A teoria da imprevisão e o Código Civil de 2002
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Autor: Desembargador Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz |
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A teoria da imprevisão consiste no reconhecimento de que eventos novos, imprevistos e imprevisíveis pelas partes, e a elas não imputáveis, refletindo sobre a economia ou a execução do contrato, autorizam a sua revisão, para ajustá-lo às circunstâncias supervenientes. Trata-se da aplicação da cláusula rebus sic stantibus, elaborada pelos pós-glosadores, que esposa a idéia de que todos os contratos dependentes de prestações futuras incluíam cláusula tácita de resolução, se as condições vigentes se alterassem profundamente. Tal idéia se inspirava num princípio de eqüidade, pois, se o futuro trouxesse um agravamento excessivo da prestação de uma das partes, estabelecendo profunda desproporção com a prestação da outra parte, seria injusto manter-se a convenção, já que haveria indevido enriquecimento de um e conseqüente empobrecimento do outro (Cfe. sobre o tema os seguintes autores: ANDREA TORRENTE, Manuale Di Diritto Privato. 6. ed., Giuffrè Editore, 1965. pp. 447-50. § 311; GILBERT MADRAY, Des Contrats D’aprè la Récent Codification Privée Faite aux États-Unis - Étude Comparée de Droit Américain et de Droit Français. Libr. Générale, Paris, 1936. p. 194; GEORGES RIPERT, La Règle Morale dans les Obligations Civiles. 4. ed., Libr. Générale, Paris, 1949, p. 143 e ss.; PAUL DURAND, Le Droit des Obligations dans les Jurisprudences Française et Belge. Libr. Du Recueil Sirey, Paris, 1929. p. 134 e ss; VIRGILE VENIAMIN, Essais sur les Donnes Economiques dans L’Obligation Civile. Libr.- Générale, Paris, 1931. p. 373 e ss.; MARCEL PLANIOL, Traité Élémentaire de Droit Civil. 10 ed., Libr. Générale, Paris, 1926. t. II. n. 1.168. p. 414; OTHON SIDOU, A Revisão Judicial dos Contratos. 2. ed., Forense, 1984. p. 95; PONTES DE MIRANDA, Tratado de Direito Privado. 3. ed., RT, 1984. t. XXV. § 3.060. pp. 218-20 e, do mesmo autor, Dez Anos de Pareceres. Livr. Francisco Alves, Rio, 1976. vs. 7/36-9 e 10/197-9; ARNOLDO MEDEIROS DA FONSECA, Caso Fortuito e Teoria da Imprevisão. 3. ed., Forense, Rio, 1958. pp. 345-6, n. 242; FRANCISCO CAMPOS, Direito Civil – Pareceres. Livr. Freitas Bastos, 1956. pp. 05-11). Todos os autores acima referidos admitem, sob os mais variados fundamentos doutrinários, a aplicação da teoria da imprevisão, mas apenas em circunstâncias excepcionais, ou seja, somente a álea econômica extraordinária e extracontratual, desequilibrando totalmente a equação econômica estabelecida pelos contraentes, justifica a revisão do contrato com base na cláusula rebus sic stantibus. Outro não é o entendimento adotado pela jurisprudência uniforme da Suprema Corte, em todas as oportunidades em que se manifestou sobre a tormentosa questão, como reflete o aresto relatado pelo eminente e saudoso Ministro Aliomar Baleeiro, cuja cultura jurídica é por todos reconhecida, ao votar no RE n. 71.443-RJ, verbis: “Rebus sic stantibus - Pagamento total prévio. 1. A cláusula rebus sic stantibus tem sido admitida como implícita somente em contratos com pagamentos periódicos sucessivos de ambas as partes ao longo de prazo dilatado, se ocorreu alteração profunda inteiramente imprevisível das circunstâncias existentes ao tempo da celebração do negócio...” (in RTJ 68/95. No mesmo sentido, RTJ: 35/597; 44/341; 46/133; 51/187; 55/92; 57/44; 60/774; 61/682; 63/551; 66/561; 96/667; 100/140; 109/153; 110/328 e 117/323).
A teoria da imprevisão deve ser aplicada com cautela pelo magistrado, evitando que este interfira diretamente nos contratos celebrados, substituindo a vontade das partes, livremente pactuada, pela sua. A respeito, doutrina VIRGILE VENIAMIN, em clássica monografia, verbis: Nesse sentido, também, a aplicação da teoria da imprevisão no direito administrativo francês, nascida no famoso aresto do Conselho de Estado da França, no caso da Companhia de Gás Bordeaux, em 1916, trouxe-nos lições memoráveis, sobretudo as considerações de M. Chardenet, plenamente atuais, verbis: “Le concessionnaire ne peut être tenu de faire face à des sujétions extracontractuelles que si la puissance publique lui donne le moyen d’y faire face, si elle supporte les dépenses au delà des limites que nous venons d’indiquer et qui sont celles résultant d’une saine interprétation du contrat. Et, remarquez-le bien, ce n’est pas là enrichir le concessionnaire, ce n’est pas le mettre à l’abri de tous les risques, c’est seulement le mettre en état de continuer à assurer le service public, dont le fonctionnement se trouve menacé à raison de faits que les parties ne pouvaient em rien prévoir et qui ont porté une grave atteinte à l’economie du contrat. Une fois la période des difficultés passée, on reviendra à l’exécution normale du marché”. (In Revue Du Droit Public et de la Science Politique, M.Giard E. Brière, Paris, 1916, t. 33, p. 221) Por conseguinte, a resolução do contrato por onerosidade excessiva, na forma do art. 478 do Código Civil, somente se justifica quando presente a alteração substancial das condições econômicas no momento da execução do contrato, em confronto com as do instante de sua elaboração, devendo o magistrado, no exame do caso concreto, aplicar com prudência a referida norma do Código Civil, evitando interferir diretamente nos contratos celebrados pelas partes. |
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REVISTA
DE DOUTRINA DA 4ª REGIÃO
PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRF DA 4ª REGIÃO - EMAGIS |
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