O ato atentatório à dignidade da jurisdição: constitucionalizando o parágrafo único do art. 14 do CPC com base no direito à efetividade do acesso à Justiça

Autor: Vilian Bollmann
(Juiz Federal Substituto)
| Artigo publicado em 18.07.2005 |

 


Resumo

O estudo aborda a sanção processual estipulada no parágrafo único do art. 14 do CPC. São analisadas tanto a sua hipótese de incidência quanto a sua efetividade sob a ótica da efetividade da jurisdição, prevista na Constituição da República. A partir desta análise, busca-se demonstrar que as limitações legais previstas naquele artigo servem como diretrizes gerais, podendo ceder diante de certas circunstâncias, especialmente a partir da EC 45/2004.

1. Nota introdutória

É sabido que, orientada pela nova perspectiva democrática que lhe deu origem, a Constituição da República Federativa do Brasil (CR), promulgada em 1988, comete, expressamente, ao Estado, cujos fundamentos abrigam a sua soberania, a cidadania e a dignidade da pessoa humana (incisos I a III do art. 1º), os objetivos de “construir uma sociedade livre, justa e solidária” (art. 3º, I) que garanta, dentre outros direitos, que “ a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (art. 5º, XXV). Nesse contexto, a atuação do Poder Judiciário, como elemento garantidor dos direitos do cidadão, assume clara importância dentro do Estado Democrático de Direito instituído pela referida carta constitucional.

Com efeito, durante a chamada “reforma do poder judiciário”, consubstanciada na promulgação da Emenda Constitucional 45, em 2004, foi acrescentado um novo direito individual fundamental, com os seguintes dizeres:

"Art. 5º (...) LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação."

Ocorre que a busca da efetividade da jurisdição não é apenas uma preocupação técnico-processual, mas sim social, decorrente do exercício pleno das prerrogativas inerentes à cidadania. Por isso, uma vez estabelecida uma ordem judicial, seu descumprimento só é possível como conseqüência de sua revisão, nos termos da legislação processual, e não por vontade própria do particular, eventualmente prejudicado por ela. Em verdade, a violação ao comando proferido pela Justiça não é apenas afronta ao magistrado que a proferiu, mas também ao Tribunal Regional Federal, a todo o Poder Judiciário e, no limite, à própria sociedade como um todo.

Não é por outro motivo que o Código de Processo Civil – CPC – foi recentemente alterado a fim de prever a hipótese específica de ato atentatório à dignidade da justiça consubstanciado na seguinte norma:

"Art. 14 - São deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo: (...) V - cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou final.

Parágrafo Único. Ressalvados os advogados que se sujeitam exclusivamente aos estatutos da OAB, a violação do disposto no inciso V deste artigo constitui ato atentatório ao exercício da jurisdição, podendo ao juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa em montante a ser fixado de acordo com a gravidade da conduta e não superior a vinte por cento do valor da causa; não sendo pago no prazo estabelecido, contado do trânsito em julgado da decisão final da causa, a multa será inscrita sempre como dívida ativa da União ou do Estado."

Como bem sustentou o Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz,

“As aspirações sociais acerca do processo civil apontam para a necessidade de maior efetividade da tutela jurisdicional (...), considerado o aspecto objetivo da efetividade, podemos afirmar que a resposta do legislador reformista, ao ampliar as medidas coercitivas tendentes ao concreto cumprimento das decisões judiciais, antecipatórias ou finais, constitui um avanço importante”.(2)

Porém, diante da alteração constitucional já mencionada, que buscou explicitar o direito à efetividade temporal da jurisdição que já estava implícito no inc. XXXV do mesmo artigo da Constituição,(3) tem-se que a legislação infraconstitucional tem que ser (re)interpretada a partir dos princípios e valores insculpidos claramente na Carta Magna, seu verdadeiro fundamento de validade.

