O benefício assistencial previsto na Lei nº 8.742, de 07 de dezembro de 1993, e o posicionamento do Supremo Tribunal Federal

Autor: José Renato Rodrigues
(Procurador Federal
Professor da FACCAA/SP, da FMR e da Eduvale
Mestre em Direito pela Instituição Toledo de Ensino – ITE)


| Artigo publicado em 21.03.2006
|


Sumário:
1 A Seguridade Social; 2 A Assistência Social; 3 O artigo 20 da Lei nº 8.742/93; 4 A posição do Supremo Tribunal Federal; 5 Conclusão; 6 Bibliografia.

1 A Seguridade Social

Para termos condições de enfrentar o tema propriamente dito, é necessária uma análise, ainda que singela, da seguridade social.

A seguridade social é um sistema de proteção social que tem por finalidade amparar as essenciais (naturais) carências dos Homens.(1) Assegura um mínimo essencial para a vida.

No Brasil, o sistema da seguridade social tem assento constitucional nos artigos 194 a 204 da Constituição Federal de 1988 e compreende um conjunto integrado de ações do Poder Público e da sociedade (particulares).

A seguridade social é composta pela saúde, previdência e assistência sociais.

Em regra, podemos falar que a previdência fornece benefícios, a saúde fornece serviços e a assistência fornece ambos.

A diferença principal entre previdência (art. 201), saúde (art. 196) e assistência (art. 203) está na contribuição, sendo que a primeira exige e as outras não.

A seguridade social decorre de lei e regula relações entre pessoas naturais (beneficiárias ou não) ou jurídicas, de direito privado ou público, e o Estado (INSS – autarquia federal e RFB(2) – órgão da administração direta).

O direito é composto de normas jurídicas e relações jurídicas, sendo que estas têm sujeitos – ativo e passivo – e objeto. Na seguridade social, os sujeitos ativos são os beneficiários – segurado, dependentes e necessitados (art. 203) – e os passivos, aqueles de quem pode ser cobrado: Poder Público – União, Estados-Membros, Municípios e Distrito Federal.

Os objetos são as prestações (de saúde, de previdência e de assistência), que podem ser de dois tipos: a) benefícios – prestações pecuniárias (ex. aposentadoria) e b) serviços – prestações de fazer (ex. serviço de saúde).

2. A Assistência Social

No nosso ordenamento jurídico, a assistência social vem disciplinada nos artigos 203 e 204 da Constituição Federal de 1988 e na Lei nº 8.742, de 07 de dezembro de 1993 – LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social.

É prestada a quem dela necessitar e independe de contribuições. Trata-se de direito público subjetivo, na medida em que qualquer pessoa necessitada pode reivindicar do Estado, que é obrigado a prestá-la.

É financiada com a receita da seguridade social e tem como objetivo atender às necessidades básicas da sociedade. Serve de amparo genérico à população carente.

3. O Artigo 20 da Lei nº 8.742/93(3)

Em obediência ao disposto no inciso V do artigo 203 da atual Constituição Federal,(4) que garantiu, na forma da lei, o pagamento mensal de um salário mínimo aos idosos e aos portadores de deficiência que não consigam se manter, por si próprios ou com a ajuda da família, adveio a Lei nº 8.742, de 07 de dezembro de 1993, que, em seu artigo 20, regulamentou o aludido dispositivo constitucional.

Esse benefício assistencial, também conhecido como benefício de prestação continuada ou “LOAS”, substituiu a renda mensal vitalícia prevista no revogado artigo 139(5) da Lei nº 8.213/91.

O necessitado terá direito de receber o benefício assistencial mensal de 01 (um) salário mínimo desde que preenchidos, cumulativamente, os seguintes requisitos:

 

  • ser deficiente (físico ou mental) ou idoso – 65 (sessenta e cinco) anos;(6)(7)

 

O § 1º do artigo 20 da Lei n º 8.742/90 menciona que “A pessoa portadora de deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho.”(8)

 

  • renda familiar per capita inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo (§ 3º do art. 20 da lei n º 8.742/90).

 

De acordo com o Estatuto do Idoso – Lei nº 10.741/03, se um dos cônjuges receber o benefício assistencial ao idoso, o valor recebido por este não entra na renda familiar para efeito de cálculo da renda per capita para a concessão de benefício assistencial para o outro cônjuge idoso.(9) Assim, ambos os cônjuges idosos poderão receber, concomitantemente, dois benefícios assistenciais, sendo um benefício assistencial para cada um.

