Sociedade que transforma o direito e direito que transforma a sociedade

Autora: Ana Cristina Monteiro de Andrade Silva
(Juíza Federal)

| Artigo publicado em 18.11.2005 |


1. Introdução

Trata-se de um trabalho para a disciplina de Sociologia do Direito. A sociologia tem a tarefa de aplicação, realização do Direito. Nesse sentido, enquanto a Sociologia genética estuda a influência dos fatos sociais sobre as normas jurídicas, as mudanças do Direito produzidas pela sociedade, a Sociologia Operativa, fazendo o caminho inverso, investiga o efeito do Direito como regulador da ação social.

Seguindo essa linha, abordaremos a ação transformadora da sociedade sobre o Direito, bem como o Direito como agente transformador da sociedade. Procuraremos conceituar no que consiste a mudança social almejada e, finalmente, trataremos da efetividade do Direito, que diz respeito à capacidade de o Direito conservar ou transformar a sociedade.

2. Ação transformadora da sociedade sobre o direito

Atualmente, nos regimes democráticos, como é o caso do Brasil, a lei é elaborada e ditada pelos representantes dos cidadãos. Enquanto a luta das forças sociais se desenvolve obscuramente, dentro do Poder Legislativo a luta ocorre entre os representantes das diferentes forças políticas. As discussões travadas na assembléia legislativa entre seus representantes são a expressão das forças que lutam na penumbra para a manutenção de certos interesses. Assim, o regime democrático permite que essas forças se manifestem, assegurando entre elas a possibilidade de equilíbrio, de arranjos e transações, que costumam fazer a lei aceitável ou, pelo menos, tolerável para todos. Nesse sentido, o livre jogo das forças sociais dentro de um regime democrático, freqüentemente, dá lugar a uma abundância de leis e a uma grande mobilidade do Direito.

A opinião pública atua sobre a legislação de diversos modos. Em algumas situações, a opinião pública manifesta-se como uma força conservadora, acomodando-se facilmente ao Direito existente e se confundindo com o costume estabelecido. Isso ocorre sobretudo nas épocas normais da história, dificilmente ocorrendo nos períodos de crise. Já em outros casos, há o chamado “sobressalto da opinião pública”. Ou seja, um caso chama a atenção sobre a injustiça de uma lei estabelecida e, por isso, a opinião pública reclama sua reforma. A opinião pública manifesta-se sobre a legislação por meio de desfiles, meetings, discursos, artigos de jornais, cartazes, conversas privadas, cartas e e-mail às autoridades e aos membros do Poder Legislativo.

Cumpre ressaltar que a opinião pública é mutável, mudando de direção diante de novos fatos. Em certas ocasiões, uma resistência enérgica da parte do Poder Público pode debilitá-la. Entretanto, quando essa resistência se exerce contra um forte movimento de opinião pública, acaba exacerbando-o e levando-o a propugnar medidas de violência. Veja-se que nossa história recente é rica em exemplos, pois a conquista do regime democrático só pôde ser efetivada graças à força da opinião pública, a qual, por meio de suas mobilizações, demonstrava não suportar mais viver na ditadura.

Nesse diapasão, é inegável que os grupos sociais organizados têm mais forças para influir sobre a legislação. Há, em diversos países, organizações para a proteção de diferentes interesses; associações de proprietários de bens imóveis, rurais e urbanos, de inquilinos, de arrendatários, de agricultores. Outras organizações tratam de defender uma combinação de interesses morais e materiais, como, por exemplo, uma atividade profissional. Há outras que pretendem ajudar as autoridades públicas na defesa da família, dos bons costumes, da História, da Arte, etc. Entre essas associações há aquelas insignificantes, mas há também outras fortemente constituídas, com grande número de membros e simpatizantes, que costumam ser ouvidas pelo Poder Público a fim de alcançar as reformas que desejam ou evitar as inovações que temem.

Os partidos políticos também atuam sobre a legislação. Na definição de Recasen Siches, “O partido político é uma organização para a conquista do Poder do Estado com o propósito de dar a este uma melhor organização e para fazer com que o Direito mais se aproxime das exigências da justiça e do bem comum(1).” Frise-se que a força de um partido não é medida pelo número dos militantes ativos, mas pelo influxo que o partido obtém sobre a massa de pessoas que não atuam diretamente em política, mas que votam nas eleições e que contribuem para formar os movimentos de opinião pública.