Por outro lado, sabe-se que (a) a interpretação da norma é ato de reconstrução desta, a partir da racionalidade inerente ao ato de exegese do intérprete/aplicador, que insere seus valores e fins no resultado, ao escolher um dentre os possíveis derivados do sistema normativo;(4) (b) esse agir interpretativo pode ser sujeitado a certos limites intrínsecos à idéia de interpretar; (c) dentre os limites impostos à interpretação e (re)construção da norma está a obediência a uma hierarquia constitucional e a certos postulados normativos;(5) (d) tendo em conta que os direitos e garantias individuais previstos na Constituição não são absolutos, mas sim concorrentemente limitados, isto é, sofrem restrições tanto das cláusulas expressamente previstas no texto normativo quanto das decorrentes de colisões entre direitos.(6) (7)

Com estes pressupostos, é necessário verificar como deve ser interpretada e praticada a sanção processual prevista no parágrafo único do art. 14 do Código de Processo Civil.

2. Desenvolvimento

2.1. Do Aspecto material

O aspecto material da hipótese de incidência da sanção processual prevista no art. 14, V e parágrafo único, do CPC, é a violação do dever de “ cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou final”. Em outras palavras, consiste na realização de ato contrário à ordem previamente ditada, ou seja, ofensa à regra jurídica individual estabelecida. Veja-se que, pela carta constitucional, a atividade de ditar as regras jurídicas individuais para resolução de conflitos é atividade realizada pelo Poder Judiciário, e suas ordens devem ser obedecidas.(8)

É possível, contudo, que, no caso concreto, a pessoa a quem foi dada a ordem (preceitado) tenha desobedecido esta em razão de fato que não lhe é imputável ou sob certas circunstâncias que retiram a ilicitude da conduta. É o caso, por exemplo, de atos cometidos em estado de necessidade ou legítima defesa. Além dessas hipóteses, é possível utilizar as regras gerais previstas no Novo Código Civil para o trato das obrigações de fazer ou não fazer, (9) pelas quais, não havendo culpa do devedor, resolve-se a obrigação, que é extinta; havendo, responde por perdas e danos, cumulados com o pagamento do custo para mandar que o ato seja feito (ou desfeito) por terceiros. Porém, assim como ocorre nos processos cíveis ou penais, as escusas para cumprimento devem ser alegadas e provadas pela parte a quem interessam.

2.2. Do Aspecto subjetivo

Todo aquele que descumpre o provimento judicial está sujeito às sanções previstas na legislação processual. Por isso, o aspecto subjetivo da hipótese de incidência da sanção processual em tela abrange não apenas as partes processuais, mas também terceiros que não são partes, exigindo a lei apenas um nexo de participação do sancionado com o processo. Em outras palavras, não é necessário que o praticante do ato atentatório à dignidade da jurisdição esteja vinculado diretamente na relação jurídico-processual, bastando que esta o toque de alguma forma.

Não se vislumbra, por isso, qualquer fundamento em defesa fundada na impossibilidade de provimentos judiciais atingirem terceiros. É que, não bastasse o caput do art. 14 prever que os deveres previstos nos incisos seguintes são de “todos aqueles que de qualquer forma participam do processo”, os efeitos práticos das decisões judiciais, por imperativos lógicos, não se restringem somente aos que participam da lide. Com efeito, citam-se, como exemplos, as hipóteses de credor cambiário prejudicado por sentença trabalhista posterior (que não tinha como ter conhecimento prévio) que reconhece crédito de empregado do devedor e reduz a capacidade econômica deste, a de locatário prejudicado por alienação judicial do imóvel do locador etc. Logo, é possível, sim, que provimentos judiciais gerem efeitos práticos contra terceiros. Estes, por sua vez, têm remédios jurídicos, como embargos de terceiros, para, se for o caso, livrarem-se da constrição judicial, quando esta for ilegal.