O benefício assistencial não pode ser cumulado com outro benefício (§ 4º do art. 20 da Lei n º 8.742/90), não tem 13º salário e não gera direito à pensão aos dependentes.

4. A posição do Supremo Tribunal Federal

A exigência da lei infraconstitucional (§ 3º do artigo 20 da Lei nº 8.742/90) de uma renda familiar per capita inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo, como requisito indispensável para a concessão do benefício assistencial, tem sido alvo de críticas, pois, segundo alguns, esse dispositivo legal seria inconstitucional por inviabilizar o próprio inciso V do artigo 203 e, principalmente, por afrontar o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, que é vetor de interpretação e sustentação de todo o ordenamento jurídico, pois é um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito (art. 1º, III, CF/88).

Cientificamente, também entendemos que o § 3º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, que exige uma renda per capita inferior a um quarto do salário mínimo para que as pessoas façam jus ao benefício assistencial, é inconstitucional, pois não precisamos nos esforçar para entender que é totalmente impossível que uma pessoa viva dignamente como um valor mensal de apenas R$ 75,00 (setenta e cinco) reais (1/4 do salário mínimo atual – R$ 300,00(10)).

Nesta toada, por reiteradas vezes e de forma incidental, a exigência prevista no § 3º do artigo 20 da LOAS – renda per capita inferior a um quarto do salário mínimo – tem sido afastada pelas várias instâncias judiciais, ao argumento de que esta seria inconstitucional.

Não obstante isso, analisando o nosso ordenamento jurídico, verificamos que é ao Supremo Tribunal Federal que compete, desde que provocado na via concentrada ou difusa, decidir acerca da constitucionalidade ou não de uma lei ou ato normativo, pois, como órgão de cúpula do Judiciário, é o guardião da Constituição Federal (art. 102).

Assim, se o Supremo Tribunal Federal julgar uma ação na via concentrada e reconhecer, em abstrato, que uma lei ou ato normativo é constitucional ou inconstitucional, temos que todas as decisões judiciais, inclusive outras do próprio STF prolatadas na via difusa, que reconheçam o contrário não podem subsistir.

E, nesse contexto, a plausível tese de inconstitucionalidade foi afastada pelo Supremo Tribunal Federal, o qual, ao julgar improcedente o pedido da ação direta de inconstitucionalidade – ADIn nº 1232, do Distrito Federal, declarou que o aludido dispositivo (§ 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93) é constitucional, portanto, plenamente válido.

O julgamento da mencionada ADIn ficou assim ementado, in verbis:

Constitucional. Impugna dispositivo de lei federal que estabelece o critério para receber o benefício do inciso V do artigo 203 da CF. Inexiste a restrição alegada em face ao próprio dispositivo constitucional que reporta a lei para fixar os critérios de garantia do benefício de salário mínimo a pessoa portadora de deficiência física e ao idoso. Esta lei traz hipótese objetiva de prestação assistencial do Estado. Ação julgada improcedente.(11)

Dessa forma, as decisões judiciais que declaram, incidentalmente, ser inconstitucional o § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93, estão indo de encontro ao Supremo Tribunal Federal, que já se posicionou no sentido do dispositivo ser constitucional. Estão formando coisa julgada inconstitucional, haja vista que não estão aplicando uma norma tida como inconstitucional, quando ela não o é.

Além de violar o § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93, o desrespeito à decisão prolatada na ADIn nº 1232-DF pelo Supremo Tribunal Federal implica agressão ao parágrafo único do artigo 28 da Lei nº 9.868/99(12) e ao § 2º do artigo 102 da CF/88,(13) que aduzem que a declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade na Ação Direta de Inconstitucionalidade tem efeito vinculante.

Por outro lado, outros julgadores, cientes da decisão do Supremo Tribunal Federal na ADIn nº 1232-DF e de seu efeito vinculante, não reconhecem, sabiamente, a inconstitucionalidade do § 3º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93. Contudo, verificando que o autor precisa do benefício assistencial e que a sua concessão esbarra na literalidade da renda per capita não superior a um quarto do salário mínimo, adotam outros critérios não previstos na Lei nº 8.742/93 para se aferir a renda per capita.

