O conteúdo da idéia de alto desempenho na gestão pública(1) Autora:
Marga Inge Barth Tessler |
1. Introdução. 2 A evolução histórica na administração pública. 2.1 A Administração Regaliana e Patrimonialista, a Administração Burocrática e a Administração Gerencial. 3 O que é desempenho? 4 Provisório conteúdo do conceito de alto desempenho. 4.1 A idéia de alto desempenho. 4.2 O alto desempenho na Administração da Justiça. 1. Introdução O desenvolvimento do tema será feito de forma resumida e consta de uma breve síntese da evolução histórica na Administração Pública com o propósito de encaminhar a idéia de “alto desempenho” na gestão pública. Após, será esboçado um possível conteúdo da idéia de “alto desempenho” com os olhos postos na Constituição Federal de 1988 e nos novos conceitos para a gestão pública e a ênfase na gestão para resultados. Concluindo, apresentamos alguns exemplos de “alto de sempenho” na gestão judiciária. 2. A evolução histórica na administração pública O estudo da Administração Pública está muito relacionado com a figura do Estado, suas funções e limitações. Na Administração Pública podemos abordar o tema, em primeira aproximação, a partir da análise do conceito de função administrativa. Tal conceito é formulado pela doutrina como o poder-dever do Estado, ou de quem age em seu nome, de atuar para dar cumprimento fiel aos comandos normativos, de modo a atender aos fins públicos. O gestor público administra a res publica, da qual não é o dono, daí extrai-se a idéia do interesse público e da indisponibilidade do objeto da gestão pública. 2.1. A Administração Regaliana e Patrimonialista, a Administração Burocrática e a Administração Gerencial Historicamente a Administração Pública brasileira repousa sobre a ótica do patrimonialismo na administração regaliana. A administração pública judiciária não fugiu à regra, percebemos isso na obra de Schwartz(2) (Burocracia e Sociedade no Brasil Colonial). Um movimento significativo no sentido de alterar esse estado de coisas ocorreu por força do Decreto-Lei nº 200/67, que procurou conferir uma melhor organização na prestação de serviços públicos. Fundamentou-se em diversos princípios, ou idéias-força, como a descentralização e a divisão de competências, a coordenação e o controle ou autotutela. Tratava-se de manifestação da administração burocrática da fase do estatismo e do interesse público visto como interesse do Estado(3). Aprofundam-se os movimentos no sentido de enfrentar os desafios(4) e responder com alguma efetividade ao verdadeiro “estado paralelo” que desafia os gestores públicos. Enfatizam-se novos focos de atenção como o do estabelecimento de controles estritos dos custos dos serviços públicos, da busca por eficiência, das privatizações, da desregulamentação, com a introdução, não sem contundentes críticas,* de elementos de mercado na organização e gestão dos serviços públicos. Na nossa Constituição Federal de 1988, destacamos os dispositivos que constituem matéria principiológica para o desenvolvimento do tema, a saber: a) o artigo 37, em especial, após a redação dada pela Emenda Constitucional nº 19 de 1988, que revalorizou na administração democrática o kratein – que é governar –, deixando-o com a seguinte redação: Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: Ainda de destacar, em conexão com a idéia de melhor governança, a proibição de acumular cargos públicos, pois os cargos acumulados são mal executados (art. 37, inc. XVII). A ênfase na gestão eficiente do ingresso de recursos, enfatizada pela precedência da administração fazendária (art. 37, inc. XVIII), cuja última manifestação é a criação da criticada “Super Receita”, objeto da Medida Provisória nº 258/2005. Ainda o compartilhamento de informações e cadastros (art. 37, inc. XXII), pois não é racional que cada serviço renove investigações ou compilação de dados já disponíveis em outros órgãos, o importante não é o órgão, mas a função. A publicidade como princípio é outro seguro elemento para melhorar o serviço prestado que busca pelo controle da sociedade civil. A avaliação da qualidade do serviço prestado (§ 3º, inc. I, do art. 37), a avaliação do desempenho do servidor, a hipótese de representação contra a negligência ou abuso no exercício do cargo, a avaliação de desempenho especial, além da anteriormente referida, agora para a aquisição de estabilidade no serviço público, reforçam muito especialmente o desempenho e a aptidão para exercício do cargo. Há, por outro lado, em conclusão do tópico, necessidade da citação de indicadores de desempenho. 3. O que é desempenho? “[...] o presente debate sobre a Administração da Corporação é somente uma primeira escaramuça. Teremos que aprender a estabelecer novas definições do significado de ‘desempenho’ numa dada empresa e, notadamente, na grande empresa de capital aberto [...]