Quanto à figura dos sócios, não se lhes aproveita a alegação de que a personalidade jurídica da empresa subtrai o seu dever de obediência às ordens judiciais. A uma, o art. 14 do CPC, conforme já salientado, impõe o dever a todos que estão relacionados com o processo, o que alcança, por certo, os sócios da empresa, ressalvada, logicamente, a exceção das sociedades anônimas, nas quais o capital é pulverizado. A duas, o sistema jurídico não compactua com a má-fé, especialmente a demonstrada por quem, ciente da ordem jurídica que lhe é dada, a desrespeita, sendo evidente indicar que a personalidade jurídica é instrumento que operacionaliza uma ficção, não tendo a empresa vontade própria, mas sim a de quem está à frente do empreendimento. A três, indo ao encontro da ética que deve reger todas as relações sociais, o ordenamento jurídico vem paulatinamente prevendo hipóteses de desconsideração da personalidade jurídica, seja no Novo Código Civil;(10) seja pelo Código de Defesa do Consumidor;(11) e mesmo pela atuação jurisprudencial da Justiça do Trabalho, notoriamente conhecida pela efetividade na busca da satisfação do crédito trabalhista;(12); aliás, o próprio CPC já previa a responsabilização patrimonial dos sócios por dívidas da empresa, na forma da lei (art. 592, II).

Veja-se que mesmo aqueles que ingressam na titularidade do bem ou na posição jurídico-material anteriormente ocupada pelo destinatário original da ordem também estão sujeitos a esta. Isso decorre não só da lógica de que quem assume o bônus por certa posição econômica também assume os ônus dela decorrentes, mas principalmente pelos diversos dispositivos legais que prevêem tal responsabilidade, ainda que de forma reflexa ou implícita. É o caso, por exemplo, do art. 42(13) do CPC que prevê a substituição de parte, na qual o direito material em litígio é transferido de uma das partes para terceira pessoa ( ex: alienação de bem e sucessão causa mortis), determinando que as partes processuais permaneçam as mesmas e os efeitos da sentença atinjam o terceiro, vale dizer, a alienação da coisa litigiosa é ineficaz no plano processual. Cite-se, também, o exemplo da responsabilidade por débitos trabalhistas(14). Outro exemplo é o da imposição ao adquirente de bem imóvel das obrigações de proteção ambiental às quais se sujeitava o alienante, conforme já reconhecido pela jurisprudência.(15)Por fim, cite-se o exemplo da responsabilidade tributária, que acompanha os adquirentes do estabelecimento comercial.(16)Tudo isso aponta, de forma indutiva, que os terceiros sucessores adquirentes de empresa devem fiel cumprimento às ordens judiciais proferidas contra os alienantes, dando-lhes o dever de, na compra de estabelecimento comercial, fiscalizar e diligenciar na apuração da real situação econômico-financeira daquele; o que, aliás, sabidamente é feito, especialmente em relação aos comerciantes que buscam precaver-se contra eventuais ações trabalhistas.

Por outro lado, muito embora participem do processo, os advogados foram excluídos expressamente pela norma. Além disso, conquanto a redação do parágrafo único do artigo 14 do CPC, pela ausência de vírgula, pudesse levar a crer que estariam fora da regra de isenção os advogados sujeitos a outros regimes jurídicos, como os procuradores públicos, o Supremo Tribunal Federal decidiu que estes também não se submetem àquelas sanções.

Veja-se:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. IMPUGNAÇÃO AO PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 14 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, NA REDAÇÁO DADA PELA LEI 10.358/2001. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. 1. Impugnação ao parágrafo único do artigo 14 do Código de Processo Civil, na parte em que ressalva ‘os advogados que se sujeitam exclusivamente aos estatutos da OAB’ da imposição de multa por obstrução à Justiça. Discriminação em relação aos advogados vinculados a entes estatais, que estão submetidos a regime estatutário próprio da entidade. Violação ao princípio da isonomia e ao da inviolabilidade no exercício da profissão. Interpretação adequada, para afastar o injustificado discrímen. 2. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente para, sem redução de texto, dar interpretação ao parágrafo único do artigo 14 do Código de Processo Civil conforme a Constituição Federal e declarar que a ressalva contida na parte inicial desse artigo alcança todos os advogados, com esse título atuando em juízo, independentemente de estarem sujeitos também a outros regimes jurídicos.(17)

2.3. Do Aspecto quantitativo

Em relação ao aspecto quantitativo, os limites indicados no parágrafo único do art. 14 são vetores para serem utilizados como regras; porém, não são limites absolutos.

