptidões artísticas,
sob o desejo do belo, nem tampouco possuem vocação ética,
para apreensão de valores e determinação de comportamento
partindo de escolhas entre o “bem” e o “mal” (34) . O que
se pretende aqui é demonstrar que a razão, muito mais desenvolvida
no homem, é notada em menor grau em outras espécies, não
podendo ser considerada fator diferenciador determinante no nosso ciclo
evolutivo.
A razão não é privativa do homem e alguns ordenamentos
jurídicos já sentem os reflexos desta constatação.
Na Alemanha, por exemplo, o BGB foi alterado em 1990, passando o título “Coisas” (Sachen),
de sua parte geral, a denominar-se “Coisas. Animais” (Sachen. Tiere).
O Código Civil Alemão, em seu § 90a, atualmente dispõe
que os animais não são coisas e a eles somente se aplicam as
disposições referentes às coisas na ausência de
lei específica (35).
Além de representar marco científico relevante, a descoberta
de que a propriedade exclusiva da razão não é a característica
que difere o homem dos demais animais faz nascer ainda uma inquietação
geral: qual seria ela então? A Etologia vem procurando responder: a
sociabilidade. Segundo Antonio Junqueira de Azevedo, a concepção
insular da natureza humana “age com redução da plenitudo
hominis, retirando do ser humano justamente o que ele tem de específico:
seu reconhecimento do próximo” (36). Pesquisas científicas realizadas
com os símios mais evoluídos (chimpanzés, orangotangos,
etc.), sabidamente nossos ancestrais mais próximos na cadeia evolutiva,
vêm corroborar este entendimento.
Sem embargo, na evolução das espécies, nota-se que, desde
os seres unicelulares até o homem, há inúmeros saltos
de qualidade evolutiva, com a adição de novas faculdades, como
a mobilidade, a sensibilidade, a inteligência e vontade, a autoconsciência
e a capacidade de diálogo, sempre em grau crescente e sem descontinuidade.
Ao procurar o traço diferenciador do homem em relação
aos demais seres, paravam os pesquisadores na inteligência e vontade
(comuns aos animais superiores) ou na autoconsciência (comum pelo menos
ao homem e ao chimpanzé) (37).
A denominada “experiência do espelho” representou marco importante
no seio dessa constatação. Qualquer animal mais primitivo reagiria
de forma agressiva ao ser colocado diante de um espelho, pois compreenderia
a si mesmo como um outro animal. A reação natural seria a de
procurar afugentá-lo, ante a ameaça que se lhe afigura. Ao contrário,
os primatas mais próximos ao homo sapiens, como os chimpanzés
e orangotangos, quando colocados de frente para espelhos, curiosamente se identificam.
Enquanto mesmo os macacos não se conseguem reconhecer, os primatas evoluídos
observam atentamente o espelho, fazem “careta” para si mesmos como
diversão e conferem a semelhança entre o reflexo de coisas no
espelho e o próprio objeto que seguram em suas mãos, olhando
para o objeto e para a imagem refletida no espelho seguidamente. Estas são
as únicas duas espécies de seres “não humanos” que
responderam desta forma a estes testes (38).
Portanto, o que tais estudos querem demonstrar é que a capacidade de
compreensão do eu e do outro é o traço diferenciador do
homem em relação aos demais animais na cadeia evolutiva. A prática
do liberalismo, ao enaltecer a autonomia individual, com a elevação
da liberdade aos céus, ocasiona o atomismo individual e retira do homem
o que lhe é mais peculiar: a sociabilidade e a capacidade de entrega
espiritual ao outro.
2.2.2
O combate da psicologia freudiana à racionalidade e ao isolacionismo
individual
A razão como fator distintivo da condição humana traduz
ideário que nutre força desde os gregos e, na formulação
ocidental tal como a compreendemos atualmente, expressa, a reboque da filosofia
iluminista, a superação dos instintos, dos preconceitos, das
paixões, ímpetos e interesses na decisão humana (39).
Sem embargo, se a crença no racionalismo sobreviveu incólume
desde o Iluminismo, sofreu grande abalo entretanto, no séc. XX,
notadamente com o desenvolvimento das pesquisas de Sigmund Freud.
De fato, Freud foi o grande representante da psicanálise moderna no
século passado, buscando contestar a razão — identificando
espaços do inconsciente que influenciam o ser humano — e explicar
as causas das crises de relacionamento humano.
Freud iniciou o movimento de descoberta de que as ações do ser
humano não estão guiadas somente pela razão, mas por um
ente até então descuidadamente desprezado: o inconsciente (40).
Organiza o autor sua teoria, a partir das constatações das técnicas
da hipnose, com base na premissa de que a consciência não consegue
justificar todos os atos humanos, existindo alguns para os quais não
há qualquer explicação e a razão não oferece
lastro probatório. Ademais, em muitos casos, o conteúdo da consciência é ínfimo
e diversos elementos, como lembranças latentes ou processos mentais
reprimidos, embora não conscientes, são levados em consideração
para a tomada de decisão (41).
Separando a atividade psíquica do homem, Freud espraia sua concepção
de que o ato psíquico passa por várias fases sistêmicas,
entre as quais se estabelece um tipo de teste de censura. Na primeira fase,
o ato psíquico confina-se ao sistema do inconsciente (Ics) (42) e não
se lhe será permitida passagem à segunda fase caso rejeitado
pela prova da censura, quando se torna “reprimido”, permanecendo
no inconsciente. Logo, na medida em que muitos atos psíquicos nem sequer
vencem a barreira do Ics, conclui Freud que “o inconsciente é a
base da vida psíquica” (43).
Em sendo aprovado no primeiro teste, garante o ato psíquico hospedagem
nos sistemas seguintes: o pré-consciente (Pcs) ou o consciente (Cs),
de acordo com a força da repressão que lhe é dirigida.
De fato, quando a censura é mínima ou desprezível, pode
o ato psíquico passar diretamente para o sistema Cs (44).
O fato de pertencer agora ao sistema Pcs não faz com que o ato psíquico
transforme-se em consciente, mas tão-somente capaz de assim se tornar,
se observadas condições especiais de ausência de resistência
ou repressão, bem como o grau de censura que lhe é imposto ao
sair do sistema Ics (45). O sistema Pcs de Freud possui as mesmas características
do sistema seguinte, o consciente (Cs), e para o “pai da psicanálise” a
censura exerce seu papel repressor especialmente na passagem do o sistema
Ics para o Cs (46).
Com efeito, ao diferenciar os sistemas por que percorre o ato psíquico,
Freud sustenta possuir o sistema Ics características especiais. A primeira
delas seria a atemporalidade. Os processos do inconsciente não são
ordenados no tempo e não possuem consigo absolutamente nenhuma referência.
A vinculação temporal pertence somente ao sistema Cs (47).
Além disso, o sistema Ics atribui pouca importância à realidade,
estando sujeitos os atos psíquicos ao princípio do prazer (busca
da felicidade) e seu núcleo consiste em “impulsos instintuais
que procuram descarregar sua catexia; isto é, consiste em impulsos carregados
de desejo”. O conjunto destes impulsos é curioso, já que
eles coexistem sem contradição mútua. Assim, quando dois
ou mais impulsos possuem finalidades diversas — e então seriam
racionalmente incompatíveis — no sistema Ics ambos se tornam simultaneamente
ativos e um deles não anula os demais, mas “se combinam para formar
uma finalidade intermediária, um meio-termo”, uma espécie
de vetor mediano (48).
A ínfima atenção para a realidade, a ausência de
referência temporal de seu conteúdo, a contradição
lógica entre os impulsos que contém, tudo isso faz com que o
sistema Ics seja completamente desvinculado da razão. E, na medida em
que os processos do inconsciente também influenciam a ação
humana e sua tomada de decisão, faz-se necessário abandonar a
concepção iluminista, encampada pelo liberalismo, do racionalismo
decisório do homem (49). Os autores liberais, neste ponto, rejeitam as emoções,
os sentimentos e o psiquismo como fatores legítimos no processo político (50).
Enfrentando, por outro lado, o problema do isolacionismo, Freud encaminha
seu pensamento a partir do argumento utilitarista do princípio do prazer.
Para ele, os homens são guiados pela busca incessante de felicidade.
Querem os homens atingir a felicidade e assim permanecer. Nesta empreitada,
pode o ser humano, na forma de ações ou omissões, pautar
sua conduta de maneira positiva ou negativa: evitar a tristeza e o desprazer
ou buscar continuamente sensações de prazer.
Ademais, constata Freud que o estado de felicidade é uma “manifestação
episódica”, expressado para nós como um contraste com algo
anterior e que é naturalmente perene. Assim, a felicidade seria um estado
intermitente, contraposto ao desprazer contínuo (51).