Um partido político consegue eficácia espiritual principalmente em virtude de cinco fatores: a doutrina; o programa, que não se limita à defesa dos interesses do grupo que lhe deu vida, pois seu êxito depende da soma de vontades que se possa obter fora do partido; a organização; e a disciplina. Todavia, o mais importante é a popularidade que alcança.

Os partidos políticos desempenham inúmeras funções, entre elas: determinar mutuamente sua existência por contraste recíproco, pois todo partido existe em função de outro; concretizar as correntes de opinião pública; ser censores do Poder Público; impedir que a política se converta em sistema rígido de Poder; canalizar as pressões sociais; e atuar como órgão de transformação estatal e social.

Há, outrossim, medidas de hostilidade adotadas pela sociedade para influir sobre a legislação. Um exemplo disso é a greve. Trata-se de um instrumento de luta usado pelos empregados contra o patrão para obter deste melhores condições de trabalho. Quando a greve cumpre os requisitos estabelecidos no Direito do trabalho, é considerada como um meio legal de luta. Entretanto, algumas vezes as greves são feitas com desígnios políticos, a fim de compelir as autoridades ou o Poder Legislativo a ditarem determinada lei, a tomarem certas medidas legislativas, a não promulgarem uma lei ou deixarem de adotar medidas que haviam anunciado.

Além da greve, há outras formas de revolta, como o fechamento de armazéns e oficinas por comerciantes como protesto contra determinada medida legislativa; engarrafamento de trânsito provocado para que se derrogue uma lei; greves de contribuintes; etc. Essas medidas podem ser censuráveis do ponto de vista axiológico, mas devem ser registradas pelo sociólogo.

Há manifestações mais fortes de coação, como a ocupação de fábricas pelos operários, invasão de locais ou terrenos não habitados por pessoas que carecem de habitação, fechamento de ruas e estradas ao trânsito. Hodiernamente, são muitos os casos de invasão de terras e estradas pelos chamados “sem terras”. Embora se reconheça a urgência de uma melhor distribuição de terras em nosso país, há que se respeitar, sobretudo, o Estado Democrático de Direito. Não é possível que essas invasões ocorram de forma violenta, destruindo a propriedade alheia, e que ainda tenham o aval do Poder Judiciário. As condições para a desapropriação para a reforma agrária estão elencadas na Constituição Federal: são desapropriáveis os grandes latifúndios improdutivos mediante justa e prévia indenização. Desse modo, tais invasores, sob a máscara de reformadores e pregadores da justiça social, ao invadirem desenfreadamente propriedades públicas e privadas alheias estão provocando, isto sim, um retrocesso no Estado Democrático de Direito.

3. Mudança social

A mudança social tem sido definida como “qualquer alteração não repetível nos modos de conduta estabelecidos em ... sociedade(2)”. Ressalte-se que a ênfase é posta no que é peculiarmente social, o desenvolvimento de padrões de conduta significantemente diferentes em sociedade, novos modos de interação das pessoas. Se cessa a discriminação contra os negros nos empregos, e estes trabalham junto com os brancos, ocorreu uma mudança social, de fato, houve uma alteração na relação entre as raças. Já se os negros, simplesmente, ganham mais dinheiro, não se trata, aqui, de verdadeira mudança social, conforme a definição referida. Um aumento na receita é uma mudança econômica e, sem dúvida, conduz a uma mudança social digna de investigação empírica. Do mesmo modo, mudanças de atitudes não são mudanças sociais. No caso de os brancos assumirem melhores atitudes para com os negros houve uma mudança cultural (mudança em crenças, valores) ou, ainda, uma mudança psicológica. Tal mudança pode ou não conduzir a uma mudança no comportamento e esta, à mudança social. Uma mudança na ciência e na tecnologia também não é mudança social. É certo que algumas inovações científicas tiveram enorme impacto na vida social como, por exemplo, o automóvel, o aeroplano e a bomba atômica. Todavia, o invento não é uma mudança social por si mesmo. Ocorre mudança social somente quando há alterações reconhecíveis nos padrões correntes de interação das relações pessoa-a-pessoa, ou quando emergem e se estabelecem novas relações.

