Racionalidade na concretização judicial de direitos sociais originários: o papel do princípio da universalidade na ponderação de princípios(1)

Autor: Andrei Pitten Velloso
(Juiz Federal)

| Artigo publicado em 19.11.2005 |

 

Introdução

As concepções da distinção entre princípios e regras e da ponderação de princípios formuladas por Ronald Dworkin e desenvolvidas por Robert Alexy vêm sendo amplamente empregadas na argumentação jurídica para a solução de questões jusfundamentais, notadamente nas decisões judiciais atinentes à concretização de direitos individuais e sociais.

Dworkin considera que a dicotomia entre regras e princípios jurídicos se baseia numa distinção lógica. Apesar de ambos apontarem para uma decisão particular sobre obrigações jurídicas em circunstâncias particulares, diferem no caráter da direção que dão, pois as regras são aplicáveis de maneira disjuntiva, num modo “tudo-ou-nada” (in all-or-nothing fashion), conferindo uma resposta precisa a uma situação específica, enquanto dos princípios jurídicos não se seguem automaticamente conseqüências jurídicas predeterminadas, pois estes se limitam a dispor sobre uma razão que indica uma direção, sem exigir uma decisão em particular. A segunda diferença reside no fato de que os princípios, diversamente das regras, conceitualmente têm uma dimensão de peso ou importância, que influenciará a decisão quando da ocorrência de conflito de princípios. Desse modo, o conflito de regras resolve-se, por carecerem de uma dimensão de peso, no plano da validade, devendo ser declarada inválida uma das regras colidentes, enquanto o conflito de princípios é resolvido em função dos seus pesos e das suas importâncias no caso concreto(2).

Robert Alexy, o qual considera que a distinção entre regras e princípios é o marco de uma teoria normativo-material dos direitos fundamentais(3), adota, inicialmente, a concepção de Dworkin, no sentido de que a aludida distinção é de ordem qualitativa(4). No entanto, considera que a posição deste autor, de que todas as regras têm um mesmo caráter definitivo, sendo aplicáveis in all-or-nothing fashion, peca por sua simplicidade, pois também as regras têm um caráter prima facie, conquanto diverso do dos princípios(5), em virtude de ser possível, num caso concreto regido por um ordenamento jurídico “brando(6)”, introduzir uma cláusula de exceção(7), com base numa regra ou num princípio(8), hipótese em que a regra perde o seu caráter definitivo para a solução do caso(9)(10).

Não obstante as concepções de Dworkin e de Alexy sejam amplamente utilizadas na argumentação jurídica, freqüentemente se verificam distorções graves quando empregadas a casos específicos. Os problemas da concretização dos direitos fundamentais sociais prestacionais originários(11), levada a efeito com base no sistema de ponderação de princípios de Alexy, exsurgem nítidos com a análise de casos julgados freqüentemente pelo Poder Judiciário. Por tal razão, será desenvolvido o enfoque do tema a partir de um acórdão paradigmático, que traz à luz a complexidade da concretização, pelo Poder Judiciário, de direitos sociais não reconhecidos pelo legislador ordinário.

O precedente escolhido é o acórdão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, prolatado na Apelação Cível n. 261.220, que foi ementado nos seguintes termos:

“AÇÃO CIVIL PÚBLICA - LEGITIMIDADE PASSIVA: INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO - HARDCASE (CASOS DIFÍCIES) - CONFLITUOSIDADE ENTRE PRINCÍPIOS - UTILIZAÇÃO DE METÓDICA DE CONCRETIZAÇÃO CONSTITUCIONAL - CARÁTER PRIMA FACIE DOS PRINCÍPIOS - MODELO SÍNTESE DE PONDERAÇÃO DE PRINCÍPIOS. 1.- Ação civil pública para defesa da saúde da criança, enferma de doença rara ‘puberdade precoce verdadeira’, cujo tratamento medicamentoso é de elevado preço, não pode ser interrompido e a família da menor não reúne condições econômicas para custeá-lo. 2.- As normas processuais - tais como as que definem a legitimidade passiva - devem ser entendidas em harmonia com o direito material, sobretudo a Constituição. In casu, ao tempo em que ajuizada a demanda, urgia-se de um lado a necessidade imediata de ações concretas do Estado para proteção da saúde e vida de uma criança de um ano e dez meses, sendo que de outro lado nos deparávamos com um momento ainda inicial de implantação dessa rede de serviços de saúde, onde a distribuição de competências, ações e principalmente a estruturação econômica do SUS não se apresentavam adequadamente definidas, fatos esses que tornavam justificável a dúvida de quem deveria figurar no pólo passivo da ação (União ou INSS). Nesse quadro, razoável o endereçamento da ação em face do INSS (autarquia especializada em seguridade social). 3.- No caso concreto, é possível que a criança tenha direito a receber tutela jurisdicional favorável a seu interesse, com fundamento em princípios contidos na Lei Maior, ainda que nenhuma regra infraconstitucional vigente apresente solução para o caso. Para a solução desse tipo de caso, denominado por R. Dworkin como hard case (caso difícil), não se deve utilizar argumentos de natureza política, mas apenas argumentos de princípio. 4.- O pedido de fornecimento do medicamento à menor (direito a prestações estatais stricto sensu - direitos sociais fundamentais), traduz-se, in casu, no conflito de princípios: de um lado, os da dignidade humana, de proteção ao menor, do direito à saúde, da assistência social e da solidariedade e, de outro, os princípios democrático e da separação dos Poderes. 5.- A concretização das normas constitucionais implica um processo que vai do texto da norma (do seu enunciado) para uma norma concreta - norma jurídica - que, por sua vez, será um resultado intermediário em direção à norma decisão (resultado final da concretização). (J.J Gomes Canotilho e F. Müller). 6.- Pelo modelo síntese de ponderação de princípios (Alexy), o extremo benefício que a determinação judicial para fornecimento do medicamento proporciona à menor faz com que os princípios constitucionais da solidariedade, da dignidade humana, de proteção à saúde e à criança prevaleçam em face dos princípios democrático e da separação de poderes, minimamente atingidos no caso concreto. 7.- Apelo improvido(12).”

Esse acórdão, minuciosamente elaborado com respaldo em juristas de renome, foi proferido no julgamento de apelação interposta pelo INSS e de reexame necessário. Tratava-se de uma ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal e pelo Ministério Público Estadual, em que era postulada a condenação do INSS ao fornecimento de tratamento medicamentoso altamente expensivo (uma ampola de Neo-decapeptyl a cada vinte e oito dias) para uma criança de um ano e dez meses, que sofria de uma moléstia rara: puberdade precoce verdadeira. Essa decisão poderia ser analisada sob diversos ângulos, sendo que restringiremos o enfoque àqueles aspectos que apresentam relevância para a aplicação do esquema de ponderação de princípios formulado por Alexy, que foi utilizado para a obtenção da “norma do caso”.

O relator, após classificar o caso como um hard case, sustenta, com base em Dworkin, que, nos casos difíceis, deve utilizar-se de argumentos de princípio e não de natureza política, ressaltando que estes seriam empregados numa decisão que, objetivando mudar a política de saúde que vem sendo adotada pelo governo, importasse na realocação de recursos públicos:

“De fato, argumentos políticos justificam uma decisão também política e que deve favorecer ou proteger metas coletivas da comunidade. Dessa forma, devem ser utilizados pelos governantes (Poder Executivo) para justificar seus atos. Apenas para exemplificar com a situação da lide em exame, seria utilizar argumento político em decisão judicial para tentar justificar a mudança na política da saúde que vem sendo adotada pelo governo. A alocação de recursos públicos em relação aos objetivos e fins do Estado constitui atividade típica do governo e, não obstante, dotada de discricionariedade, traduz-se por discurso eminentemente fundado em argumentos de natureza política, os quais – como ressaltamos – são impertinentes em sede de demandas individuais em que se postulam direitos a prestações específicas do Estado (direito ao fornecimento de remédio às crianças enfermas)”.

Vislumbrou o Juiz Relator que a situação fática se traduziria em conflito dos seguintes princípios: dignidade da pessoa humana, proteção ao menor, proteção à saúde, assistência social e solidariedade contra os princípios formais da separação dos poderes e democrático. A “decisão do caso” teve como critério o peso dos princípios conflitantes, considerando haver um “imenso benefício – vital, literalmente – ao necessitado, quando confrontado com o inexpressivo abalo aos princípios democrático e da separação dos poderes”, e que os princípios que militam em favor da proteção à menor e à saúde, caso concretizados, não ocasionariam grande lesão aos princípios democrático e da separação dos poderes. Foi utilizado, ainda, um caso hipotético – uma ação coletiva promovida pelos habitantes da cidade de Ribeirão Preto visando à obtenção, perante os Poderes Públicos, de assistência médica em padrão hoje apenas fornecido por planos de saúde particulares e fornecimento de medicamentos à população –, no qual não seria viável a superação desses princípios formais, porquanto, com a realocação de recursos financeiros destinados a outros objetivos sociais, haveria ingerência do Judiciário na formação das políticas públicas do governo e, também, porque a decisão “teria que adotar argumentos políticos e não apenas argumentos de princípios, o que consideramos não é função do juiz”.

Embora a questão concernente à conceituação e ponderação dos princípios jurídicos seja significativamente polêmica, ocupando grande espaço nas discussões de Direito Público contemporâneas, não pretendemos adentrar na celeuma. Aqui será utilizada a expressão “princípios jurídicos” segundo a conceituação dada por Dworkin e ulteriormente desenvolvida por Alexy, que, além de ser amplamente difundida, é a base da teoria dos direitos fundamentais deste, a qual será objeto de exame.