Portanto, na aventura diária de busca da felicidade eventual e escapada
da tristeza habitual, deve o homem ocupar-se menos com a procura do prazer
do que com o combate ao sofrimento. E, para Freud, as causas do sofrimento
originam-se de três fontes: de nossa natureza corporal, já que
o ser humano está fadado à extinção e seu corpo é intrínseca
e constantemente decadente; do mundo externo, que se pode voltar contra o homem
com forças naturais poderosas e impiedosas; dos relacionamentos
com outros humanos, e justamente neste ponto interessa-nos em particular
a teoria
freudiana (52).
No combate ao sofrimento, de acordo com as causas que o geram, o homem
utiliza diversos mecanismos. Especificamente no que tange ao desprazer
decorrente
do relacionamento com o outro, “a defesa mais imediata é o isolamento
voluntário”, o afastar-se dos demais. A tática defensiva
através da distância é, neste sentido, instrumento para
alcançar a felicidade, atingida através da “quietude”.
No entanto, o isolamento do ser humano como forma de evitar o sofrimento
somente representa defesa eficaz se o indivíduo supõe poder solucionar
o problema sem ajuda ou colaboração de outros, ou seja, caso
tenha a pretensão de resolver questões de relacionamento — intersubjetivas — em
si mesmo.
E o próprio Freud indica haver outra alternativa para estas crises,
ao afirmar que “há, é verdade, outro caminho, e melhor:
o de tornar-se membro da comunidade humana (...)” (53).
Ora, se o ser humano sofre em decorrência dos relacionamentos com o outro,
haveria, então, um “mal-estar na civilização”,
visto que os objetivos que a organização social visava a atingir
restariam completamente irrealizáveis. Com efeito, a organização
social civilizada (54) foi concebida como maneira de contornar a situação
de barbárie que ocorreria no estado da natureza. A vida em sociedade,
portanto, deveria ser melhor se comparada à condição humana
primitiva pré-civilização. Ora, se os relacionamentos
são fonte do sofrimento humano, a civilização não
seria responsável pela nossa desgraça? (55)
Não obstante tais ponderações, certamente que não é a
sociedade responsável pelas mazelas individuais, nem mesmo são
inconciliáveis os papéis da comunidade e dos indivíduos
no contexto social (56), como se tentará demonstrar a seguir.
2.2.3
A crítica sociológica à teoria e prática
liberal
O ideário do liberalismo não fica imune a críticas que
partem de mais um ramo do conhecimento científico: a Sociologia, ciência
com a qual, cabe frisar ainda uma vez, dialogam constantemente os pensadores
comunitaristas, árduos censores do liberalismo.
Os sociólogos advertem que se equivoca a teoria liberal ao tentar desligar
as escolhas humanas do meio social em que vivemos. O paradigma liberal faz
com que os membros de uma sociedade só tenham história posterior à criação
a partir da posição original. Criam-se homens e mulheres sem
passado, em verdadeira figura mítica (57). Ora, tendo em mente os laços
de parentesco dentro de uma família, como podem ser os indivíduos
liberais estranhos entre si se muitas vezes possuem ligações
que nem mesmo escolhem, mas herdam?
Por outro lado, as ações humanas não podem ser separadas
da comunidade, eis que inúmeros fatores sociais influenciam as condutas
humanas e motivam seus impulsos, ainda que não racionalmente, como visto
anteriormente na análise da crítica psicológica à racionalidade.
A propaganda, por exemplo, representa fator social exógeno que molda
constantemente os instintos irracionais humanos sem que o indivíduo
disso se aperceba. E o sistema Ics, além de influenciar as ações
individuais, também “é afetado por experiências oriundas
da percepção externa” (58).
Neste contexto, estudos sociológicos sobre o atomismo individual, do
momento em que se perde vínculo com qualquer grupo (ou esfera) social,
comprovam que o ser humano isolado tende a desenvolver distúrbios psicológicos
graves, como tendência ao suicídio e instabilidade mental (59).
Assim, podemos concluir que a prática liberal acarreta resultados contraditórios
com a teoria liberal. Por um lado, se a liberdade de escolha meramente racional é pelos
liberais considerada primordial, a Psicologia e a Sociologia nos mostram que
as escolhas não podem ser sempre racionais nem tampouco desvinculadas
do meio social em que inserto o indivíduo. Assim, o projeto liberal
de liberdade de escolha, ao invés de consagrar a autonomia como expressão
da vontade do indivíduo, sujeita-o a outras influências que não
podem ser por ele racionalizadas. A lógica irracional de sua escolha,
desviada por fatores externos, é a negação da autonomia
que se lhe quer garantir. O liberalismo deixa-o à sua própria
sorte, sorte que, ao contrário do que pensam os liberais, o indivíduo
não pode controlar racionalmente nem dela dissociar o elemento comunitário (60).
Ademais, o individualismo exacerbado — e o atomismo dele decorrente — ao
suscitar patologias psicológicas no indivíduo liberal, prejudica
sua razão (entendida aqui como capacidade de raciocinar) (61) e, conseqüentemente,
sua ação individual livre. O atomismo, como resultado da prática
liberal, é nocivo, em última análise, à individualidade,
valor máximo na teoria do liberalismo.
Desse modo, não procuram os sociólogos somente afirmar que o
ser humano é sociável por natureza, o que já poderia ser
demonstrado com o estudo interdisciplinar desenvolvido até aqui. A crítica
da Sociologia ao liberalismo vai adiante: a sociabilidade não só é inerente
ao homem como fortalece seu potencial humano individual, impedindo que o atomismo
e as influências externas às ações humanas possam
corroer sua individualidade.
2.3 A natural sociabilidade humana
Em conseqüência de críticas provenientes de diferentes ramos
do conhecimento, modernamente vem ganhando espaço a concepção
da natureza sociável do homem (62).
A sociabilidade humana deve ser compreendida como o reconhecimento de que o
homem somente desenvolve suas potencialidades quando vive em comunidade (63).
Diante de tal premissa, e concebido o direito como ciência destinada
a regular a vida em sociedade, qualquer estudo jurídico-processual não
pode escapar à inefável missão de analisar os aspectos
sociais do processo e as relações existentes entre jurisdição
e sociedade (64).
3.Os objetivos sociais do processo
3.1. Educar e pacificar (65)
Inicialmente, cabe salientar que, não obstante devamos compreender a
função jurisdicional como fenômeno que escapa à análise
meramente jurídica — não limitada a “atuar a vontade
concreta da lei” e desprendida do direito material —, legislação
e jurisdição estão unidas pela necessidade de garantir
uma das finalidades de qualquer ordenação estatal: a paz social.
Embora cientificamente separados, direito e processo caminham lado a lado no
esforço solidário de fornecer à comunidade a regulação
da vida social e a solução dos conflitos intersubjetivos. E o
processo, como qualquer instrumento jurídico, não pode ser analisado
de maneira dissociada da realidade empírica à qual destinado
a produzir efeitos (66).
Na tentativa de estabelecer uma ordem social, edita o Estado a normativa
legislativa que compõe o ordenamento jurídico, prescrevendo condutas e impondo
sanções, ao mesmo tempo em que equipa o Judiciário do
aparato necessário para assegurar sua aplicação e observância,
proibindo a justiça privada e consagrando a jurisdição
estatal como meio lícito de resolução dos conflitos (67).
Em todo agrupamento social, ante a existência de bens em quantidade infinitamente
inferior às necessidades humanas crescentes, surgem freqüentemente
insatisfações, “un sentimiento, un fenómeno psíquico
que suele acompañar a la percepción de una carencia o a la amenaza
de una carencia” (68) . Do confronto de insatisfações em torno
de um mesmo bem, surgem conflitos de interesses. A própria palavra interesse
deriva do latim inter est — o que está entre, entre uma necessidade
e um bem apto a satisfazê-la.
Diante do imperativo de representar pacificação social, a jurisdição
deve-se orientar para evitar que o estado de insatisfação individual
transforme-se em angústia perene, ante a sua inoperância em eliminar
os conflitos que se lhe apresentem (69). Melhor que a disputa termine brevemente
mesmo para o vencido, porque, psicologicamente, a derrota definitiva e irremediável é preferida
ao conflito prolongado e indefinido (70). O sofrimento das pessoas antes de litigar
ou das partes durante o curso do procedimento é substituído pelo
alívio ao término da litispendência, ainda que desfavorável
o pronunciamento judicial.
Todavia, como afirmado em doutrina, não basta fulminar os conflitos.
A pacificação deve ser operada com justiça, vale dizer,
a solução da lide deve representar a atuação justa
do direito objetivo. De fato, a pacificação pode ser obtida mesmo
sem que as decisões jurisdicionais sejam consonantes com o ordenamento
jurídico e nestes casos não seria legítimo afirmar
que seria a paz social um objetivo do processo (71).
