Interpretação no Direito Tributário: (re)constitucionalizando o art. 111 do CTN(1)

Autor: Villian Bollmann
(Juiz Federal Substituto)
| Artigo publicado em 16.09.2005 |

Resumo

O estudo aborda a interpretação tributária e os parâmetros indicados pelo art. 111 do Código Tributário Nacional, para a exegese das normas de outorga de isenção. São analisadas tanto a concepção tradicional, que impõe a interpretação restritiva de forma indistinta, quanto a necessidade de submeter a hermenêutica a cânones de ordem constitucional. A partir desta análise, busca-se demonstrar que, diante da Constituição da República de 1988, o artigo 111 do CTN deve ser interpretado de forma a alcançar os fins constitucionalmente estabelecidos, mediante observância de certos postulados normativos aplicativos, incluindo-se, aí, a proteção à dignidade da pessoa humana.

Palavras-chave

Hermenêutica – Direito Tributário – Interpretação e aplicação de normas de isenção tributária.

1. Nota introdutória

Sabe-se que toda a estrutura do Estado está posta a fim de cumprir certos objetivos e que para alcançar estes fins são previstos certos meios, dentre eles o poder de impor tributos e cobrar os valores destes decorrentes. Porém, tanto esta atuação quanto a direção que deve ser dada a ela não podem desbordar dos fins e objetivos traçados pela Constituição, sendo este o diploma jurídico que fundamenta toda ação estatal.

Nesta perspectiva, o Direito, em geral, e o Tributário, no particular, tem que ser interpretado e aplicado com base nos fins principais ditados pela Constituição da República, pois estes visam alcançar os valores ditados pelo poder constituinte originário.

Um dos instrumentos para alcançar os fins traçados pela Carta Constitucional é a imunidade tributária, pois, ao afastar da imposição tributária certos ramos da atividade humana, a Constituição visa dar uma proteção especial às condutas cuja base material econômica está fora do alcance do poder do estado, privilegiando-as em relação àquelas que não estão fora do campo de arrecadação coercitiva. Da mesma forma, dando tratamento diferenciado, as isenções legais também privilegiam certos ramos da atividade econômica da sociedade; porém, neste caso, a força legal tem que estar amparada naqueles fins constitucionalmente previstos. Em outras palavras, enquanto as imunidades têm constitucionalidade derivada do próprio diploma normativo a que pertencem, as isenções, previstas em leis infraconstitucionais, estão sujeitas a controle de constitucionalidade, seja na forma abstrata, seja no caso concreto.

O tema da interpretação e aplicação da legislação tributária que rege as hipóteses de isenção dos tributos tem fundamental importância, dado ser elemento que irá permitir alcançar, de forma mais efetiva, os fins almejados pelo Constituinte originário.

Ocorre, contudo, que a legislação tributária tem determinado a interpretação restritiva das leis que outorgam isenção, o que, em certos casos, poderá não encontrar ressonância no texto constitucional.

Por isso, este trabalho enfrentará a questão de saber se a legislação infraconstitucional pode limitar a interpretação e aplicação de preceitos que outorgam isenção, buscando questionar a recepção do art. 111 do Código Tributário Nacional (CTN), pela Constituição da República Federativa do Brasil, CR, promulgada em 1988.

Tem-se, como hipótese inicial, que, devendo a interpretação e aplicação das leis seguir a Constituição da República, os preceitos que tentem ordenar tais atividades têm que se submeter aos ditames daquele diploma superior, em especial quando se tratar de discriminações entre isentos e não isentos que desbordem dos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da razoabilidade e dos fins queridos pelo constituinte originário.

A investigação sobre o acerto, ou não, da hipótese delineada será realizada por um método dogmático, embora não exclusivamente descritivo-normativo,(2) mas também lógico-jurídico,(3) para, em seguida, perscrutar decisões do Superior Tribunal de Justiça que confirmem ou infirmem a hipótese levantada.

Busca-se, com isso, atingir, de forma geral, não apenas o objetivo de se investigar a constitucionalidade das restrições legais à exegese de isenções tributárias, mas também, de modo específico, os limites e possibilidades do art. 111 do CTN, dentro de uma compreensão constitucional contemporânea, firmada no compromisso de se atingir fins colimados pelo constituinte originário.

Tenta-se, assim, auxiliar na construção e agregação de conhecimento para a Ciência Jurídica (em especial a área tributária, usualmente relegada a práticas orientadas para o mercado não submetidas à mediação da esfera de resgate econômico dos recursos necessários para a realização das prestações positivas demandadas ao Estado) que deixa de ser meramente descritiva e passa a ser também crítica e construtiva.

2. Desenvolvimento

De início, antes de se perquirir os limites e possibilidade de interpretação e integração da norma tributária que prevê regras de isenção, há que se examinar o significado e alcance do próprio processo de interpretação, pois este é condicionante daquele e, por isso, a base sólida sobre o processo de interpretação e aplicação de normas gerais permitirá (re)enquadrar a temática da interpretação restritiva das normas que prevêem isenção tributária.

2.1 Hermenêutica e processos de interpretação

Como bem leciona Carlos Maximiliano, denomina-se Hermenêutica o “Estudo e sistematização dos processos aplicáveis para determinar o sentido e o alcance das expressões do Direito”.(4)

Isso porque a lei nunca é suficientemente clara e aplicável de pronto, dado ser abstrata e dirigida a todos de forma geral. A atuação do juiz difere da conduta do legislador; este generaliza, olhando para o futuro; aquele, magistrado, traça a regra jurídica individual, atuando na espécie e olhando para o passado.

De qualquer sorte, há diversos conceitos para a atividade de interpretar. Em sentido amplíssimo, constitui o ato de “atribuir um sentido, um valor a um objeto enquanto fenômeno cultural resultado de uma atividade humana”.(5) Em sentido amplo, é “compreender um signo lingüístico, ou seja, atribuir um significado a um determinado signo de linguagem de acordo com as regras de sentido dessa mesma linguagem (..) compreender, entender os atos de comunicação”.(6) Por fim, em sentido estrito consiste na “determinação do significado de uma expressão quando existam dúvidas em um caso concreto de comunicação” e “determinar o sentido e o alcance das expressões do Direito.(7)

Como bem lembrou Alexandre Pasqualini,(8) interpreta-se porque não há alternativa; a Hermenêutica não vem depois do fato interpretado, mas ela é seu constituinte;(9) ela não cria as estrelas, mas o conceito de galáxias e astronomia; percebe a realidade e afasta a penumbra.

Não é por outro motivo que se diz serem “três tarefas específicas da hermenêutica como mediação, quais sejam: dizer, explicar e traduzir”.(10)

Em verdade, há uma correlação “objeto-sujeito”, pois, como bem destaca Miguel Reale, “se todo processo de exegese pressupõe ou implica a análise da estrutura ou natureza daquilo que se quer interpretar, a pergunta sobre ‘como se interpreta uma norma jurídica?’ implica, quer se queira, quer não, esta outra fundamental: ‘que espécie de realidade é a norma jurídica?”;(11) por isso, ele entende insustentável “o propósito de uma teoria da interpretação cega para o mundo dos valores e dos fins”(12) e “inadmissível o relativismo daqueles que fazem depender a teoria da interpretação do flutuar ou suceder-se de ideologias”.(13)

Bem lembrou Alexandre Pasqualini que, mesmo havendo uma enorme disputa entre intérpretes, há coisas que não podem ser ditas, há sentidos que não podem ser dados a um objeto, porque todos somos herdeiros de uma linguagem cujos sentidos são sociais e universais; somos condôminos da linguagem; ademais, é da lógica estrutural do sentido que exista um certo sentido mínimo; ou seja, é necessário e intrínseco que, junto ao sentido, haja, também, um não-sentido para o objeto, pois se fosse possível admitir que não exista um limite, um não-sentido, então não haveria nenhuma utilidade para o conceito de “sentido”, já que se poderia ligar qualquer objeto a um texto. Disso tudo, conclui, quanto mais subjetivo um texto, maior a sua necessidade de justificativa subjetiva; ou seja, fundamentar a escolha do sentido dado.(14)

Ou, como bem salientou Humberto Ávila:

“Daí se dizer que interpretar é construir a partir de algo, por isso, significa reconstruir: a uma, porque utiliza como ponto de partida os textos normativos, que oferecem limites à construção de sentidos; a duas, porque manipula a linguagem, à qual são incorporados núcleos de sentidos, que são, por assim dizer, constituídos pelo uso, e preexistem ao processo interpretativo individual.”(15)

Ainda neste tema, vale lembrar que, em razão da ausência de critérios matemáticos ou determinísticos para determinar a regra jurídica individual a ser traçada pelo juiz, embora exista uma relação de determinação da norma superior para a inferior, no ato de aplicação do direito há, sempre, uma margem de livre apreciação, até porque esta indeterminação pode ser intencional ou não(16). Existem diversos modos de expressão legislativa, tais como (a) conceitos jurídicos indeterminados; (b) conceitos normativos; (c) conceitos discricionários; e (d) cláusulas gerais, e estes modos têm graus diferentes de abstração que permitem uma maior amplitude do número de respostas normativas possíveis a partir daquele único dispositivo legal. Por isso, diz-se que o direito a aplicar é uma moldura dentro da qual há diversas possibilidades de aplicação.(17)

Ocorre que o saber jurídico tradicional, fundado na idéia de que o intérprete utiliza um silogismo lógico decorrente de um procedimento dedutivo de escolha da norma, tem, como características, o emprego da lógica formal, pureza científica, neutralidade da lei e do intérprete e pretensão de completude.(18) A teoria crítica, contudo, vislumbra que, além de não ser cientificamente puro, porque inserido em um papel ideológico (mascaramento da relação estrutural de poder da sociedade), o Direito também não é objetivamente neutro, já que, em razão da indeterminação de seus conceitos, a interpretação da norma implica subjetivismo do seu intérprete na escolha de seu significado.(19) Já é antiga a percepção de que “a interpretação colima a clareza; porém, não existe medida para determinar com precisão matemática o alcance de um texto”.(20)

Na verdade, o ordenamento não fornece solução única, inequívoca e pretensamente correta para um dado problema, já que esta é ditada, também, por aspectos de política judiciária, pois a interpretação jurídica apenas escolhe uma das possíveis soluções emolduradas pelo ordenamento, não havendo uma decisão judicial que seja a única corretamente deduzível a partir do amplo espectro de normas gerais contidas no sistema normativo, como já salientado acima.