A par de eventual discussão teórica sobre a possibilidade de ponderação de regras,(18) vale considerar que o referido dispositivo deve ser interpretado com base no inc. XXXV do art. 5º da Constituição da República,(19) o qual garante não apenas o acesso formal à jurisdição, mas também efetivo cumprimento da promessa constitucional, de acordo com a célebre indicação de acesso à ordem jurídica justa.

Ora, se assim é, então basta imaginar a situação de ação cujo valor da causa é irrisório, ou inexistente (por exemplo: declaratória de paternidade), na qual houve pronunciamento judicial determinando uma determinada medida, e esta restou descumprida; ora, mantido o limite legal, a sanção imposta seria inócua, tornando inútil a atuação do Estado-juiz.

Outra consideração importante é a hipótese na qual o valor da causa equivale a do bem perseguido na ação, mas o réu, de situação econômica expressiva e favorável, retarda ou desobedece à decisão judicial por puro capricho; neste caso, o absurdo de impor sanção desproporcional à capacidade contributiva do infrator revela a inadmissibilidade da restrição formada apenas sobre o valor da causa, desconsiderando elementos circunstanciais presentes no caso concreto.

Por tudo isso, a utilização do valor da causa como base de cálculo para aplicação da sanção não é limite absoluto intransponível, mas sim diretriz inicial para o intérprete/aplicador da lei.

2.4. Da Exigibilidade e exeqüibilidade da sanção

De acordo com a doutrina,(20) a sanção pecuniária prevista no art. 14 do CPC tem incidência com o decurso do prazo para cumprimento da decisão judicial, mas exigibilidade e exeqüibilidade em momentos posteriores, vale dizer, só podem ser exigidas com o trânsito em julgado da sentença e executada após a sua inscrição em dívida ativa. Isso decorre da interpretação literal do disposto no parágrafo único do art. 14, bem como de dispositivos assemelhados de outros diplomas, como o § 2º do art. 12 da Lei 7.347/85.(21)

Ousamos, contudo, discordar parcialmente daquela conclusão. É que, se a norma visa compelir as partes ao fiel cumprimento das decisões liminares, então a coerção tem que ser imediata e presente, e não futura e eventual. Ou seja, a exigência financeira tem que ser cobrada de imediato, sob pena de a ordem ser descumprida sob a mentalidade de que ela será, ao final, ineficaz.

Isso não tira a possibilidade de que haja recurso contra a decisão; porém, uma vez transitada em julgado, a ordem judicial tem que ser cumprida de imediato, se assim foi imposto. Neste caso, a sanção imediata inverte a lógica do lucro com a mora: se imposta a coerção de imediato, a parte descumpridora das ordens judiciais terá maior interesse na rápida solução do litígio; caso contrário, se a exigibilidade só vier com o trânsito em julgado da ação principal, o particular estará economicamente orientado a utilizar de todos os meios e chicanas processuais para postergar o fim do processo. Por isso, a sanção imediata reverte o ônus pela demora na solução do litígio, tornando mais justa a distribuição dos encargos econômicos.

Diante disso, tendo em mira que a Constituição da República é clara ao determinar que o combate à ameaça a lesão de direito não será limitada por texto legal (art. 5º, XXXV, da CR), a única interpretação constitucionalmente adequada é aquela que permite excepcionar tais restrições, quando há interesse público subjacente ao direito material violado.

2.5. Da forma e procedimento para exigência antecipada dos valores devidos.

Demonstrada a possibilidade de antecipação da exigibilidade das sanções econômicas decorrentes da violação aos deveres de boa-fé de todos que participam do processo, resta, ainda, a questão da forma pela qual ela será operacionalizada. Isto é, qual o procedimento adequado para atingir aquele fim imediato e, com isso, o fim mediato (efetividade da jurisdição).

