Aposentadoria especial: sucessão de leis mais benéficas ao segurado da Previdência Social
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Autor: Tiago do Carmo Martins |
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1. Introdução A aposentadoria especial foi instituída pela Lei 3.807/60 (Lei Orgânica de Previdência Social - LOPS), alterada posteriormente pelo Decreto-Lei 66/66, a partir da constatação, pelo Legislador, da existência de categorias diferenciadas de trabalhadores que, por estarem sujeitos a condições especiais de trabalho durante sua jornada de labor diário, eram dignos de tratamento peculiar. Mais tarde, o Constituinte de 1988 não olvidou da situação dos trabalhadores expostos a circunstâncias insalubres, perigosas ou penosas. É bem verdade que vedou a adoção de critérios diferenciados para concessão de aposentadorias ( art. 40, § 4º, e art. 201, § 1º). Mas, seja quando tratou do Regime Próprio de Previdência dos servidores públicos, seja na abordagem do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), a Constituição fez ressalva expressa em relação ao tempo de serviço laborado sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou integridade física do trabalhador. Ou seja, deixou o Constituinte evidente sua intenção de dar tratamento especial e privilegiado a este grupo de trabalhadores. Nesta esteira, veio a Lei 8.213/91, disciplinando o benefício nos seus artigos 57 e 58. Depois surgiram também as Leis 9.032/95 e 9.528/97, esta resultante da conversão da Medida Provisória 1.523/96, trazendo alterações importantes para o regime da aposentadoria especial, sem falar na Emenda Constitucional 20/98, que passou a exigir Lei Complementar (não editada) para definição das atividades especiais. 2. A sucessão de normas e a renda mensal inicial (RMI) do benefício Originalmente, a LOPS previa que a RMI do benefício de aposentadoria especial consistiria em 70% (setenta por cento) do Salário-de-Benefício (SB), mais um valor de 1% (um por cento) do SB para cada grupo de 12 (doze) contribuições, até o limite de 30 % (trinta por cento) - art. 31, § 1º, combinado com art. 27, § 4º. O Decreto-Lei 66/66, dando nova redação ao art. 27 da LOPS, manteve a essência do cálculo, apenas acrescentando que o montante de 1% (um por cento) variaria ou em função do número de contribuições vertidas pelo segurado, ou em virtude de cada ano de exercício de atividade abrangida pelo regime. Veio então a Lei 8.213/91, estabelecendo que a RMI da aposentadoria especial consistiria numa renda de 85% (oitenta e cinco por cento) do SB, mais 1% (um por cento) por cada grupo de 12 (doze) contribuições, até o limite de 100% (cem por cento) do SB – art. 57, § 1º. Finalmente, a Lei 9.032/95, dando nova redação ao art. 57 da Lei 8.213/91, estatui que a RMI do benefício em tela seria de 100% (cem por cento) do SB, ou seja, sem qualquer variação em função do número de contribuições vertidas pelo segurado. 3. O direito à revisão dos benefícios concedidos sob a égide da norma mais severa A sucessão de normas acima descrita acabou por criar a seguinte situação: as aposentadorias especiais concedidas sob a vigência das normas pretéritas resultaram, para segurados em condições análogas, em uma RMI de menor valor, pelo simples fato do momento temporal do deferimento. A situação narrada é digna de perplexidade, pois o único critério justificador da diferença de valores dos benefícios é o temporal, o qual, por si só, não é dotado de razoabilidade suficiente para ensejar referida distinção. Sendo assim, é direito do segurado ter seu benefício revisado quando da edição de lei superveniente mais benéfica que a anterior. E assim deve ser porque se trata de prestação de caráter alimentar, ligada à subsistência do segurado e sua família, bem como por tender ao cumprimento do princípio constitucional de respeito à dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF/88) e por estar voltada à satisfação de um dos objetivos maiores da República, qual seja, a promoção do bem de todos (art. 3º, IV, CF/88). A relevância do benefício – e da imposição de incremento de seu valor – torna-se ainda mais clara, quando o beneficiário é pessoa idosa, com problemas de saúde ou menor de idade, estereótipos próprios dos segurados e dependentes do RGPS. Além disso, preservar um valor inferior, pelo simples fato do momento temporal em que calculado, representa converter o fenômeno da aposentadoria em uma loteria, onde, de acordo com o período de requerimento do benefício, fará jus o segurado a uma prestação maior ou menor. É dizer: fica o segurado sujeito a um lance de sorte, pois, no dia seguinte ao do requerimento do benefício, as regras do jogo podem mudar sem prévio aviso e, por conseqüência, sem outorga de meios para que o beneficiário programe e avalie qual o melhor momento para requerer sua aposentadoria. Impende ressaltar que esta é a orientação atualmente adotada pelo Superior Tribunal de Justiça em casos relativos à pensão por morte, benefício que também sofreu uma sucessão de leis mais benéficas ao segurado, tal qual a aposentadoria especial, ora analisada. O seguinte julgado bem espelha referido entendimento: PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. LIMITES NORMATIVOS. APRECIAÇÃO DE MATÉRIA CONSTITUCIONAL. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. PENSÃO POR MORTE. REAJUSTE. APLICAÇÃO DA LEI MAIS BENÉFICA. ARTIGO 75, COM REDAÇÃO DA LEI 9.032/95. INCIDÊNCIA IMEDIATA. PRECEDENTES. