Incidente de Inconstitucionalidade: Análise do art. 97 da CF/88 Autor: Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz |
Consoante dispõe o art. 97 da CF/88, somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros, ou dos membros do respectivo órgão especial, poderão os Tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.
Essa norma, no Brasil, tem origem na Constituição de 1934 (art. 179), sendo, posteriormente, repetida nas Constituições de 1937 (art. 96), de 1946 (art. 200), de 1967, com a Emenda Constitucional nº 1/69 (art. 116), e na vigente, de 1988, em seu art. 97. O procedimento estabelecido na Constituição, que diz com o modo de julgamento do incidente de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, adveio do direito norte-americano, onde se conferiu ao juiz de primeira instância o poder de declarar a inconstitucionalidade, exigindo-se, porém, por meio de construção da doutrina e da jurisprudência, no julgamento pelos tribunais, a presença da totalidade de seus membros, de modo a evitar que, em questão de tal gravidade, e mesmo em homenagem ao princípio da separação e harmonia dos Poderes, tão caro à democracia daquele País, fosse reconhecida a incompatibilidade de uma lei com a Constituição pela maioria simples ou ocasional. Nesse sentido, o depoimento de Nerincz, em seu estudo clássico acerca da organização judiciária americana, quando noticia que “tratando-se de apreciar a constitucionalidade de uma lei federal, a Corte Suprema estabeleceu que se não invalidasse a lei senão pela maioria do número completo dos juízes reunidos in a full bench e somente quando a oposição entre a Constituição e a lei era tal que o magistrado devia convencer-se da sua inconstitucionalidade”. (In: L'Organisation Judiciaire aux États-Unis, V. Giard & E. Brière, Paris, 1909, pp. 45/6.) A Suprema Corte - relata Willoughby - assentou que a inconstitucionalidade de uma lei somente pode ser declarada pela maioria do tribunal pleno. É o seu magistério, verbis: “... the court has made it a rule not to render a decision invalidating a legislative act, unless it to be concurred in by a majority, not of judges sitting, as is the usual rule, but of the entire bench”. (Westel W. Willoughby, in The Supreme Court Of The United States, Baltimore, The Hopkins Press, 1890, p. 39) Revelando a observância desses princípios pelos diversos Estados da Federação Americana, noticia-nos John Mabry Mathews, verbis: “... it has happened, in an appreciable number of cases, that legislative acts are declared unconstitutional by a bare majority of the court. The fact that there is a large dissenting minority would seem to cast some doubt upon the invalidity of the act. (...) In order to check this tendency, some states have adopted express constitutional limitations designed to curb the unrestricted power of the courts to declare legislative acts unconstitutional. Thus, in Ohio and North Dakota, having seven and five judges can be declared unconstitutional only by the concurrence of six and four judges, respectively. (...) In states where the supreme courts may meet in separate divisions for the decision of ordinary cases, it is usually the rule that cases involving the constitutionality of laws can only be decided by a majority of the full bench”. (In: American State Government, D. Appleton and Company, New York, 1931, pp. 487/8) Diverso não é o sistema que prevalece no direito constitucional europeu. Ao comentar o procedimento de julgamento perante a Corte Constitucional da Itália, anota Enrico Redenti, verbis: “Non c'è un numero fisso di giudici per la composizione del collegio decidente (o ..., delibante), come c'è per gli uffici giudicanti della magistratura ordinária, ma c'è un numero minimo (almeno undici, compreso il presidente o il suo ff. : art. 16 della legge ord. 11 marzo 53). Non pare sia ammessa se non de facto la astensione; esclusa la ricusazione (art. 16 delle norme integrative). L'assenza dovrebbe esser giustificata. Possono concorrere alle deliberazione solo i giudice che siano stati presenti a tutte le udienze. In caso di parità di voti prevale quello del presidente.” (In: Legitimità delle Leggi e Corte Costituzionale, Dott. A. Giuffrè Editore, Milano, 1957, p. 70, n 49) Ou seja, consoante observa Redenti, não há número fixo de juízes para a composição do colégio julgador, como ocorre para a função judicial da magistratura