Pois bem, tratando-se de valor expresso e líquido, tem-se que a sua efetivação antecipada é feita mediante procedimento assemelhado ao arresto, ou seja, mediante processo cautelar autônomo com apreensão judicial de bens indeterminados para garantir futura execução por quantia certa.

Sabe-se que o poder geral de cautela, decorrente dos artigos 798(22) e 799(23) do CPC, é a possibilidade de concessão de providências cautelares nominadas e inominadas, visando, assim, suprir as lacunas da impossibilidade de a legislação prever todas as situações concretas que requerem proteção judicial. Veja-se que, mesmo pendente de recurso, a decisão liminar que ordenou obrigação de fazer, quando descumprida, implica a sanção pecuniária de forma líquida, sendo, por isso, situação fática que se amolda ao conceito previsto no parágrafo único do art. 814 do CPC.(24)

Por conseguinte, seguir-se-á o procedimento comum das cautelares, com execução na mesma forma da penhora (aplicação supletiva); se procedente a ação principal, o arresto converte-se em penhora e o processo cautelar é extinto. Os bens arrestados serão imobilizados física (depósito judicial) e juridicamente (eventual alienação é ineficaz em relação ao processo em que foi declarado o arresto), mas o devedor pode suspender o arresto se depositar em juízo a quantia devida ou prestar caução ou fiador idôneo.

Não há que se argumentar que a constrição judicial sobre os bens é inviável nestas hipóteses, pois se o magistrado pode determinar, por exemplo, busca e apreensão de bens, remoção de pessoas e coisas e desfazimento de obras, quando forem medidas necessárias para implementar tutela específica ou resultado prático equivalente (art. 461, § 5º, do CPC(25)), então ele pode, também, determinar medidas semelhantes que atinjam o patrimônio de igual ou menor intensidade(26); além disso, com a deflagração do procedimento cautelar, permite-se a instauração de amplo contraditório, o que poderia ser prejudicado na hipótese de liminar inaudita altera parte admissível pelos dispositivos processuais já citados.

3. Considerações finais

Sobrevoando as considerações feitas, é possível concluir que (a) as alterações constitucionais, derivadas da ação do poder constituinte originário ou derivado, produzem modificações na validade e interpretação das normas infraconstitucionais, que, por isso, devem ser aplicadas de acordo com o novo parâmetro de constitucionalidade vigente; (b) a efetividade da jurisdição, preocupação de toda a sociedade, tem adquirido maior relevo na atualidade, permitindo, assim, uma (re)interpretação da legislação processual; (c) por isso, a sanção processual prevista no art. 14, parágrafo único, do CPC, deve ser apreciada também no sentido de privilegiar o fiel cumprimento das ordens judiciais; (d) excluem-se, contudo, da aplicação os atos realizados em comprovada legítima defesa ou estado de necessidade; (e) podem ser sujeitados às sanções por ato atentatório à dignidade da jurisdição terceiros que sucedem os devedores na atividade empresarial destes, e (f) também pode ser desconsiderada a personalidade jurídica da empresa para atingir os sócios, especialmente os que dirigem o negócio e têm poder de mando sobre a atuação da empresa que violou o comando judicial; (g) não figuram, contudo, como possíveis infratores os advogados, quaisquer que sejam os regimes a que se submetam; (h) os limites para a sanção pecuniária previstos no parágrafo único do art. 14 são regras gerais, podendo ser ampliados, quando a capacidade contributiva do infrator revelar que a restrição não surtirá efeitos práticos; (i) em casos excepcionais, a exigibilidade do pagamento da multa pode ser antecipado, a fim de inverter o ônus pela demora na solução do litígio e tornar mais justa a distribuição dos encargos econômicos, e (j), nestes casos, sua execução pode ser feita mediante arresto dos bens, nos termos da legislação relativa a esta ação cautelar.

4. Bibliografia

ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 3. ed. SP: Malheiros, 2004.