. Mesmo em termos puramente financeiros, enfrentamos algo totalmente novo: a necessidade de uma empresa sobreviver 30 ou 40 anos, isto é, até que seus investidores estejam atingindo a idade da aposentadoria [...]. Assim, teremos de aprender a desenvolver novos conceitos do significado de ‘desempenho’ numa empresa, novas medidas e assim por diante. Ao mesmo tempo, porém, o desempenho terá de ser definido em termos não-financeiros para que tenha significado para os trabalhadores do conhecimento e gere ‘compromisso’ por parte deles. E esse é um retorno não-financeiro, um ‘valor’. Portanto, torna-se necessário que todas as instituições definam o que significa desempenho. Isto costumava ser óbvio e simples, mas não é mais, de ser baseada em novas definições de desempenho.” Como requisitos para alavancar o desempenho, identifica quatro pontos, a saber: políticas para criar o futuro, métodos sistemáticos para buscar e prever mudanças, a maneira certa para conduzir mudanças e políticas para equilibrar mudanças e continuidade. William Damon(6), em conjunto com Howard Gardner(7), empreendeu estudos no sentido de entender o funcionamento da mente humana em confronto com a ética, separar a excelência na técnica da distinção na ética. Perceberam que algumas pessoas podem ter desempenho excelente sem qualquer critério moral. Especulam se seria possível mudar mentes no sentido de que a excelência e a ética estejam mais estreitamente associadas. Concluem que existe uma diferença entre indivíduos que tentam ser responsáveis na discussão ética e aqueles para os quais só importa o sucesso financeiro e mundano. Salientam que o conceito de “trabalho qualificado”, alto desempenho para nós, “envolve duas ordens de mudança mental. Em primeiro lugar, requer a crença de que o trabalho qualificado é um fenômeno vital demais para ser deixado ao acaso ou aos outros e requer a criação de experiências. Recomendam a tríade: missão, modelo e espelho. A missão com sistemas de crenças éticas desde o início, o modelo: o apoio dos iguais e dos mentores na formação e o espelho com periódicas “doses de vacinação”. 4. Provisório conteúdo do conceito de alto desempenho Reunidos e resumidos os pontos referenciais para esboçar um provisório conteúdo da idéia de “alto desempenho” para a gestão pública, passa-se a articular os pontos básicos: 4.1. A idéia de alto desempenho 1º) O gestor público para alcançar o “alto desempenho” há de estar preparado tecnicamente, mantendo-se continuamente atualizado com os avanços da sua área de atuação. Disse Aristóteles na “República” que a maior desgraça para um homem é não estar preparado para o cargo que exerce. Então, destacamos o preparo técnico e a contínua atualização. 2º) A idéia de “alto desempenho” está estreitamente vinculada ao comprometimento ético. A gestão pública de “alto desempenho” é proba, honesta. 3º) O conteúdo da idéia de “alto desempenho” tem em conta o gerenciamento dos interesses da sociedade e para a sociedade como um todo, desapegando-se das “razões do Estado”. Administra-se para todos em prol da comunidade. O gerente da coisa pública, agindo com o alto desempenho, completa e concretiza os princípios constitucionais sobre a matéria. 4º) A gestão pública de “alto desempenho” terá em vista a efetiva, eficiente e boa governança, fazendo uso da autoridade como dever. 5º) A gestão pública de “alto desempenho” terá em conta a economicidade de suas opções, é conseqüencialista. 6º) A gestão pública de “alto desempenho” será também compartilhada, privilegiando a função e a finalidade. 8º) O conteúdo da idéia de “alto desempenho” está associado à idéia de “valor”. 9º) O conteúdo da idéia de “alto desempenho” tem em conta que a responsabilidade existe pelo que é feito e pelo que não se faz, o “alto desempenho” também está associado à responsabilidade social, além da civil, administrativa e penal, bem como é responsável por resultados, a accountability. Em resumo: O “alto desempenho” na gestão pública é composto pelos seguintes predicados: é legal e vinculado aos princípios finalísticos e constitucionais; é impessoal na medida em que não faz distinções injustificáveis; é moral atrelado à ética da instituição e aos valores de seu tempo; é transparente, eficiente e resolutivo, responsável pelos resultados. 4.2. O alto desempenho na Administração da Justiça Na tentativa de exemplificar, correndo o risco de cometer omissões, no âmbito da Administração Pública do Judiciário, destaco os seguintes aspectos: 1º) O enfrentamento do “Caso Varig” pelos juízes do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que, altamente qualificados e considerando a principiologia da nova lei de Falências, tentam atingir os seus fins, não se limitando ao enfrentamento burocrático da situação, mas realmente buscando uma solução inovadora na qual se destaca o diálogo com o Judiciário Norte-Americano. 