Na verdade, adotam critérios subjetivos para enquadrar o caso concreto no dispositivo em questão e, por conseqüência, concedem o benefício assistencial. Nesse sentido, veja-se o que o Ministro Paulo Medina, do Superior Tribunal de Justiça, monocraticamente, decidiu:

(...) A assistência social foi criada com o intuito de beneficiar os miseráveis, pessoas incapazes de sobreviver sem a ação da Previdência. Além do mais, o preceito contido no art. 20, § 3º da Lei nº 8.742/93 não é o único critério válido para comprovar a condição de miserabilidade preceituada no art. 203, V da Magna Carta. O julgador não é impedido de usar outros fatores que tenham o condão de comprovar a condição de miserabilidade da família do autor. (...).(14)

Comungando desse mesmo entendimento, colaciona-se uma decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, na qual o Desembargador Federal Sérgio Nascimento, em seu voto condutor do acórdão, fora expresso no sentido de que o disposto no § 3º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93 não é o único critério objetivo para aferição da miserabilidade para a concessão do benefício assistencial. In verbis:

Tem-se, ainda, que o artigo 20, parágrafo 3º, da Lei nº 8.742/93, não é o único critério objetivo para a aferição da hipossuficiência, razão pela qual é de se reconhecer que muitas vezes o quadro de pobreza há de ser aferido em função da situação específica da pessoa que pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa portadora de deficiência, é através da própria natureza dos males que a assolam, do seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades. Difícil, portanto, enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar e entender que somente aqueles que contam com menos de ¼ do salário-mínimo para sobreviver possam fazer jus ao benefício de amparo social.”(15)

A Turma Nacional de Uniformização de jurisprudência dos Juizados Especiais Federais, compartilhando desse posicionamento, editou a Súmula nº 11:

“A renda mensal, per capita familiar, superior a ¼ (um quarto) do salário mínimo não impede a concessão de benefício assistencial previsto no art. 20, § 3º, da Lei 8.742 de 1993, desde que comprovada, por outros meios, a miserabilidade do postulante.”

A súmula e as decisões antes transcritas, bem como inúmeras outras, extrapolam o comando descrito no § 3º do artigo 20 da LOAS.

Com o devido respeito, temos que isso é inadmissível, pois o legislador ordinário trouxe no aludido dispositivo legal – § 3º do artigo 20, da Lei 8.742/93 – o único critério objetivo possível, qual seja: renda per capita não superior a 1/4 do salário mínimo.

Aliás, é de bom tom deixar registrado que isso também já foi objeto de apreciação pelo STF em várias reclamações,(16) as quais tiveram seus pedidos julgados procedentes.

Para corroborar, é de grande valia transcrever o voto vencedor da Ministra e Relatora Ellen Gracie em uma reclamação:

“Consta do voto do Min. Ilmar Galvão, quando do julgamento de mérito da ADI 1232, verbis: ‘Na realidade, não se pode vislumbrar inconstitucionalidade no texto legal, posto revelar ele uma verdade irrefutável, seja, a de que é incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a ¼ do salário mínimo. A questão que resta é a de saber se com a hipótese prevista pela norma é a única suscetível de caracterizar a situação de incapacidade econômica da família do portador de deficiência ou do idoso inválido. Revelando-se manifesta a impossibilidade de resposta positiva, que afastaria grande parte dos destinatários do benefício assistencial previsto na Constituição, outra alternativa não resta senão emprestar ao texto impugnado interpretação segundo a qual não limita ele os meios de prova da condição de miserabilidade da família do necessitado deficiente ou idoso. Meu voto, portanto, com o parecer, julga procedente apenas em parte a ação, para o efeito acima explicitado...’ De forma contrária, porém, entendeu o Min. Nelson Jobim. Transcrevo, para maior clareza, o voto de Sua Excelência: ‘Sr. Presidente, data vênia do eminente Relator, compete à lei dispor a forma da comprovação. Se a legislação resolver criar outros mecanismos de comprovação, é problema da própria lei. O gozo do benefício depende de comprovar na forma da lei, e esta entendeu de comprovar dessa forma. Portanto, não há interpretação conforme possível porque, mesmo que se interprete assim, não se trata de autonomia de direito algum, pois depende da existência de lei, da definição’. O voto, do Min. Nelson Jobim, acabou prevalecendo no julgamento. A sentença impugnada adotou a fundamentação defendida no voto vencido. Conseqüentemente, afronta o entendimento vencedor e, assim, a decisão da ADI 1.232. Meu voto é, pois, no sentido do provimento da reclamação, julgando prejudicado o agravo regimental interposto pela Defensoria Pública”.(17)

No mesmo sentido a decisão proferida pelo Min. Gilmar Mendes na reclamação nº 2.298/SP:

Diante do precedente firmado pelo Plenário em Agravo Regimental na Reclamação n. 2303 – e considerando como violada a autoridade da decisão proferida por esta Corte na ADI 1232 –, julgo procedente a presente reclamação para cassar a decisão reclamada na parte em que concede benefício assistencial em desacordo com o requisito objetivo previsto no § 3º do art. 20 da Lei n. 8.742, de 7 de dezembro de 1993 (‘renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo’) (RISTF, art. 161, parágrafo único, acrescentado pela Emenda Regimental n. 13, de 25 de março de 2004)”.