A mudança social está enraizada nos esforços conscientes das pessoas para resolver problemas mútuos, através de ações coletivas. Sabe-se que, ordinariamente, os homens não buscam maneiras de modelar seu comportamento, a não ser que os velhos modos lhe pareçam insatisfatórios e com necessidade de reconstrução. Assim, essa transformação emana da eleição consciente daqueles que empreendem a tarefa de buscar soluções satisfatórias para seus problemas. Não restam dúvidas de que o processo é eterno e sem fim. A humanidade acumula experiências de êxitos e fracassos, mobilizando recursos, definindo e redefinindo o problema, especificando metas.

Podemos ver a mudança social como um processo no qual, primeiramente, há a definição de um problema. Problemas são as condições reais ou imaginárias percebidas desse modo pelo público. De acordo com a perspectiva sociológica, não há problemas inerentes à realidade objetiva. A contaminação do ar, a segurança no trânsito, a reforma agrária, a saúde pública se convertem em problemas quando se elevam à consciência pública. Em segundo lugar, deve-se escolher os meios para aliviar o problema. Já em uma terceira etapa, os resultados dos meios escolhidos são apreciados e a situação é redefinida. Nesse processo, tem lugar a mudança social.

Embora siga padrões e seja acumulativa, a mudança social também é multilinear e descontínua. As instituições sociais estão constantemente evoluindo, mas de uma maneira preordenada, para um determinado fim. A mudança social não tem ritmo, não tem ciclos conhecidos; é insensível ao relógio. Assim exemplifica Harry M. Johnson a natureza acumulativa da mudança social na difusão da monogamia numa sociedade anteriormente poligâmica:

“A mudança não tem golpe. Em qualquer ponto dado de tempo durante a transição, a mudança que ocorre é uma mudança no número relativo de famílias monogâmicas e poligâmicas, e nas atitudes públicas para com as duas formas. A mudança terá sido completada, ao nível da sociedade, apenas quando as famílias poligâmicas forem olhadas amplamente como desviantes, sendo assim que os mecanismos de controle social entram em jogo para dispersá-las, ou para castigar as pessoas envolvidas.”

Em última análise, a mudança social significante se manifesta entre estratos, grupos ou papéis. Ou seja, a mudança social é mudança na estrutura social. A mudança estrutural, usualmente, envolve certa dose de conflito social.

4. O direito como instrumento de mudança social

Se como vimos anteriormente a sociedade é transformada pelo Direito, por outro lado, em todas as nações o Direito atua como um instrumento público crítico de mudança social. Entretanto, as considerações intelectuais em ciência social, em sua maioria, acentuam a função estática do Direito como controle social.

O Direito é um mecanismo institucional para ajustar as relações humanas com a finalidade de assegurar algumas metas sociais concretas. Um dos propósitos do Direito é a preservação da paz e da ordem na sociedade. Entretanto, lei e ordem são desejadas, não como um fim em si mesmas, mas como uma condição para a consecução de outros objetivos vitais. Assinale-se que é de grande importância o papel positivo que desempenha o Direito a fim de alcançar as prioridades sociais.

Nas democracias modernas, as regras e instituições legais são um ingrediente essencial da mudança social; são a força e autoridade da nação em sua tarefa, atribuição e reatribuição de recursos físicos e sociais (saúde, destreza, bem-estar, conhecimento, status) aos setores econômicos e aos estratos sociais da sociedade. O Direito reflete as percepções, atitudes, valores, problemas, experiência, tensões e conflitos da sociedade.

O Direito, naturalmente, responde à mudança social. Os processos legais refletem os problemas sociais, as insatisfações coletivas e a direção na qual se move a solução coletiva dos problemas, os interesses diversos e em conflito que se referem ao processo de tomada de decisões e, sobretudo, a natureza incremental da mudança social.