Explica-se, assim, a compreensão de que a sentença é um ato de declaração e de vontade, concretizadora da própria vontade do Estado, pois ela abrange dois momentos, o (1) conhecimento, no qual são fixados os limites da moldura, indicando-se as possibilidades dadas pelo ordenamento; e (2) vontade, quando, então, é escolhida uma daquelas alternativas.

Todavia, não obstante existir um grau de liberdade, que pode ser mais ou menos amplo, há, sempre, a necessidade de se estabelecer certos limites para uma possível interpretação, não apenas por motivos de filosofia de interpretação, mas também, e principalmente, como corolário de um Estado Democrático de Direito avesso a arbitrariedades.

Não é por outro motivo, que, analisando a concepção de Direito a partir da conjugação da lei com a sua interpretação, a doutrina afirma:

“A lei, somada à jurisprudência e à doutrina, é que dá os contornos daquilo que é considerado direito em nossos dias. A jurisprudência e a doutrina funcionam, por assim dizer, como um filtro através do qual a lei é entendida, e é a este fenômeno que se vinculam os juízes ao decidir.”(20)

Pois bem, se a norma requer uma interpretação e se esta tem que ser buscada a partir da lei e está sujeita a certos limites intrínsecos à idéia de interpretar, resta verificar quais as formas que os resultados desta busca são alcançados.

A doutrina clássica elenca um rol de métodos, ou processos, de interpretação, tais como (1) o Gramatical ou literal, no qual há prevalência ao sentido dos signos utilizados pelo legislador; (2) o Lógico, derivado da utilização do raciocínio dedutivo (mediante silogismos) e da conexão entre os elementos da própria norma, sendo, porém, criticado por levar a rigidez e pedantismos; (3) o Sistêmico ou sistemático, consistente em comparar o texto legal com os outros dispositivos e com a própria estrutura da lei, pois o sentido da norma deve ser buscado no contexto normativo em que está inserido, ou seja, na conexão que ela possui com as demais normas do ordenamento, dado que autonomia não implica separação; logo, existe, sempre, um nexo íntimo entre todos os princípios e regras de um ordenamento, tais como o elo existente entre regra e exceção, entre geral e particular etc.; (4) o Teleológico ou finalista, buscando-se o espírito da norma, ou seja, o seu fundamento racional, o seu fim desejado; e (5) o Histórico, no qual se busca o sentido da norma nos antecedentes históricos da sua formação.(21)

Ocorre que esta concepção dita tradicional submete-se, em primeiro lugar, à conformação constitucional dos parâmetros normativos que regem a interpretação, vale dizer, antes de se indagar como se deve interpretar, há que se responder: o que se deve interpretar? Isso porque a norma infraconstitucional contendo regras de isenção tributária deve ser constitucional para que seja possível sua interpretação, pois, se inconstitucional for, não será aplicada, mas sim desconsiderada e excluída do processo hermenêutico.

Não bastassem as considerações usuais sobre a supremacia da constituição e a necessidade de se resguardar a formal obediência das leis àquela, a superação da crise na razão jurídica contemporânea requer a adoção de um modelo garantista que evolua o conceito de validade da norma, que deixa de ser fundada unicamente na obediência aos requisitos formais da sua produção, para o desdobramento deste conceito em dois, pelo qual a vigência refere-se ao respeito às formalidades de produção da norma e a validade passa a ser a sujeição do seu conteúdo.(22)

Isso porque:

“Todos os direitos fundamentais – e não só os direitos sociais e os deveres positivos por eles impostos ao Estado, mas também os direitos de liberdade e as correspondentes proibições negativas que limitam a intervenção daquele – equivalem a vínculos de substância e não de forma, que condicionam a validade substancial das normas produzidas e exprimem, ao mesmo tempo, os fins para que está orientado esse moderno artifício que é o Estado Constitucional de Direito.”(23)

Ademais, considerando a expressa adoção de um regime constitucional do qual derivam as normas legais, devendo estas obediência àquela, a imposição garantista implica, também, a rígida constitucionalização de direitos fundamentais que visualiza o conceito de democracia sob dois planos, conforme a regulamentação da produção normativa: (a) formal, onde se regula como e quem produz a norma, sendo a vigência a qualidade formal do procedimento de produção das normas; e (b) substancial, em o qual o conteúdo da decisão é vinculado pelos direitos fundamentais, sendo a validade da norma condicionada à substância ou significado da decisão. No plano da democracia substancial, os direitos fundamentais atuam como limitadores da esfera do decidível, atuando não só como legitimação das decisões do Estado, mas principalmente pela possibilidade de deslegitimá-las.(24)

Por tudo isto, há uma reformulação da legitimidade do juiz e, por conseqüência, do seu papel e atuação, que deixa de ser mera sujeição à lei para ser sujeição à validade da lei, sendo-lhe atribuído o dever de reconhecer e negar validade à lei que contrarie os direitos fundamentais. Isto porque o papel do juiz é de garantir os direitos fundamentais que forem desrespeitados pelo legislador, ainda que a lei se origine da vontade da maioria ou de clamor social, legitimando-se seu poder pela garantia dos direitos.(25)

É bem verdade que, tradicionalmente, se diz:

“A Constituição nós interpretamos com os critérios constitucionais, conhecendo os princípios constitucionais e fazendo a exegese das normas constitucionais. Aí sabemos qual é a situação. Assim teremos critério para examinar as leis e estaremos em condições de dizer esta lei é inconstitucional ou aquela não é. Mas se já aceitarmos a lei como constitucional, não precisaremos de Constituição. Em segundo lugar, é absolutamente inidôneo procurar estudar a Constituição, estudando o que se fez com base na mesma. É querer estudar um objeto mediante a análise de outro objeto, o que é, evidentemente, um absurdo”.(26)

Porém, estas assertivas não têm, atualmente, a mesma força de outrora, por dúplice motivação. A uma, sabe-se, agora, que, em obediência aos princípios da supremacia da constituição e da presunção de constitucionalidade das leis, uma norma pode ser declarada constitucional desde que seja interpretada em um determinado sentido (= interpretação conforme a Constituição) ou desde que não seja interpretada certo sentido (= declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto); logo, ao interpretar a norma infraconstitucional, haverá, sim, ainda, uma interpretação constitucional. A duas, no caso de interpretação de normas de outorga de isenção, há uma etapa intermediária consistente na interpretação das normas de hermenêutica contidas no CTN, ou seja, este diploma manda que o juiz interprete outros diplomas obedecendo a certos critérios; porém, estas ordens têm que estar também conforme a Constituição. Logo, não é possível afirmar-se que, uma vez tidas como constitucionais, a interpretação de normas de outorga de isenção prescinde de seu substrato constitucional; ao revés, é este quem direciona a escolha da melhor interpretação daquela. O agir interpretativo revela-se como um momento único,(27) no qual todo o conjunto de normas (constitucionais e infraconstitucionais) e valores são submetidos ao intérprete para que ele (re)construa o sentido que deve ser atribuído diante dos fatos (28) que se apresentam.

2.2 Hermenêutica sujeita à constituição

Estipulado que a interpretação da norma está sujeita a certos processos sistematizados e que estes devem incluir uma etapa de certificação da constitucionalidade daquela, resta evidente a necessidade de se estabelecer parâmetros para esta avaliação, o que requer, também, uma análise da natureza das normas constitucionais.

Após apresentar os conceitos de hermenêutica, interpretação e aplicação, e de apontar a ausência de normas constitucionais relativas ao tema, Luís Roberto Barroso indica que a interpretação da norma constitucional pode se dar em duas situações: (a) aplicação direta para reger uma situação jurídica; (b) exame de constitucionalidade de uma outra norma.(29)

Esta interpretação deve observar quatro características próprias da norma constitucional: (1) supremacia da constituição; (2) natureza de sua linguagem, que abraça uma “liberdade de conformação” pelo uso de cláusulas gerais; (3) especificidade técnica, pois além de possuir normas de comando, o texto constitucional tem, também, normas de organização e competência e normas programáticas, que refletem fins e valores a serem alcançados; (4) natureza política da constituição, que materializa uma tentativa de conversão de poder político pré-jurídico em poder jurídico, o que implica o reconhecimento da dimensão política da interpretação constitucional que, não obstante, é jurídica e deve buscar uma racionalidade possível.(30)

Sobre estes métodos, visualizados sob uma ótica constitucional, Luís Roberto Barroso destaca que eles não são absolutos e que, portanto, devem ser usados conjuntamente, podendo convergir ou divergir entre si quanto aos resultados; na primeira situação, tem-se um “caso fácil”, mas na segunda, há “caso difícil”, sobre o qual não existe critério fixo de desempate;(31) há, contudo, diretrizes normalmente adotadas. Assim, em regra, veda-se que se dê sentido diverso às palavras e dá-se preferência aos métodos objetivos (sistemático e teleológico) sobre o subjetivo (histórico).(32) Prossegue ele dizendo que a interpretação gramatical busca a norma a partir da análise do sentido de seus vocábulos, no caso específico da Constituição, que possui enunciados abertos como conseqüência do processo dialético de sua construção, deve-se atentar a dois postulados, o primeiro, que a Constituição deve ser interpretada como um todo e que ela não possui palavras contraditórias, inúteis ou supérfluas.(33) Por outro lado, ele afirma que, se de um lado a interpretação histórica tem sido minimizada pela doutrina e jurisprudência, a interpretação sistemática parte da premissa de que o direito não é um todo aleatório, mas sim com conjunto lógico e estruturado, vale dizer, do princípio da unidade do ordenamento.(34) Por fim, a interpretação teleológica busca o fim da norma a partir da distinção entre ratio legis (fundamento racional) da occasio legis (circunstância histórica).(35)

De qualquer sorte, a interpretação da norma constitucional, condicionante da validade das normas legais, deve ter em conta, também, a natureza daquela, sendo de se ressaltar que os avanços na teoria jurídica têm trazido contribuições notáveis cujo conjunto permite vislumbrar o surgimento de uma concepção chamada pós-positivista.(36) Dela é possível ultrapassar o dogma de que a aplicação do direito, como instrumento de resolução de conflitos e determinação de comportamento social, não seja realizada apenas a partir do velho silogismo, mediante formal subsunção de uma hipótese típica à situação concretamente aferida pela cognição judicial, mas também pela possibilidade de se invocar princípios jurídicos que justifiquem a decisão racionalmente tomada pelo magistrado.