Da leitura das decisões prolatadas nas reclamações antes mencionadas, verifica-se que o Supremo Tribunal Federal, além de decidir pela constitucionalidade do artigo 20, § 3º, da Lei 8.742/93 na ADIn nº 1.232-DF, também enfrentou e decidiu acerca do alcance do critério ali disposto – renda per capita não superior a um quarto do salário mínimo –, firmando o entendimento de ser este o único modo e critério objetivo a ser utilizado para se aferir a necessidade econômica para fazer jus ao benefício assistencial.(18)

Atenta a tudo isso, há recente decisão monocrática prolatada numa ação rescisória em trâmite no Tribunal Regional Federal da 3ª Região,(19) na qual a Desembargadora Federal Marisa Santos, sintetizando o até aqui articulado, decidiu:

 “Trata-se de pedido de antecipação de tutela, formulado pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), visando suspender a execução de Acórdão objeto da presente ação rescisória, através do qual restou condenado à concessão do benefício assistencial previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal.

Assevera o autor que o julgado violou as normas do artigo 20, § 3º, da Lei nº 8.742, de 07 de dezembro de 1993, e artigo 28, parágrafo único, da Lei nº 9.868, de 10 de novembro de 1999, ao desconsiderar o requisito da renda familiar per capita não superior a ¼ do salário mínimo para o deferimento da prestação em comento, pressuposto já proclamado de obrigatória observância pelo Supremo Tribunal Federal; ADI nº 1.232; consoante, aliás, reafirmado em sede da Reclamação nº 2.303-6/RS, e isso porque, na espécie, o montante percebido pela família, constituída pela ora ré e seu marido, corresponde a um salário mínimo por cabeça, sendo que, após o falecimento de seu cônjuge, ocorrido em 1º de junho de 2000, passou a receber pensão por morte.

É o relatório. Decido.

Dispõe o artigo 489 do Código de Processo Civil que ‘A ação rescisória não suspende a execução da sentença rescindenda’.

A norma proibitiva em questão há de ser entendida, porém, de maneira sistemática, como vem entendendo a jurisprudência, pois, se de um lado pretende dar efetividade à coisa julgada material, de outro é de rigor reconhecer-se que, presentes os pressupostos legais, aludidos no artigo 273, CPC, a paralisação temporária da execução do julgado impugnado torna-se imperativa, em face dos elementos probatórios produzidos na ação rescisória, que tenham o condão de indicar o provável sucesso do pedido nela deduzido.

Assim emoldurada a controvérsia aqui posta, impõe-se reconhecer que, no caso ora examinado, razão assiste ao autor.

Embora mantenha o entendimento no sentido de que a fixação da renda per capita familiar em ¼ do salário mínimo é excludente do bem-estar e justiça sociais que o artigo 193 da Constituição Federal elegeu como objetivos da Ordem Social, do que decorre, a meu ver, a franca inconstitucionalidade do § 3º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, fato é que o entendimento do Supremo Tribunal Federal, a quem compete dizer o direito em última instância, restou assentado em orientação contrária.

Com efeito, a interpretação autêntica trazida no julgamento da Reclamação nº 2.303-6 deixa claro que o critério fixado pelo § 3º do artigo 20 da LOAS é o único apto a caracterizar o estado de miserabilidade indispensável à concessão do benefício assistencial de prestação continuada.

Logo, tal requisito é de presidir o exame da controvérsia acerca da concessão, ou não, do benefício assistencial previsto no artigo 203, V, da Carta Magna.

In casu, o falecido marido da ré era beneficiário de aposentadoria por invalidez acidentária, no valor de um salário mínimo, do que resulta que a renda per capita do casal era de 50% (cinqüenta por cento) daquela quantia, superior, portanto, ao previsto no artigo 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.

Não bastasse isso, desde 1º de junho de 2000 a ré recebe pensão por morte, benefício não acumulável com o benefício de prestação continuada previsto na LOAS.