O trabalho será dividido em duas partes: na primeira, serão abordadas as teorias da argumentação jurídica e dos direitos fundamentais de Alexy com vistas especificamente ao princípio da universalidade; na segunda, será analisada a concretização, pelo Poder Judiciário, dos direitos sociais originários à luz do princípio da universalidade, de modo a evidenciar a sua indiscutível complexidade, mormente naqueles casos em que haja restrições orçamentárias e fáticas.

Pretende-se primordialmente contribuir para o desenvolvimento da problemática da concretização dos direitos sociais prestacionais originários, a qual, apesar de ser objeto de inúmeros estudos de inegável qualidade, ainda carece de importantes precisões.

I - Teorias da argumentação jurídica e dos direitos fundamentais e o princípio da universalidade

1. Teoria da argumentação jurídica

1.1 Considerações gerais sobre a teoria da argumentação jurídica de Alexy

Para Alexy, a discussão ética atual mostrou que não são possíveis teorias morais materiais, que forneçam uma única resposta, mas que são possíveis teorias morais procedimentais, que formulam regras ou condições da argumentação ou da decisão prática racional. A vantagem da teoria do discurso consiste em que é muito mais fácil fundamentar as suas regras do que as regras morais materiais. Uma versão especialmente promissora de uma teoria moral procedimental seria a do discurso prático racional, que Alexy desenvolve em sua “Teoria da Argumentação Jurídica”, baseado na teoria do discurso prático de Habermas.

Segundo Alexy, o ponto de partida da teoria da argumentação jurídica é que, na fundamentação jurídica, do que se trata sempre é de questões práticas, é dizer, do que está ordenado, proibido e permitido. Por isso, o discurso jurídico é um caso especial do discurso prático geral(13). Como tal, está caracterizado pelo fato de que se leva a cabo sob uma série de condições restritivas que brevemente podem ser chamadas de sujeições à lei, ao precedente e à dogmática(14). Entretanto, essas sujeições não conduzem, em todos os casos, a um só resultado, o que consubstancia uma deficiência que não pode ser superada no nível da teoria moral, sendo necessário vincular a teoria da moral com a teoria do direito. Essa vinculação é possível dentro do marco de um modelo procedimental de quatro graus: 1) o discurso prático geral; 2) o procedimento legislativo; 3) o discurso jurídico; e 4) o procedimento judicial(15).

O sistema de regras do discurso prático geral formula um código geral da razão prática, mas, pelos limites do conhecimento prático, não conduz em cada caso a um só resultado, o que é necessário para a resolução de conflitos sociais. Conjuga-se aos limites do conhecimento prático a necessidade de coação, tornando necessária a institucionalização de uma ordem jurídica. O procedimento legislativo é um procedimento institucionalizado de criação do direito em que não só se argumenta, mas também se decide. É justificável dentro do marco do primeiro procedimento. Mas tampouco fornece uma só solução, fundamentando a necessidade de um terceiro procedimento. O discurso jurídico não está institucionalizado, mas se encontra sujeito à lei, aos precedentes judiciais e à dogmática, o que diminui sensivelmente a insegurança do discurso prático geral, mas também não elimina totalmente a segurança do resultado. Assim, evidencia-se a necessidade do quarto grau, que é o procedimento judicial. Este é institucionalizado em sentido estrito, sendo que, como no legislativo, não só se argumenta, mas também se decide. Seus resultados são razoáveis se suas regras e sua realização satisfazem as exigências dos três primeiros procedimentos, com observância das sujeições(16).

Especificamente em relação às bases da argumentação jusfundamental, Alexy sustenta que desaparece o fator de sujeição mais importante, a lei ordinária, pois a argumentação jusfundamental não está sujeita às decisões tomadas no procedimento legislativo. Em seu lugar aparecem disposições jusfundamentais, que são muito abstratas, abertas e ideologizadas. Ao invés da sujeição à lei, há a sujeição ao texto das disposições jusfundamentais e à vontade do legislador constitucional. Há sujeição, também, aos precedentes, que formam uma rede relativamente ampla e densa de regras prima facie, pelo princípio da universalidade, sendo que, para não aplicá-los, há que se livrar da carga de argumentação. A terceira base da argumentação jusfundamental é a dogmática, sendo que Alexy considera as teorias materiais, que são as teorias gerais, possuindo um grau relativamente alto de abstração. São fundamentadas fazendo referências às disposições jusfundamentais e aos precedentes, mas são algo mais. Não são apoiadas pela autoridade, mas pela argumentação. Essas teorias somente são possíveis como uma teoria dos princípios, associada a uma correspondente teoria axiológica dos direitos fundamentais, baseada nas decisões do Tribunal Constitucional Federal. Mas, diversamente de Dworkin, Alexy afirma que essa teoria nunca poderá fornecer uma solução em cada caso, pois, para tanto, deveria haver uma relação concreta de prioridade para cada caso(17).

Já o processo da argumentação jurídica, significativamente complexo, será referido apenas naquilo que interessa ao caso concreto, ou seja, no que apresenta pertinência com o princípio da universalidade.

1.2 Princípio da universalidade

É o princípio da universalidade basilar tanto para a teoria da argumentação jurídica como para a teoria dos direitos fundamentais de Alexy, sendo especificado em inúmeras regras.

Tratando das regras e formas do discurso prático geral, que constitui o marco dentro do qual se justifica o discurso jurídico, Alexy classifica-as do seguinte modo: regras fundamentais, regras da razão, regras sobre a carga da argumentação, as formas de argumentos, as regras de fundamentação e as regras de transição(18).

A validade das regras fundamentais é condição para qualquer comunicação lingüística em que se trate da verdade ou da correção. Essas regras enunciam os princípios de não-contradição, sinceridade, universalidade e uso comum da linguagem(19). São as seguintes:

(1.1) Nenhum falante pode se contradizer.

(1.2) Todo falante só pode afirmar aquilo em que ele próprio crê.

(1.3) Todo falante que aplique um predicado F a um objeto a deve estar disposto a aplicar F também a qualquer outro objeto igual a a, em todos os aspectos relevantes.

(1.4) Falantes distintos não podem usar a mesma expressão com significados distintos(20).

A regra (1.3) refere-se à coerência do falante, sendo uma formulação do princípio da universalidade de Hare. Aplicando-se a expressões valorativas, (1.3) adota a seguinte forma:

(1.3´) Todo falante só pode afirmar aqueles juízos de valor e de dever que afirmaria assim mesmo em todas as situações nas quais afirme que são iguais em todos os aspectos relevantes(21).

A regra fundamental da universalidade encontrará, no bojo de sua teoria da argumentação jurídica, especificações nas regras sobre a carga da argumentação e nas regras de fundamentação.

Entre as regras sobre a carga da argumentação, cujo sentido é o de facilitar a argumentação, Alexy formula a seguinte:

(3.1) Quem pretende tratar uma pessoa A de maneira diferente da adotada para uma pessoa B está obrigado a fundamentar isso(22).

Essa regra é uma conseqüência de (1.3´) e das regras da razão que estabelecem a igualdade de todos os participantes do discurso.

Nas regras de fundamentação, Alexy formula três variantes do princípio da universalidade (que Habermas considera, no discurso prático, equivalente ao princípio da indução no discurso teórico), que se ligam, respectivamente, às concepções de Hare (troca de papéis), de Habermas (princípio do consenso) e de Baier (princípio da publicidade)(23):

5.1.1) Quem afirma uma proposição normativa que pressupõe uma regra para a satisfação dos interesses de outras pessoas deve poder aceitar as conseqüências dessa regra também no caso hipotético de que se encontrasse na situação daquelas pessoas.

5.1.2) As conseqüências de cada regra para a satisfação dos interesses de cada um devem poder ser aceitas por todos.

5.1.3) Toda regra deve poder ser ensinada de forma aberta e geral.

Especificamente no que concerne à teoria da argumentação jurídica, Alexy refere, na justificação interna – a qual trata da aferição de a decisão decorrer logicamente das premissas que são aduzidas como fundamentação –, que:

J.2.1) Para a fundamentação de uma decisão jurídica, deve-se apresentar, pelo menos, uma norma universal.

J.2.2) A decisão jurídica deve decorrer logicamente de, pelo menos, uma norma universal, junto com outras proposições(24).

O princípio da universalidade, que permeia toda a teoria da argumentação jurídica de Alexy, é um elemento basilar também de sua teoria dos direitos fundamentais, concretizando-se na lei de colisão.

2. Teoria dos direitos fundamentais

2.1. Colisão de princípios e lei de colisão

A noção de princípios e a importância da distinção entre princípios e regras para a teoria normativo-material dos direitos fundamentais de Alexy já foram referidas na introdução, cabendo agora abordar as questões atinentes à colisão de princípios e à lei de colisão.

Em virtude de não haver hierarquia entre os princípios constitucionais, a prevalência de um determinado princípio perante outro que lhe seja conflitante será determinada pelos pesos que possuem no caso concreto. Assim, a colisão de princípios é resolvida na dimensão de peso, estabelecendo-se uma “relação de precedência condicionada”, com a indicação das condições sob as quais um princípio precede ao outro(25).

Para ilustrar essa relação de precedência condicionada, Alexy formula um enunciado de preferência(26) nos seguintes termos:

(P1PP2) C(27)

Em virtude do princípio da universalidade, de toda relação de precedência condicionada é possível extrair uma regra que tem “C” como suporte fático e a conseqüência jurídica que resulta de “P1” sob as circunstâncias “C”, representada por “R”, como conseqüência de “C”, que pode ser assim representada:

C à R(28)

Assim, Alexy formula a “lei de colisão”, atinente à conexão de relações de precedências condicionadas e regras, na seguinte forma sintética: “las condiciones bajo las cuales un principio precede a otro constituyen el supuesto de hecho de una regla que expresa la consecuencia jurídica del principio precedente(29)”.