Além deste objetivo de fomentar a paz social, outra tarefa em que o
exercício da jurisdição deve estar engajado junto à comunidade é a
de pedagogia social: educar os membros da sociedade de seus direitos e
deveres (72).
Esta luta educativa assume várias feições, desde a necessária
informação às camadas menos favorecidas de como postular
em juízo na defesa de seus direitos até o fortalecimento da confiança
da população na solução judicial dos conflitos,
evitando a denominada “litigiosidade contida”, a negação
do Judiciário, através da renúncia quase total ao direito,
abstendo-se o indivíduo de litigar por desacreditar na via judicial
como instrumento apto a dirimir controvérsias.
Destaca Cândido Dinamarco que a educação da sociedade é um
objetivo instrumental do processo, desejoso de “chamar a própria
população a trazer as suas insatisfações a serem
remediadas em juízo”, ou seja, conscientizá-la de seus
direitos (73).
Por outro lado, o exercício da pedagogia jurisdicional não se
limita a incutir nos membros de uma comunidade a ciência dos direitos
que o ordenamento lhes assegura. Faz-se necessária ainda a criação
de uma consciência dos deveres para com a sociedade, fomentando a formação
de uma regra de conduta individual a ser espontaneamente observada de acordo
com os anseios do grupo social.
3.2.
A “voz moral” e o Superego
Quando se fala no estabelecimento de uma pauta de comportamento individual
e se pretende que sua observância seja espontânea, deve-se analisar
como o indivíduo deverá orientar suas ações e
como poderá colher os valores de retidão que informam a
sociedade em que vive.
Com efeito, os sociólogos e juristas adeptos do comunitarismo enfrentaram
e debateram tais questões, afirmando que os indivíduos membros
da comunidade, e que devem agir em acordo com os valores compartilhados em
determinado meio social, os podem colher da prática comunitária
através do que se denomina de voz moral.
A voz moral possui duas fontes a partir das quais se manifesta: voz interna
(“inner (personal) moral voice”) e voz externa (“external
moral voice” ou “the moral voice of the community”) . Ambas
encorajam e pressionam o indivíduo a opções comportamentais
consentâneas com os valores sociais compartilhados.
A voz moral interna, confinada aos limites psicológicos e intelectuais
do indivíduo, representa o que vulgarmente é conhecido como “consciência”,
termo evitado pelos psicólogos e sociólogos para descrever este
fenômeno de conscientização do comprometimento social (74).
A voz moral interna significa aquilo que o indivíduo acredita que os
valores sociais compartilhados devam ser e é percebida através
da locução “eu devo” (75) .
Por outro lado, a voz moral externa representa a voz moral da comunidade,
que influencia o indivíduo, ainda que não racionalmente, a tomar
condutas de certa forma. Por exemplo, importa em que as pessoas obedeçam às
leis, porque têm medo da reprovação social e da vergonha
pública que seriam impostas ao indivíduo em razão da conduta
transgressora da legislação (76).
Com efeito, existe forte conexão entre estes conceitos e as idéias
de Superego, Ego e Id na teoria freudiana (77).
O Superego (Über-Ich) para Freud seria uma introjeção psicológica
do Ego (Ich) (78), que cria uma entidade para exercer censura sobre suas intenções
e ações. O Superego atua canalizando as conseqüências
de uma determinada tomada de posição para o próprio indivíduo,
fazendo com que o Ego perceba a repercussão que uma determinada ação
poderia causar em si mesmo.
O Superego provoca uma tensão entre o que é desejado pelo Ego
e aquilo que o Superego entende como sendo correto, a partir do resultado agressivo
aos demais indivíduos que aquela conduta poderia gerar. Não significa
que o Superego (ou mesmo o Ego) tenham capacidade natural de dizer o que é “bom” ou “mau”.
O Superego somente critica as ações humanas, revertendo para
o Ego a agressividade que poderia causar mal ao outro, criando para este um “medo
de punição da consciência” — temor do Superego,
esta autoridade severa (79).
Além de manifestar-se no psiquismo individual, também a comunidade
cria um Superego, sob cuja influência aprimora seus valores e instituições (80).
De fato, o Superego social (ou cultural) também se relaciona intimamente
com o Superego individual, na medida em que estabelece “exigências
ideais estritas” para a vida em sociedade (81), sancionando a desobediência
individual através do “medo da consciência” social (82).
Com efeito, o trabalho estatal de prevenção através da
atuação da norma jurídica é de manipulação
do medo, temor de punição pelas sanções previstas
em lei e aplicáveis pelo juiz (83).
Neste contexto releva o papel do Poder Judiciário, na medida em que
a jurisprudência pode retratar, a partir de reiterados posicionamentos
pretorianos em certo sentido, estas demandas comportamentais na sociedade (84).
Exteriorizam-se, na sentença, tais exigências éticas do
Superego cultural e que abrangem as relações intersubjetivas
dentro da comunidade, determinando repressão moral às condutas
dissonantes dos anseios sociais.
Relevante ressaltar que a espontaneidade da voz moral é essencial para
seu sucesso como catalisador de valores. Todavia, por vezes se nota na sociedade
moderna o colapso dos valores morais compartilhados. Quando as forças
centrípetas espontâneas deterioram-se e se torna difícil
a união dos indivíduos em torno de valores comuns, há natural
movimento pelo rigor da legislação, de repressão oficial
a certos comportamentos humanos. A prática ocidental, e especificamente
a experiência brasileira, demonstra que se tenta restabelecer a ordem
social com base na lei e não na força da voz moral voluntária (85).
Acerca do papel da lei na comunidade cabem ainda algumas considerações
advindas da psicologia freudiana e da sociologia comunitarista (86). Partiremos
da premissa da teoria geral do Direito no sentido de possuir a norma duas funções,
preventiva e repressiva; por conseguinte, existem dois grandes tipos de efeitos
que a norma jurídica pode produzir: aqueles oriundos de seu cumprimento
e os advindos da sua inobservância, conectando tal eficácia
com o conceito de Superego.
No desenvolvimento de sua teoria, Freud também sustenta poder o Superego
(autoridade interna) resultar de uma internalização de uma autoridade
externa (87). Sem embargo, a autoridade externa reprime as condutas individuais
indesejáveis pelo medo que impõe ao indivíduo da agressão
exterior que se lhe pode infligir. A angústia de sofrer sanção
por parte do Estado importa na observância voluntária (mas não
espontânea) da lei. Somente em um segundo momento, o indivíduo
organiza em si uma autoridade interna — psicológica — censurando
suas próprias ações pelo “sentimento de culpa” e
as penitências potenciais impostas pelo Superego (o medo da consciência) (88).
A norma legal, assim, através de sua função preventiva,
de apor temor da sanção ao indivíduo, possui relevante
papel de enrijecer a moral individual, a partir da criação do
Superego. A lei, pela sua função preventiva, engrandece a força
da voz moral interna.
Com efeito, é fora de dúvida que a legislação representa
importante instrumento no mister de regeneração da moral, na
medida em que a repressão a condutas socialmente indesejáveis
pode incutir nos membros da comunidade a “consciência” de
sua observância, a partir da criação do Superego — regulador
moral das relações intersubjetivas, da ética comportamental
humana na comunidade. A norma social molda o caráter individual, até mesmo
irracionalmente (89).
Na Inglaterra, por exemplo, inexiste constituição escrita e os
direitos fundamentais individuais são observados espontaneamente como
valores comuns. Além disso, cabe frisar que muitos indivíduos
sequer conhecem a legislação. Pautam suas condutas menos pela
norma que pela vivência de valores sociais comuns, não se podendo
confiar à lei a tarefa solitária de catequizar os hereges
morais na sociedade (90).
O papel ideal da norma legal e do Judiciário na comunidade não é o
de repressão cruel, mas o de continuação da moral, ajudando
a fixar os valores morais comuns já existentes no meio social (91). Exemplo
deste tipo de atuação da norma na cristalização
de valores sociais podemos colher da experiência brasileira recente.
De fato, antes do advento da Lei 9.307/97 (Código de Trânsito
Brasileiro) poucos usavam, ao dirigir veículos automotores, a proteção
do cinto de segurança dentro dos limites dos perímetros urbanos.
Após a edição da lei, e com a intervenção
do Estado (aplicando multas) e da sociedade civil (a mídia, por exemplo,
divulgando reportagens televisivas), aos poucos foi sendo consagrada a utilização
do cinto de segurança no cotidiano, até o ponto em que, já há algum
tempo, pouco nos lembramos da referida lei e fazemos uso do mecanismo com a
convicção de estarmos contribuindo para nosso bem-estar. Trata-se,
em nosso sentir, da sedimentação de valores já existentes
na sociedade brasileira, embora até então em estado latente,
adormecido. Significou a norma, neste caso, importante fator cristalizador
deste valor.