Acrescente-se que a prestação deferida na ação originária não foi ainda implantada, e não disponibilizado, à ré, o montante da condenação aferido por força do título executivo judicial aqui questionado.

Entendo presente, pois, a verossimilhança das alegações aduzidas pelo INSS.

Quanto ao receio da verificação de dano irreparável ou de difícil reparação, sua presença mostra-se óbvia, em face do início da execução da sentença rescindenda, em que apurado o montante da condenação em R$ 3.984,96 (três mil, novecentos e oitenta e quatro reais e noventa e seis centavos), o qual, se pago à ré, não poderá ser exigido.

Posto isso, presentes os pressupostos do artigo 273, CPC, defiro a antecipação de tutela para suspender a execução do julgado aqui impugnado, até o julgamento final deste feito.

Comunique-se o Juízo de Direito da 1ª Vara Cível da Comarca de Conchas/SP, por onde tramitou os autos de nº 391/99, dando-lhe ciência do inteiro teor desta decisão.

Cite-se, oferecendo-se o prazo de 30 (trinta) dias para a resposta, nos termos do artigo 491, primeira parte, CPC.

Intime-se.

São Paulo, 10 de junho de 2005.”

5. Conclusão

Embora sustentemos, academicamente, a flagrante inconstitucionalidade do § 3º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, que exige uma renda per capita inferior a um quarto do salário mínimo para que as pessoas façam jus ao benefício assistencial, por afronta, principalmente, ao princípio da dignidade da pessoa humana – art. 1º, III da CF/88, temos que nos curvar e respeitar a decisão com efeito vinculante de nosso guardião constitucional da Constituição Federal – Supremo Tribunal Federal –, prolatada na ADIn nº 1.232-DF, que reputou como constitucional o aludido dispositivo legal.

Porém, nada impede que, no futuro, o próprio STF reaprecie a mesma questão numa outra ação na via concentrada e, por conseqüência, tenha a oportunidade, em outro momento histórico, de reconhecer a inconstitucionalidade da exigência de renda per capita inferior a um quarto do salário mínimo para as pessoas terem direito ao benefício assistencial.

O nosso desejo, bem como de muitos outros brasileiros, é que o valor do salário mínimo seja elevado a um valor digno e, que, efetiva e socialmente, possa cumprir a sua finalidade constitucional inserida no artigo 6º, inciso IV, de nossa Constituição cidadã, qual seja: “(...) atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, (...)”.

 Em acontecendo isso, não haveria necessidade de perquirirmos sobre a constitucionalidade ou não do § 3º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, haja vista que a fixação de renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo seria um patamar bem razoável.

6. Bibliografia

 BALERA, Vagner. Sistema de seguridade social. 3. ed. São Paulo: LTr, 2003.

NUNES, Luiz Antonio Rizatto. Manual da monograf ia Jurídica . 3. ed., rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2001.

PICELI, Eros. Direito previdenciário e infortunística. Apostila do Curso Preparatório para Concurso , São Paulo: 2005.

RODRIGUES, José Renato. Resumo de direito previdenciário. Disponível em: <http://www.ite.edu.br/posgraduacao_apostilas.htm>. Acesso em: 10 jan. 2003.

________. A flexibilização da coisa julgada. Dissertação de Mestrado. Bauru: Instituição Toledo de Ensino, 2002.

HORVATH JÚNIOR, Miguel. Direito previdenciário. 5. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2005.

Notas

1. Utiliza-se em maiúscula a palavra “Homens” pois estamos nos referindo ao ser humano e não somente à pessoa humana do sexo masculino.

2. Antiga SRF – Secretaria da Receita Federal, que, com o advento da Medida Provisória nº 258/05, passou-se a chamar RFB – Receita Federal do Brasil que, além das atribuições da SRF, agora também detém a capacidade tributária ativa das contribuições que até então pertencia ao INSS – Instituto Nacional do Seguro Social. Por isso, é comum ouvirmos a “MP que criou a super- receita”.

3. Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70 (setenta) anos ou mais e que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
§ 1 o  Para os efeitos do disposto no caput, entende-se como família o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei n o 8.213, de 24 de julho de 1991, desde que vivam sob o mesmo teto.
§ 2º Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho.
§ 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
§ 4º O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo o da assistência médica.
§ 5º A situação de internado não prejudica o direito do idoso ou do portador de deficiência ao benefício.
§ 6 o  A concessão do benefício ficará sujeita a exame médico pericial e laudo realizados pelos serviços de perícia médica do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS.
§ 7 o  Na hipótese de não existirem serviços no município de residência do beneficiário, fica assegurado, na forma prevista em regulamento, o seu encaminhamento ao município mais próximo que contar com tal estrutura.
§ 8 o  A renda familiar mensal a que se refere o § 3 o deverá ser declarada pelo requerente ou seu representante legal, sujeitando-se aos demais procedimentos previstos no regulamento para o deferimento do pedido.”