Relativamente ao princípio da universalidade, concretizado na lei de colisão, Alexy assevera que: “En virtud del principio de universabilidad, de cada decisión del TCF puede obtenerse una regla de decisión más o menos concreta referida al caso decidido. (...) Cuando los casos son suficientemente iguales, tales reglas de decisión son siempre aplicadas(30)”. Portanto, “si se resumen todas las reglas de decisión del Tribunal Constitucional Federal, se obtiene una red relativamente amplia y densa de normas(31)”.

2.2. Ligação da teoria dos direitos fundamentais à teoria da argumentação jurídica

A lei de ponderação e a lei de colisão, por se revestirem de um caráter estritamente formal, não servem à determinação do princípio prevalente, tampouco embasam essa determinação, o que levou alguns críticos de Alexy a sustentarem que não passariam de “fórmulas vazias”. Este, ao responder a tais críticas, sustenta que a lei de ponderação(32) – apesar de, por si só, não servir à aferição da correção da ponderação(33) – não é uma fórmula vazia, pois “el modelo de ponderação como un todo proporciona un criterio al vincular la ley de ponderación con la teoria de la argumentación jurídica racional. La ley de ponderación dice qué es lo que tiene que ser fundamentado racionalmente(34).

Ou seja, o controle da ponderação é efetivado na fundamentação do enunciado de preferência. Aí assume relevo a teoria da argumentação jurídica, que norteará a fundamentação. E a fundamentação poderá ser: 1 - não referida especificamente à ponderação, em que podem ser utilizados todos os argumentos possíveis na argumentação jusfundamental, à exceção dos argumentos semânticos, em virtude de que, com a constatação da colisão, já se decidiu, com base no texto literal, acerca da aplicabilidade das normas em questão; 2 - referida especificamente à ponderação, ou seja, à lei de ponderação. Note-se que a fundamentação relativa à ponderação, como observa Alexy, é de extremo relevo, pois, se só existissem argumentos não referidos especificamente à ponderação, poder-se-ia renunciar ao enunciado de preferência e referir a fundamentação exclusivamente à regra que dele se segue(35).

No que tange ao princípio da universalidade, Alexy, ao rebater as críticas de que as ponderações levariam a decisões particulares, é expresso no sentido de que “de acuerdo con la ley de colisión, sobre la base de la decisión de ponderación, siempre es posible formular una regla. Por ello, la ponderación en el caso particular y la universalidad no son inconciliables. Están vinculadas en el aquí sostenido modelo de la ponderación(36).

II – Princípio da universalidade e direitos sociais prestacionais originários

As considerações acerca do princípio da universalidade tecidas no capítulo anterior destinaram-se a evidenciar a necessidade de observância desse princípio nas ações em que seja postulado o reconhecimento de direitos sociais prestacionais originários, o que apresenta conseqüências de vulto. Abordar-se-ão, aqui, as implicações desse princípio, tarefa que demanda, contudo, certas considerações prévias sobre óbices ao reconhecimento, por parte do Poder Judiciário, dos direitos prestacionais originários, os quais assumem um significado ainda maior, quando, por força do princípio da universalidade, o conflito levado ao Judiciário é apreciado em suas reais proporções.

1. Limitações jurídicas e fáticas e princípios materiais colidentes

A decisão comentada considerou que seu cumprimento não demandaria a realocação de recursos. No entanto, essa assertiva não pode ser feita em abstrato, ou seja, sem a análise das disponibilidades financeiras e das alocações orçamentárias, o que pode denotar a necessidade de realocação de recursos e, assim, a existência de princípios materiais colidentes.

Como visto, Alexy conceitua os princípios, ao distingui-los das regras, como mandamentos de otimização dentro das possibilidades fáticas e jurídicas existentes(37), as quais são determinadas pelas três máximas parciais da máxima da proporcionalidade. Da máxima da proporcionalidade em sentido estrito, do mandado de ponderação, decorre a relativização em relação às possibilidades jurídicas; das máximas da necessidade e da adequação, a relativização no que concerne às possibilidades fáticas(38).

Não obstante o jurista alemão restrinja as possibilidades fáticas, que integram o próprio conceito de princípio, àquelas decorrentes das máximas parciais da necessidade e da adequação, não desconsidera a limitação fática consubstanciada na escassez de recursos, que leva à colisão entre direitos fundamentais sociais e bens coletivos(39) e que, por idênticas razões, levará à colisão entre direitos fundamentais sociais. Essa é a razão de elencar empecilhos não só formais à concretização de direitos sociais, mas também materiais, consubstanciados nas normas que dispõem sobre direitos de liberdade, direitos fundamentais sociais e bens coletivos.

Para evidenciar esse ponto, cumpre referir, novamente, o modelo de ponderação de princípios de Alexy que o acórdão comentado supostamente aplicou. Como sustenta esse autor, os argumentos contrários à concretização dos direitos fundamentais sociais podem ser agrupados em dois argumentos complexos, um formal e outro material(40). O argumento formal, como assinala, leva a um suposto dilema: se os direitos fundamentais sociais são vinculantes, conduzem a um deslocamento da competência para a determinação da política social do parlamento para o Tribunal Constitucional(41); se não são vinculantes, conduzem a uma violação da cláusula de vinculação do artigo 1, parágrafo 3º, da Lei Fundamental. O argumento material aduz que os direitos sociais fundamentais são inconciliáveis com normas constitucionais materiais, a saber: normas que conferem direitos de liberdade e direitos fundamentais sociais e dispõem sobre bens coletivos. Alexy supera o dilema do argumento formal por seu modelo de direitos fundamentais sociais, cuja idéia retora formal é a de que, desde o ponto de vista do direito constitucional, os direitos fundamentais são tão importantes que sua outorga não pode restar ao arbítrio da simples maioria parlamentária(42). Segundo esse modelo, que serve para superar o argumento material,

la cuestión acerca de cualés son los derechos fundamentales sociales que el individuo posee definitivamente es una cuestión de la ponderación entre principios. Por un lado se encuentra, sobre todo, el principio de la libertad fáctica. Por el otro, se encuentran los principios formales de la competencia de decisión del legislador democráticamente legitimado y el principio de la división de poderes, como así también principios materiales que, sobre todo se refieren a la libertad jurídica de otros pero, también, a otros derechos fundamentales sociales y a bienes colectivos(43)
.

Após referir que o modelo não diz quais direitos fundamentais sociais definitivos o indivíduo tem, assinala que é viável dar uma resposta geral: “Habrá que considerar que una posición de prestación jurídica está definitivamente garantizada iusfundamentalmente si (1) la exige muy urgentemente el principio de la libertad fáctica y (2) el principio de la división de poderes y el de la democracia (que incluye la competencia presupuestaria del parlamento) al igual que (3) principios materiales opuestos (especialmente aquellos que apuntam a la libertad jurídica de otros) son afectados en una medida relativamente reduzida a través de la garantia iusfundamental de la posición de prestación jurídica y las decisones del Tribunal Constitucional que la toman en cuenta(44)
. Em seguida, sintetiza essa idéia nos seguintes termos: “De acuerdo com el modelo, el individuo tiene un derecho definitivo a la prestación cuando el principio de la libertad fáctica tiene un peso mayor que los principios formales y materiales tomados en su conjunto(45)”.

Embora Alexy sustente que “el ámbito de las posibilidades jurídicas es determinado por los principios y regras opuestos(46), de modo que os princípios materiais colidentes – que embasam direitos de liberdade, direitos fundamentais sociais ou bens coletivos – poderiam ser determinados em abstrato, sem análise das possibilidades fáticas, naquelas hipóteses em que a colisão com princípios materiais diversos ou que embasem direitos de titularidade de outrem seja decorrente da limitação de recursos financeiros para a satisfação dos direitos sociais prestacionais – como ocorre na colisão entre direitos sociais –, quando haverá necessariamente determinação de uma prevalência, mesmo que condicionada e parcial, entre estes, é certo que a determinação dos princípios opostos demandará a prévia análise das possibilidades fáticas.

Nessas hipóteses, as limitações fáticas, entre outros fatores, serão determinantes dos princípios materiais a serem considerados na ponderação. Esse é um ponto essencial para o desenvolvimento da questão, que carece de precisões sobre o cumprimento e a fundamentação das decisões judiciais que reconhecem direitos sociais prestacionais originários.

2. Direitos sociais prestacionais e despesas públicas

A concretização dos direitos sociais prestacionais não pode ser realizada pelo Poder Judiciário “às cegas”, desconsiderando absolutamente as regras e princípios orçamentários e, ainda, as disponibilidades fáticas do cumprimento de suas decisões. Essa apreciação, no entanto, não é uma tarefa simples, porquanto carece da análise de inúmeros fatores.

Há quatro hipóteses básicas que podem ser verificadas no que concerne às restrições das possibilidades jurídicas e fáticas à concretização de direitos sociais prestacionais representadas pelas regras orçamentárias e pela escassez de recursos: 1) há recursos suficientes “nos termos da normatividade constitucional” e não se verifica a “exaustão da capacidade orçamentária(47); 2) não há recursos suficientes “nos termos da normatividade constitucional”, mas tampouco se verifica a “exaustão da capacidade orçamentária”; 3) não há recursos suficientes “nos termos da normatividade constitucional” e ocorre a “exaustão da capacidade orçamentária”; 4) há recursos suficientes “nos termos da normatividade constitucional”, mas inexiste capacidade orçamentária. A terceira e a quarta hipóteses podem, ainda, ser subdivididas considerando-se a extensão da exaustão orçamentária: se a insuficiência for para o cumprimento de todas as despesas orçamentárias conjugadas às necessárias à concretização do direito reconhecido judicialmente, o que caracteriza as hipóteses 3-1) e 4-1); ou se a insuficiência for tão significativa que inviabilize a realização das despesas necessárias à concretização do direito reconhecido judicialmente consideradas isoladamente, o que configura as hipóteses 3-2) e 4-2). Essas hipóteses podem ser aplicadas: a) à concretização de direitos sociais prestacionais reconhecidos por decisões judiciais específicas; ou b) à concretização de direitos sociais prestacionais reconhecidos por decisões judiciais específicas e à daqueles direitos que, por força da lei de colisão, são reconhecidos por tais decisões, mesmo sem poderem ser exigidos da Administração com base nestas(48), por não estarem inseridos entre os limites da coisa julgada e, tampouco, abrangidos pela eficácia da decisão. Poderiam ser, ainda, formuladas hipóteses conjugando-se as situações “a)” e “b)”, de modo a considerar a disponibilidade orçamentária para a concretização dos direitos reconhecidos por decisões específicas e daqueles análogos. As ponderações que seguem neste tópico podem, em princípio, ser aplicadas tanto às situações “a)” e “b)”, demandando certas distinções que serão referidas no tópico “4”.