ordinária. Entretanto, exige-se um número mínimo de pelo menos onze, inclusive o Presidente. Não parece ser admitida senão de fato a abstenção, estando excluída a recusa. A ausência deve ser justificada. Podem concorrer às decisões somente os juízes que estiverem presentes a todas as audiências. Em caso de paridade de voto, prevalece o do Presidente. Não é diverso o magistério de Franco Pierandrei. (Corte Costituzionale, in Enciclopedia Del Diritto, v. X, p. 960) Da mesma forma, de maneira semelhante ao direito italiano, dispõe o direito constitucional alemão, nos termos do magistério autorizado de Ernest Friesenhahn, verbis: “Le decisioni sono pronunciate in linea di principio dalla maggioranza dei giudici che vi hanno preso parte. Nel caso di eguaglianza dei voti non è attribuito un voto preponderante al presidente. Da ciò si ricava che in caso di eguaglianza dei voti deve essere respinta la domanda proposta. In certi casi ciò potrebbe portare ad un risultato impossible, poichè il risultato della controversia giuridica potrebbe dipendere dalla formulazione positiva o negativa della domanda. La legge stabilisce perciò che in caso di eguaglianza dei voti indifferentemente da come sia stata formulata la domanda, non può essere accertata una violazione della legge fondamentale o altro diritto federale. As decisões serão tomadas primordialmente pela maioria dos juízes que delas participaram. Havendo número idêntico de votos, não cabe ao Presidente o desempate. Decorre daí que, havendo empate na votação, o pedido deve ser rejeitado. Em certos casos, isso pode levar, porém, a resultado impossível, porque a solução da lide poderia depender da forma positiva ou negativa do pedido. Por isso determina a lei que, em caso de paridade de votos, tal como foi ajuizado o pedido, não pode ser declarada uma violação da Lei Fundamental ou de outro direito federal”. (In: La Giurisdizione Costituzionale nella Repubblica Federale Tedesca, Ristampa, Dott. A. Guiffrè Editore, Milano, 1973, p. 140, n. 13) Ora, nos termos do art. 97 da Lei Maior, a declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público nos tribunais somente poderá ocorrer quando preenchidos dois pressupostos: 1º) haja votos acordes no reconhecimento da alegada inconstitucionalidade; 2º) que a soma dos votos acordes perfaça a maioria absoluta dos membros do tribunal e não apenas dos juízes presentes à sessão de julgamento. Define-se a maioria absoluta como o número imediatamente superior à metade, na lição clara e precisa de Léon Duguit. São suas palavras, verbis: “La détermination de la majorité absolue peut présenter quelque difficulté. Si le nombre des votants est un nombre pair, la majorité absolue est la moitié plus un de ce nombre. Si les votants sont en nombre impair, la majorité absolue est la majorité absolue du nombre pair immédiatement au-dessous: la majorité absolue de 1.001 est 501; et 501 est aussi la majorité absolue de 1.000.” (In: Traité de Droit Constitutionnel, Deuxième édition, E. de Boccard, Paris, 1924, t. 4º, p. 91) Por conseguinte, somente o Plenário da Corte, ou seu órgão especial, nos termos do art. 97 da CF/88, poderá declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo. Essa a jurisprudência pacífica do Eg. Supremo Tribunal Federal. (RE nº 55.378, rel. Min. Thompson Flores, in Ementário 830 do STF; RE nº 88.160/RJ, rel. Min. Leitão de Abreu, in RTJ 96/1.188; RE nº 90.569/RJ, rel. Min. Moreira Alves, in RTJ 99/273) No mesmo sentido, o pensamento autorizado do Mestre Pontes de Miranda, in Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda nº 1 de 1969, 2ª ed., Revista dos Tribunais, v. III, p. 590, verbis: “Os membros do tribunal, que votaram, em cognição da ação, ou de recurso, ou seus substitutos, têm de votar em maioria absoluta para que se possa decretar a nulidade da lei, ou do ato, por inconstitucionalidade. É o chamado mínimo para julgamento de inconstitucionalidade da regra jurídica. De quanto exposto, parece-me claro distinguir dois aspectos do princípio firmado pelo art. 97 da Constituição: 1º) a declaração da inconstitucionalidade de lei ou ato normativo reclama os votos acordes da maioria absoluta dos membros do Tribunal ou dos membros do respectivo Órgão Especial; 2º) não sendo alcançado tal quorum, reputa-se constitucional a lei ou ato. |
REVISTA
DE DOUTRINA DA 4ª REGIÃO
PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRF DA 4ª REGIÃO - EMAGIS |