Para Maurício Delgado “princípios são proposições gerais inferidas da cultura e ordenamento jurídicos que conformam a criação, revelação, interpretação e aplicação do direito [..] [são] diretrizes gerais induzidas e, ao mesmo tempo, indutoras do direito”.(37)

Ora, ao se tomar a supremacia da Constituição como base dogmática e ponto de partida inegável para a solução do litígio, resta evidente que os princípios constitucionais, como normas que são, assumem especial relevo para a matéria.

Com efeito, Luís Roberto Barroso destaca que os princípios constitucionais são condicionantes da interpretação da constituição, porque, dentro de uma concepção tridimensional do Direito, representam uma síntese dos valores fundamentais da ordem jurídica. Eles podem ser classificados em três grupos: (a) princípios fundamentais, que contêm a decisão política sobre a estrutura do Estado (republicano, federativo, democrático de direito, separação de poderes, presidencialista e livre iniciativa); (b) princípios constitucionais gerais, que se irradiam para todo o Direito (legalidade, isonomia, liberdade, autonomia municipal e estadual, inafastabilidade do poder judiciário, devido processo legal, etc.) e que não tem caráter organizatório do Estado, mas sim de garantia e limitativo do poder, representando escolhas éticas; (c) princípios constitucionais especiais, que se referem a um setor do Direito.(38) Maurício Delgado classifica os princípios jurídicos em gerais, relativos a todo o fenômeno jurídico, ou especiais, concernentes a um ramo jurídico determinado.(39)

De qualquer sorte, atualmente, pela doutrina pós-positivista, é possível afirmar-se que, no plano jurídico, as normas(40) podem ser princípios ou regras. Os princípios têm elevada abstração, são próximos aos valores e são geradores de regras, embora não exista hierarquia entre eles. Já é clássica a formulação de que os princípios são mandados de otimização (= ordem a ser cumprida), mas na medida do possível, tendo em vista o contexto normativo e fático. Como característica fundamental, os princípios podem conflitar-se, por isso devem ser harmonizados mediante um procedimento de ponderação, que, realizado no caso concreto, consiste em indicar para aquela lide, com as circunstâncias que lhe são específicas, qual o interesse que deve sobrepor-se. Diz-se, por isso, que há uma processualização da constituição. As regras, por outro lado, são um binário, vale dizer, “ou tudo ou nada”. Não existe choque entre elas, porque somente uma é aplicável ao caso concreto. As regras têm, como decorrência desta aplicação binária, características que são levadas em conta no momento em que, havendo aparente antinomia entre elas, se deve decidir qual será aplicada. Por isso, elas têm (a) hierarquia entre si; são dotadas de (b) modernidade (podem ser revogadas umas pelas outras); e (c) especialidade, isto é, possuem diferentes âmbitos (pessoal ou material) de aplicação.(41)

O que é importante nesta seara é vislumbrar-se que não apenas os princípios podem ser utilizados para fundamentar uma pretensão jurídica, como também que eles não possuem uma definição clara e precisa sobre o seu conceito e âmbito de aplicação, que dependerão das circunstâncias específicas do caso concreto.

Vale mencionar a distinção feita por Celso Bastos, que separa os princípios jurídicos dos postulados, pois estes são (1) elementos anteriores à própria Constituição; (2) recursos cogentes para interpretação, ou seja, ferramentas hermenêuticas; (3) não-escritas, pois provêm da história do Constitucionalismo; e (4) não se confundem com os princípios, embora a doutrina normalmente misture.(42)

Com efeito, há distinção entre normas (regras ou princípios) e metanormas de aplicação (postulados normativos aplicativos), pois estas, configuradas por deveres estruturantes de aplicação daquelas, estipulam uma metódica de aplicação, sendo, assim, normas de sobredireito que guiam o intérprete-construtor da norma. Estes postulados, identificados, por exemplo, com os procedimentos de ponderação de bens, concordância prática, proibição de excessos, igualdade, razoabilidade e proporcionalidade,(43) podem ser específicos ou inespecíficos quanto à identificação do tipo de elementos a que fazem referência, tendo uma estrutura tripartida, formada pelos (1) elementos que serão (2) estruturados em uma relação determinada a partir de (3) um vínculo existente entre eles.(44)

Aos postulados normativos aplicativos citados devem ser acrescentados, também, certos deveres normalmente denominados como “princípios” ou “processos de interpretação”, pois representam, também, normas de sobredireito que devem guiar o intérprete/aplicador do direito. Dentre eles, por exemplo, a necessidade de se observar a interpretação sistemática do direito(45) e de se guardar a supremacia da Constituição.(46)

Dessa concepção e literatura “pós-positivista”, pode-se extrair um catálogo de vetores de interpretação, ou postulados, dentre eles, por exemplo, o da (1) supremacia da constituição; a (2) unidade da constituição, pelo qual existe uma não-contradição entre as normas constitucionais da qual se exige que a interpretação constitucional seja sistemática,(47) solucionando tensões normativas, pois há valores axiológicos que devem ser harmonizados; porém, (3) a harmonização exige que se evite o sacrifício de uma parte do texto, mediante utilização da técnica de ponderação dos direitos; (4) presunção de constitucionalidade das leis, que deriva conseqüências práticas, tais como, na dúvida, a norma deve ser declarada constitucional (a inconstitucionalidade não se presume) e se houver mais de uma interpretação da norma, deve ser acolhida a que seja constitucional; (5) princípios da razoabilidade e da proporcionalidade; (6) concretização das normas, pela qual se tem em mira que as constituições são abstratas, próximas dos valores, e, por isso, precisam ser concretizadas pela extração de suas possibilidades, mas a norma é o seu texto mais o contexto a que se pretende realizar (realidade fática e axiológica), sendo todos elementos que se modificam com o tempo; (7) o juiz não pode substituir os outros poderes se estes já cumpriram a sua função, isto é, se existe uma lei emanada pelo legislativo, o juiz não pode simplesmente desconsiderá-la; (8) a constituição é atual e não condição futura; logo, ela deve ser realizada desde logo, na medida do possível, e não esperar uma possível situação de pujança econômica quando exista possibilidade para implantação total.(48)

Ante o exposto, conclui-se que toda interpretação jurídica é também interpretação constitucional e que esta se submete não apenas a critérios jurídicos em sentido estrito, mas também aos princípios e valores que permeiam o texto constitucional e a certos postulados normativos de aplicação, que constituem regras de sobredireito.

2.2 Interpretação e integração da norma tributária sob a ótica tradicional

O exame dogmático da interpretação da norma tributária, em geral, e da que outorga isenção, no particular, passa, previamente, pela indicação da existência de regras legais impostas pela legislação em vigor, no caso, o Código Tributário Nacional (CTN), editado pela Lei 5.172/1967.

Neste diploma, encontram-se os seguintes dispositivos:

“LIVRO SEGUNDO

NORMAS GERAIS DE DIREITO TRIBUTÁRIO

TÍTULO I

Legislação Tributária

CAPÍTULO IV

Interpretação e Integração da Legislação Tributária

Art. 107. A legislação tributária será interpretada conforme o disposto neste Capítulo.

Art. 108. Na ausência de disposição expressa, a autoridade competente para aplicar a legislação tributária utilizará sucessivamente, na ordem indicada:

I - a analogia;

II - os princípios gerais de direito tributário;

III - os princípios gerais de direito público;

IV - a eqüidade.

§ 1º O emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em lei.

§ 2º O emprego da eqüidade não poderá resultar na dispensa do pagamento de tributo devido.

Art. 109. Os princípios gerais de direito privado utilizam-se para pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas, mas não para definição dos respectivos efeitos tributários.
Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.

Art. 111. Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre:

I - suspensão ou exclusão do crédito tributário;

II - outorga de isenção;

III - dispensa do cumprimento de obrigações tributárias acessórias.

Art. 112. A lei tributária que define infrações, ou lhe comina penalidades, interpreta-se da maneira mais favorável ao acusado, em caso de dúvida quanto: I - à capitulação legal do fato;

II - à natureza ou às circunstâncias materiais do fato, ou à natureza ou extensão dos seus efeitos;

III - à autoria, imputabilidade, ou punibilidade;

IV - à natureza da penalidade aplicável, ou à sua graduação.”

Como se vê, o Código Tributário Nacional traçou diversas diretrizes para o intérprete das normas tributárias, determinando, em certos casos, conforme o objeto a ser interpretado e/ou aplicado, quais métodos (= processos) deveriam ser utilizados.

Pois bem, na hipótese de interpretação das normas de exclusão de crédito tributário(49) e outorga de isenção, casos de afastamento da incidência sobre fatos imponíveis, o CTN determinou fosse aplicado método específico, vale dizer, interpretação literal.

Esta determinação pode fazer crer, num primeiro momento, que se trata de restrição às outorgas de isenção, gerando, assim, uma interpretação apriorística contra o contribuinte.

Com efeito, Rubens Gomes de Souza, há tempos, dizia:

“O art. 111 é regra apriorística, e daí o seu defeito, que manda aplicar a interpretação literal às hipóteses que descreve. A justificativa ou, se quiserem, apenas a explicação do dispositivo é de que as hipóteses nele enumeradas são exceções a regras gerais de direito tributário. Por esta razão, o Código Tributário Nacional entendeu necessário fixar, aprioristicamente, para elas, interpretação literal, a fim de que a exceção não pudesse ser estendida por via interpretativa além do alcance que o legislador lhe quis dar, em sua natureza de exceção a uma regra geral.”(50)

Mais recentemente, afirmou Maria de Fátima Ribeiro:

“(...) Assim, a regra do art. 111 do CTN deve ser entendida no sentido de que as normas reguladoras das matérias que menciona, não comportam interpretação ampliativa, nem tampouco integração por eqüidade. Se possível mais de uma interpretação, razoáveis, deve prevalecer aquela que mais se aproxima do elemento literal.”(51)

No mesmo sentido:

“Ao intérprete, aqui, não se dá qualquer outra possibilidade, se não a de buscar o significado literal da legislação tributária que diga respeito à suspensão ou exclusão do crédito tributário (..) Essa rigidez, por certo, vincula-se à circunstância de o elenco versado ao longo dos três incisos dizer respeito a matérias de nítido cunho excepcional”(52)

A questão que surge, neste momento, é se a lei pode determinar ao intérprete que ele priorize este ou aquele método ou, ainda, que vede algum em especial.