Havendo recursos suficientes “nos termos da normatividade constitucional” e inocorrendo “exaustão orçamentária” – ou seja, na hipótese “1)”, cuja ocorrência não se verifica com freqüência –, não ocorrerá qualquer restrição, em virtude da escassez de recursos, a princípios e a regras orçamentários ou que embasem direitos de outros titulares, os quais serão devidamente observados, motivo pelo qual não serão objeto da argumentação jusfundamental e tampouco deverão figurar no enunciado de preferência(49).

A questão assume certa complexidade na hipótese “2)”, quando, para a satisfação dos direitos sociais reconhecidos, não há recursos “nos termos da normatividade constitucional” e há disponibilidade de caixa, pois a concretização do princípio do direito à saúde demandaria a inobservância de regras e princípios constitucionais orçamentários. Ao enfocar tal hipótese, sob o viés da colisão entre os princípios da sujeição da Administração às decisões do Poder Judiciário e o princípio da legalidade da despesa pública, Eros Roberto Grau, aplicando concepção que poderia ser enquadrada no “modelo puro de princípios” aludido por Alexy(50), considera que as regras orçamentárias deveriam ser simplesmente afastadas e que preponderaria, em todas as situações, o princípio da sujeição da Administração às decisões do Poder Judiciário perante o princípio da legalidade da despesa pública. Na realidade, essa é uma ponderação que somente deve ser levada a cabo naqueles casos em que a decisão judicial tenha sido prolatada sem atentar às restrições fáticas e jurídicas ao reconhecimento do direito social prestacional. A análise da observância, ou não, das regras orçamentárias deve ser objeto da argumentação jurídica que embase a decisão, pois esta, em princípio, não pode simplesmente desconsiderar a existência de normas constitucionais aplicáveis, ao menos em tese, ao caso(51). Pois bem, se a hipótese consistir em mera inexistência de recursos suficientes “nos termos da normatividade constitucional”, não se verificando a “exaustão da capacidade orçamentária”, os limites à concretização do direito a prestações serão primordialmente jurídicos, podendo, em determinadas hipóteses, ser superados por uma adequada e robusta argumentação jurídica que atente às peculiaridades do caso concreto.

Essa questão afigurar-se-á realmente complexa nas hipóteses “3)” e “4)”, quando, consociada, ou não, à inexistência de recursos suficientes “nos termos da normatividade constitucional”, se verificar a exaustão da capacidade orçamentária para a realização das despesas previstas. Nestas hipóteses, estarão presentes limitações fáticas propriamente ditas ao cumprimento da decisão, que poderão ser superadas, ou não, por meio de uma escolha entre as despesas a serem realizadas(52). Embora essa superação seja viável nas hipóteses “3-1)” e “4-1)” – ou seja, quando a insuficiência da disponibilidade de caixa for relativa ao cumprimento de todas as despesas orçamentárias conjugadas às necessárias à concretização do direito reconhecido judicialmente, havendo recursos para se arcar com estas últimas –, haverá um conflito entre direitos sociais e direitos individuais ou sociais ou, ainda, os interesses perseguidos por determinada política pública, consoante a destinação originária dos recursos que serão realocados para o cumprimento da decisão judicial.

Não será possível, no entanto, ocorrer a superação do obstáculo à concretização do direito social prestacional consubstanciado na “exaustão orçamentária” nas hipóteses “3-2)” e “4-2)”, quando as disponibilidades de caixa não viabilizarem a realização das despesas necessárias à sua concretização e não houver meios de obter os recursos para custeá-las. Essas hipóteses refletem, como devidamente exposto por Eros Roberto Grau, não um conflito entre princípios, mas um conflito entre o Direito e a Realidade no qual a força normativa da Constituição é inábil a superar as condicionantes fáticas, o que inviabiliza o cumprimento de eventual decisão judicial prolatada e, a nosso ver, o reconhecimento do próprio direito subjetivo público enquanto direito definitivo. De fato, se uma decisão judicial não pode ser cumprida(53) por absoluta impossibilidade fática, não deverá nem mesmo ser prolatada, a fim de se preservar a “sanidade da ordem jurídica(54)”, fundamento que subjaz à cláusula, amplamente aceita pelos constitucionalistas, da “reserva do possível(55)”.

Tais ponderações levam à conclusão de que a cláusula da “reserva do possível”, entendida como o limite fático à efetivação dos direitos a prestações consubstanciado na limitação dos recursos públicos, pode ser enfocada por distintos ângulos. Pode ser vislumbrada, nas hipóteses “3-1)” e “4-1)”, como um limite fático que, por impossibilitar a concretização de todos os direitos individuais e sociais e a salvaguarda, por meio de políticas públicas, de todos os bens e interesses coletivos, impõe o estabelecimento de uma relação de prevalência entre despesas públicas com atenção às suas finalidades(56),
o que leva à supramencionada colisão entre princípios materiais que embasam direitos individuais, sociais e/ou interesses coletivos. Caso seja concebida como a impossibilidade de realização das despesas necessárias à concretização do direito a prestações – ou seja, a absoluta inexistência de disponibilidade de caixa e de meios alternativos para obtê-los, o que configura as hipóteses “3-2)” e “4-2)”(57) –, representará um conflito entre Direito e Realidade, que somente poderá ser progressivamente superado pela “vontade de Constituição(58)consociada com inúmeros outros fatores. Aqui interessa-nos especificamente o primeiro viés da “reserva do possível”, que, como é evidente, não constitui uma impossibilidade definitiva à concretização dos direitos sociais.

Em suma, sustentamos que, na concretização judicial de direitos sociais prestacionais originários, devem ser levadas em consideração, também, as limitações jurídicas e fáticas à sua efetivação consubstanciadas, respectivamente, na insuficiência de recursos “nos termos da normatividade constitucional” e na “exaustão da capacidade orçamentária” para a efetivação de todas as despesas, sendo que essa limitação fática, quando passível de ser superada, influirá na determinação dos princípios materiais contrapostos à realização desses direitos.

3. Aferição judicial das disponibilidades orçamentárias

A determinação judicial da relação de prioridade entre a realização de despesas que seria viável à superação do obstáculo da “reserva do possível” ou da “exaustão da capacidade orçamentária” nas hipóteses “3-1)” e “4-1)” é, na prática judiciária, ainda mais problemática do que se apresenta à primeira vista, sendo que sua ocorrência é, sem dúvidas, bastante rara.

Com efeito, as decisões judiciais que reconhecem direitos sociais prestacionais originários, como o acórdão examinado, não determinam, em regra, as despesas a serem preteridas para o seu cumprimento, relegando tacitamente tal decisão ao Administrador. Essa omissão pode ser decorrência: i) da concepção de que o direito reconhecido deve ser satisfeito mediante a preterição de quaisquer outros; ii) da concepção de que a decisão sobre a realocação dos recursos cabe, de fato, à Administração; iii) da inexistência de elementos suficientes nos autos do processo judicial para serem avaliados: os efeitos econômicos da procedência da demanda e da concretização dos direitos reconhecidos pela regra resultante da lei de colisão; a suficiência de recursos orçamentários “nos termos da normatividade constitucional”; a ocorrência da “exaustão da capacidade orçamentária”; e a extensão da insuficiência de caixa, o que é necessário à análise da viabilidade, ou não, da realização das despesas necessárias à concretização dos direitos reconhecidos em desfavor da realização de outras despesas; ou iv) da complexidade dessa aferição judicial.

Em primeiro lugar, afigura-se inadequada a concepção de que um direito social prestacional deva ser, em toda e qualquer situação, satisfeito mediante a preterição de quaisquer outros, pois indubitavelmente o resultado da ponderação não seria o mesmo diante de todo e qualquer princípio conflitante(59).

Da mesma forma, a concepção de que a decisão sobre a realocação dos recursos cabe, de fato, à Administração não pode ser acolhida, ao menos de forma geral. A necessidade de o Poder Judiciário especificar a origem dos recursos a serem destinados à satisfação do direito à saúde decorre da necessidade da determinação dos princípios colidentes, o que é imprescindível para se realizar uma adequada ponderação jusfundamental. A “delegação” tácita da determinação da origem dos recursos – e, com ela, da ponderação entre direitos sociais entre si e/ou com direitos individuais, etc. – à Administração levaria à ilegítima limitação dos princípios opostos à realização do direito social aos princípios formais, tal como ocorreu no acórdão em comento. Porém, não deve ser afastada a possibilidade de essa “delegação” ser parcial, expressa e consciente, o que poderia ocorrer legitimamente, justamente em respeito ao princípio da separação dos poderes, naquelas hipóteses em que fosse considerada, no enunciado de preferência, a restrição a princípios materiais que se contrapõem à realização dos direitos e, conseqüentemente, determinada a prevalência do(s) princípio(s) e/ou regra(s) que embasam o direito social prestacional originário, relegando-se à Administração apenas a determinação de quais recursos voltados à realização daqueles direitos e/ou interesses que foram preteridos devem ser realocados.

