Informatização e prestação jurisdicional: desafios e perspectivas

Autor: Sérgio Renato Tejada Garcia
(Juiz Federal, Presidente da Comissão de Estudos para Padronizar a Plataforma de Informática no Âmbito da Justiça Federal e do Comitê Técnico da AC-Jus - Autoridade Certificadora da Justiça, professor da ESMAFE e pós-graduado em Direito Processual Civil pela UnB)


| Artigo publicado em 21.03.2006|


Sumário:
1. Introdução; 2. Informatização do Judiciário e do Processo: conceitos, princípios  e desafios; 3. O  Processo Eletrônico no Rio Grande do Sul: História e Avaliação; 4. Mudanças Normativas Sugeridas; 5. Conclusões


1 Introdução

Uma Justiça soberana, imparcial, livre, autônoma, acessível a qualquer cidadão ainda que para litigar contra o próprio Poder Público, que assegure o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade e a igualdade (que são alguns dos valores supremos de uma sociedade), é o verdadeiro esteio do Estado de Direito, constituindo-se na conquista maior da democracia moderna.

No Brasil, a Constituição Federal de 1988 foi pragmática ao dar atenção minudente aos direitos de primeira geração (direitos cívicos e políticos), de segunda geração (direitos econômicos e sociais) e de terceira geração (direito dos consumidores, da proteção ambiental e da qualidade de vida em geral, direito ao trabalho, direito ao desenvolvimento, direito à saúde, direito à alimentação e os direitos difusos em geral),(1) revelando a opção político-ideológica por um estado de direito justo, livre, solidário e pluralista.

Por outro lado, não quer a Carta Magna fiquem os direitos e liberdades constitucionais confinados à retórica. Objetiva vê-los vivenciados pela sociedade como algo que se integra e se incorpora à sua vida diária, extraindo, assim, toda eficácia social da Lei Fundamental.

Tal mister somente é viável se houver garantias de que os direitos violados serão reparados mediante intervenção enérgica do próprio Estado, o que se dá mediante facilitação do livre acesso à Justiça, através do exercício do direito de ação e do processo. Certamente por isso a Constituição também foi pródiga ao dispor sobre Direito Constitucional Processual e sobre Direito Processual Constitucional, ditando princípios processuais, regras processuais e tipificando constitucionalmente procedimentos especiais para a defesa dos direitos e das liberdades constitucionais. Assim, a Constituição especificou os princípios do devido processo legal, da inafastabilidade da jurisdição, do juiz natural, do contraditório, da ampla defesa, da proibição de prova ilícita, do duplo grau de jurisdição, da motivação, da publicidade dos atos processuais, entre outros. Tratou da assistência judiciária e da assistência jurídica aos necessitados. Constitucionalizou a ação popular, o habeas corpus, o mandado de segurança, a ação direta de inconstitucionalidade. Criou o mandado de injunção. Cuidou da defesa coletiva de direitos e legitimou sindicatos, associações, partidos políticos, entidades de classe e o Ministério Público para defesa de direitos subjetivos de terceiros.

Como se vê, a Constituição providenciou em dar configuração ao direito processual como instrumento público de realização da Justiça, conferindo ao estudioso uma fonte inesgotável de aperfeiçoamento do direito processual ordinário. Evidente que não se trata de um fenômeno exclusivamente brasileiro, muito embora tenha assumido aqui contornos tão profundos a partir da Lei Maior atual que, inclusive, contemplou proteção, no inciso XXXV do art. 5°, não só ao direito violado, mas também contra a ameaça de violação a direito. Ao contrário, trata-se de uma tendência mundial, o que justifica a atenção especial que os processualistas têm dado ao tema, concedendo-lhe tratamento científico, como se observa dos estudos de Cappelletti, Denti, Vigoriti, Comoglio, Augusto Mario Morello, Roberto Berizonce, Buzaid, Frederico Marques, entre outros. Observam Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pelegrini Grinover e Cândido Dinamarco que:

“Antigos e conceituados doutrinadores já afirmavam que o direito processual não poderia florescer senão no terreno do liberalismo e que as mutações do conceito de ação merecem ser estudadas no contraste entre liberdade e autoridade, sendo dado destaque à relação existente entre os institutos processuais e seus pressupostos políticos e constitucionais. Hoje se acentua a ligação entre processo e Constituição no estudo concreto dos institutos processuais, não mais colhidos na esfera fechada do processo, mas no sistema unitário do ordenamento jurídico: é esse o caminho, foi dito com muita autoridade, que transformará o processo, de simples instrumento de justiça, em garantia de liberdade”.(2)

A Justiça Brasileira, salvo alguns desvios próprios de uma instituição governada por homens, cumpre bem o seu papel, porém com muita lentidão.