FREITAS, Juarez. A interpretação Sistemática do Direito. 3. ed. SP: Malheiros, 2002.

BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 3. ed, rev. e atual.. SP: Saraiva, 1999.

BATISTA, Ovídio. Curso de Processo Civil. 5. ed. São Paulo: RT, 2001. v.1.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 22. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. v. 1.

VAZ, Paulo Afonso Brum. O contempt of court no novo processo civil. Direito Federal:Revista da Ajufe, v. 77, jul./set. 2004.

WATANABE, Kazuo. Tutela antecipatória e Tutela Específica das Obrigações de Fazer e não Fazer - arts. 273 e 461, do CPC. Revista de Direito do Consumidor, v. 19, p. 77-101, jul./set. 1996.

_______. Da Cognição no Processo Civil. 2. ed. atual. SP: CEBEPJ, 1999.

NOTAS DE RODAPÉ:

1. VAZ, Paulo Afonso Brum. O contempt of court no novo processo civil. Direito Federal:Revista da Ajufe, São Paulo, v. 22, n. 77, p. 217, jul./ set. 2004 .

2. Fato que, por sinal, revelador de uma preocupação ainda maior com a efetividade da jurisdição. Se antes o equilíbrio entre os princípios da segurança jurídica e a efetividade da jurisdição pendia em favor daquela, agora, tem-se que resta evidenciada a intenção constitucional de ampliar o alcance desta. Vale lembrar que segurança jurídica extremada era característica dos regimes liberais nos quais a perda da propriedade só poderia ocorrer não só depois de longa e ampla marcha processual indicando a certeza absoluta sobre o direito da parte prejudicada, constituindo um título executivo, mas também em seguida a um processo de execução no qual fossem dadas novas e seguidas oportunidades de defesa ao devedor. Esta postura, privilegiando o status quo, se levada ao extremo, implica, por certo, a demora para proteção dos direitos de quem foi lesado. É bom que se alerte, por outro lado, que não se pode, também, passar para o outro extremo, isto é, processos sumários que extraiam de um suposto devedor seus bens. A virtude, como bem lembra a postura aristotélica, está no meio termo, ou seja, na ponderação caso a caso que evite a ofensa ao núcleo essencial de cada um dos direitos em jogo.

3. Confira-se, por exemplo, ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2004; BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 3. ed, rev. e atual. SP: Saraiva, 1999; FURQUIM, Maria Célia de Araújo. A interpretação do direito e a ideologia do intérprete. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, v. 23, p. 111-117, abr./jun. 1998; e REALE, Miguel. Hermenêutica Jurídica (Filosofia e teoria geral do Direito). Enciclopédia Saraiva do Direito, São Paulo: Saraiva, v. 41, s/d.

4. Confira-se, dentre outros, ÁVILA, Humberto. Ob. cit., p. 61/63 e 87/127; BARROSO, Luís Roberto. Ob. cit., p. 107/112; BASTOS, Celso. Peculiaridades justificantes de uma hermenêutica constitucional. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, v. 21, pp. 40/53, out./dez 1997.

5. Para o tema, vide SCHÄFER, Jairo Gilberto. Direitos fundamentais: proteção e restrições. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001; e STEINMETZ, Wilson Antônio. Colisão de direitos fundamentais e princípio da proporcionalidade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.

6. Veja-se: (...) OS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS NÃO TÊM CARÁTER ABSOLUTO. Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição. O estatuto constitucional das liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a que estas estão sujeitas – e considerado o substrato ético que as informa – permite que sobre elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de outro, a assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros (STF – MS 23452-1/RJ - Rel. Min. CELSO DE MELLO – Pleno - RTJ 173/805-810).