No entanto, o aspecto que realmente torna problemática a aferição judicial das disponibilidades orçamentárias é o referido no item “iii)”, consubstanciado na inexistência dos elementos imprescindíveis à sua realização nos autos do processo. Nesses casos, não será viável, tal como ocorreu no acórdão comentado, efetivar-se adequadamente a ponderação dos princípios materiais em conflito, justamente pela ausência de conhecimento acerca das limitações fáticas que irão determiná-los.

Na realidade, os elementos aludidos no item “iii)” constituem matéria probatória relevante ao deslinde do feito, motivo pelo qual deverá a solução da questão nortear-se pelos preceitos atinentes ao ônus probatório, mormente pelas regras gerais elencadas nos arts. 333 e 334 do Código de Processo Civil. A existência de limitações fáticas relativas ou absolutas - que levarão à necessidade de serem superados regras e princípios orçamentários e/ou estabelecer uma relação de prevalência perante princípios opostos, nas hipóteses “3-1)” e “4-1”, ou ao não-reconhecimento do caráter definitivo do direito nas hipóteses “3-2)” e “4-2” – constitui, nos termos da legislação processual, um fato impeditivo do direito definitivo do autor, devendo, por força do previsto no art. 333, inc. II, do Estatuto Processual Civil, ser provado pelo réu. Ao(s) autor(es) incumbirá somente o ônus da prova do fato constitutivo do seu direito prima facie, o qual, se não for superado por razões suficientes em sentido contrário, tornar-se-á definitivo(60)(61).

Quando não houver a produção de prova do fato impeditivo do direito definitivo do autor, deverá o julgador, caso a insuficiência orçamentária não seja notória(62),limitar a cognição ao conflito dos princípios favoráveis ao direito social prestacional originário com os princípios formais contrapostos, tal como realizado pelo acórdão comentado, hipótese em que o cumprimento da decisão judicial somente poderá ser excepcionado pela absoluta impossibilidade fática, tal como concluiu Eros Roberto Grau no parecer referido. Não haverá mais a possibilidade de o direito reconhecido judicialmente ser excepcionado com base em princípios que se afiguram como contrapostos em decorrência da precariedade dos recursos, tendo em vista a definitividade da decisão judicial que o reconheceu.

Por fim, embora seja inegável que a aferição, judicial ou não, das disponibilidades orçamentárias e dos efeitos econômicos da procedência da demanda e da concretização dos direitos reconhecidos pela regra resultante da lei de colisão se reveste de significativa complexidade, tal complexidade não constitui um óbice à sua realização. Não pairam dúvidas acerca da inadmissibilidade de se restringir ou de se afastar a apreciação judicial de lesão ou de ameaça de lesão a direitos subjetivos públicos, diante da garantia da inafastabilidade do controle judicial inscrita no art. 5º, inc. XXXV, da Constituição Federal. Pelo mesmo fundamento, não é dado ao Poder Judiciário, quando do julgamento acerca de direitos sociais prestacionais originários, limitar horizontalmente a cognição, afastando a discussão sobre as disponibilidades orçamentárias, sob pena de desconsiderar a possibilidade de lesão a eventuais direitos e/ou interesses contrapostos à concretização daqueles. Outrossim, é viável a realização de prova pericial nas hipóteses em que a aferição judicial careça, realmente, de conhecimentos técnicos.

4. Aplicação do princípio da universalidade ao caso examinado

As colocações atinentes à relevância do princípio da universalidade na teoria da argumentação jurídica e na teoria dos direitos fundamentais de Robert Alexy tiveram o desiderato de demonstrar que a fundamentação do acórdão referido na introdução se contrapõe, ou pode contrapor-se, a aspectos basilares da teoria que pretensamente empregou.

Com efeito, o enunciado de preferência da aludida decisão poderia ser assim formulado:

(P1, P2, P3, P4 e P5 P P6 e P7) ) (63) C (64)

Os princípios conflitantes, segundo o acórdão, seriam os seguintes: P1: da dignidade da pessoa humana; P2: da proteção ao menor; P3: da proteção à saúde; P4: da assistência social; P5: da solidariedade; P6: democrático; e P7: da separação dos poderes.

C : criança pobre necessita de tratamento altamente custoso para sobreviver. À determinação de C é irrelevante que a doença seja rara; o medicamento seja o Neo-decapeptyl; e que o tratamento seja medicamentoso.

Desse enunciado de preferência decorreria, em virtude da lei de colisão, a seguinte regra: C à R(65), em que a conseqüência jurídica R consiste na determinação, ao INSS, de que arque com os custos de tratamentos altamente onerosos.

Assim, em todos os casos em que uma criança pobre necessite de um tratamento altamente custoso para sobreviver, este terá que lhe ser fornecido, em virtude do princípio da universalidade e da regra resultante do enunciado de preferência.

Pretender que a ponderação realizada não se aplique a todos os casos idênticos naqueles elementos relevantes importaria, sem dúvidas, em ofensa ao princípio da universalidade, que, como já devidamente exposto, é um elemento central das teorias da argumentação jurídica e dos direitos fundamentais de Alexy. Não só, importaria em ofensa ao próprio princípio constitucional da igualdade, que veda o tratamento desigual àqueles que sejam iguais nos aspectos relevantes.

Destarte, no caso hipotético referido no acórdão em comento(66), a ação teria que, ao menos, ser julgada parcialmente procedente para condenar os Poderes Públicos ao fornecimento de tratamentos altamente custosos às crianças que deles necessitem para continuarem sobrevivendo. Deveria, por idênticos fundamentos, ser julgada procedente ação civil pública, mesmo que de âmbito nacional, que colimasse a condenação dos Poderes Públicos ao fornecimento de tratamento, independentemente do custo, às crianças que dele necessitem para continuarem sobrevivendo.

Essas ações coletivas, diversamente do que é sustentado no voto, não estarão necessariamente baseadas em argumentos de natureza política, mas em “argumentos de princípio”, precisamente naqueles argumentos que embasaram o acórdão prolatado. A possibilidade de argumentos de princípio sustentarem direitos de uma coletividade é reconhecida pelo próprio Dworkin(67).

Ademais, nas ações coletivas referidas, não haverá uma maior afetação dos princípios da separação dos poderes e democrático do que a que deveria ter sido reconhecida na decisão. Com efeito, a universalidade da regra resultante da lei de colisão importará numa afetação muito maior dos princípios formais, que terá que ser considerada previamente na aplicação da lei de ponderação. Não pode, portanto, vislumbrar-se adequadamente que haveria um “inexpressivo abalo aos princípios democrático e da separação dos poderes”, porquanto a restrição aos princípios democrático e da separação dos poderes decorrente de uma decisão judicial que determina a realização de um gasto público sem previsão legal e orçamentária é, sem dúvidas, significativa, devendo ser considerada, por força do princípio da universalidade, em sua devida amplitude mesmo nas demandas individuais. Desse modo, a afetação dos princípios formais é, na realidade, muito superior àquela que poderia ser à primeira vista vislumbrada, não se diferenciando, no entanto, daquela que seria decorrente de uma decisão prolatada no bojo de uma ação coletiva(68).

Da mesma forma, em relação à insuficiência de recursos “nos termos da normatividade constitucional”, hipóteses “2)” e “3)”, e à “reserva do possível” passível de superação, hipóteses “3-1)” e “4-1)”, o princípio da universalidade deve ser considerado em toda sua plenitude(69). As repercussões da aplicação do princípio da universalidade no que concerne às restrições orçamentárias denotam que, da mesma forma que os princípios formais da separação dos poderes e democrático, os princípios que subjazem às regras orçamentárias poderão ser afetados de forma vultosa, sendo que essa afetação terá que ser objeto da argumentação jusfundamental e considerada especificamente na lei de ponderação. Também a “reserva do possível” relativa – que consiste num limite fático que impõe a determinação de uma relação de prevalência entre despesas públicas – deve ser apurada levando em consideração os gastos necessários à concretização de todos os direitos reconhecidos pela regra resultante da lei de colisão.

Por outro lado, no que concerne às possibilidades fáticas e orçamentárias, o princípio da universalidade não imporá, estritamente, a consideração dos efeitos econômicos da realização da universalidade dos direitos reconhecidos pela regra resultante da lei de colisão, tampouco serão inteiramente aplicáveis as ponderações atinentes às hipóteses supra-elencadas, pois há distinções que, como assinalado supra, devem ser feitas, primordialmente no que concerne às repercussões econômicas in concreto do princípio da universalidade e às hipóteses “3-2)” e “4-2)”.

Em primeiro lugar, deve ser ressaltada a viabilidade de que as conseqüências econômicas a serem consideradas não sejam, in concreto, tão significativas quanto aquelas que decorreriam da consideração do princípio da universalidade em abstrato, o que ocorrer nas situações em que nem todos os titulares dos direitos reconhecidos pela regra decorrente da ponderação venham a veicular a pretensão à sua satisfação(70). Desse modo, podem ser atenuados os empecilhos à realização dos direitos prestacionais originários decorrentes do princípio da universalidade pela realização, por parte do julgador, de uma prognose genérica sobre a judicialização dos direitos idênticos àquele postulado em juízo, considerando-se, assim, as repercussões econômicas provenientes exclusivamente do reconhecimento de idênticos diretos pelos demais órgãos do Poder Judiciário(71).