3.3. O Processo como Superego social
Nem sempre se verifica a espontaneidade moral. Vimos que a conscientização
social dos deveres pode advir, em um primeiro momento, do medo de uma autoridade
externa, obedecendo o indivíduo à norma por antever potencial
punição por seu descumprimento, para somente depois, incentivado
pelo Superego (individual e/ou social), internalizar a autoridade, realizando
uma atividade de autocensura e contendo suas ações de acordo
com o que é aceito na sociedade. A auto-reprovação e contenção
pessoal tem profundo conteúdo moral: “a censura é uma pena,
mas para curar a alma” (92) .
O Judiciário, como esta autoridade externa, pode dar propulsão à moralidade
individual. Alguns setores doutrinários já há algum tempo
exaltam esta perspectiva, como no campo da responsabilidade civil, ao consagrar-se
o caráter pedagógico da indenização por dano moral.
Em momento seguinte à repressão judiciária inicial, a
função preventiva da norma jurídica, de constranger pela
possibilidade de sanção, fomenta a voz moral interna, transformando
o cumprimento voluntário em observância espontânea da
norma.
Ademais, a ineficiência do Judiciário pode gerar outra patologia
social: o desprezo pelas regras desrespeitadas, o que surge com a reiteração
de práticas indesejáveis sem qualquer atuação de
restauração da ordem jurídica. A conduta marginal torna-se
constante e o desvio é introjetado como modelo. Trata-se da “cultura
da transgressão”, que faz com que se perca a consciência
do desvio (93).
Neste cenário, vital importância tem o processo, instrumento estatal
para o exercício da jurisdição, através do qual
se concretiza a norma aplicável ao caso sob exame. O processo, assim,
na missão educativa da sociedade, funciona como o Superego cultural:
ao projetar no imaginário humano as conseqüências da atuação
do Judiciário na salvaguarda dos direitos, lapida a moralidade individual
e previne futuras violações.
A jurisprudência pode criar uma expectativa compartilhada de conduta,
onde os indivíduos que devam interagir entre si possam imaginar, com
algum grau de certeza, qual será o comportamento dos demais envolvidos
em uma relação jurídica, diminuindo a margem de insegurança
acerca das possibilidades de tomada de posição individual (94).
4.
Efetividade do processo, legitimidade e escopos sociais da jurisdição:
o processo que se faz amar
A ultrapassagem dos resquícios privatistas que desaceleravam o desenvolvimento
da doutrina processualista, como visto, permitiu que se sedimentasse a concepção
de que a tutela jurisdicional é prestada a pessoas e não
a direitos.
Portanto, esta humanização do direito processual iluminou as
modernas lições doutrinárias sobre a relação
que naturalmente se estabelece entre o processo e as esferas política
e social. Desse modo, importa tecer comentários acerca da efetividade
do processo em atingir seus objetivos e como, nesta empreitada, aufere legitimidade.
De fato, o processo é “instituição humana, imposta
pelo Estado, e a sua legitimidade há de estar apoiada não só na
capacidade de realizar objetivos, mas igualmente no modo como estes são
recebidos e sentidos pela sociedade” (95).
Na medida em que o Estado absorve o monopólio da resolução
dos choques de interesses sociais conflituosos, assumem alta relevância
os objetivos sociais e políticos da jurisdição. Com efeito,
a grande maioria das teorias políticas sobre a formação
do Estado o compreendem como uma tentativa de regulação do contexto
de caos social, através da criação de um ente ao qual
se concede autoridade e poder para limitar a atividade individual, protegendo
o homem-lobo dos demais (96). Nesse cenário, o Estado surge como uma concessão:
o indivíduo cede parte de sua liberdade para a obtenção
de uma contrapartida — a segurança. Na medida em que o Estado
consegue preservar a ordem social e a segurança, resguardando a esfera
individual de intrusões indevidas, mantém o ente estatal o sentimento
social de necessidade do Estado e apreço por suas instituições,
merecedoras da confiança e guardiãs da tranqüilidade
individual (97).
Pierre Legendre, em obra singular, compara as relações entre
Estado e indivíduo com as relações familiares entre pai
e filho, concluindo que a maior proeza do poder é fazer-se amar (98). A criança — como
o súdito — precisa de proteção e afeto em um ambiente
que diuturnamente a ameaça. Apesar de querer-se libertar da autoridade
paterna, o filho ama o pátrio poder pelo alívio que lhe representa
diante da adversidade externa. A relação de paternidade é um
misto de revolta e aquiescência. Logo, a criança se choca constantemente
com as relações de poder que decorrem dessa submissão
utilitária.
Desde o direito canônico é comum a teatralidade do poder em torno
de uma figura mítica: na Idade Média, o sumo pontífice,
pai onipotente, editava as regras e impunha a ameaça de penitência
ao pecador, através do temor fomentado do Espírito Santo (99).
Com a laicização do Estado, transferiu-se para o monarca, e gradativamente
até a atualidade, ao juiz, a tarefa de completar o elo entre a norma
e os homens, sempre presente a figura de uma pessoa em posição
de autoridade (100). O magistrado incorpora a censura do Poder, pois além
de ser um dos atores desta ária, possui relação “mística
com o texto” da lei (101).
A vida em sociedade impõe restrições. A perda de liberdade
em favor da segurança implica hiatos de fruição para
os indivíduos, impedidos de gozar de certos bens (102). À falta
que impõe
ao homem dá o Estado a contrapartida: o alívio confortante
da ordem, que se quer razoavelmente justa. A norma, expressão da
sublimação
estatal, torna-se um substituto da fruição frustrada, desviando
o homem seu objeto de desejo: do bem negado para a instituição
estatal — paternalmente protetora e portadora do conforto social
(103). Nesse
cenário, releva a figura do Judiciário, o pai-intérprete
e veiculador da lei, do objeto querido e desejado. A censura estatal está,
dessarte, indissociavelmente conectada à imagem do juiz (104).
Esta constatação
explica porque as partes optam por celebrar acordos somente na presença
do magistrado, ainda que propensas a conciliar desde sempre (105).
Aliás,
a própria expressão “tutela” jurisdicional, comum
nos países de língua latina, importa nomenclatura própria
do direito de família, denotando o fator de “dependência” quase
paternal do Judiciário, ao contrário da palavra tedesca Schutz
(como em Rechtsschutzanspruch), que pode ser traduzida por “proteção”,
termo mais condizente com a complementaridade existente entre direito material
e direito processual e menos afeto às relações familiares
(campo onde existe a Vormundschaft, vocábulo sinônimo de tutela)
(106).
Assim como o filho em sua família, o indivíduo aceita e adora
o Estado na exata extensão da proteção que lhe oferece.
Em assumindo o ente estatal a incumbência exclusiva da resolução
dos conflitos sociais, compete-lhe apresentar aos súditos um aparelho
adequado para este fim — o processo. A partir do momento em que os indivíduos
notam que o instrumento estatal demonstra-se claramente ineficiente em fornecer
respostas imediatas e eficazes às insatisfações humanas,
principiam a ruir os pilares de legitimidade da jurisdição como
mecanismo de solução de controvérsias e, em última
análise, do próprio Estado, destinado que era a proporcionar
segurança.
As pessoas, descrentes na via jurisdicional, evitam o Judiciário — fomentando
a litigiosidade contida — e começam a questionar as instituições
estatais e a necessidade de sua manutenção (inclusive financeira,
através da tributação), já que descumprida a função
em que radica a razão de sua criação. A concessão
de parcela da liberdade individual em troca de proteção — no
caso específico da jurisdição, a proibição
da justiça privada — não mais se justifica.
Curioso notar que os processualistas, ainda que cientes de sua função
social, empenham-se em afirmar que um processo não efetivo gera descrédito
da Jurisdição e das instituições estatais, diante
da insatisfação individual com a atividade judicante prestada.
Lançando mão deste argumento hobbesiano e individualista, de
uma concepção utilitarista do processo e do Estado, propaga-se
a necessária e indispensável efetividade do processo. Em sendo
eficaz caso a caso, nutrindo cada indivíduo de um sentimento de proteção
real e imediata a seus direitos, obtém a jurisdição sucesso
na consecução de seus escopos sociais e políticos.