Ao discutir a questão em assembléia de juristas que estudavam justamente a interpretação no direito tributário, Dino Jarach e Geraldo Ataliba admitiram tal possibilidade, tendo este, inclusive, indicado, naquele momento, que, diante dos argumentos daquele, modificava sua posição.

O primeiro afirmou:

“O legislador pode, em norma de interpretação, limitar de maneira muito precisa a faculdade de criação do intérprete e, quando o faz, restringe a forma de interpretação, no sentido de limitar a faculdade de interpretação à declaração de normas e princípios, no caso concreto. De outra parte, alguns disseram “é matéria de juristas” a norma de interpretação, ou seja, da doutrina. Isso equivale a tirar o caráter de jurista do legislador. O legislador é jurista. A etapa legislativa de criação do direito não é distinta da fase interpretativa”(53)

Ao ditar a conclusão, Geraldo Ataliba assinalou:

“A lei pode ditar critérios de interpretação. Com isto, ela estará limitando ou ampliando o alcance de outras normas jurídicas; estará limitando a liberdade criativa do intérprete. (Entre a norma abstrata e o fato concreto há uma distância que é o campo de liberdade e portanto de possibilidade de criação, de participação do intérprete).”(54)

Porém, como já demonstrado acima, a interpretação da norma não pode ser vinculada a critérios formais despidos de preocupação com os resultados que serão alcançados, isto é, o agir interpretativo está subordinado a certos fins desejados pela Constituição e estes fins só podem ser aferidos no caso concreto, e não mediante prévia determinação genérica, ainda que fixada em lei.

Em outras palavras, é o caso concreto que irá determinar qual a interpretação da norma geral que, aliada ao fato individualizada, se afigura compatível com o texto constitucional.

Como bem lembra a doutrina, a norma jurídica concreta é o resultado da incidência da norma geral e da atividade judicial que define (= declara) tanto os fatos que ocorreram, mediante juízo de certeza sobre a situação fática, quanto a norma cujo preceito corresponde àqueles, ou seja, o comando normativo abstrato.(55)

Ora, esta norma jurídica individual só terá validade se se conformar às normas que lhe são superiores, dentre elas, por óbvio, a Constituição, que ocupa o ápice da hierarquia das normas. Daí por que a constitucionalidade daquela vai depender da sua compatibilidade com esta, ainda que as normas intermediárias (Leis, Decretos etc.) tenham, na sua generalidade, validade. É possível, porém, que algumas destas normas intermediárias só tenham alguns sentidos constitucionais. Por isso, o exame da compatibilidade deve ser feito não apenas a partir do fato com relação à lei, mas também da união destes em relação à Constituição.

Retoma-se, de certa forma, a crítica, já antiga, à utilização de apenas um ou outro método (= processo) de interpretação. Como bem lembrava a doutrina, que deve ser lida com base na visão jurídica contemporânea, “no meio termo está a virtude: os vários processos completam-se reciprocamente, todos os elementos contribuem para a descoberta da verdade e maior aproximação do ideal da verdadeira justiça. Aos fatores verbais aliam-se os lógicos, e com os dois colaboram, pelo objetivo comum, os sociais, bem modernos, porém já pressentidos pelos jurisconsultos clarividentes da Roma antiga. Todos os exageros são condenáveis; nenhum exclusivismo se justifica. Devem operar os três elementos como forças sinérgicas, conducentes a uma resultante, segura, precisa. (..) o que se condena é a supremacia absoluta de algum bem como a exclusão sistemática de outro”.(56) Atualizada a lição, conclui-se que a ordem legal de privilegiar o método literal, restringindo o alcance da norma, não é adequada a uma visão constitucional ligada à consecução de certos fins.

Logo, o art. 111 do CTN poderá ter aplicação constitucional em certos casos, mas não em relação a outros, tudo dependendo da situação concreta.

2.3 Reconstitucionalizando a interpretação da norma tributária prevista no art. 111 do CTN

A (re)constitucionalização (57) do art. 111 do CTN deve ser feita com base na nova ordem constitucional nascida com a Constituição da República de 1988 e com os fins que ela deseja alcançar, de acordo com os valores considerados essenciais pelos constituintes.

Nesse sentido, embora tratando especificamente da questão das imunidades tributárias, afirmou-se:

“O exame das situações descritas pelo constituinte no art. 150 da CF, como imunes à tributação, por via de impostos, revela que essas situações representam valores privilegiados, protegidos, consagrados pela ordem constitucional e, de conseguinte, impõe a conclusão no sentido de que essas imunidades constituem uma forma de assegurar, de garantir a eficácia jurídica dos princípios constitucionais que consagram a proteção a tais valores”.(58)

Com efeito, deve-se superar o entendimento de ser meramente material (= patrimonial) o efeito da previsão abstrata de um fato social como hipótese normativa de incidência, cuja realização impõe ao sujeito passivo a obrigação de prestação pecuniária ao sujeito ativo, passando-se a uma compreensão de que tal ato implica, também, de forma indireta e reflexa, a intromissão do Estado sobre direitos não-materiais. Em outras palavras, a criação de hipótese abstrata de incidência da norma tributária para onerar determinado fato social pode inibir esta ocorrência fática da sociedade, impondo, por conseqüência, ônus ao direito de liberdade que se consubstancia na prática daquele ato. Neste contexto, por exemplo, a imposição de tributo sobre a prática de religião implica restrição à liberdade de credo.

Por isso, a verificação da constitucionalidade do art. 111 do CTN deve ser feita não apenas com base na ausência de vício formal ou de compatibilidade material com as normas constitucionais, mas também com os fins desejados pela Constituição.

Veja-se, sobre os métodos de validação/aferição da constitucionalidade das normas, a doutrina abalizada, que leciona:

“(...) III – Há duas técnicas de validação das normas jurídicas: condicional (causal) e finalista. IV – Na validação causal uma norma (imunizante) disciplina a edição, sejam materiais, sejam formais, deixando em aberto os fins a serem alcançados. V – Na validação finalista a norma imunizante fixa o relato da norma imunizada, estabelecendo os fins que deverão ser atingidos com a regulação da conduta humana”(59)

Ora, os postulados normativos aplicativos já mencionados devem ser observados, quando da resolução de um caso concreto no qual se discute a extensão de uma regra de isenção, atentando-se, assim, dentre outros, aos que se referem à observância dos fins indicados pela constituição e pelo postulado da igualdade na aplicação da lei,(60) este observado pela permissão para atuação discriminatória, desde que o critério discriminador seja racionalmente justificável quanto ao tratamento desigual que será dado e quanto aos fins juridicamente constitucionalizados.(61)

Pois bem, se legislar é criar distinções,(62) ao abrigar certos fatos na regra isenção e deixar de fora outros, a norma poderá, sim, dar tratamento desigual, desde que o processo de seleção não fira os fins colimados pela Constituição.

No caso da Constituição da República, por exemplo, a par de eventual discussão quanto à dimensão valorativa do seu preâmbulo,(63) ainda que se restrinja o discurso operacional às normas, princípios ou regras, faz-se necessário mencionar que ela é expressa ao delinear certos fundamentos para o Estado Democrático de Direito que instituiu (art. 1º), que visam atingir alguns objetivos determinados (art. 3º).

Nessa quadra, sabe-se que, a exemplo da grande maioria das constituições do pós-guerra, a Constituição brasileira de 1988 positivou o princípio da dignidade da pessoa humana, elegendo-o como princípio fundamental do Estado Democrático de Direito.(64)

Ora, a dignidade da pessoa humana é:

“qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos de sua própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos”.(65)

Ela não só dá sentido à ordem jurídica, como também a legitima, fato reconhecido tanto doutrinariamente quanto pelas Constituições, que positivam a sua proteção; por isso, é possível afirmar que os direitos fundamentais decorrem, em maior ou menor grau, da própria dignidade da pessoa humana e que no processo hermenêutico de hierarquização este princípio e valor está em patamar superior.(66)

Logo, se a aplicação do art. 111 do CTN implicar, como conseqüência, tributação de situação fática da qual se fira a dignidade da pessoa humana, então aquele dispositivo legal deverá ser afastado no caso concreto, possibilitando-se, assim, a isenção do tributo, pois deverá cumprir a finalidade extrafiscal prevista na regra de isenção. Em outras palavras, o art. 111 do CTN só admite interpretação e aplicação na nova ordem constitucional se não importar restrição a direitos fundamentais ao cumprir a finalidade que lhe é dada.

Por outro lado, vale destacar, ainda, que não se pode confundir a classificação dos processos de interpretação quanto ao método (gramatical, lógico, sistemático, finalístico etc.) com a classificação deles quanto ao resultado obtido (restritivo ou ampliativa). A interpretação literal pode, em certos casos (ainda que raramente), levar a uma ampliação do conteúdo da norma além do que as palavras indicam.

Neste sentido, colhe-se o seguinte exemplo da jurisprudência:

“IPI. ISENÇÃO. TRANSPORTE DE PASSAGEIROS MODALIDADE TÁXI. LEI 8.989/95. REQUISITOS. PREENCHIMENTO. ART. 111, II, DO CTN. INTERPRETAÇÃO LITERAL. VEDAÇÕES NÃO EXPRESSAS NO TEXTO LEGAL.

1. A parte autora é motorista profissional que adquiriu veículo para a realização de transportede passageiros, sendo ele titular de autorização para exercer tal atividade e que efetivamente destinou o veículo no transporte de passageiros. Em nenhum momento a legislação veda o exercício concomitante de outra atividade pelo titular. A ratio legis é justamente a proteção da destinação do veículo para a atividade de táxi, sendo indiferente que o veículo esteja sendo conduzido por outro profissional, vedação esta que não consta no texto legal.

2. As normas sobre a isenção devem ser interpretadas literalmente (art. 111, II, do CTN), por isso, não cabe à autoridade administrativa restringir o benefício de isenção do IPI na aquisição de veículo destinado ao transporte de passageiros, modalidade táxi, sob a argumentação de que a parte autora não exercia com exclusividade a atividade de taxista e, ainda, cedia a outro motorista profissional o veículo no restante da jornada diária, se tais restrições não estavam previstas na Lei 8.989/95.”(67)

Uma última abordagem a ser feita consiste na superação do dogma de que a analogia não pode ser utilizada em sede tributária, sobremodo para os fins visados no problema que é objeto do presente trabalho, ou seja, estender uma isenção para uma hipótese análoga à prevista na norma original.