A morosidade é, sem dúvida, o maior e mais reclamado problema da Justiça, de modo especial quando o cidadão tem uma causa contra o Poder Público: são prazos processuais duplicados ou até quadruplicados, recurso de ofício pelo juiz para o tribunal em favor da Fazenda Pública, esgotamento de todos os recursos e graus de jurisdição, inclusive especial e extraordinário, processo de execução autônomo com oportunidade de reabertura de um novo processo de conhecimento via malfadados embargos do devedor e, por fim, o famigerado precatório, cujo prazo mínimo para pagamento tem sido, na prática, de não menos de dois anos. Assistimos, muitas vezes e com tristeza, situações de segurados da Previdência Social que não conseguiram ter vida para ver o reconhecimento do seu direito à aposentadoria, que se transformou, malgrado o esforço feito, apenas em herança para seus dependentes.

Não é demais relembrar aqui o célebre discurso de Rui Barbosa para seus afilhados, bacharelandos de 1920 da Faculdade de São Paulo, que já naquela época advertia: “Mas justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta. Porque a dilação ilegal nas mãos do julgador contraria o direito das partes e, assim, as lesa no patrimônio, honra e liberdade”.

São inúmeras as tentativas feitas no plano legislativo e administrativo para superar esse mal que aflige todas as esferas da Justiça, sempre com resultados duvidosos. A própria Reforma do Judiciário (Emenda Constitucional nº 45, de 08 de dezembro de 2004) introduziu o inciso LXXVIII no artigo 5º da Constituição, com esse mesmo objetivo, verbis: a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

Entretanto, muito pouco se alterou quando se trata de ação judicial contra o Poder Público. Ao contrário, incluiu-se a exigência de sentença transitada em julgado para o pagamento de suas dívidas e a vedação ao fracionamento do precatório, praticamente inviabilizando qualquer tentativa de, pelo menos, execução provisória do julgado.

Estudos de Direito Econômico têm revelado que não é só o jurisdicionado que suporta o ônus da morosidade judicial. Justiça lenta prejudica o País. Estudos do Ipea – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada demonstraram que com uma Justiça ineficiente, a taxa de crescimento de longo prazo do País reduz-se em 25%. Ao contrário, o Brasil com uma Justiça eficiente poderia crescer 0,8% ao ano; a produção nacional poderia aumentar em 14%; o desemprego cairia quase 9,5%; e o investimento aumentaria em 10,4%.

Com isso, concluímos que não são só argumentos jurídicos que recomendam investimentos na agilização da prestação jurisdicional. Uma Justiça ágil melhora a taxa de crescimento, aumenta a produção nacional, combate o desemprego, ajudando no desenvolvimento nacional, na erradicação da pobreza e na redução das desigualdades sociais.

Nem tudo, entretanto, são providências pouco frutíferas. Os Juizados Especiais, com o seu microssistema de natureza instrumental, têm se revelado como ferramenta efetiva para agilização das causas judiciais de menor valor, as chamadas “pequenas causas”. Encontram fundamento constitucional no art. 98, I, da Lei Maior e tiveram sua instituição formal através da Lei nº 7.244/84, estando regulados atualmente pela Lei nº 9.099/95.

O sucesso dos Juizados Especiais se deve, principalmente, aos princípios processuais que o orientam: oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação. Enfim, abandonou-se a burocracia (do processo), mal que atinge toda a Administração Pública Brasileira desde a formação da nossa sociedade, em razão do modelo patrimonialista trazido por nossos colonizadores, que é uma forma mais autoritária e centralizadora que o sistema feudal, conforme ensinam Sérgio Buarque de Holanda e Raymundo Faoro.

Entretanto, essa revolucionária forma de processar e julgar não podia ser utilizada pelo cidadão contra a Fazenda Pública em razão, exatamente, das prerrogativas processuais do Poder Público, ainda reflexos, provavelmente, do autoritarismo antes mencionado.

Isso foi superado com a alteração do artigo 98 da Constituição Federal, viabilizando a promulgação da Lei nº 10.259, de 2001, que instituiu os Juizados Especiais Federais, inaugurados a partir de janeiro de 2002, trazendo, ainda, a elevação da alçada de julgamento para causas com conteúdo econômico de até 60 salários mínimos, bem como a dispensa do famigerado precatório como forma de pagamento de condenações contra o Poder Público, substituindo-o pela Requisição de Pequeno Valor – RPV, com prazo de 60 dias para pagamento.