Buscando impedir a erosão da legitimidade do Estado e do Poder Judiciário
e incentivar a confiança da população nos seus mecanismos,
imperativa se torna a consecução da propalada efetividade do
processo. Efetividade e instrumentalidade unem-se não só no que
tange aos escopos jurídicos do processo, de tutela eficaz do direito
material, mas também em relação à realização
dos escopos sociais da jurisdição. Com efeito, somente um processo
efetivo pacifica os conflitos; somente um processo efetivo educa a sociedade,
através da criação do Superego cultural; somente um processo
efetivo legitima o Poder Judiciário como o guardião do homem
e justifica a perda de parte de sua liberdade na formação
do Estado.
E, se a analogia procede, somente o processo efetivo se faz amar.
5. Conclusão
A concepção publicista do Direito Processual implica considerar
que existem outros objetivos da jurisdição além da
mera tutela dos direitos materiais.
Dentro dos denominados escopos sociais do processo relevam a tarefa de
pedagogia social e pacificação de conflitos, dos quais procuramos
descrever alguns mecanismos neste trabalho.
A importância de fomentar a obtenção constante desses objetivos é fulminar
o conflito de interesses antes mesmo que ele se projete no processo através
do ajuizamento de uma demanda judicial. Para o jurista, a relevância
maior do estudo da educação e pacificação social é compreender
que o Direito Processual não se limita ao litígio jurisdicional.
De fato, todo o movimento da efetividade do processo certamente visa
a empreender avanços técnicos dos instrumentos de resolução
jurisdicional das insatisfações, após a veiculação
judicial de pretensões. Todavia, o Acesso à Justiça preocupa-se
também com a fase pré-conflitual, buscando implementar mecanismos
que antecipem ao litígio a eficácia do processo, desenhando-o
como fator inibidor e conciliador das tensões sociais.
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NOTAS DE RODAPÉ
1.
JAUERNIG, Othmar. Zivilprozessrecht. München: C.H.Beck Verlag, 28ª ed.,
2003, p.8, onde se lê: “Das Zivilprozeßrecht ist öffentliches
Recht. Im Prozeß treten die Parteien dem Gericht gegenüber,
das Staatsgewalt ausübt. Die Entscheidungen haben Wirkungen, die den
Handlungen von Privatpersonen abgehen. Man denke nur an die materielle
Rechtskraft des Urteils. Das öffentliche Interesse an Ausgestaltung
und Ablauf des Verfahrens macht große Teile des Zivilprozeßrechts
zu zwingendem Recht, so daß sie auch durch Parteivereinbarung nicht
beiseite geschoben werden können”.
2.
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Forense,
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afirmando que até hoje o processo ainda é elitizado, tecnicista
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7.
ZANZUCCHI, Marco Tullio. Diritto Processuale Civile. Milano: Giuffré,
vol. I, 6a ed., 1964, p.11-12, ipsis litteris: “Lo Stato infatti, che pone
le norme giuridiche tutelatrici degli interessi dei songoli, è indirettamente
interessato a che gli interessi stessi raggiungano quella soddisfazione, che,
ponendo, dette norme, há inteso di garantire, e cosi siano risolti i conflitti
che al riguardo possono sorgere fra i consociati; ed è poi naturalmente
in modo diretto interessato a che le norme giuridiche, da lui poste, siano osservate,
e l’ordinamento da lui creato, se violato, sia reintegrato: la giurizdizione
tende a soddisfare tale interesse pubblico dello Stato, indiretto e diretto.
La giurisdizione dunque há una finalità essenzialmente pubblicistica:
l’esercizio della giurisdizione ‘interest reipublicae’;” DINAMARCO,
Cândido Rangel, Op.cit., p.152.
8.
DINAMARCO, Cândido. Instituições de Direito Processual Civil.São Paulo: Malheiros, 3ª ed., Vol. I, 2003, p.105.
9.
HAGEN, Johann. Die soziale Funktion des Prozesses. In Zeitschrift
für Zivilprozeß, 84. Band, Heft 4, 1971, p.386-387, onde se lê: “Es
liegt nach diesem Befund nahe, die normativen Bestimmungsgründe des Verfahrens
um ‘faktische’ Faktoren zu erweitern, ohne daß der Standort
dieser Faktizität zunächst festgelegt werden soll. Damit befänden
wir uns in Übereinstimmung mit der Generallinie der Rechtssoziologie, die
den von der Rechtsdogmatik monopolisierten Normbegriff im weiteren Rahmen der
sozialen Kontrolle verwendet. Es wäre dann Aufgabe einer so verstandenen
Rechtssoziologie, den Prozeß als Ergebnis sozialer Wirkungen darzustellen”.
10.
Abordaremos temas debatidos em outras disciplinas, como a sociologia e psicologia,
sem pretender inovar, mas antes produzindo uma compilação e transpondo
conceitos para o campo do direito, sempre tendo em mente a advertência
de BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Os novos rumos do processo civil
brasileiro. In Temas de Direito Processual – 6ª Série.
São Paulo: Saraiva, 1997, p.77, onde se lê: “Não que
nos aventuremos, sem mais aquela, a examiná-lo [o tema] com a lente do
sociólogo ou do cientista político: estamos bastante compenetrados
da especificidade de nossa ciência, e dos perigos do amadorismo, para sabermos
que, sem a preparação adequada, não se incursiona impunemente
em seara alheia”.
11.
ETZIONI, Amitai. The New Golden Rule. Community and Morality. In A Democratic
Society. New York: Basic Books, 1996, p.4-11 e, em seguida, p.20-21.
12.
WOLFE, Alan. Human Nature and the Quest for Community, in ETZIONI, Amitai
(Ed.). New Comunitarian Thinking: persons, virtues, institutions and communities.
University of Virginia Press, 3ª impressão, 1996, p. 128.
13.
SPRAGENS JR., Thomas A. Communitarian Liberalism, in ETZIONI, Amitai
(Ed.). New Comunitarian Thinking: persons, virtues, institutions and communities.
University of Virginia Press, 3ª impressão, 1996, p.44-45, onde se
lê: “As for a human virtue, Milton Friedman argues that liberalism ‘is
not na all-embracing ethic’ and it is indeed ‘a major aim of the
liberal to leave the ethical problem for the individual to wrestle with’.
(...) Community is not ignored altogether as a value. But it receives only a
tepid, secondary, and very fragile role in the libertarian and egalitarian schemes”.
14.
ETZIONI, Amitai. The New Golden Rule. Op.cit., p. 97.
15.
Sobre o racionalismo na teoria de John Rawls, Cf. CITTADINO, Gisele. Pluralismo,
Direito e Justiça Distributiva. Elementos da Filosofia Constitucional
Contemporânea. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2ª ed., 2000, p.82, nota
nº 129.
16.
CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Acesso à Justiça, Op.cit., p.16.
17.
ETZIONI, Amitai. The New Golden Rule. Op.cit., p.7, onde, propondo uma mudança
de perspectiva, assevera o autor: “The basic reason this rearrangement
is required is that the old map centers around the role of the government versus
that of the private sector, and the authority of the state versus that of the
individual. The current axis is the relationship between the individual and the
community, and between freedom and order.”
18.
Sem embargo, há muitas diferenças entre a conotação
que o termo “liberalismo” assumiu no Brasil (como sinônimo
de neoliberalismo econômico) e o verdadeiro sentido político que
a expressão comporta na literatura jusfilosófica. Com efeito, muitos
autores liberais adotam posições igualitárias, pregando
o fim das desigualdades sociais e negando muitas das resoluções
do capitalismo selvagem pregadas pelos neoliberais. De forma alguma pretendemos
ocultar estes aspectos dessas teorizações. Todavia, ressaltaremos,
ao longo do texto, alguns aspectos marcantes do liberalismo, notadamente o modelo
do homem racional e o individualismo, indicando como na prática liberal
estes aspectos apontam em sentido oposto ao ideário liberal.
19.
No que tange à ausência de participação política,
Cf.SUNSTEIN, Cass. Beyond the Republican Revival, in The Yale Law
Journal, vol.97, n.8, julho de 1988, p.1546-1547; EPSTEIN, Richard A.
Modern
Republicanism – Or The Flight From Substance, in The Yale Law Journal,
vol. 97, n. 8, julho de 1988, p.1637.
20.
ELSHTAIN, Jean Bethke. The Communitarian Individual, in ETZIONI,
Amitai (Ed.). New Comunitarian Thinking: persons, virtues, institutions and communities.
University of Virginia Press, 3ª impressão, 1996, p.104.
21.
Por outro lado, não negam os liberais a sociabilidade humana, que seria
fruto da sua bondade intrínseca, como visto. Todavia, o próprio
fato de conferirem prioridade às liberdades públicas sobre os direitos
de cunho social importa em certa dose de individualismo nas teorias liberais.
Cf. CITTADINO, Gisele. Op.cit., p. 76.
22.
WALZER, Michael. The Comunitarian Critique of Liberalism, in ETZIONI,
Amitai (Ed.). New Comunitarian Thinking: persons, virtues, institutions and communities.