As mudanças podem ter lugar dentro desse domínio legal. Uma inovação legislativa despida dos meios de efetividade é simples mudança formal, não chegando a transformar nenhum comportamento exterior. Uma opinião judicial que agrega, refina ou muda algum aspecto de doutrina legal está, também, produzindo ao menos uma pequena mudança formal no direito.

Há que se traçar uma distinção entre mudança no Direito e mudança através do Direito. Uma mudança no Direito pode ser puramente formal e interna, afetando somente o comportamento dos atores do domínio legal. Por seu turno, a mudança através do Direito não é formal e interna, mas leva a modificação em modelos de comportamento no domínio do não legal.

O Direito, por meio da comunidade jurídica, atua na sociedade por meio da resolução dos conflitos (função de reação), por meio da direção do comportamento (função de ordem), da legitimação e organização do poder social (função constitucional), da configuração das condições vitais (função de planificação), do cuidado do Direito (função de supervisão).

Típico exemplo de tentativa de modificação da sociedade através do Direito são as normas constitucionais programáticas, as quais vão além da Constituição balanço apregoada por Lassalle(3) e tratam de anunciar um ideal a ser concretizado, estabelecem um plano para uma evolução política. As Constituições, ao refletirem mais que a realidade vigente na sociedade, ao normatizarem o dever-ser, impulsionam a sociedade para que torne concretas as metas estabelecidas.

Do mesmo modo, as leis (cíveis ou penais), ao aumentarem ou criarem uma sanção para determinada infração, têm por objetivo intimidar os possíveis agentes do delito e esclarecer aos demais cidadãos que a conduta lícita consiste no não-cometimento de delitos.

Em casos exacerbados, quando a lei está profundamente inadequada frente à realidade social, a futura legislação costuma ser antecedida pelas decisões dos tribunais. Nesse caso, o judiciário, como intérprete derradeiro, exerce sua função transformadora sobre a sociedade por meio de suas sentenças, respondendo, com isso, ao anseio social.

5. Efetividade do direito

Para que sejam alcançadas as mudanças através do Direito, urge que este seja dotado de maior efetividade. A efetividade do Direito não pode ser conseguida somente por meio da ameaça e da execução de sanções negativas. Geralmente os meios coativos conduzem só à imposição da norma, mas não ao seu acatamento. O Direito se torna mais eficaz quando é seguido normalmente por seus destinatários, sem que o Estado tenha que se utilizar de meios coativos. Desse modo, a efetividade do Direito depende, de forma decisiva, do acatamento voluntário dos submetidos ao Direito. Isto só pode ser alcançado fazendo com que as respectivas normas jurídicas se convertam em motivação da conduta. Somente assim podem ser modificadas as normas sociais contrapostas e originar, com isto, a mudança social. Semelhantes motivações jurídicas da conduta repousam no conhecimento do Direito, na consciência jurídica e no ethos jurídico.

O exíguo grau de conhecimento dos preceitos jurídicos é ameaçador para a efetividade do Direito. Hoje, o conhecimento do Direito constitui uma condição fundamental para um influxo eficaz das normas jurídicas na sociedade. O ideal seria que os cidadãos dispusessem de informações fundamentais (conhecimento das linhas fundamentais da Constituição do Estado, orientação geral sobre os fundamentos dos mais importantes âmbitos do Direito e conhecimento da possibilidade de alcançar conhecimentos mais detalhados); de informações que são indispensáveis tendo em conta as exigências de determinados papéis sociais; de informações que são necessárias para quando se tenha que tomar uma decisão (conhecimentos que são buscados em caso de necessidade). Entretanto, somente o conhecimento do Direito não é garantia da efetividade das normas jurídicas. Se há que se fazer muito para elevar o nível de informação jurídica, muito mais terá que se cuidar para prestar íntimo assentimento à norma, já que o melhor conhecimento é inútil se o destinatário da norma não está disposto a segui-la.