Neste ponto, vale lembrar a já clássica distinção entre heterointegração da auto-integração. A (1) heterointegração ocorre quando, presente uma lacuna normativa, ela é suprida (1.i) por outro ordenamento, como o direito natural, ou (1.ii) outra fonte, como os costumes, direito judiciário (= poder criativo do juiz) ou doutrina. A (2) auto-integração, por sua vez, ocorre quando são utilizados o mesmo ordenamento e a mesma fonte para suprir lacuna, podendo ser (2.i) analogia ou (2.ii) princípios gerais do direito. Na analogia, há criação da norma jurídica para alcançar elemento não abrigado que possui uma semelhança relevante com o normatizado; essa semelhança é finalística em relação à norma que será aplicada por analogia; essa criação é que difere a analogia da interpretação extensiva. Os princípios gerais do direito, de outra banda, são normas gerais e podem ser expressos ou não expressos; são normas por dois motivos (a) são derivadas e derivam outras normas e (b) cumprem a mesma função; isto é, regulam formas de conduta.(68)

Sobre o tema - possibilidade de se utilizar analogia para outorgar isenção tributária - Attila Andrade Júnior, após analisar julgado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo,(69)que vedou a penhora em execução fiscal de imóveis da Sociedade Cemitério Israelita de São Paulo mediante reconhecimento da imunidade deste por equiparação do cemitério particular a bem público por afetação, concluiu:

“1ª) a lei e a doutrina brasileira (esta em sua esmagadora maioria) admitem a aplicação da analogia, como método de interpretação das normas tributárias;

2ª) tanto a doutrina quanto a jurisprudência predominante dos tribunais brasileiros refutam a analogia, como método interpretativo, na medida em que esta possa criar obrigações principais ou acessórias ao contribuinte não previstas em lei e vice-versa, na medida em que a analogia possa criar situações suspensivas ou excludentes da obrigação tributária (isenção, imunidade);

3ª) no que se refere à possibilidade da analogia se admitida quando esta cria uma situação isencional ou de imunidade ao contribuinte, existem poucos julgados de nossos tribunais que consagram essa possibilidade. O exemplo mais eloqüente consistiu no supracitado Acórdão n. 74159 do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo;

4ª) considerando que a maioria das controvérsias judiciais em matéria tributária resultam fundamentalmente da discussão ou da criação de um tributo ou da obtenção de um benefício ao contribuinte, seja por suspensão ou exclusão da obrigação tributária, é forçoso concluir que a admissão da analogia como método interpretativo no direito tributário brasileiro é extremamente limitada”.(70)

Ora, ao aplicar o próprio ordenamento mediante analogia, há um “ trazer para fim desejado” consistente na regulação de fato similar à hipótese de incidência já regulada. Em outras palavras, abrigar, por analogia, um fato a uma norma consiste, de certa forma, em fazer cumprir o desejo traçado pelo legislador.

Logo, se for dada primazia aos fins e não aos meios, a analogia não só é possível, como também desejável, pois cumpre, por sua própria definição, o papel de atingir os fins visados, no caso, os objetivos constitucionais traçados pela Carta de 1988.

2.4 Ecos da jurisprudência

Pesquisa(71) realizada no “site” do Superior Tribunal de Justiça revela que, em relação ao art. 111 do CTN, existiam 430 julgados diretamente relacionados à sua aplicação. Destes, foram excluídos os que se relacionavam à importação de Salmão e Merluza,(72) resultando em 406 julgados. Destes, foram retirados, ainda, aqueles recursos que não chegaram a ser conhecidos(73) e os que não faziam expressa remissão ao art. 111, do CTN, na sua Ementa,(74) chegando-se a 112 julgados.

Sobrevoando os referidos julgados, colhem-se, dentre outros, os seguintes:

“TRIBUTÁRIO – IMUNIDADE – IPTU – ENTIDADE EDUCACIONAL ESTRANGEIRA. 1. O artigo 150, VI, c, da CF deve ser interpretado em combinação com o art. 14 do CTN, expressamente recepcionado no ADCT (art. 34, § 5º). 2. A imunidade, como espécie de não incidência, por supressão constitucional, segundo a doutrina, deve ser interpretada de forma ampla, diferentemente da isenção, cuja interpretação é restrita, por imposição do próprio CTN (art. 111). 3. Ensino é forma de transmissão de conhecimentos, de informações e de esclarecimentos, entendendo-se educacional a entidade que desenvolve atividade para o preparo, desenvolvimento e qualificação para o trabalho (art. 205, CF). 4. A cobrança de mensalidades não descaracteriza a entidade imune se não há distribuição de rendas, lucro ou participação nos resultados empresariais. 5. Entidade que, gozando da imunidade há mais de quarenta anos, não está obrigada a recadastrar-se, ano a ano, para fazer jus ao benefício constitucional. 6. Recurso ordinário improvido.” (grifei)(75)

“PREVIDENCIÁRIO. SERVIDORES PÚBLICOS. SALÁRIO DE CONTRIBUIÇÃO SOBRE DIÁRIA DE VIAGEM. INCLUSÃO. ART. 1º DA LEI 9.783/99. 1. A Previdência Social é instrumento de política social do governo, sendo certo que sua finalidade primeira é a manutenção do nível de renda do trabalhador em casos de infortúnios ou de aposentadoria, abrangendo atividades de seguro social definidas como aquelas destinadas a amparar o trabalhador nos eventos previsíveis ou não, como velhice, doença, invalidez: aposentadorias, pensões, auxílio-doença e auxílio-acidente do trabalho, além de outros benefícios ao trabalhador 2. A concessão dos benefícios restaria inviável não houvesse uma contraprestação que assegurasse a fonte de custeio. 3. Consectariamente, o fato ensejador da contribuição previdenciária não é a relação custo-benefício, e sim a natureza jurídica da parcela percebida pelo servidor, que encerra verba recebida em virtude de prestação do serviço. 4. As diárias de viagens não integram o salário-de-contribuição, desde que não excedam a 50% da remuneração mensal do empregado. (Art. 1º da Lei 9.783/99). 5. Deveras, as normas tributárias isentivas são de interpretação estrita, não havendo como se conferir a alforria fiscal (art. 111, CTN). 6. Recurso especial desprovido.”(grifei) (76)

“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – ICM – MAQUINÁRIO AGRÍCOLA – COMPONENTES E PEÇAS – ISENÇÃO – LEI COMPLEMENTAR Nº 04/69 – MATÉRIA NÃO APRECIADA NA INSTÂNCIA A QUO – PRECLUSÃO – C.F., ART. 105, III – CTN, ART. 111, II – PRECEDENTES. - A isenção concedida pela L.C. nº 04/69 às máquinas agrícolas tem como objetivo primordial o incentivo à agricultura. - É impossível dissociar o principal de seus acessórios, razão por que não são tributáveis as peças e as partes que compõem as máquinas e implementos agrícolas. - Tema não decidido na instância a quo, descabe apreciar em sede de recurso especial por expressa determinação da Lei Maior, ocorrendo a preclusão da matéria não ventilada em momento processual anterior. - A ‘interpretação literal’ preconizada pela lei tributária objetiva evitar interpretações ampliativas ou analógicas; cabe, entretanto, ao intérprete mostrar o alcance e o sentido da norma geral e abstrata que instituiu o benefício fiscal. - Recurso especial não conhecido.”(grifei) (77)

“TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. ISENÇÃO. RENDIMENTO DE TRABALHO ASSALARIADO RECEBIDO NO EXTERIOR. DECRETO-LEI N.º 1.380/74. VIOLAÇÃO AO ART. 111, II, DO CTN, INEXISTENTE. 1. Os dispositivos legais que tratam de isenção devem ser interpretados literalmente, sem, contudo, ser desvirtuado seu caráter teleológico. 2. Necessidade de preenchimento de todos os requisitos previstos no art. 3º, § 1º, do Decreto-Lei n.º 1.380/74, para que os rendimentos do trabalho assalariado recebidos no exterior pelas pessoas que optem pela condição de residentes sejam considerados não tributáveis. 3. Ausência do atendimento das condições elencadas em tal dispositivo legal. 4. Recurso Especial a que se nega provimento.” (grifei)(78)
Deste último, colhe-se do voto:

“A matéria posta em apreciação dá ensejo a um questionamento antigo, porém, ao mesmo tempo, não menos atual: ao se interpretar uma norma, deve-se ater ao seu aspecto estritamente legalista ou observar o seu caráter finalístico?

É por meio da hermenêutica jurídica, preexistente e fundamental para a aplicação do direito, que se descobre o verdadeiro sentido e alcance das regras jurídicas. Em virtude da vaguidade, ambigüidade do texto, imperfeição e falta de terminologia técnica da lei, o magistrado, a todo instante, ao aplicar a norma ao caso sub judice, deve analisar, precipuamente, seus fins.

Assim, para que exista uma efetiva prestação jurisdicional, passo ao exame teleológico dos dispositivos legais tidos por violados.”

Como se vê, embora a maior parte dos julgados aplique o art. 111 do CTN de forma absoluta, impondo a interpretação literal dos dispositivos de legislação que outorguem isenção tributária, há alguns precedentes que admitem também a interpretação finalística (ou teleológica), para abrigar outras soluções possíveis, ainda que ampliando as hipóteses de isenção.

Um dos mais relevantes julgados sobre o tema, tratando da possibilidade de estender a isenção de IPI na aquisição de veículos por portadores de deficiência que não podem dirigir automóveis comuns para terceiros que transportassem aqueles.

Eis a ementa:

“CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IPI. ISENÇÃO NA COMPRA DE AUTOMÓVEIS. DEFICIENTE FÍSICO IMPOSSIBILITADO DE DIRIGIR. AÇÃO AFIRMATIVA. LEI 8.989⁄95 ALTERADA PELA LEI Nº 10.754⁄2003. PRINCÍPIO DA RETROATIVIDADE DA LEX MITIOR.