Para que se tenha uma idéia do impacto e da abrangência desses juizados, basta citar uma pesquisa realizada pela Justiça Federal do Rio Grande do Sul no ano de 2001, na qual apurou-se que 95% das ações movidas por segurados contra a Previdência Social estavam no patamar de até 60 salários mínimos e 70% das causas cíveis em geral também não excediam esse valor.

Portanto, esses juizados, além de trazerem em seu bojo mecanismos efetivos de agilização da justiça, têm o “efeito colateral” de, em médio prazo, reduzir o congestionamento de processos da Justiça Comum, impactando, conseqüentemente, a morosidade lá verificada.

De sua vez, os administradores da Justiça, no âmbito de suas atribuições, têm também tentado soluções das mais diversas ordens para fazer superar o mal da morosidade.

E o exemplo mais flagrante disso é o investimento maciço em tecnologia da informação e da comunicação (TIC), ou seja, a informática.

É induvidoso que a informática tem sido, e é, uma ferramenta indispensável para uma prestação jurisdicional moderna e que tem, efetivamente, colaborado para o aperfeiçoamento e para a agilização da Justiça.

São exemplos os chamados gestores de documentos, que são programas computacionais que agilizam a produção de sentenças e acórdãos, automatizando a identificação das partes, buscando precedentes do mesmo magistrado sobre o mesmo assunto e permitindo, inclusive, assinatura digital. Há as pautas eletrônicas de julgamento dos tribunais, através das quais os processos pautados por um determinado relator ficam imediatamente disponíveis na tela do computador do revisor ou do vogal. Há os sistemas de comunicação, que permitem a formatação automática dos resultados de julgamentos para envio imediato para publicação no Diário Oficial. Há os mecanismos de intimações eletrônicas das partes, bem como os sistemas de geração automática de mandados para oficiais de justiça e sua distribuição. Há os sistemas de controle processual, nos quais ficam registradas todas as fases dos processos e através deles as partes podem acompanhar passo a passo o andamento de seus processos, inclusive pela Internet. Aliás, hoje, sem esses sistemas de acompanhamento processual, o simples ato de localização de um processo se torna quase impossível, dado que são milhares de ações que tramitam nos foros de primeiro grau e nos tribunais.

Contudo, o que se fez até hoje foi pouco mais do que informatizar a burocracia do processo. E essa, segundo consta em uma pesquisa encomendada pelo Supremo Tribunal Federal(3), responde por 60% de todo o tempo de tramitação de um processo judicial.

Com efeito, todos os atos processuais ainda são praticados com a utilização de fórmulas centenárias e a utilização de expressões quase sacramentais, tais como autuação, numeração de folhas, que devem ser rubricadas, certidões de juntada, certidões de conclusão ao juiz, etc. Concomitantemente, todos esses atos são reproduzidos no sistema de acompanhamento processual informatizado, havendo, na verdade, trabalho duplicado, ou retrabalho, de tudo. E assim é também com os mandados para os oficiais de justiça: são impressos, assinados, distribuídos, cumpridos pelo meirinho, devolvidos, juntados aos autos, tudo com cópia no processo e seguido das respectivas certidões e, mais uma vez, registrado no sistema eletrônico de acompanhamento processual. É por isso que a informatização do processo tem um custo muito elevado para o Erário, porém não tem sido eficaz para resolver a morosidade da Justiça. Não é exagero afirmar que o que se fez até agora em matéria de tecnologia da informação nada mais foi do que informatizar as Ordenações Filipinas ou as Ordenações Manoelinas, que foi o Direito que Portugal nos legou quando colonizou o Brasil.

Evoluiu-se, recentemente, para uma nova forma de utilização da informática, que é o processo judicial em autos totalmente virtuais, que tem alcançado resultados surpreendentes em termos de agilização processual, acesso à Justiça, redução de custos, desburocratização do processo, etc.

É o uso do que há de mais moderno em termos de Tecnologia da Informação e da Comunicação a serviço da prestação jurisdicional. É a aplicação das plataformas tecnológicas mais avançadas, linguagens computacionais de última geração, bancos de dados modernos e inter-relacionais, redes de comunicação de alta velocidade e de certificação digital.