Do ponto de vista da ciência da experiência da aceitação de uma consciência jurídica, há que se trazer à colação dois aspectos: primeiro que em uma sociedade democrática a formação da opinião sobre o direito correto é uma condição da vida jurídica e, em segundo lugar, que as opiniões jurídicas supõem um limite às possibilidades de direção por parte da legislação e da jurisprudência. É, pois, tarefa da política jurídica cuidar da consciência jurídica dos submetidos ao Direito referente à norma jurídica e cuidar de seu íntimo assentimento como Direito correto. Se faltar o reconhecimento da norma como correta, os submetidos ao Direito tentarão não acatá-la, na medida do possível. A efetividade do Direito é, portanto, dependente da consciência jurídica.

Sem embargo, é impossível criar uma consciência jurídica a respeito das correspondentes regras de Direito particulares, já que não pode ser feita uma possessão cognoscitiva de todos os preceitos da matéria jurídica. Inclusive se pudéssemos colocar à disposição do indivíduo todas as normas jurídicas, não poderia este tomar posição com relação a algumas delas como, por exemplo, no que tange ao Direito das Coisas e ao Direito Hereditário, já que não tem compreensão para tanto. Há que se aspirar, por isso, uma ampla substituição da consciência jurídica pelo ethos jurídico. Contudo, estamos, de momento, bastante afastados desse novo ethos jurídico, especialmente porque falta a necessária confiança no aparato do Direito. Por conseguinte, no ethos jurídico radica o ponto de partida central de toda Política jurídica.

As medidas político-jurídicas de elevação da quota de efetividade do Direito devem se relacionar com o conhecimento jurídico, a consciência jurídica e o ethos jurídico dos submetidos ao Direito. Na maioria dos casos, sem dúvida, a norma jurídica penetra até o cidadão somente através do staff jurídico. A tomada de conhecimento da norma jurídica pelo cidadão particular se situa em segundo lugar com relação ao efeito mediato da informação. Há que se tratar, desse modo, em primeiro lugar, das medidas de política jurídica dirigidas imediatamente ao staff jurídico.

Uma melhor transmissão do conhecimento jurídico ao seu staff pode ser alcançada observando quatro princípios que foram elaborados levando em conta o conhecimento do Direito por parte da população, mas que aqui também são válidos, a saber: o princípio da economia legal, o princípio da linguagem legal compreensível, o princípio da ordem sistemática da matéria jurídica e o princípio da adequada publicação.

Para que o Direito seja efetivo, não depende somente do conhecimento e do acatamento formal, mas também do íntimo assentimento e de que o correspondente cumprimento se identifique com o pensamento. Para conseguir isto, no caso concreto, as decisões valorativas e as ponderações de oportunidade que estão atrás das normas têm que ser manifestadas e transmitidas de tal maneira que possam ser executadas pelos membros do staff jurídico. Hoje, as normas jurídicas não são feitas por especialistas, mas por políticos carentes de formação acadêmica. Mas, se a democracia deve funcionar como forma de Estado, então temos que exigir do staff jurídico pelo menos o ethos profissional, o submeter-se às decisões legalmente ou renunciar ao cargo.

Tal efetividade deve também ser acompanhada de medidas de respeito ao público. Se pretendermos eliminar o desconhecimento do Direito por parte do público, há que se deparar com o número excessivo de normas jurídicas e perguntar-se que matérias ou disposições específicas têm que ser conhecidas. Depois, devem ser formados, como na publicidade, grupos destinatários que sejam pertinentes. Assim, há que se observar, o mais escrupulosamente possível, os quatro princípios da informação jurídica. De acordo com o princípio da economia legal, os preceitos que devem ser conhecidos terão que ser mantidos em número e extensão menor possível. Conforme o princípio da compreensão da linguagem, as normas têm que ser formuladas de maneira que o leigo interessado possa entender. Atendendo ao princípio da ordenação sistemática, é preciso conseguir a compreensão por meio da ordenação da matéria, de epígrafes, preâmbulos. Entretanto, o decisivo é o princípio da promulgação (em oposição à publicação da lei no órgão oficial). Aqui podemos distinguir cinco técnicas diferentes de como se possa conseguir uma informação para os submetidos ao Direito: a disposição de preceitos formais, que deve prevenir aos que ignoram o Direito, a colaboração estatal nos atos jurídicos, o emprego de formulários oficiais, que possam ilustrar aos usuários sobre as possibilidades jurídicas, o requisito de um comprovante de capacidade, que pode depender de especiais conhecimentos do Direito, e a exigência de informação jurídica tanto por parte do Estado como por parte dos cidadãos.