A segunda distinção a ser realizada é atinente às hipóteses em que as limitações decorrentes da “reserva do possível” sejam de caráter absoluto, hipóteses “3-2)” e “4-2)”, não havendo disponibilidade de caixa nem mesmo para a realização isolada das despesas necessárias à concretização do direito reconhecido judicialmente, quando as situações “a)” e “b)(72)” são nitidamente diversas, pois nesta não ocorrerá necessariamente um conflito entre o Direito e a Realidade. Assim, a carência de força normativa da Constituição não será um óbice intransponível à concessão do direito pleiteado, o que demandará, contudo, que seja excepcionada a regra resultante da lei de colisão e, com ela, o princípio da universalidade. Esse princípio, portanto, revelar-se-á colidente com aquele que embasa o direito social prestacional originário, devendo figurar no enunciado de preferência e, conseqüentemente, ser superado por robustas razões em sentido contrário.

5. Conclusão

A concretização judicial de direitos sociais prestacionais originários reveste-se de uma complexidade que lhe é inerente, a qual, corriqueiramente, não é considerada em toda sua amplitude. Com efeito, a apreciação de restrições decorrentes das regras e princípios orçamentários não é, em regra, objeto da argumentação jusfundamental, sendo estas simplesmente ignoradas pelo julgador. Ademais, o recurso à cláusula da “reserva do possível”, sem a adequada precisão acerca de seu teor e de seus efeitos, é usualmente levado a efeito sem a efetiva consideração das possibilidades fáticas da concretização de direitos sociais originários, que não se confundem com a existência de “caixas cheios”, consistindo na disponibilidade de recursos para a concretização dos direitos definitivos, que são determinados pela consideração, entre outros fatores, do peso dos princípios em jogo. Por outro lado, usualmente as ações que versam sobre direitos sociais originários são julgadas sem pretensão de universalidade, que é uma imposição do princípio da igualdade, o que simplifica indevidamente o conflito levado à apreciação do Poder Judiciário.

De fato, o princípio da igualdade impõe a observância, no âmbito da teoria da argumentação, do princípio da universalidade, assim como, em relação à teoria dos direitos fundamentais de Alexy, da regra resultante da lei de colisão, vedando que se outorgue tratamento diferenciado àqueles que se encontram em situações idênticas nos aspectos relevantes e, ainda, que, na argumentação jusfundamental, se fundamente a concretização de determinado direito social prestacional originário sem atenção à necessidade desta ser estendida a todos aqueles titulares de direitos reconhecidos pela regra decorrente da ponderação levada a efeito.

No entanto, a aplicação do princípio da universalidade à concretização de direitos sociais prestacionais originários vem a agudizar a complexidade que lhe é inerente. Em primeiro lugar, amplia significativamente o peso dos princípios formais contrapostos. Em segundo lugar, acresce significativamente o espectro de casos em que haverá restrições jurídicas e fáticas ao reconhecimento desses direitos, levando a que – quando houver a alegação e comprovação, por parte do legitimado passivo, da existência de fato impeditivo ao reconhecimento do direito do(s) autor(es) – a aferição judicial das disponibilidades orçamentárias seja necessária em tais ações.

Havendo restrições financeiras à concretização dos direitos prestacionais, a adequada consideração do princípio da universalidade deverá estar embasada numa prognose genérica sobre a judicialização dos direitos idênticos àquele postulado em juízo. Assim como ocorre com os princípios formais da separação de poderes e democrático, a afetação dos princípios orçamentários e dos que embasam a realização das despesas preteridas, quando existente, revelar-se-á, ao menos, significativa, pois as despesas necessárias à satisfação de todos os direitos idênticos (com atenção à última ressalva, atinente à judicialização parcial dos direitos) deverão ser levadas em consideração para a aferição das restrições orçamentárias e da “reserva do possível” relativa.

Por outro lado, quando houver recursos para a realização das despesas necessárias ao cumprimento da decisão, mas não para a realização daquelas que seriam destinadas à satisfação dos direitos que, por força da lei de colisão, são reconhecidos pela decisão, não haverá um conflito entre a Realidade e o Direito, o que viabilizará que, em casos extremos, o princípio da universalidade seja excepcionado, de modo a que o direito social prestacional originário seja reconhecido mesmo com a consciência da impossibilidade de o reconhecimento estender-se a todos casos idênticos.

Tais ponderações tornam nítido o fato de que a atuação do Poder Judiciário ao concretizar direitos sociais prestacionais originários mesmo em demandas individuais envolve questões de largo espectro. Havendo a necessidade de realocação de recursos e, assim, da determinação de uma relação de prevalência entre princípios que demandam a efetivação de despesas públicas, restará configurada a ingerência, legítima ou não, nas políticas públicas governamentais(73), fato que não pode ser olvidado, sob pena de se simplificar em demasia o conflito jurídico e político levado à apreciação do Poder Judiciário.


NOTAS DE RODAPÉ

1.O texto que segue consiste em versão revisada do artigo publicado na Revista da Procuradoria-Geral do Estado – RS, v. 27, n. 58, p. 9-34, dez./2003, sob o título O papel dos princípios na interpretação: argumentação jurídica e sistema jurídico.

2. Dworkin, para elaborar esta distinção, parte da utilização, na prática judiciária norte-americana, de standards - que não funcionam como regras, mas como princípios, diretrizes políticas e outros standards - para o reconhecimento de direitos nos “casos difíceis” (hard cases), realizando um “ataque geral ao positivismo”, para o que utiliza a versão de H. L. A. Hart, segundo a qual os sistemas jurídicos seriam constituídos pela união de regras secundárias e primárias, como um alvo. Para Dworkin, princípio é um standard que deve ser observado não porque favoreça ou assegure uma situação econômica, política ou social considerada desejável, mas porque é uma exigência da justiça, eqüidade (fairness) ou alguma outra dimensão da moralidade. (DWORKIN, Ronald. Taking Rights Seriously . Cambridge: Harvard University Press, 2001. p. 22.)

3. ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales. Trad. Ernesto Garzón Valdés. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2001. p. 82.

4. Assevera que a distinção que acolhe se parece com a de Dworkin, diferenciando-se desta, contudo, num “ponto essencial”: na caracterização dos princípios como mandamentos de otimização. (Idem, p. 87, nota 27)

5. A diferença reside em que a aplicação das regras não é excepcionada quando, no caso concreto, o princípio oposto tem um peso maior do que aquele que apóia a regra. Terão, ainda, de ser superados, na dimensão de peso, os “princípios formais”, que estabelecem que as regras que são impostas por uma autoridade legitimada para isso têm que ser seguidas e que não deve se apartar sem fundamento de uma prática transmitida. E o caráter prima facie das regras não é fixo: varia em função do peso que o ordenamento jurídico confira aos princípios formais.

6. Alexy sustenta que é concebível um ordenamento jurídico “duro”, em que seja proibida a limitação das regras através da introdução de cláusulas de exceção, o que não é, a seu ver, o caso do sistema jurídico da Alemanha. A dureza do sistema jurídico varia em função do caráter prima facie de suas regras e da intensidade da regulação por essas (o p. cit., p. 100 e nota 58). Assim, num ordenamento jurídico “duro”, as regras teriam caráter estritamente definitivo, e não prima facie.

7. Registre-se que, para Alexy, as cláusulas de exceção que podem ser introduzidas com base em princípios não são nem teoricamente enumeráveis, aspecto em que afirma discordar do posicionamento de Dworkin, para quem a enunciação das regras deve levar em conta todas as exceções, o que já não seria possível em relação aos princípios. (op. cit., p. 100)

8. Nesse ponto haveria um conflito entre a regra e o princípio, o qual é reconduzido a um conflito de princípios, o que é enfocado sucintamente na nota n. 24 da fl. 86. Alexy trata da limitação da realização ou cumprimento de princípios por regras distinguindo duas hipóteses: (1) a regra (R) que restringe o princípio P vale estritamente, o que significa que vale uma regra de validade (R´) que diz que R precede a P em todos os casos; (2) a regra (R) que restringe o princípio P não vale estritamente, o que significa que vale um princípio de validade (P´) que, sob determinadas circunstâncias, permite que P afaste ou restrinja R. Contudo, essas condições não estarão satisfeitas quando no caso concreto a satisfação de P apenas seja mais importante do que a do princípio P R, o qual, concretamente, apóia a R, pois então P´ não jogará papel algum. Para que fosse viável a restrição da regra seria imprescindível que o princípio P preponderasse não somente sobre P R, mas também sobre P´: “ juega um papel cuando para la precedencia de P se exige no sólo que P preceda al principio P R que apoya materialmente a R sino que P es más fuerte que P Rconjuntamente con el principio , que exige el cumplimiento de las reglas y, en este sentido, apoya formalmente a R” ( ALEXY, Teoría de los Derechos Fundamentales, p. 86, nota 24). Poderíamos, para ilustrar a relação de prevalência do princípio perante a regra que limita o seu cumprimento ou realização, formular o seguinte enunciado de preferência: (PPP R e ) C, onde P é o princípio contraposto à regra, P R é o princípio que apóia materialmente a regra, é o princípio que apóia formalmente a regra e C são as circunstâncias da prevalência condicionada.

9. Ibidem, p. 99 et seq.

10. Essa crítica, de caráter fundamental, de Alexy a Dworkin deve, no entanto, ser considerada com muita cautela, pois Dworkin, no livro referido por Alexy, expõe, ao replicar as críticas de Raz de que também as regras teriam uma dimensão de peso por poderem conflitar com princípios, a possibilidade de uma regra ser superada pelos princípios contrapostos, o que, como afirma, não deve ser vislumbrado como um conflito entre a regra e os princípios opostos, porquanto a decisão sopesará dois grupos de princípios: os que se contrapõem à regra e aqueles que lhe conferem sustentação, incluído o princípio formal do stare decisis, pois a hipótese é de uma regra consuetudinária ( Dworkin, 2001, p. 78). É válida a transcrição do seguinte trecho: “The court weighs two sets of principles in deciding whether to maintain the rule; it is therefore misleading to say that the court wheighs the rules itself against one or the set of these principles”.

11. Entendidos como aqueles direitos fundamentais a prestações em sentido estrito reconhecidos diretamente com base na Constituição, independentemente de interposição legislativa.