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. Veja-se que, embora não se trate da mesma prestação previdenciária, tem-se, em verdade, situação equivalente, qual seja, a existência de um benefício sujeito inicialmente a regramento mais severo que o ulterior, ensejando a aplicação da lex mitior previdenciária em favor dos segurados, tenham eles benefícios concedidos ou pendentes de concessão. Não há, portanto, razão para dispensar à aposentadoria especial tratamento diverso do que vem sendo conferido à pensão por morte. 4. Das alegações formuladas contra a aplicação da lei previdenciária posterior mais benéfica Os argumentos contrários à aplicação da lex mitior previdenciária que aparecem com maior freqüência são os seguintes: a. violação à regra constitucional de precedência da fonte de custeio (art. 195, § 5º, da CF/88); b. violação ao direito fundamental de respeito ao ato jurídico perfeito (art. 5º, XXXVI, CF/88). Analisemos cada um deles. Com relação ao primeiro, é preciso consignar, em primeiro plano, que o custeio da Previdência Social no Brasil obedece ao sistema de Repartição, segundo o qual as contribuições previdenciárias vertidas pelos trabalhadores em atividade em determinado período são (juntamente com a receita proveniente dos demais financiadores do regime) a fonte de manutenção dos benefícios pagos aos inativos e pensionistas naquele mesmo período (art. 195, CF/88). Referido sistema opõe-se ao de capitalização, onde os recolhimentos efetuados por cada segurado vão formando um fundo ao longo dos anos, fundo este que, mediante aplicação de técnicas de capitalização e poupança, será a fonte das prestações previdenciárias futuras deste segurado. Ora, sendo adotado o sistema de repartição, a fonte de custeio dos benefícios, em especial do benefício de aposentadoria especial, já se faz presente, pois, conforme determina a Constituição Federal, enquanto o segurado percebe sua prestação mensal, outros tantos contribuem mensalmente para o sistema, ao que se somam as contribuições vertidas pelas empresas e entidades equiparadas (195, I), as receitas decorrentes de concursos e prognósticos (195, III) e as oriundas das atividades de importação (195, IV), além, é claro, dos recursos provenientes do erário. E, além disso, tendo o Legislador decidido por incrementar determinada prestação, como ocorrera com o benefício em análise, presume-se que não o fez temerariamente, mas à luz do contido no Plano Plurianual, na Lei de Diretrizes Orçamentárias e no Orçamento Anual, especialmente com base no orçamento próprio da Previdência Social (art. 165, § 5º, III, CF/88). Assim, insubsistente o primeiro argumento, tratemos do segundo. O artigo 5º da Carta Magna de 1988 consagra um elenco de direitos e de garantias individuais, classificados pela doutrina como sendo de primeira geração, uma vez que instituem mecanismos de defesa do particular perante o Estado. Isto é, são direitos que têm por escopo a proteção do indivíduo em face da autoridade estatal, direitos cuja origem remonta ao Renascimento e à Revolução Francesa, formulados que foram para impedir a repetição dos abusos perpetrados na Idade Média. Diante deste quadro, pode-se concluir sem medo que as prerrogativas insertas no art. 5º da Constituição Federal são armas postas à disposição do particular. Portanto, não são invocáveis pelo Estado em detrimento do indivíduo, posto ser este o sujeito destes direitos, enquanto aquele ocupa tão-somente o pólo passivo da relação jurídica. Ademais, ainda que assim não fosse, não se está a tratar de retroação da lei em prejuízo do ato jurídico perfeito. O que ocorre é, em realidade, aplicação imediata de nova lei a uma relação jurídica que, por sua própria natureza, é de caráter continuado, o que autoriza a revisão do ato, mediante aplicação analógica do art. 471, I, do CPC. Este, aliás, o entendimento do Tribunal Regional Federal da 4ª Região: PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE DA MÃE. FILHO. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA PRESUMIDA. COMPROVAÇÃO. TERMO INICIAL E FINAL DE PAGAMENTO. APLICAÇÃO DA LEI MAIS BENÉFICA (LEI Nº 8.213/91). CONSECTÁRIOS. 5. Conclusão Por todo o exposto, faz-se imperiosa a aplicação da lei previdenciária ulterior mais benéfica como forma de promoção da justiça social (art. 3º, I, CF/88), adequando a situação daqueles que por uma vida contribuíram para fruição de uma terceira idade mais tranqüila, ainda mais quando se constata que o valor do benefício previdenciário, por mais que estabelecido em obediência ao Direito vigente, não garante, da forma como deveria, vida digna aos segurados e dependentes da Previdência Social. 6. Referências Bibliográficas BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo; ROCHA, Daniel Machado da. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. 3. ed. São Paulo: LTr, 2002. FORTES, Simone Barbisan; PAULSEN, Leandro. Direito da Seguridade Social: Prestações e Custeio da Previdência, Assistência e Saúde. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. MARTINEZ, Wladimir Novaes. Curso
de Direito Previdenciário. 2. ed. São Paulo: LTr, 2002. |
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REVISTA
DE DOUTRINA DA 4ª REGIÃO
PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRF DA 4ª REGIÃO - EMAGIS |