1. A ratio legis do benefício fiscal conferido aos deficientes físicos indicia que indeferir requerimento formulado com o fim de adquirir um veículo para que outrem o dirija, à míngua de condições de adaptá-lo, afronta ao fim colimado pelo legislador ao aprovar a norma visando facilitar a locomoção de pessoa portadora de deficiência física, possibilitando-lhe a aquisição de veículo para seu uso, independentemente do pagamento do IPI. Consectariamente, revela-se inaceitável privar a Recorrente de um benefício legal que coadjuva às suas razões finais a motivos humanitários, posto de sabença que os deficientes físicos enfrentam inúmeras dificuldades, tais como o preconceito, a discriminação, a comiseração exagerada, acesso ao mercado de trabalho, os obstáculos físicos, constatações que conduziram à consagração das denominadas ações afirmativas, como esta que se pretende empreender.

2. Consectário de um país que ostenta uma Carta Constitucional cujo preâmbulo promete a disseminação das desigualdades e a proteção à dignidade humana, promessas alçadas ao mesmo patamar da defesa da Federação e da República, é o de que não se pode admitirsejam os direitos individuais e sociais das pessoas portadoras de deficiência, relegados a um plano diverso daquele que o coloca na eminência das mais belas garantias constitucionais.

3. Essa investida legislativa no âmbito das desigualdades físicas corporifica uma das mais expressivas técnicas consubstanciadoras das denominadas ‘ações afirmativas’.

4. Como de sabença, as ações afirmativas, fundadas em princípios legitimadores dos interesses humanos reabre o diálogo pós-positivista entre o direito e a ética, tornando efetivos os princípios constitucionais da isonomia e da proteção da dignidade da pessoa humana, cânones que remontam às mais antigas declarações Universais dos Direitos do Homem. Enfim, é a proteção da própria humanidade, centro que hoje ilumina o universo jurídico, após a tão decantada e aplaudida mudança de paradigmas do sistema jurídico, que abandonandoa igualização dos direitos optou, axiologicamente, pela busca da justiça e pela pessoalização das situações consagradas na ordem jurídica.

5. Deveras, negar à pessoa portadora de deficiência física a política fiscal que consubstancia verdadeira positive action significa legitimar violenta afronta aos princípios da isonomia e da defesa da dignidade da pessoa humana.

6. O Estado soberano assegura por si ou por seus delegatários cumprir o postulado do acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência.

7. Incumbe à legislação ordinária propiciar meios que atenuem a natural carência de oportunidades dos deficientes físicos.

8. In casu, prepondera o princípio da proteção aos deficientes, ante os desfavores sociaisdeque tais pessoas são vítimas. A fortiori, a problemática da integração social dos deficientes deve ser examinada prioritariamente, maxime porque os interesses sociais mais relevantes devem prevalecer sobre os interesses econômicos menos significantes.

9. Imperioso destacar que a Lei nº 8.989⁄95, com a nova redação dada pela Lei nº 10.754⁄2003, é mais abrangente e beneficia aquelas pessoas portadoras de deficiência física, visual, mental severa ou profunda, ou autistas, diretamente ou por intermédio de seu representante legal pela Lei nº 10.690, de 16.6.2003, vedando-se, conferir-lhes na solução de seus pleitos, interpretação deveras literal que conflite com as normas gerais, obstando a salutar retroatividade da lei mais benéfica. (Lex Mitior).

10. O CTN, por ter status de Lei Complementar, não distingue os casos de aplicabilidadedalei mais benéfica ao contribuinte, o que afasta a interpretação literal do art. 1º, § 1º, da Lei 8.989⁄95, incidindo a isenção de IPI com as alterações introduzidas pela novel Lei 10.754, de 31.10.2003, aos fatos futuros e pretéritos por força do princípio da retroatividade da lex mitior consagrado no art. 106 do CTN.

11. Deveras, o ordenamento jurídico, principalmente na era do pós-positivismo, assenta como técnica de aplicação do direito à luz do contexto social que: ‘Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum’. (Art. 5º, LICC)

12. Recurso especial provido para conceder à recorrente a isenção do IPI nos termos do art. 1º, § 1º, da Lei nº 8.989⁄95, com a novel redação dada pela Lei 10.754, de 31.10.2003, na aquisição de automóvel a ser dirigido, em seu prol, por outrem.”(79)

Do voto condutor, colhe-se:

“(...)

No que pertine ao mérito, forçoso reconhecer que a Constituição Federal consagra a proteção aos deficientes físicos, sob a forma de outorga de garantias distintas, a fim de promover uma efetiva inserção dessas pessoas na sociedade, consoante os preceitos constitucionais, in verbis:

‘Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivênciafamiliar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

(...)

§ 2º - A lei disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos edifícios de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência.

Art. 244. A lei disporá sobre a adaptação dos logradouros, dos edifícios de uso público e dos veículos de transporte coletivo atualmente existentes a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência, conforme o disposto no art. 227, § 2º.

(...) Ora, se há esse dever constitucional do Estado há direito subjetivo da pessoa portadora de deficiência física.

Destarte, sob esse ângulo, não há discricionariedade do administrador diante de direitos consagrados, quiçá constitucionalmente. Senão atividade vinculada, inadmitindo-se qualquer exegese que vise afastar a garantia pétrea.

(...)

Muito embora a matéria seja, somente nesse particular, constitucional, a categorização do thema iudicandum é infraconstitucional reflexamente, à luz da explicitude da Lei nº 7.853⁄89, mercê da inequívoca normatividade suficiente da promessa constitucional a ensejar a efetiva integração social das pessoas portadoras de deficiência física.Consectariamente, se aos portadores de deficiência física é conferida a isenção do IPI na aquisição de automóveis, o Estado, num sentido lato deve desincumbir-se desse dever através da sua rede própria.

Releva notar que a Constituição Federal é fruto da vontade política nacional, erigida mediante consulta das expectativas e das possibilidades do que se vai consagrar, por isso cogentes e eficazes suas promessas, sob pena de restarem vãs e frias enquanto letra morta no papel.

Ressoa inconcebível que direitos consagrados em normas menores como Circulares, Portarias, Medidas Provisórias, Leis Ordinárias tenham eficácia imediata e os direitos consagrados constitucionalmente, inspirados nos mais altos valores éticos e morais da nação sejam relegados a segundo plano.”

Como se vê, no referido julgado, o Superior Tribunal de Justiça traçou as seguintes linhas de pensamento, dentre outras: (1) a possibilidade de investigar a intenção da lei (ratio legis) – no caso, facilitar a locomoção de pessoa portadora de deficiência física – para o exame da isenção tributária negada administrativamente; (2) inclusão das “ações afirmativas” no âmbito da proteção da dignidade da pessoa humana, incluindo-se, aí, a salvaguarda dos deficientes físicos, que sofrem limitações diversas, dentre elas o preconceito; (3) a necessidade de diálogo entre direito e ética como corolário de uma postura “pós-positivista”; (4) existência de dever estatal de prestações positivas que realizem a integração social dos grupos menos privilegiados, configurando, na outra ponta, direitos subjetivos dos integrantes destes grupos; (5) reconhecimento legal (Leis 8.989/1995, 10.690/2003 e 10.754/2003) da situação fática desfavorável dos portadores de deficiências que merecem ser reduzidas; (6) impossibilidade de que a legislação infraconstitucional restrinja direitos constitucionais inspirados em valores éticos.

Esses tópicos abordados na referida decisão apontam para uma inafastável conclusão: a possibilidade de ampliação, subjetiva, material, espacial ou temporal, de normas de isenção tributária, desde que este resultado seja afim com os valores e princípios constitucionalmente estabelecidos, dentre eles a proteção à dignidade da pessoa humana, maximizando-os com vista nos postulados da igualdade, ponderação etc.

Logo, conclui-se, neste item particular, que a posição jurisprudencial restritiva, formada com base na ampla eficácia da ordem contida textualmente no art. 111 do CTN começa a ceder espaço a uma compreensão constitucional “pós-positivista” desta legislação.

3. Considerações finais

Sobrevoando as premissas delineadas no trabalho, é possível traçar as seguintes conclusões: (a) a interpretação da norma é ato de reconstrução desta, a partir da racionalidade inerente ao ato de exegese do intérprete/aplicador, que insere seus valores e fins no resultado, ao escolher um dentre os possíveis derivados do sistema normativo; (b) esse agir interpretativo pode ser sujeitado a certos limites intrínsecos à idéia de interpretar; (c) dentre os limites impostos à interpretação e (re)construção da norma está a obediência a uma hierarquia constitucional e a certos postulados normativos; (d) a norma prevista no art. 111 do CTN que manda o intérprete/aplicador utilizar interpretação literal nos casos de leis que instituem normas de exclusão de crédito tributário de aplicação não leva a uma interpretação restritiva de forma geral e abstrata, pois deve ser avaliada no caso concreto, ao se fixar a norma jurídica individual, de forma a manter a compatibilidade desta com a Constituição; (e) este exame casuístico é operado com base em validação finalística do direito não econômico subjacente ao caso concreto, especialmente para se preservar o direito à dignidade da pessoa humana, o que inclui a possibilidade, ainda que excepcional, de analogia para abrigar situação fática não vislumbrada genericamente na hipótese de isenção formulada abstratamente pelo legislador; (f) por isso, é possível a ampliação, subjetiva, material, espacial ou temporal, de normas de isenção tributária, desde que este resultado seja afim com os valores e princípios constitucionalmente estabelecidos, dentre eles a proteção à dignidade da pessoa humana, maximizando-os com vista nos postulados normativos aplicativos catalogados pela doutrina; (g) a jurisprudência começa a mudar sua posição restritiva, formada com base na ampla eficácia da ordem contida textualmente no art. 111 do CTN para passar a compreender tais imperativos com uma base constitucional “pós-positivista” desta legislação.

4. Bibliografia utilizada

ANDRADE JÚNIOR, Attila de Souza Leão. A interpretação do direito tributário segundo os tribunais. 2. ed. São Paulo: Fiúza, 1996.

ATALIBA, Geraldo. Hermenêutica e Sistema Constitucional Tributário. In: Interpretação no direito tributário. São Paulo: Saraiva, EDUC, 1975. Aulas e debates em assembléia do II Curso de Especialização em Direito Tributário, promovido pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, no segundo semestre de 1971, sob a coordenação do Prof. Geraldo Ataliba.

ATALIBA, Geraldo; JARACH, Dino. 3ª Assembléia. In: Interpretação no direito tributário. São Paulo: Saraiva, EDUC, 1975. Aulas e debates em assembléia do II Curso de Especialização em Direito Tributário, promovido pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, no segundo semestre de 1971, sob a coordenação do Prof. Geraldo Ataliba.

ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.

BARRETO, Aires F.; BARRETO, Paulo Ayres. Imunidades tributárias: limitações constitucionais ao poder de tributar. São Paulo: Dialética, 1999.

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5. Notas de rodapé

1. Denomina-se, aqui, de concepção descritivo-normativa a perspectiva de análise do Direito apenas do ponto de vista exclusivamente dogmático e positivista, vale dizer, a postura que, buscando estudar um ordenamento específico de um povo em um determinado período de tempo, mediante distinções, conceitos, enumerações, classificações, etc., limita o objeto de sua investigação ao direito posto. Para uma abordagem sobre a distinção entre conceitos lógico-jurídicos e descritivos-normativos (ou jurídico-positivos), vide PIMENTA, Efeitos da decisão de inconstitucionalidade em direito tributários, p. 107/110.

2. Define-se, aqui, a postura lógico-jurídica como aquela que, além de buscar seu objeto no direito positivo, alcança, também, os elementos gerais e comuns entre as diversas manifestações daquele, ou seja, abre o objeto de seu estudo para a chamada Teoria Geral do Direito, que para Miguel Reale, é o plano do conhecimento jurídico (= circunscrição do âmbito da Ciência do Direito) orientado para “um estudo que por inteiro se desenvolve ao nível das diversas formas do conhecimento positivo do Direito, cujos conceitos e formas lógicas ela visa a determinar de maneira global e sistemática”. (cf. REALE, Lições Preliminares de Direito, p. 328-329)

3. MAXIMILIANO, Hermenêutica e aplicação do direito, p. 1.

4. SILVA, Interpretação constitucional operativa, p. 22.

5. SILVA, Interpretação constitucional operativa, p. 22.

6. SILVA, Interpretação constitucional operativa, p. 22.

7. PASQUALINI, Introdução à Hermenêutica e sistema jurídico (Palestra).

8. Bem se vê, nesta quadra, que a questão hermenêutica implica, prévia e necessariamente, uma apreensão filosófica, especialmente a partir da concepção Kantiana de razão, pela qual o foco desta não é a concepção da realidade como se esta fosse racional em si, mas sim o conhecimento sobre o sujeito racional; pois embora a razão possa ser considerada inata, os conhecimentos são adquiridos; aquela – a razão - é dividida em três estruturas, a (1) estrutura da sensação; a (2) da inteligência, que, mediante categorias inatas, como o espaço, qualidade, quantidade, finalidade e causalidade, organizam o conhecimento e (3) razão propriamente dita, que regula e controla as demais estruturas; logo, não é possível dizer que a realidade seja espacial, causal etc., mas sim que a razão as organiza assim (cf. CHAUÍ, Convite à filosofia, p. 76/80). O tema, contudo, foge ao espaço definido e delineado para o presente trabalho.

9. CAMARGO, Hermenêutica e argumentação: uma contribuição ao Estudo do Direito, p. 24.

10. REALE, Hermenêutica Jurídica (Filosofia e teoria geral do Direito).

11. REALE, Hermenêutica Jurídica (Filosofia e teoria geral do Direito).

12. REALE, Hermenêutica Jurídica (Filosofia e teoria geral do Direito).

13. PASQUALINI, Introdução à Hermenêutica e sistema jurídico (informação verbal).

14. ÁVILA, Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos, p. 25.

15. FURQUIM, A interpretação do direito e a ideologia do intérprete, p. 113.

16. FURQUIM, A interpretação do direito e a ideologia do intérprete, p. 113.

17. BARROSO, Interpretação e aplicação da constituição, p. 265/266.

18. Ibidem, p. 266/268.

19. MAXIMILIANO, Hemenêutica e aplicação do direito, p. 11.

20. WAMBIER, Súmula vinculante: desastre ou solução, p. 301.

21. Sobre o tema, confira-se MAXIMILIANO, Hermenêutica e aplicação do direito.

22. Como sustenta Ferrajoli, há, atualmente, uma crise no Direito que se manifesta de diversas formas e níveis, sobretudo em 3 aspectos, a saber: (1) crise da legalidade, entendida como o desrespeito das autoridades públicas aos limites impostos pelo ordenamento, assim como o conflito entre o poder executivo e o judiciário, este tentando vincular as condutas daquele às normas postas; (2) inadequação do Estado de Direito para responder às pretensões geradas pelo Welfare State, porque este pressupõe a realização de prestações positivas pelo poder público que, por sua vez, está atrelado às normas vigentes, além disso há tentativa de atender a todos os grupos sociais, o que gera uma inflação normativa fundada nos signos da emergência e da exceção, provocando insegurança e incoerência jurídicas; (3) crise do Estado Social, decorrente da transferência gradual da soberania do estado para sedes de decisão além de suas fronteiras, que leva a uma crise na hierarquia das fontes. Esta crise provoca não só um perigo à Democracia como também ao Estado de Direito, implicando surgimento de governos neoabsolutistas e enfraquecimento da vinculação das condutas à força normativa das constituições. Some-se a isso o fato de que esta crise não é só do Direito, mas também da razão jurídica; o pluralismo de fontes, a sobreposição de ordenamentos e a inflação legislativa são fenômenos que, embora não inéditos, contrapõem-se a um Estado Constitucional de Direito, pois este traz, consigo, uma característica diferenciadora para a razão jurídica: o conteúdo do Direito é vinculado às suas próprias normas, ou seja, há sujeição da produção jurídica tanto no seu aspecto formal quanto na sua substância; o que se contrapõe ao modelo “paleopositivista”. Por isso, diante da regulação jurídica das formas de produção e do conteúdo substancial das normas, o Direito passa a ser simultaneamente condicionante e condicionado, caracterizando-se, assim, um novo modelo, um “sistema garantista”, em o qual há modificações profundas na (1) Teoria do Direito, com a redefinição de validade, dissociando-a da vigência, distinguindo-se a substância da sua forma; na (2) Teoria Política, com a evolução do conceito de Democracia, que passa de meramente processual para substância; na (3) Teoria de interpretação e aplicação do direito, havendo uma redefinição do papel do juiz; e, por fim, na (4) Ciência jurídica, que deixa de ser meramente descritiva e passa a ser também crítica e construtiva (cf. FERRAJOLI, O Direito como sistema de garantias, p.89/94).

23.FERRAJOLI, O Direito como sistema de garantias, p. 97.

24.Ibidem, p. 97/98.

25. Ibidem, p. 100/102.

26. ATALIBA, Hermenêutica e Sistema Constitucional Tributário, p. 18.

27. Destaque-se a lição de Margarida Camargo que, conjugando a Tópica de Viehweg com a retórica de Perelman, a lógica do razoável de Recaséns Siches e a perspectiva de hermenêutica de Gadamer, traduz a nova racionalidade do Direito afirmando que “Para a hermenêutica, não se trata de pensar o direito de forma abstrata, independentemente da sua realização, uma vez que é o problema que incida o direito, mas sim pensar o problema como o centro de gravidade de toda a discussão jurídica. O justo ou o razoável juridicamente, para cada situação, é determinado pelo direito aplicado; o direito concretizado” (CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. Hermenêutica e argumentação: uma contribuição ao Estudo do Direito, p. 250). Para ela, “a nova racionalidade jurídica, identificada neste trabalho com a tópica e com a retórica, corresponde a um novo modo de pensar o direito” (ob. cit., p. 250). Não cabe neste espaço a discussão mais aprofundada sobre o tema, mas deve-se notar que agregar a perspectiva da interpretação com construção do objeto mediante técnica de argumentação fundada tanto na lógica do razoável quanto em argumentos de pontos referentes a opiniões plenamente aceitas (topoi) explica o fenômeno jurídico de forma mais satisfatória do que o dogma da mera subsunção dos fatos a uma fattispecie, não apenas inclusão do tema da legitimidade do discurso judicial-decisório perante o auditório universal, mas também justificação técnica da construção de soluções para os casos de ponderações de princípios, nos quais a dimensão de peso preponderante é ditada para aquele caso específico, dadas as situações fáticas individualizadas no problema. Assim, é possível cogitar-se, inclusive, na necessidade de ser repensada a técnica da incidência, tão cara à dogmática do fato jurídico, para abranger, também, o momento de criação do direito realizada pelo juiz.

28. É necessário dizer, ainda que “en passant”, que a questão da situação fática faz surgir dois (dentre vários) questionamentos. O primeiro consistente na individualidade dos fatos, pois cada situação é única no tempo, no espaço e nas subjetividades que ali estão; ainda que aparentemente se apresentem ao juiz fatos similares no futuro, haverá apenas uma aparência de similaridade, pois se o tempo e o espaço mudam, também mudam as pessoas, tanto as conhecidas anteriormente pelo juiz, como este mesmo. O segundo ponto refere-se à incerteza estrutural do processo cognitivo de apreensão da “verdade dos fatos”, isto é, o processo de conhecimento está sempre adstrito a certos limites subjetivos (individual, como o papel do inconsciente, ou social, como a ideologia) e objetivos (princípio da indeterminação e inexistência de parâmetros seguros sobre o próprio conceito de verdade). No campo filosófico, Chauí afirma que as três concepções de verdade, “veritas” (verdade nas coisas como elas são), “aletheia” (o discurso sobre as coisas) e “emunah” (consenso), surgem as quatro teorias sobre a verdade: (1) correspondência ou evidência, pela qual a verdade é a correspondência entre as nossas idéias e as coisas que existem fora de nós da forma que elas realmente são; (2) precisão, quando predomina a “veritas”, na qual a verdade está na exatidão da linguagem utilizada para descrever as coisas; (3) consenso, pelo predomínio da “emunah”, na qual a verdade decorre de acordo entre as pessoas sobre os princípios lógicos para apreender as coisas e do método utilizado para extrair conclusões; (4) pragmática, o conhecimento é considerado verdade por conta de experimentação e da sua verificabilidade (p. CHAUÍ, Convite à filosofia, 99/101). No campo jurídico, destaca Ovídio Batista: “No direito moderno (..) verifica-se uma crescente tendência a considerar a prova judiciária como a demonstração da verossimilhança da existência de uma determinada realidade, restaurando-se, neste sentido, a doutrina aristotélica da retórica, como a “ciência do provável”, a que se chega através de um juízo de probabilidade. (..) Quem participa da experiência forense sabe que, na grande maioria dos casos, especialmente naqueles onde o conflito seja mais profundo e de maior relevância. A prova colhida nos autos oferece duas versões antagônicas, de que se pode perfeitamente retirar tanto a procedência quanto a improcedência da causa. Daí afirmar Luis Recaséns Siches que os conceitos de “verdade” e “falsidade” são estranhos ao domínio do direito, onde deve ter lugar o que ele denomina “lógica do razoável”, diversa da lógica das ciências naturais (Curso de Processo Civil. 5. ed., rev. e atual. SP: RT, 2001. p. 338/339. (v. 1: processo de conhecimento ).