12. BRASIL. Tribunal Regional Federal (3. Região). Ap. Cív. 261.220, 1ª Turma. Relator Juiz Federal convocado David Diniz. São Paulo, 2001. DJU, Brasília, DF, 23 de outubro de 2001. Voto unânime.

13. ALEXY, Teoría de los Derechos Fundamentales, p. 529.

14. Ibidem, p. 530.

15. Ibidem, p. 531.

16. Ibidem, p. 531 et seq.

17. Ibidem, 532 et seq.

18. ALEXY, Robert. Teoría de la argumentación jurídica . Trad. Manuel Atienza e Isabel Espejo. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1997. p. 185 et seq.

19. ATIENZA, Manuel. As razões do Direito: Teoria da Argumentação Jurídica. São Paulo: Landy, 2000. p. 243.

20. ALEXY, Teoría de la argumentación jurídica, p. 185.

21. Ibidem, p. 187.

22. Ibidem, p. 191.

23. Ibidem, p. 197 et seq.

24. Ibidem, p. 215.

25. ALEXY, Teoría de los Derechos Fundamentales, p. 89 et seq.

26. Esse enunciado de preferência encontra correlação nas formas de argumento da teoria do discurso prático geral de Alexy. Assinala que a possibilidade de regras distintas levarem a resultados incompatíveis entre si em fundamentações da mesma forma ou em fundamentações de formas diferentes demanda a decisão de que fundamentação tem prioridade. As regras que se utilizam para fundamentar essa prioridade, as regras de prioridade, podem ter duas formas, segundo a preferência seja, ou não, condicionada ( ALEXY, Teoría de la argumentación jurídica, p. 196): (4.5) R i P R k ou R´ i P R´ k. ou (4.6) (R i P R k) C ou (R´ i P R´ k.) C.

27. “P1” e “P2” são os princípios colidentes. “P”é o símbolo para a relação de precedência. “C” é a “condição de precedência”, desempenhando um papel duplo: representa as condições da prevalência do “P1” sobre o “P2” e é o suporte fático de uma norma decorrente da lei de colisão.

28. Pode haver casos, contudo, em que o princípio, no caso concreto, não produza, em virtude das restrições jurídicas decorrentes da proporcionalidade em sentido estrito, todas as suas conseqüências, sendo necessário “recortar” as suas conseqüências jurídicas. Nestes casos, P1 precede a P2 só em relação a uma limitada conseqüência jurídica (R´), o que é representado pelo seguinte esquema: (P1, PP2) C, R´ (ALEXY, Teoría de los Derechos Fundamentales , p. 94 nota 42). De conseguinte, a regra resultante da lei de colisão não seria C à R, mas C à R´.

29. Ibidem, p. 94. Formulada de maneira técnica, a lei de colisão seria assim expressa: “Si el principio P1, bajo las circunstâncias C, precede al principio P2: (P1, P P2) C, y si de P1 bajo las circunstâncias C resulta la consecuencia R, entonces vale una regra que contiene a C como supuesto de hecho y a R como consecuencia jurídica: C à R.”

30. Ibidem, p. 537.

31. Ibidem, p. 538.

32. A lei da ponderação é assim formulada: “Cuanto maior es el grado de la no satisfación o de afectación de un principio, tanto mayor tiene que ser la importancia de la satisfacion del otro”, sendo útil para indicar o que deve ser fundamentado. Trabalha Alexy, assim, com enunciados acerca dos graus de importância e afetação; porém, os argumentos para a fundamentação desses enunciados não têm qualquer caráter específico de ponderação, podendo consistir em “cualquier argumento de la argumentación jurídica”. ( ALEXY, Teoría de los Derechos Fundamentales , p. 161 et seq.)

33. “Efectivamente, si la ponderación consistiera simplemente en la formulación de un enunciado de preferencia de este tipo y, con ello, en la determinación de la regla referida al caso que de ella se sigue, no seria entonces un procedimiento racional. La determinación de la preferencia condicionada podría ser realizada intuitivamente. Quien pondera tendría la posibilidad de seguir exclusivamente sus concepciones subjetivas. No podría hablarse de ponderaciones correctas o falsas. Sin embargo, a un modelo de decisión de este tipo podría contraponerse un modelo de fundamentación [...] el modelo de la fundamentación distingue entre el processo psíquico, que conduce a la determinación del enunciado de preferencia, y su fundamentación. Esta distinción permite referir el postulado de la racionalidad de la ponderación a la fundamentación del enunciado de preferencia y decir: una ponderación es racional si el enunciado de preferencia a que conduce puede ser fundamentado racionalmente”. (i bidem, p. 158)

34. Ibidem, p. 167.

35. Ibidem, p. 160.

36. Ibidem, p. 167.

37. “El punto decisivo para la distinción entre reglas y principios es que los principios son normas que ordenam que algo sea realizado en la mayor medida posible, dentro de las posibilidades jurídicas e reales existentes. Por lo tanto, los principios son mandamentos de optimización, que están caracterizados por el hecho de que pueden ser cumplidos en diferente grado y que la medida debida de su cumplimiento no sólo depende de las posibilidades reales sino también de las jurídicas”. (ALEXY, Teoría de los Derechos Fundamentales, p. 86)

38. Ibidem, p. 112-113.

39. Ibidem, p. 493-494.

40. Ibidem, p. 489 et seq.

41. Motivo de os princípios da divisão dos poderes e da democracia deverem ser considerados quando da concretização, por parte do Poder Judiciário, de direitos originários a prestações.

42. Ibidem, p. 494.

43. Ibidem, loc. cit.

44. Ibidem, p. 495.

45. Ibidem, p. 499.

46. ALEXY, Teoría de los Derechos Fundamentales, p. 86.

47. Adotaremos, aqui, os conceitos de (in)suficiência de recursos “nos termos da normatividade constitucional” e “exaustão da capacidade orçamentária” tal como empregados por Eros Roberto Grau em trabalho que analisou, com maestria, a questão da colisão entre os princípios da sujeição da Administração às decisões do Poder Judiciário e o princípio da legalidade da despesa pública ( GRAU, Eros Roberto. Despesa pública – Princípio da Legalidade – Decisão judicial. Boletim de Direito Administrativo , n. 2, p. 90-106, fev./94). Há, para este autor, inexistência de recursos suficientes para o cumprimento de decisões do Poder Judiciário nos termos da normatividade constitucional quando, embora pudesse a Administração adquirir recursos suficientes para efetuar os pagamentos a que foi judicialmente condenada, não obtém do Poder Legislativo autorização para tanto (o p. cit., p. 93). Ou seja, a existência de recursos nos termos da normatividade constitucional consiste na disponibilidade de recursos nos termos das regras e princípios constitucionais orçamentários. Por outr o lado, “‘ Exaustão orçamentária ’, no sentido que tomo no contexto deste meu parecer, é a situação que se manifesta quando inexistirem recursos suficientes para que a Administração possa cumprir determinada ou determinadas decisões judiciais”. Podem ser estendidas as considerações atinentes à “normatividade constitucional” também às normas infraconstitucionais, quando seria adequada a expressão “normatividade jurídica”, mas, para simplificar a exposição, será empregada aquela expressão e direcionado o enfoque aos preceitos constitucionais.

48. Este seria o caso das demais crianças pobres que necessitam de tratamentos altamente custosos para sobreviverem.

49. Essa é uma forma de expor, de modo simplificado, a questão, não havendo dúvidas de que, nesse ponto, novas precisões devem ser feitas. Mesmo quando seja observada a “normatividade constitucional” – e até a “normatividade jurídica” – e haja capacidade orçamentária, é viável que ocorra, em virtude da escassez de recursos, restrições a direitos de outros titulares e até à realização de políticas públicas, tendo em vista que a utilização dos créditos orçamentários para a concretização dos direitos originários a prestações fáticas pode torná-los insuficientes para abranger todas as despesas no decorrer do exercício. Isso denota que nas quatro hipóteses referidas pode haver a restrição decorrente da “reserva do possível”. Configurada essa hipótese, que demandará, ao certo, a análise orçamentária, será necessário considerar a existência de direitos colidentes, o que torna aplicáveis às hipóteses “1)” e “2)” certas considerações relativas às hipóteses “3)” e “4)”.

50. Pois, tal como E. von Hippel, considera que, quando um princípio se opõe a uma ou mais regras, a decisão levaria em consideração unicamente os princípios contrapostos, entre os quais não estariam os princípios formais democrático e da separação dos poderes: “... não se manifesta jamais antinomia jurídica entre princípios e regras jurídicas. Estas operam a concreção daqueles. Em conseqüência, quando em confronto dois princípios, um prevalecendo sobre o outro, as regras que dão concreção ao que foi desprezado são afastadas; não se dá a sua aplicação a determinada hipótese, ainda que permaneçam integradas, validamente, no ordenamento jurídico (...) Dizendo-o de outra forma: aquelas regras, que dão concreção ao princípio desprezado, embora permaneçam plenas de vigência, perdem eficácia – isto é, efetividade – em relação à situação diante da qual o conflito (contradição) entre princípios manifestou-se” (Despesa pública – Princípio da Legalidade – Decisão judicial, p. 100). Quanto ao “modelo puro de princípios”, vide ALEXY, Teoría de los Derechos Fundamentales, p. 115 et seq.

51. As normas inscritas nos arts. 85, inc. V (prevê como crime de responsabilidade os atos que atentem contra a lei orçamentária), 166, caput (vincula à autorização legislativa a abertura de créditos adicionais), e 167, incs. II, V e VI (que vedam a realização de despesas que excedam os créditos orçamentários ou adicionais, a abertura de crédito suplementar ou especial sem prévia autorização legislativa e sem indicação dos recursos correspondentes e a transposição, o remanejamento ou a transferência de recursos de uma categoria de programação para outra sem prévia autorização legislativa) são pertinentes ao caso enfocado, consistindo, inequivocamente, em restrições jurídicas à concretização de direitos a prestações que, conquanto não sejam intransponíveis, devem ser consideradas pelo julgador.