7. Vide, dentre outros, os seguintes dispositivos constitucionais, que refletem a obrigatoriedade de cumprimento das ordens judiciais: “Art. 2º - São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. (...) Art. 34 - A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para: (...) VI - prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial; Art. 35 - O Estado não intervirá em seus Municípios, nem a União nos Municípios localizados em Território Federal, exceto quando: (...) IV - o Tribunal de Justiça der provimento a representação para assegurar a observância de princípios indicados na Constituição estadual, ou para prover a execução de lei, de ordem ou de decisão judicial.; Art. 85 - São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: (...) II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;(...) VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais.”

8. Artigos 248 e seguintes.

9. Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
10. Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

§ 1° (Vetado).

§ 2° As sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades controladas, são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código.

§ 3° As sociedades consorciadas são solidariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código.

§ 4° As sociedades coligadas só responderão por culpa.

§ 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.

11. Aliás, esta efetividade da justiça especializada, que afasta óbices formais na busca da realização material dos direitos subjetivos, foi a responsável não só pela ampliação da sua competência para execução das contribuições previdenciárias (hoje arrecadados em volumes expressivos), mas também pela recente reforma do judiciário (EC 45/2004), que lhe atribuiu a aptidão para julgar diversas demandas que antes estavam confinadas à Justiça Comum Estadual.

12. “A alienação da coisa ou do direito litigioso, a título particular, por ato entre vivos, não altera a legitimidade das partes”.

13. Vide §2º do art. 2º (= “Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas”) e “caput” do art. 10 (= “ Qualquer alteração na estrutura jurídica da empresa não afetará os direitos adquiridos por seus empregados”), ambos da CLT.

14. Conforme noticiado no Informativo do STJ, n. 130, no qual: “não pode o adquirente ignorar a limitação ao comprar o bem, impondo-se a ele não apenas a obrigação de dar continuidade à preservação ambiental, mas também de recompor a área desmatada que está a descaracterizá-lo (...). Precedentes citados: REsp 264.173-PR, DJ 02/04/2001, e REsp 295.797-SP, DJ 12/11/2001”. (REsp 282.781-PR, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 16/04/2002)

15. Art. 133 do CTN: A pessoa natural ou jurídica de direito privado que adquirir de outra, por qualquer título, fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional, e continuar a respectiva exploração, sob a mesma ou outra razão social ou sob firma ou nome individual, responde pelos tributos, relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido, devidos até à data do ato: I - integralmente, se o alienante cessar a exploração do comércio, indústria ou atividade; II - subsidiariamente com o alienante, se este prosseguir na exploração ou iniciar dentro de seis meses a contar da data da alienação, nova atividade no mesmo ou em outro ramo de comércio, indústria ou profissão.

17. STF – ADI 2652/DF – Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA – Pleno – j. 08.05.2003, DJ 14.11.2003, p. 12.

18. Sobre o tema, vide, com maior profundidade, dentre outros: FREITAS, Juarez. A interpretação Sistemática do Direito. 3. ed. SP: Malheiros, 2002; e ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 3. ed. SP: Malheiros, 2004.

19. “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;”

20. VAZ, 2004, p. 217.

21. A multa cominada liminarmente só será exigível do réu após o trânsito em julgado da decisão favorável ao autor, mas será devida desde o dia em que se houver configurado o descumprimento.

22. Art. 798 - Além dos procedimentos cautelares específicos, que este Código regula no Capítulo II deste Livro, poderá o juiz determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação.

23. Art. 799 - No caso do artigo anterior, poderá o juiz, para evitar o dano, autorizar ou vedar a prática de determinados atos, ordenar a guarda judicial de pessoas e depósito de bens e impor a prestação de caução.

24. Equipara-se à prova literal da dívida líquida e certa, para efeito de concessão de arresto, a sentença, líquida ou ilíquida, pendente de recurso, condenando o devedor ao pagamento de dinheiro ou de prestação que em dinheiro possa converter-se.

25. Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial.

26. A penhora pode ser efetivada com nomeação do próprio devedor como depositário; logo, constrange menos do que uma busca e apreensão prevista no § 5º do art. 461 do CPC.



 
REVISTA DE DOUTRINA DA 4ª REGIÃO
PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRF DA 4ª REGIÃO - EMAGIS