29. BARROSO, Interpretação e aplicação da constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora, p. 103/106.

30. Ibidem, p. 107/112.

31. Não obstante esta posição, que reflete o entendimento majoritário sobre o tema, há quem defenda a existência de uma certa hierarquia entre os processos de interpretação, dando primazia à interpretação teleológica em relação às demais, notadamente a gramatical, a histórica e a sistemática (CANARIS, Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito, p.159/160).

32.Ibidem, p. 125/126.

33.Ibidem, p. 126/131.

Ibidem, p. 131/136.

34.Ibidem, p. 137/139.

35. A doutrina constitucionalista brasileira já tem praticamente como pacífica essa orientação “pós-positivista”, podendo-se citar, dentre outros: ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos; BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o Princípio da Dignidade Humana; BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora; BASTOS, Celso. Peculiaridades justificantes de uma hermenêutica constitucional; BORGES, Alexandre Walmott. A ordem econômica e financeira da Constituição e os monopólios: análise das alterações com as reformas de 1995 a 1999; ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de Princípios Constitucionais: elementos teóricos para uma formulação dogmática constitucionalmente adequada; GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a Interpretação/Aplicação do Direito; SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição Federal; SCHÄFER, Jairo Gilberto. Direitos fundamentais: proteção e restrições; SILVA. Celso, Interpretação Constitucional Operativa: Princípios e Métodos; STEINMETZ. Wilson Antônio, Colisão de direitos fundamentais e princípio da proporcionalidade.

36. DELGADO, Maurício Godinho. Princípios de Direito, p. 740.

37. BARROSO, Interpretação e aplicação da constituição, p. 147/156.

38. DELGADO, loc. cit.

39. É necessário, ainda, distinguir os conceitos de “lei” e “regra”. O primeiro refere-se a uma espécie de instrumento para a produção de normas, que, nos termos do direito constitucional dogmático brasileiro, está relacionada no art. 59 da CR. Regra, por outro lado, refere-se a uma espécie de norma, que, sendo gênero, abriga tanto as regras quanto os princípios-normas. É possível existir lei que veicule somente regras, mas nada impede que, em seus artigos, venham, expressos, princípios-normas. A posição hierárquica da forma de expressão da norma não interfere na natureza desta, que é dada pela contingência de sua aplicabilidade conforme ponderação ou mera subsunção. Aliás, a Constituição não é formada apenas de princípios-normas, mas também de por regras. É possível, também, existir leis que veiculem tanto regras quanto princípios-normas. Não se pode, por isso, confundir a expressão do comando normativo com o veículo utilizado para trazê-lo ao mundo jurídico.

40. Resumem-se, aqui, os pontos principais e convergentes desta orientação constitucional ora prevalente, seja porque foge ao espaço e objetivos traçados para o presente trabalho, seja porque há aspectos que ainda são discutidos doutrinariamente, como, por exemplo, a existência ou não de uma tríade (valores, princípios e regras), a (im)possibilidade de ponderação de regras etc.

41. BASTOS, Peculiaridades justificantes de uma hermenêutica constitucional, p. 40/53.

42. Para o tema, vide ÁVILA, Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos, em especial p. 61/63 e 87/127.

43.Ibidem, p. 93/94.

44. Nunca é demais lembrar a lição de Juarez Freitas, para quem “a interpretação jurídica é interpretação sistemática ou não é interpretação” (FREITAS, A interpretação sistemática do direito, p. 275), entendida como “uma operação que consiste em atribuir, topicamente, a melhor significação, dentre várias possíveis, aos princípios, às normas estritas (regras) e aos valores jurídicos, hierarquizando-os num todo aberto, fixando-lhes o alcance e superando as antinomias em sentido amplo, tendo em vista bem solucionar os casos sob apreciação” (FREITAS, A interpretação sistemática do direito, p. 275)

45. Ao definir que as normas constitucionais têm supremacia sobre as legais, o princípio (melhor definindo: o postulado) da supremacia da constituição nada mais faz do que estipular uma hierarquia entre as fontes normativas e, a partir daí, determinar um dever de observância desta pelo aplicador jurídico; logo, não se trata de um mero princípio, mas sim de uma metanorma condicionante da aplicação das normas, cuja observância se faz necessária e obrigatória em razão dos fundamentos já citados nos itens anteriores.

46. Diz-se, rotineiramente, que “a Constituição não pode ser interpretada em fatias”.

47. DOBROWOLSKI, Os direitos fundamentais e a aplicação judicial do direito (informação verbal).

48. Ou seja, de reconhecimento de imunidade tributária.

49. SOUZA, Normas de Interpretação no Código Tributário Nacional, p. 379.

50. RIBEIRO, Comentários ao Código Tributário Nacional, p. 252.

51. CORREA, Código Tributário Nacional Comentado, p. 469.

52. ATALIBA & JARACH, 3ª Assembléia, p. 118.

53. ATALIBA & JARACH, loc. cit.

54. ZAVASCKI, Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional, p. 79/81.

55. MAXIMILIANO, Hermenêutica e aplicação do direito, p. 127.

56. Isto é, a declaração do sentido normativo daquele texto que é compatível e possível em razão do parâmetro constitucional vigente em um determinado tempo e espaço.

57. BARRETO, Aires F.; BARRETO, Paulo Ayres. Imunidades tributárias: limitações constitucionais ao poder de tributar, p. 83.

58. PIMENTA, Efeitos da decisão de inconstitucionalidade em Direito Tributário, p. 191.

59. O postulado da igualdade tem tanta relevância para o mundo jurídico que Claus-Wilhelm Canaris o põe em lugar de destaque na formação do sistema na Ciência do Direito, dando a ordem e unidade necessárias para a configuração deste, por ser uma decorrência direta do princípio de justiça (CANARIS, Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito, p. 18/23).

60. Como bem destaca Celso Antônio Bandeira de Mello em clássico estudo, “tem-se que investigar, de um lado, aquilo que é adotado como critério discriminatório; de outro lado, cumpre verificar se há justificativa racional, isto é, fundamento lógico para, à vista do traço desigualador acolhido, atribuir o específico tratamento jurídico construído em função da desigualdade proclamada. Finalmente, impende analisar se a correlação ou fundamento racional abstratamente existente é, in concreto, afinado com os valores prestigiados no sistema normativo constitucional. A dizer: se guarda ou não harmonia com eles” (MELLO, 1999, p. 21/22).

61. Seja entre o legislado e o não legislado, seja entre as grandes dicotomias do Direito, como o Direito Público e o Direito Privado, ou mesmo nas distinções legais (por exemplo., bens fungíveis e infungíveis, pessoa natural e pessoa jurídica etc.), o ordenamento cria várias classes de qualificações jurídicas para o mundo da vida a fim de não apenas determinar certas conseqüências a partir de eventos fáticos, mas também de dar instrumentos para a compreensão do próprio fenômeno que está sendo regulado.

62. No qual se diz, claramente, que o Estado Democrático oriundo de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos tem como valores supremos “o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça”.

63. SARLET, Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais, p. 63/69.

64.Ibidem, p. 62.

65.Ibidem, p. 81/88.

66. TRF4 – AC Nº 2002.04.01.049198-0/SC – Rel. Des. Federal MARIA LÚCIA LUZ LEIRIA - Primeira Turma - Decisão: unânime – j. 30 de junho de 2004, DJ2 nº 149, 04/08/2004, p. 267.

67. BOBBIO, Teoria do Ordenamento Jurídico, p. 146/160.

68.No caso, tratava-se de Agravo de Petição de n. 76283, da 4ª Câmara Civil do TAC-SP, j. 16.11.1965, publicado na Revista dos Tribunais v. 375, p. 297, apud, ANDRADE JÚNIOR, Attila de Souza Leão. A interpretação do direito tributário segundo os tribunais. São Paulo: Resenha Tributária, 1991. p. 30.

69.Ibidem, p. 35.

70. Em 19 de agosto de 2004, com os seguintes parâmetros: “((ART.REF.) ADJ (‘00111’.REF.)) MESMO (CTN-66.REF.)”.

71. Parâmetros: “NÃO MERLUZA NÃO SALMÃO ((ART.REF.) ADJ (‘00111’.REF.)) MESMO (CTN-66.REF.)”.

72. Parâmetro de pesquisa: “NÃO MERLUZA NÃO SALMÃO NÃO BACALHAU NÃO ‘RECURSO NÃO CONHECIDO’ ((ART.REF.) ADJ (‘00111’.REF.)) MESMO (CTN-66.REF.)”

73. Parâmetro final de pesquisa: “(‘111" E CTN) E (0 NÃO MERLUZA NÃO SALMAO NÃO BACALHAU NÃO ‘RECURSO NÃO CONHECIDO’ NÃO ‘RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO’)”.

74. STJ - RO 31 / BA - 2003/0228372-0 – Rel. Min. ELIANA CALMON - SEGUNDA TURMA – j. 06/05/2004, DJ, 02.08.2004, p.337.

75. STJ - REsp 591961 / DF – Rel. Min. LUIZ FUX - PRIMEIRA TURMA – j. 02/03/2004, DJ, 22.03.2004, p. 256.

76.STJ - REsp 163529 / MG – Rel. Min. FRANCISCO PEÇANHA MARTINS - SEGUNDA TURMA – j. 04/10/2001, DJ, 18.02.2002, p. 283, RSTJ 154/164.

77. STJ - REsp 337714 / MG – Rel. Min. JOSÉ DELGADO - PRIMEIRA TURMA – j. 04/12/2001, DJ, 04.03.2002, p.200.

78. STJ – REsp - Nº 567.873 – Rel. Min. LUIZ FUX - j. 10 de fevereiro de 2004.

 

 


REVISTA DE DOUTRINA DA 4ª REGIÃO
PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRF DA 4ª REGIÃO - EMAGIS