2º) A alta especialização e desempenho dos juízes criminais da 4ª Região, todos, mas em especial os das varas de lavagem de dinheiro e dos crimes do colarinho-branco. A iniciativa e o preparo de tais juízes e desembargadores iniciaram-se pelo comprometimento de figuras exemplares do Judiciário, Ministros do Superior Tribunal de Justiça e magistrados federais, que procuraram em conjunto se instruir e começam a tornar efetiva a aplicação da lei penal em tais casos historicamente negligenciados. 3º) A 4ª Câmara Criminal e a 22ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que se dedicam aos julgamentos dos Prefeitos nos casos de improbidade administrativa, passaram a pautar as condutas dos administradores municipais. 4º) Os magistrados federais e servidores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região que se dedicaram no Projeto Conciliação no SFH e nos débitos das Pessoas Físicas(8) que obtiveram acordos significativos tanto para os mutuários como para a CEF/Emgea, concretizando o direito à moradia e a proteção do consumidor. 5º) O Juizado Especial Federal Itinerante do Tribunal Regional Federal da 1ª Região que navega pelos rios amazônicos levando a Justiça Previdenciária às populações ribeirinhas. O projeto foi implantado pela Desembargadora Federal Selene Maria de Almeida quando foi Coordenadora dos Juizados. 6º) O processo eletrônico “E-Proc”, atualmente utilizado nos juizados federias, cujo projeto piloto foi implantado, em 2003, no Tribunal Regional Federal da 4ª Região. É um sistema que permite que as ações judiciais se desenvolvam no meio digital, eliminando o uso do papel e evitando o deslocamento dos advogados. É disponível todos os dias, fins de semana e feriados, das 6 h às 24 h, e foi desenvolvido por magistrados e servidores federais com uso de software livre. Recebeu o primeiro prêmio de excelência em informática pública(9), e o projeto foi selecionado para evento internacional no Canadá(10). A criação certamente vai revolucionar a prestação jurisdicional nos próximos anos. Eis um esforço para a conceituação da idéia de alto desempenho na gestão pública do Judiciário. NOTAS DE RODAPÉ 1. Disciplina Gestão e Orçamento. Prof. - Dr. Armando Cunha da Fundação Getúlio Vargas. Texto-base para a participação no XIX Congresso Brasileiro de Direito Administrativo do IBDA, Gramado, outubro de 2005. 2. SCHWARTZ, Stuart B. Burocracia e sociedade no Brasil colonial. São Paulo: Perspectiva, 1979. Relata a Suprema Corte da Bahia e seus juízes: 1609-1751. “Teoricamente, a justiça no Brasil deveria ter caráter universal e deveria ser administrada igual e justamente a todos. Como esse objetivo raramente era atingido, os integrantes da câmara tentavam a segunda melhor alternativa: justiça e administração que favorecessem seus interesses, isto é, basicamente os dos senhores da cana, a aristocracia proprietária dos escravos da colônia [...]. Os magistrados mais ligados à sociedade baiana eram, freqüentemente, os que causavam mais problemas [...]. O alto cargo oficial que ocupavam combinado às suas ligações locais e, muitas vezes, sua fortuna pessoal tornava-os impermeáveis a todos os tipos de controle legal e social [...]”. 3. Verificar resumo em: MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações do Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 17 et seq. 4. * Um dos maiores desafios é a idéia de que o serviço público é palco de atividades inúteis, do mais completo ócio, da burocracia do carimbo e outras mazelas, como é retratado no seriado “Os aspones”, com texto de Alexandre Machado e Fernanda Young, Direção-Geral de José Alvarenga Júnior, tendo entre outros no elenco o ator Selton Mello, que retrata uma suposta repartição do serviço público: o FMDO, onde ocorrem cenas insólitas e absurdas. 5. DRUCKER, Peter. Desafios Gerenciais para o Século XXI. São Paulo: Pioneira, 1999. p. 56 et seq. 6. GARDNER, Howard; CSIKSZENTMIHALYI, Mihaly; DAMON, William. Trabalho qualificado: quando a excelência e a ética se encontram. Porto Alegre: Artmed, 2005. 7. GARDNER, Howard. Inteligências múltiplas: a teoria na prática. Porto Alegre: Artes Médicas, 2005. 8. TESSLER, Marga Inge Barth. Administração da Justiça: Inovações - O Projeto Conciliação no SFH do TRF-4ª Região. Texto-base para a apresentação do Projeto Projecon – Inovações. Painel do Seminário Brasilcon “Política de consumo e sociedade do endividamento”, em 07.09.2005. Mesa Redonda: "Política de consumo e sociedade do endividamento: desafios atuais e apresentação do anteprojeto de lei sobre superendividamento de consumidores pessoas físicas". 9. JUSTIÇA do Sul se torna modelo. Zero Hora, Porto Alegre, 19 out. 2005. 10. O projeto é coordenado pelo Juiz Federal Sérgio Tejada Garcia que é o Coordenador da Comissão para Padronização da Plataforma Tecnológica da Justiça Federal. |
REVISTA
DE DOUTRINA DA 4ª REGIÃO
PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRF DA 4ª REGIÃO - EMAGIS |