4. “Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:

(...)

V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.”

5. “Art. 139. A Renda Mensal Vitalícia continuará integrando o elenco de benefícios da Previdência Social, até que seja regulamentado o inciso V do art. 203 da Constituição Federal. (Este artigo já vinha sem efeito desde 01/96, em decorrência do Decreto nº 1.744/95)
§ 1º - A Renda Mensal Vitalícia será devida ao maior de 70 (setenta) anos de idade ou inválido que não exercer atividade remunerada, não auferir qualquer rendimento superior ao valor da sua renda mensal, não for mantido por pessoa de quem depende obrigatoriamente e não tiver outro meio de prover o próprio sustento, desde que:

I - tenha sido filiado à Previdência Social, em qualquer época, no mínimo por 12 (doze) meses, consecutivos ou não;
II - tenha exercido atividade remunerada atualmente abrangida pelo Regime Geral de Previdência Social, embora sem filiação a este ou à antiga Previdência Social Urbana ou Rural, no mínimo por 5 (cinco) anos, consecutivos ou não; ou
III - se tenha filiado à antiga Previdência Social Urbana após completar 60 (sessenta) anos de idade, sem direito aos benefícios regulamentares.
§ 2º - O valor da Renda Mensal Vitalícia, inclusive para as concedidas antes da entrada em vigor desta lei, será de 1 (um) salário mínimo.
§ 3º - A Renda Mensal Vitalícia será devida a contar da data da apresentação do requerimento.”

6. Com a redação original do artigo 20 da Lei nº 8.742/93 a idade era de 70 (setenta) anos. Após, baixou para 67 (sessenta e sete) anos por força da Lei nº 9.720/98. Com o advento da Lei nº 10.741/03 – estatuto do idoso, o caput do artigo 34 novamente baixou a idade, agora para 65 (sessenta e cinco) anos.

7. Uma curiosidade importante para deixar registrada é que o caput do artigo 1º da Lei nº 10.741/03 – estatuto do idoso define como pessoa idosa aquela que tem 60 (sessenta) anos ou mais. Entretanto, para ter direito ao benefício assistencial deverá ser idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais.

8. A lei traz somente a palavra “deficiência”, o que implica dizer que abrange toda e qualquer deficiência, pois, onde o legislador não restringiu não cabe ao intérprete restringir.

9. “Art. 34. Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para promover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário-mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social – Loas.

Parágrafo único. O benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a Loas.”

10. Esse é o valor do salário mínimo desde 01/05/05.

11. DJ 01.06.2001.

12. “Art. 28. (...)

Parágrafo único. A declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal.”

13. Art. 102. (...)

§ 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.” (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004).

14. Trata-se de trecho da decisão de fls. 69/70 dos autos do agravo na forma de instrumento – AG 518489/SP, oriundo dos autos do processo n 643/99 em trâmite na 4ª Vara da Comarca de Botucatu – SP, em que a autora, Sra. Jaci Maria Silva de Melo, move em relação ao INSS.

15. Prolatado nos autos do processo n 880/00, em que a Sra. Antonia da Cruz Fonseca move contra o INSS perante a 2ª Vara da Comarca de Avaré – SP.

16. “Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I - processar e julgar, originariamente:

(...)

l) a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões;”

17. AGRCL 2303, julgado em 1º.04.2004.

18. Além das decisões mencionadas, há inúmeras outras decisões do STF no mesmo sentido e que estão retratadas em várias reclamações. Citem-se, como exemplos, as reclamações nº 2323 e 3645.

19. A ação rescisória foi ajuizada pelo INSS em relação à Sra. Benedita Paulino Pinheiro, recebeu o nº 2005.03.00.026578-7 - AR 4462 e está pendente de julgamento final.

 

Referência bibliográfica: (de acordo com a NBR 6023: 2002/ABNT):
. Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n., maio 2006. Disponível em:
<>
Acesso em: .

REVISTA DE DOUTRINA DA 4ª REGIÃO
PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRF DA 4ª REGIÃO - EMAGIS