University of Virginia Press, 3ª impressão, 1996, p.62.
23.
Sobre a característica egoísta do liberalismo, ELSHTAIN, Jean Bethke.
Op.cit., p.103, escreve: “The central feature of this tradition is the
primacy of rights even as one denies any similar status to principles of belonging
or obligation. (...) Lurking behind rights talk is a view of humans as self-sufficient
choosers whose good lies in the concatenation of rationalistic choices”.
24.
Abundam nas prateleiras das livrarias livros de auto-ajuda do tipo “Como
ser seu próprio melhor amigo”.
25.
WALZER, Michael. The Comunitarian Crititque of Liberalism, Op.cit.,
p.64.
26.
O comunitarismo, como se verá ao longo do texto, apesar de representar
uma doutrina abertamente oposta ao liberalismo, não despreza a liberdade,
como fazem os autores conservadores. Ao contrário, busca o comunitarismo
conciliar ordem e autonomia, realizando um balanceamento entre direitos/garantias
individuais e responsabilidade social, conferindo importância não à ruptura,
mas às próprias relações humanas.
27.
A interdisciplinaridade é fator nodal para evitar a idéia ultrapassada
do Direito como sistema autopoiético, que produz a si mesmo. Cf. ASSIER-ANDRIEU,
Louis. Le juridique des anthropologues, in Droit et Societé, n.5,
1987, p.93-94, onde se lê: "Ce choix d’un objet distinct
dont on postule la spécificité exprime, en outre, la volonté de
forger un outil d’analyse qui échappe au discours que le droit peut
produire sur lui-même".
28.
WOLFE, Alan. Op.cit., p.134.
29.
AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Caracterização jurídica
da dignidade da pessoa humana, in Revista dos Tribunais, 91º ano,
vol.797, março de 2002, p.13. Cabe salientar que, há décadas,
já resta consagrada a concepção do planeta como um ecossistema,
no qual todos os seres vivos dependem da existência uns dos outros e o
homem, espécie animal deste sistema, integra esta relação
de interdependência.
30.
WOLFE, Alan. Human Nature and the Quest for Community, Op.cit.,
p.128-129.
31.
Idem, p.129-130, onde se lê: “Chimpanzees, for example, our closest
relatives, have been found to be ‘peacemaking’creatures, even capable
of negotiating differences through diplomacy. Animals, we have been told, can
perceive the world, have culture, develop extensive divisions of labor, and communicate
with others of their species. According to those who seek support for the hypothesis
of human sociability in nature, we need no longer be afraid of biology, for it
teaches us not that we will destroy each other in a vicious Darwinian struggle
for survival but that we are more likely to live together in harmony with others”.
32.
AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Op.cit., p.16-17.
33.
Entre os diversos seres evoluídos, a faculdade da razão difere
apenas por uma questão de grau, sendo essencialmente o mesmo o raciocínio
utilizado pelo homem e por um símio. Um chimpanzé adulto tem faculdades
racionais semelhantes àquelas de uma criança de 3 anos.
34.COMPARATO, Fábio Konder. Fundamento dos
direitos humanos,
in Revista Consulex, Ano IV, n.48, dezembro, 2000, p.54.
35.§90a. “Tiere sind keine Sachen. Sie werden durch besondere Gesetze
geschützt. Auf sie sind die für Sachen geltenden Vorschriften entsprechend
anzuwenden, soweit nicht etwas anderes bestimmt ist”.
36.
AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Op.cit., p.17.
37.
De fato alguns pensadores, como Charles Taylor e Fábio Konder Comparato,
evitam as aproximações entre o homem e os demais animais, o denominado “naturalismo”,
com o legítimo escopo de forjar uma peculiar figura do ser humano. Trata-se
de preocupação em evitar pensar o homem através das lentes
das ciências naturais, das ciências exatas, por vezes também
influenciada pela religiosidade destes autores. Pensamos que as pesquisas sobre
sócio-biologia, antes de representar uma diminuição do homem
na cadeia evolutiva ou tornar cartesiana a análise do comportamento humano,
enaltecem a condição do homem como ser social, demonstrando ainda
a viável complementaridade entre ciências naturais e ciências
sociais. Cf. NAKAMURA, Muneo. Die methodologische Beziehung zwischen Rechtswissenschaft
und Naturwissenschaft, in Zeitschrift für Zivilprozeß, 68. Band,
4. Heft, 1955, p.401 e ss.
38.
DE WAAL, Franz. Good Nature: the origins of right and wrong in humans and other
animals. Cambridge: Harvard University Press, 1996, apud AZEVEDO, Antonio Junqueira
de. Op.cit, p.14, nota 6.
39.
BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos Teóricos e Filosóficos
do Novo Direito Constitucional Brasileiro, in Temas de Direito Constitucional.
Rio de Janeiro: Renovar, tomo II, 2003, p. 9.
40.
Deve-se ter em mente que na língua alemã as palavras consciente
(bewusst) e inconsciente (unbewusst) possuem conotação gramatical
de particípio passado, algo equivalente a “conhecido” e “não
conscientemente conhecido”, em sentido passivo, ao contrário do
inglês “conscious”, bem como do próprio vocábulo
em português. Releva lembrar que Freud utiliza a palavra tedesca “Bewusstsein”,
sinônima de “consciência”, quando deseja empregar sentido
ativo ao termo. Pensamos que se deve compreender, em regra, os termos consciente
e inconsciente em sentido passivo na teoria freudiana, já que não
se trata de algo que voluntariamente (ativamente) não tenha ciência
o indivíduo.
41.
FREUD, Sigmund. O Inconsciente, in Obras Psicológicas Completas.
Trad. Themira de Oliveira Brito, Paulo Henriques Britto e Christiano Monteiro
Oiticica. Rio de Janeiro: Imago, vol. XIV, 1969, p.84.
42.
Freud utiliza siglas para referir-se ao consciente (Cs) e inconsciente (Ics)
quando compreendidos como organização em sistemas. Assim o faz
para evitar confusão terminológica com os termos “consciente” e “inconsciente” quando
significativos de atos psíquicos. Assim, onde se escreve “sistema
Ics”, leia-se “sistema inconsciente”, e assim por diante.
43.
FREUD, Sigmund. A Interpretação dos Sonhos. Trad. Walderedo Ismael
de Oliveira. Rio de Janeiro: Imago, 2ª ed, 1988, vol. 2, p.554, onde se
lê: “O inconsciente é a esfera mais ampla, que inclui em si
a esfera menor do consciente. Tudo o que é consciente tem um estágio
preliminar inconsciente, ao passo que aquilo que é inconsciente pode permanecer
nesse estágio e, não obstante, reclamar que lhe seja atribuído
o valor pleno de um processo psíquico. O inconsciente é a verdadeira
realidade psíquica; em sua natureza mais íntima, ele nos é tão
desconhecido quanto a realidade do mundo externo, e é tão incompletamente
apresentado pelos dados da consciência quanto é o mundo externo
pelas comunicações de nossos órgãos sensoriais”.
(grifos no original)
44.
Para uma análise pormenorizada deste processo na teoria freudiana, FREUD,
Sigmund. O Inconsciente, Op.cit., p.178-181.
45.
FREUD, Sigmund. O Ego e o Id, in Obras Psicológicas Completas.
Rio de Janeiro: Imago, vol XIX, 1996, p. 28-29. Neste trabalho, Freud corrige
alguns de seus argumentos anteriores e amplia conceitos formulados anteriormente.
Diz, por exemplo, que aquilo que é temporariamente inconsciente (latente)
estaria compreendido no sistema pré-consciente.
46.
FREUD, Sigmund. A Interpretação dos Sonhos, Op.cit., p.558. Nesta
passagem, como em outras linhas de “O Inconsciente”, o próprio
Freud admite que apesar de a censura não existir, em princípio,
entre os sistemas Pcs e Cs, ela é provável em alguns casos.
47.
FREUD, Sigmund. O Inconsciente, Op.cit., p.191 e ss.
48.
Idem, p.191-192.
49.
WALZER, Michael. The Comunitarian Crititque of Liberalism, Op.cit.,
p.55, onde se nota severa crítica ao racionalismo na teoria liberal: “We
liberals are free to choose, and we have a right to choose, but we have no criteria
to govern our choices except our own wayward understanding of our wayward interests
and desires. And so our choices lack the qualities of cohesion and consecutiveness.
We can hardly remember what we did yesterday; we cannot with any assurance predict
what we will do tomorrow. We cannot give a proper account of ourselves. We cannot
sit together and tell comprehensible stories, and we recognize ourselves in the
stories we read only when these are fragmented narratives, without plots, the
literally equivalent of atonal music and nonrepresentational art”.
50.