Desse modo, há que se melhorar, em uma ampla extensão, o conhecimento do Direito por parte do público. São oferecidos aqui três caminhos: o trabalho de formação (classe de informação jurídica nas instituições formativas de todo o tipo e nos meios de comunicação de massas), trabalho dos órgãos públicos (de Parlamentos, postos de governo e da administração, assim como a Justiça) e incorporação dos cidadãos na formação da vontade da administração ou no processo político-jurídico.

Toda a aquisição de conhecimentos jurídicos é, sem dúvida, inútil se não conseguimos criar uma consciência jurídica correlativa. Isto depende de que se internalizem as decisões de valor que estão por trás das normas. Devem ser transmitidos, por conseguinte, os modelos do ordenamento jurídico, já que toda a aprendizagem se realiza seletivamente segundo modelos. Nesse sentido devemos advertir que não é suficiente acentuar o direito da liberdade de expressão ou da liberdade de imprensa, sem ao mesmo tempo assinalar os necessários limites desses direitos e das obrigações da imprensa. Também não é suficiente propagar o princípio da igualdade de tratamento e, com ele, a proibição de discriminação, sem deixar claro a admissão de diferenças objetivas e sua necessidade para a ordem de uma sociedade livre. Um quadro irreal dos dados e das possibilidades do Direito pode atuar com efeitos desastrosos sobre a consciência e o ethos jurídico, assim que os afetados se confrontem com a realidade, podendo ocasionar, assim, danos imprevisíveis, desde a dimensão sociopsicológica, já que desta maneira os homens são programados falsamente, de um ponto de vista ideológico, o que atua desintegradoramente, em lugar de socializar.

Em última análise, mais importante que a transmissão dos modelos corretos do Direito é o necessário ethos jurídico, sem o qual nenhum Estado pode perdurar. Só assim é possível superar aquela utópica atitude de protesto e aquele desagrado contra o Estado que é resultado de uma falsa aspiração de justiça absoluta. As regras do jogo podem, e devem, ser postas sempre em questão. Mas a consciência jurídica crítica deve estar unida com um ethos jurídico verdadeiramente democrático, que se incline ante o procedimento de legitimação dos processos jurídicos de decisão. De outra forma, não se pode garantir uma ordem jurídica em liberdade.

Na verdade, Direito e sociedade estão constantemente a se influenciar mutuamente. A sociedade, ainda com o Direito bruto, procura, por meio do Estado, o Direito dos juristas (incluindo aí juristas, advogados, jurisconsultos). Como conseqüência, temos o Direito legislado, o qual volta à sociedade como Direito vivido, e o processo assim continuará, infinitamente, enquanto houver lei ditando a convivência social e sociedade adaptando as linhas da lei à realidade vigente.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

MACHADO NETO, A. L.; MACHADO NETO, Zahidé. O Direito e a Vida Social. Salvador: Livraria Progresso, 1957. 290 p.

REHBINDER, Manfred. Sociologia Del Derecho. Madrid: Piramide, 1981. 197 p.

SOUTO, C. & Falcão, J. Sociologia e Direito. São Paulo: Pioneira, 1980. 345p.

LASSALLE, Ferdinand. A essência da Constituição. 2. ed. Rio de Janeiro: Liber Juris, 1988.

NOTAS DE RODAPÉ

1. MACHADO NETO, A . L. ; MACHADO NETO, Zahidé. O Direito e a Vida Social.

2. FRIEDMAN, Lawrrence; LADINSKY, Jack. O direito como Instrumento de Mudança Social Incremental.

3. Lassalle, Ferdinand. A essência da Constituição. 2. ed. Rio de Janeiro: Liber Juris, 1988.
“Quando podemos dizer que uma constituição escrita é boa e duradoura? A resposta é clara e parte logicamente de quanto temos exposto: Quando essa constituição escrita corresponder à constituição real e tiver suas raízes nos fatores do poder que regem o país.”


REVISTA DE DOUTRINA DA 4ª REGIÃO
PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRF DA 4ª REGIÃO - EMAGIS