52. Uma vez que, como afirma Andreas Krell, “o condicionamento da realização de direitos econômicos, sociais e culturais à existência de ´caixas cheios´ do Estado significa reduzir a sua eficácia a zero”. (KRELL, Andreas J. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002. p. 54.)

53. Cumpre referir que a conclusão de Eros Roberto Grau é no sentido de que, quando se verifica a “exaustão da capacidade orçamentária” comprovada perante o Supremo Tribunal Federal, a Administração não deve cumprir as decisões do Poder Judiciário. (Despesa pública – Princípio da Legalidade – Decisão judicial, p. 106)

54. Ibidem, p. 104.

55. Sobre o tema da reserva do possível vide, entre outros: Canotilho, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3. ed. Coimbra: Almedina, 1999, p. 448; KRELL, Andreas J. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002, p. 51 et seq; SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 259 et seq; ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. 2. ed. Coimbra: Almedina, 2001, p. 186 et seq.

56. Limite que pode ser denominado de “reserva do possível” relativa.

57. Que constituiria a “reserva do possível” absoluta.

58. HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Trad. de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1991. p. 24.

59. É certo que, e.g., o direito à saúde e à vida de uma criança não pode preponderar sobre idênticos direitos de inúmeras crianças vítimas de doenças comuns à pobreza, que seriam satisfeitos com tais recursos. A questão da determinação dos direitos e/ou serviços a serem preteridos com a concretização do direito pleiteado em Juízo é abordada por Andreas Krell, ao criticar a posição de Gustavo Amaral: “Nesse contexto, não parece ser bem escolhido o exemplo trazido pelo autor, que deveria ficar ao critério do Executivo a escolha se tratará com os recursos disponíveis ‘milhares de doentes vítimas de doenças comuns à pobreza ou de um pequeno número de doentes terminais de doenças raras ou de cura improvável’. A resposta coerente na base da principiologia da Carta de 1988 seria: tratar todos! E se os recursos não são suficientes, deve-se retirá-los de outras áreas (transporte, fomento, serviço de dívida) onde sua aplicação não está intimamente ligada aos direitos mais essenciais do homem: sua vida, integridade física e saúde. Um relativismo nessa área pode levar a ‘ponderações’ perigosas e anti-humanistas do tipo ‘por que gastar dinheiro com doentes incuráveis ou terminais?’, etc...” (KRELL, Andreas J. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002. p. 52-53.)

60. A teoria dos direitos fundamentais de Alexy constitui um forte suporte teórico nesse aspecto, pois concilia a caracterização dos direitos sociais prestacionais originários como direitos subjetivos com a possibilidade de serem frustrados por meio de razões em sentido contrário, sendo válida a transcrição do seguinte trecho, no qual, apreciando a questão sob o prisma dos deveres do Estado, assevera que: “Los deberes prima facie del Estado tienen, frente a sus deberes definitivos, un contenido claramente excesivo. Esto no significa que no sean vinculantes [...] Puede reconcerse que existe una diferencia fundamental entre deberes prima facie y deberes jurídicamente no vinculantes en el hecho de que los deberes prima facie tienen que ser establecidos a través de ponderaciones y, en cambio, esto no sucede en el caso de los deberes no vinculantes. Para el no cumplimiento de un deber prima facie, tienen que existir, desde el punto de vista del derecho, razones aceptables; pero ello no rige para el caso del no cumplimiento de un deber jurídicamente no vinculante. Un deber prima facie puede, si no existe ninguna razón aceptable para su no cumplimiento, conducir a un deber definitivo; un deber no vinculante, nunca”. (ALEXY, Teoría de los Derechos Fundamentales, p. 500.)

61. A solução será diversa, no entanto, quando não se tratar do reconhecimento judicial de direitos sociais prestacionais originários, mas propriamente do controle judicial das políticas públicas, nos parâmetros em que for considerado legítimo. Neste caso, o autor da demanda coletiva deverá comprovar, com base em robustos argumentos com supedâneo constitucional, que a política pública adotada pela Administração nitidamente não prevalece perante aquela que foi prejudicada por sua concretização. O tema da judicialização das políticas públicas, contudo, foge aos estritos parâmetros do presente estudo.Vide, no que concerne à judicialização das políticas públicas: BUCCI, Maria Paula Dallari. Políticas Públicas e Direito Administrativo. Revista de Informação Legislativa, Brasília, n. 133, p. 89/98, jan./mar. 1997; COMPARATO, Fábio Konder. Ensaio sobre o juízo de constitucionalidade de políticas públicas. Revista de Informação Legislativa, Brasília, n. 138, p. 39-48, abr./jun. 1998; LOPES, José Reinaldo de Lima. Direito subjetivo e direitos sociais: o dilema do Judiciário no Estado Social de Direito. In: FARIA, José Eduardo. Direitos humanos, direitos sociais e justiça. São Paulo: Malheiros, 1994; MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Eficácia das normas constitucionais sobre justiça social. Revista de Direito Público, São Paulo, 57/58, p. 233-256, 1983.

62. Situação em que se aplicaria o art. 334, inc. I, do Código de Processo Civil, demandando a aferição, mesmo que precária, das restrições orçamentárias e, conseqüentemente, dos princípios materiais opostos.

63. Os princípios conflitantes, segundo o acórdão, seriam os seguintes: P1: da dignidade da pessoa humana; P2: da proteção ao menor; P3: da proteção à saúde; P4: da assistência social; P5: da solidariedade; P6: democrático; e P7: da separação dos poderes.

64. C : criança pobre necessita de tratamento altamente custoso para sobreviver. À determinação de C é irrelevante que a doença seja rara; o medicamento seja o Neo-decapeptyl; e que o tratamento seja medicamentoso.

65. Cabe ser assinalado que é sob essa regra que se opera a subsunção, pois: “siempre que un principio es, en última instancia, una razón básica para un juicio concreto de deber ser, este principio es una razón para una regla que representa una razón definitiva para este juicio concreto de deber ser. Los principios mismos no son nunca razones definitivas”. (ALEXY, Teoría de los Derechos Fundamentales, p. 103.)

66. Ação coletiva promovida pelos habitantes da cidade de Ribeirão Preto visando à obtenção, perante os Poderes Públicos, de assistência médica em padrão hoje apenas fornecida por planos de saúde particulares e fornecimento de medicamentos à população.

67. “Arguments of principle justify a political decision by showing that the decision respects or secures some individual or group right” (DWORKIN, Taking Rights Seriously, p. 82). Cumpre referir que o autor tem em mente a fundamentação de direitos individuais, pois sua teoria é, reconhecidamente, uma teoria liberal do direito.

68. Vide a ressalva infra, quanto aos efeitos do não-exercício da pretensão por parte de todos os titulares dos direitos abarcados pela regra resultante da ponderação.

69. Considerando-se, contudo, a primeira distinção infra, atinente à possibilidade de a pretensão à satisfação não se estender a todos direitos análogos.

70. O que é um elemento que serve para diferenciar a postulação de direitos prestacionais originários em ações individuais e coletivas, de modo a atenuar a asserção feita acima, no sentido de que, quando reconhecido um tal direito numa ação individual, deveria sê-lo necessariamente numa ação coletiva.

71. De forma análoga à consideração do “efeito multiplicador” que foi desenvolvido pela jurisprudência dos tribunais para a determinação dos requisitos necessários à suspensão de liminares e/ou sentenças. Vide a respeito, entre outras, a decisão do STF prolatada no julgamento da S.S. n. 1853-DF, Relator Ministro Carlos Velloso, publicada no Informativo do STF n. 205.

72. Cabe relembrá-las: a) concretização de direitos sociais prestacionais reconhecidos por decisões judiciais específicas e b) concretização de direitos sociais prestacionais reconhecidos por decisões judiciais específicas e daqueles direitos que, por força da lei de colisão, são reconhecidos por tais decisões, mesmo sem poderem ser exigidos diretamente da Administração com base nestas.

73. Sobre a concretização dos direitos sociais e as “políticas públicas como objeto de demandas populares” vide LOPES, José Reinaldo de Lima. Direito subjetivo e direitos sociais: o dilema do Judiciário no Estado Social de Direito. In: FARIA, José Eduardo. Direitos humanos, direitos sociais e justiça. São Paulo: Malheiros, 1994 . p. 129 et seq. Desse trabalho transcrevemos o seguinte trecho, atinente à universalidade que deve nortear tais decisões, por ser inerente ao próprio serviço público: “Além disso, a prestação do serviço depende da real existência dos meios: não existindo escolas, hospitais e servidores capazes e em número suficiente para prestar o serviço o que fazer? Prestá-lo a quem tiver tido a oportunidade e a sorte de obter uma decisão judicial e abandonar a imensa maioria à fila de espera? Seria isto viável de fato e de direito, se o serviço público deve pautar-se pela sua universalidade, impessoalidade e pelo atendimento a quem dele mais precisar e cronologicamente anteceder os outros? Começam, pois, a surgir dificuldades enormes quando se trata de defender com instrumentos individuais um direito social” (p. 131). No que pertine à necessária observância das normas orçamentárias e de finanças públicas, o autor assinala que: “Nesta perspectiva, cresce a importância de alguns capítulos constitucionais pouco conhecidos dos juristas em geral. Refiro-me particularmente ao Título VI (“Da Tributação e do Orçamento”), Capítulo II (“Das finanças públicas”), artigos 163 a 169” (p. 132).

 


REVISTA DE DOUTRINA DA 4ª REGIÃO
PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRF DA 4ª REGIÃO - EMAGIS