ETZIONI, Amitai. The Monochrome Society. New Jersey: Princeton University Press,
2001, p.151.
51.
FREUD, Sigmund. Mal-Estar na Civilização, in Obras
Psicológicas Completas. Trad. José Octávio de Aguiar Abreu.
Rio de Janeiro: Imago, vol. XXI, 1974, p.84.
52.
Idem, p.85.
53.
Ibidem.
54.
Freud conceitua civilização como a soma de regulamentos que protegem
os homens contra os males da natureza e tem o objetivo de regrar seus relacionamentos
mútuos.
55.
FREUD, Sigmund. Mal-Estar na Civilização, Op.cit.,
p.93-96.
56.
Freud também dá relevo a este tópico: “grande parte
das lutas da humanidade centralizam-se em torno da tarefa única de encontrar
uma acomodação conveniente — isto é, uma acomodação
que traga felicidade — entre essa reivindicação do indivíduo
e as reivindicações culturais do grupo, e um dos problemas que
incide sobre o destino da humanidade é o de saber se tal acomodação
pode ser alcançada por meio de alguma forma específica de civilização
ou se esse conflito é irreconciliável.” Idem, p.102-103.
57.
WALZER, Michael. The Comunitarian Critique of Liberalism, Op.cit.,
p.56.
58.
FREUD, Sigmund. O Inconsciente. Op. cit., p.199-200.
59.
ETZIONI, Amitai. The New Golden Rule. Op.cit., p.25-26.
60.
Idem, p.21, onde se lê: “Most profoundly, there are not now and never
were freestanding individuals of the kind individualists envision. People are
socially constituted and continually penetrated by culture, by social and moral
influences, and by one another. Business advertise products in ways that motivational
research has shown will appeal to their customers’ infantile and impulsive
urges. The youth culture promotes risky, irrational behavior. Social bonds tug
at people unconsciously. In short, the choices made by individuals are not free
from cultural and social factors. To remove, on libertarian grounds, limits set
by the public, far from enhancing autonomy, merely leaves individuals subject
to all the other influences, which reach them not as information or environmental
factors they can analyze and cope with, but as invisible messages of which they
are unaware and that sway them in nonrational ways”.
61.
Não se faz aqui, qualquer consideração a respeito da possibilidade
do homem racionalizar todo o complexo de suas ações nem aos processos
do inconsciente.
62.
CALMON DE PASSOS, José Joaquim. Democracia, participação
e processo, in Participação e Processo. Coord. Ada Pellegrini
et alii. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988, p.84: “A sociabilidade é conseqüência
da impossibilidade de cumprir-se a condição humana sem o relacionamento
com os outros. Todos estamos absolutamente seguros de que é inaceitável
pensar o homem fora da sociedade. (...) Há necessidade de associarmo-nos
por imperativo biológico (a reprodução), por exigências
psicológicas (a linguagem, a comunicação, a transmissão
do conhecimento) e por condicionamentos materiais (cooperação para
atender, num nível mínimo satisfatório, às necessidades
que experimentamos ? naturais e culturais)”.
63.
COMPARATO, Fábio Konder. Fundamento dos direitos humanos, Op.cit., p.59.
64.
CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Acesso à Justiça, Op.cit., p.42.
65.
Decerto que os objetivos sociais do processo não são pacíficos
em doutrina. Optamos por selecionar a pacificação de conflitos
e a educação social. Outros autores identificam ainda outros, como
a garantia da igualdade processual entre indivíduos mais e menos dotados
de força política e de recursos culturais e econômicos. Cf.
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Por um processo socialmente efetivo,
in Revista de Processo, vol.105, p.181-184.
66.
Nesse sentido, embora negando um objetivo propriamente social do processo, CALMON
DE PASSOS, José Joaquim. Função social do processo,
in Revista Forense, vol.343, julho-setembro, 1998, p.86.
67.
NEVES, Celso. A Estrutura Fundamental do Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense,
1997, p.19; HAGEN, Johann. Op.cit., p.390, onde se lê: “Ebenso wie
der möglichen Selbsthilfe durch juristische, in diesem Fall, materiellrechtliche
Kriterien halb verdeckte soziale Konflikte vorausgehen, kann die geübte
Selbsthilfe möglicherweise einen sozialen Konflikt konstituieren. Daß derartige
Konflikte eine latente Gafahr für den Bestand der Gesellschaft darstellen,
erklärt ihr Interesse an der sozial unschädlichen Austragung dieser
Konflikte. Prozeßordnungen lassen sich so in einer bewußten Vereinfachung
als sublimierte und im gesellschaftlichen Bereich institutionalisierte Modelle
für Konfliktlösungen verstehen”.
68.
BARRIOS DE ANGELIS, Dante. Introducción al estudio del processo. La psicologia
y la sociologia del proceso. Buenos Aires: Depalma, 1983, p.56-57.
69.
CINTRA, Antonio Carlos Araújo et alii. Teoria Geral do Processo. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 8a ed., 1991, p.27-28.
70.
DINAMARCO, Cândido Rangel, A Instrumentalidade do Processo, Op.cit., p.
161.
71.
BAUR, Fritz e GRUNSKY, Wolfgang. Zivilprozeßrecht. Kriftel: Luchterhand, 10.
Auflage, 2000, p.2, in verbis: “Wenn sonach die Zivilgerichtsbarkeit auch
in erster Linie der Entscheidung über private Rechte und ihrer Durchsetzung
dient, so ist doch unverkennbar, da? damit auch der Rechtsfriede gewährleistet
werden soll. Im Vordergrund steht allerdings die Verwircklichung des subjektiven
materiellen Rechts. Der Rechtsfriede für sich allein ist deshalb kein ausreichende
Prozeßzweck, weil er auch unter Mi?achtung der subjektiven Rechte erreichbar
sein kann, was für unser Verständnis nicht erträglich wäre”.
72.
BARRIOS DE ANGELIS, Dante. Op.cit., p.64, onde se lê: “El proceso
es también un instrumento de acción política. Las formas
de proceso oral público se han reconocido siempre como un medio docente
poderoso en la educación del pueblo”.
73.
DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo, Op.cit, p.163.
74.
A expressão “voz moral” é de ETZIONI, Amitai. The New
Golden Rule. Op.cit., p.121-123.
75.
Os psicólogos que adotam concepções liberal-individualistas,
evitam o “deva” em suas explanações, sob alegação
de que isto poderia inclinar as pessoas a viverem suas vidas por outras, o que é criticado
pelos autores comunitaristas. A própria estrutura das normas jurídicas,
nos moldes do “dever-ser”, prescrevendo condutas e impondo sanções
para seu descumprimento, denota a presença do dever na vida humana e a
necessidade de uma pauta de conduta para convivência social harmônica.
76.
Sobre o papel da vergonha como limitador da conduta humana, ETZIONI, Amitai.
The Monochrome Society. Op.cit., p.37-47.
77.
Como admite o próprio ETZIONI, Amitai. The New Golden Rule. Op.cit., p.120.
78.
O Ego, para Freud, seria “uma organização coerente de processos
mentais”, apesar de também admitir que há algo no próprio
ego que é inconsciente. Afirma o autor: “É a esse Ego que
a consciência se acha ligada: o ego controla as abordagens à motilidade — isto é, à descarga
de excitações para o mundo externo. Ele é a instância
mental que supervisiona todos os seus próprios processos constituintes
(...). Desse ego também procedem as repressões, por meio das quais
procura-se excluir certas tendências da mente, não simplesmente
da consciência, mas também de outras formas de capacidade e atividade”,
in FREUD, Sigmund. O Ego e o Id, Op.cit., p. 30. Sobre os processos
inconscientes dentro do ego, Idem, p. 31-32.
79.
Idem, p. 47.
80.
FREUD, Sigmund. Mal-Estar na Civilização, Op.cit.,
p.144.
81.
Idem, p.144-145.
82.
Para exame da evolução do estudo da repercussão do medo
no comportamento individual, Cf.PLÄNKERS, Tomas. “Trieb, Objekt, Raum.
Veränderungen im psychoanalytischen Verständnis der Angst” in
Psyche: Zeitschrift für Psychoanalyse und ihre Anwendungen, 57. Jahrgang,
Heft 6, Juni 2003, p.487-510.
83.
Neste sentido, LEGENDRE, Pierre. O Amor do Censor: ensaio sobre a ordem dogmática.
Trad. Aluísio Pereira de Menezes et alii. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
1983, p.113: “A instituição regula e mede o medo”.
Decerto que não pretendemos negligenciar o papel, ao lado da sanção,
do denominado prêmio, concedido em razão de uma conduta desejada
pelo ordenamento. Todavia, no âmbito deste trabalho, desenvolveremos apenas
o estudo da conduta influenciada pela censura da sanção.
84.
MAUS, Ingeborg. Judiciário como Superego da sociedade. O papel
da atividade jurisprudencial na "Sociedade Orfã", in Novos
Estudos, n.58, novembro de 2000, p.192.
85.
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O juiz e a cultura da transgressão,
in Temas de Direito Processual – 7a Série. São Paulo: Saraiva,
2001, p.254.
86.
Sobre o papel da norma legal na sociedade comunitarista, Cf. ETZIONI, Amitai.
The Monochrome Society. Op.cit., p.155 e ss.
87.
Este processo tem início na infância, através da autoridade
paterna. Afirma Freud: “O superego retém o caráter do pai,
enquanto que quanto mais poderoso o complexo de Édipo e mais rapidamente
sucumbir a repressão (sob a influência da autoridade do ensino religioso,
da educação escolar e da leitura), mais severa será posteriormente
a dominação do superego sobre o ego, sob a forma de consciência
ou talvez de um sentimento inconsciente de culpa”, in FREUD, Sigmund. O
Ego e o Id, Op.cit., p. 47.
88.
FREUD, Sigmund. Mal-Estar na Civilização, Op.cit.,
p.131, onde se lê: “Essas inter-relações são
tão complicadas e, ao mesmo tempo, tão importantes, que, ao risco
de me repetir, as abordarei ainda de outro ângulo. A seqüência
cronológica, então, seria a seguinte. Em primeiro lugar, vem a
renúncia ao instinto, devido ao medo de agressão por parte da autoridade
externa. (...) Depois vem a organização de uma autoridade interna
e a renúncia ao instinto devido ao medo dela, ou seja, devido ao medo
da consciência. Nessa segunda situação, as más intenções
são igualadas às más ações e daí surgem
sentimento de culpa e necessidade de punição. A agressividade da
consciência continua a agressividade da autoridade”.
89.
SUNSTEIN, Cass. Social Norms and Social Roles, in Columbia Law
Review 96, 1996, p.903.
90.
MAUS, Ingeborg. Op.cit., p.201, onde se lê: “Apesar dos contínuos
processos de juridicização, as normas jurídicas são
praticamente desconhecidas nesses campos sociais e por isso não teriam
conseqüências para a vivência imediata dos indivíduos.
Eles dirigem-se efetivamente aos aparatos de Estado, apesar de todas as estratégias
em contrário por parte da jurisprudência e da metodologia jurídica.
A própria teoria do Direito Livre fundamentara suas problemáticas
exigências com a afirmação correta de que os chamados ‘destinatários
jurídicos’ não se deixam orientar pelo direito legal, comportando-se
segundo o ‘direito livre’, o qual corresponde às normas sociais
e convenções morais”. Sobre a Escola do Direito Livre, Cf.
CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Acesso à Justiça, Op.cit., p.22-23.
91.
ETZIONI, Amitai. The Monochrome Society. Op.cit., p.156.
92.
LEGENDRE, Pierre. Op.cit., p.34.
93.
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O juiz e a cultura da transgressão,
p.256.
94.
Formulação de Luhmann, que ganha força na doutrina brasileira.
Cf. CALMON DE PASSOS, José Joaquim. Função social
do processo, Op.cit., p.88-90.
95.
DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo, p.149.
96.
JAUERNIG, Othmar. Op.cit., p.1-2, in verbis: “Das ursprüngliche Mittel
bei allen primitiven Völkern war die Selbsthilfe. Der Einzelne mußte
sich selbst sein Recht holen, Familie und Sippe halfen ihm dabei, notfalls mit
Gewalt. Eine Garantie für den Sieg des Rechts gab es daher nicht. Im Gegenteil:
Wer die Macht hatte, war im ‘Recht’.(…) Das konnte die erstarkende
Staatsgewalt nicht hinnehmen. Sie verbot daher jede Selbsthilfe (von Ausnahmefällen
abgesehen) und nahm die Wahrung und Durchsetzung der Rechtsordnung selbst in
die Hand. Das Mittel hierfür ist ein Verfahren vor einem staatlichen Gericht:
der Prozeß.”
97.
LEGENDRE, Pierre, Op.cit., p.117. Afirma o autor: “Segue-se, pois, a conclusão
no seu devido lugar. A Lei só domina seus sujeitos por isto: a partir
da prestidigitação que substitui o gozo por uma regra estrita,
porém tranqüilizadora.”
98.
Idem, p.34.
99.
Idem, p.114-115. Aliás, o primeiro pai, Adão, foi também
o primeiro pecador.
100.
FREUD, Sigmund. O Ego e o Id, Op.cit., p. 49, onde afirma que “é fácil
demonstrar que o ideal do ego responde a tudo o que é esperado da mais
alta natureza do homem. Como substituto de um anseio pelo pai, ele contém
o germe do qual todas as religiões evolveram. O autojulgamento que declara
que o ego não alcança o seu ideal, produz o sentimento religioso
de humildade a que o crente apela em seu anseio. À medida que uma criança
cresce, o papel do pai é exercido pelos professores e outras pessoas colocadas
em posição de autoridade; suas injunções e proibições
permanecem poderosas no ideal do ego e continuam, sob a forma de consciência,
a exercer a censura moral”.
101.
LEGENDRE, Pierre. Op.cit., p.101, onde se lê: “A representação
procurada pelo juiz no processo mostra bem que a última palavra é tarefa
do Poder, de uma relação entre a lógica e o seu mito de
apoio. O juiz porta a máscara sacerdotal, ele toma o lugar sagrado do
intocável, ele representa o Outro, o onipotente e o ausente com que se
mistifica a instituição medieval para viver e fazer viver. Quando
ele pronuncia a sentença, ele diz o Direito, e sua consciência própria
desaparece(...); quando ele julgou, não é ele que fala, mas a Verdade
da Lei (‘a coisa julgada tem o lugar da verdade’: res judicata
pro
veritate habetur)”.
102.
Idem, p.34, in verbis: “Em outros termos, sob as proposições
algumas vezes delirantes de sua simbólica e pelos procedimentos classificatórios
da justificação repressiva, a Lei estipula, para sujeitos indistintos
e desconhecidos, um universo idealizado da falta (manque) e destina ao pobre-pecador-doente
de sua falta (faute), mais tarde o cidadão intercambiável da sociedade
dita liberal, o benefício de uma pena, de uma perseguição
legítima.”
103.
Ainda uma vez citamos LEGENDRE, Pierre, Op.cit., p.128, onde se lê: “O
pecador, que sofre de seu desejo, é assim convidado a procurar substitutos;
o objeto de substituição por excelência, ideal e sublime, é a
própria Lei, transformada em objeto de amor.”
104.
Idem, p.73. Afirma o autor: “A ilusão de que não haja outra
verdade senão aquela, dita em nome do texto por seu intérprete
qualificado, aí está o início do jogo institucional, na
aproximação do discurso inserido em um escrito rigorosamente defendido. É por
isso que o sistema ocidental das censuras é inseparável de um saber
particular, o da norma escrita (...)”. Em seguida, p.126, diz: “O
texto expõe também um pensamento simbólico. Ponto essencial,
a ser novamente lembrado aqui, pois somente a partir daí é que
se pode perceber o lado duplo da Lei: por um lado, o apregoar de um Direito que
enuncia os fins punitivos da instituição (penas do pecado), por
outro, o fenômeno tão importante do desencadeamento teorista abstrato,
consistindo em uma espécie de perpétua preparação,
de exame e de reexame dos atos humanos da vida comum. Chegamos assim à aresta
que separa as duas vertentes principais da instituição, onde se
ordenam os esquemas imperativos da submissão e cuja articulação
lógica recorre ao fundo comum de imagens tipos e de mitos arcaicos continuamente
reativados”. Ressalte-se que os escopos do processo realizam-se mesmo sem
a intervenção do juiz, como pelos equivalentes jurisdicionais ou
pelo cumprimento voluntário da norma jurídica pelo medo de punição.
A figura do Estado-juiz, entretanto, é simbólica, e o simples fato
de sua potencial atuação contribui para esses objetivos.
105.
Em longa pesquisa de campo sobre o funcionamento prático dos Juizados
Especiais fluminenses, o Prof. Paulo Cezar Pinheiro Carneiro destacou que menos
de 40% dos processos terminavam por uma solução conciliatória
e, na maioria dos casos, a conciliação ocorria durante a audiência
de instrução e julgamento, na presença do juiz, símbolo
de “autoridade”. Cf. CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Acesso à Justiça,
Op.cit., p.152 e 170.
106.
MANDRIOLI, Cristanto. Diritto Processuale Civile. Torino: G.Giappichelli, 30a
Ed., 2000, p.10, admite que, “em linguagem comum”, a palavra tutela
significa proteção.
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