Enfim, agora é possível afirmar que há respaldo tecnológico para, junto com todas as medidas legislativas em favor da agilização do processo, construirmos a Justiça moderna, eficiente, ágil e rápida que o povo reclama.

2. Informatização do Judiciário e do Processo: conceitos, princípios  e desafios 

Os Juizados Especiais Federais constituem-se no terreno mais propício para albergar a tecnologia do processo judicial eletrônico, funcionando como base para evolução e aperfeiçoamento dos softwares para, em futuro não muito distante, ser a forma de processamento de ações judiciais de qualquer espécie.

O processo eletrônico é totalmente virtual, isto é, não é convertido para o papel em momento algum, e os atos processuais, chamados, em uma linguagem mais moderna, de eventos, são todos gerados e registrados automaticamente, abandonando-se definitivamente a duplicidade de ações. Todos os documentos que integram o processo, tais como petições iniciais, contestações, petições em geral, sentenças, etc., são produzidos eletronicamente e armazenados em meio digital. Os documentos que eventualmente instruam a causa também devem ser transferidos para o meio digital, através do método de “escaneamento”, e assim são “anexados” aos processos virtuais.

O processo tramita desde a distribuição inicial até o julgamento pela Turma Recursal em meio virtual, e o cumprimento do julgado também pode ser feito de forma eletrônica.

O sistema é uma página web acessível para intranet e pela extranet, cujo endereço externo para consulta e movimentação processual é www.jef-rs.gov.br .

Como nos juizados não é obrigatório o concurso de advogado no primeiro grau, a parte pode comparecer pessoalmente ao Juizado Especial Federal para formular sua pretensão, sendo atendido por um servidor designado para tal, que registrará o pleito já virtualmente pela intranet, dando início à causa. Nesses casos, para o demandante será totalmente indiferente o fato de se tratar de processo eletrônico, a não ser pelo fato de que poderá consultar o andamento da causa pela Internet, de qualquer lugar do mundo, no endereço acima mencionado, podendo visualizar o inteiro teor dos despachos, decisões, contra-razões, etc.

O grande diferencial é para os advogados e procuradores dos órgãos réus, assim como, evidentemente, para os magistrados e servidores da Justiça. E o sistema é extremamente simples e amigável, praticamente orientando o usuário para os passos que deve seguir, dispensando qualquer tipo de treinamento para aqueles que já saibam pelo menos consultar uma página de Internet. Para demonstrar isso, e antes de citar as facilidades e vantagens do sistema em face do método tradicional de processamento de causas, exemplifica-se com a rotina de distribuição de um novo processo por um advogado.

O causídico acessará o sítio do processo eletrônico fornecendo seu login e senha, para o que deverá estar previamente cadastrado perante a Justiça Federal. Se não estiver, solicitará pelo mesmo sítio seu cadastramento, devendo comparecer à sede da Justiça para ativar sua senha, que é pessoal e intransferível, quando então deverá apresentar sua identidade da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB. Embora seja tecnicamente viável a geração de senhas secretas diretamente pela web, exige-se o comparecimento pessoal do advogado por uma questão de segurança, protegendo a própria categoria, evitando que alguém sem habilitação se faça passar por profissional do Direito. A propósito, o login (identificação) do advogado será sempre a sigla do Estado ao qual sua OAB está vinculada, mais o número de inscrição, composto de seus dígitos. Se o número não tiver seis dígitos, deve ser completado com zeros à esquerda até completar seis. Por exemplo, RS00XXXX. Quando for ativada a senha, o sistema eletrônico gerará uma página pessoal do advogado dentro do portal do processo eletrônico, na qual ficarão reunidas todas as informações pertinentes àquele bacharel, tais como ações judiciais virtuais de sua responsabilidade perante qualquer Juizado Especial Federal do Estado do Rio Grande do Sul, intimações, controle de prazos processuais, ferramentas (links) de localização e movimentação processual, etc. Mais adiante voltaremos ao assunto para explicar melhor as facilidades e serviços da página pessoal do advogado.

Pois bem, munido de login e senha, o advogado, de seu escritório ou de qualquer lugar do mundo que tenha acesso a um computador ligado à Internet, para dar início a uma nova ação, deverá preparar a petição inicial diretamente no editor de texto do computador, assim como deverá digitalizar a procuração e os documentos que irão instruir a inicial, “salvando” em lugar próprio de sua máquina, tal qual faz com o processo comum, sem, porém, imprimir, obviamente. Após acessará o portal do processo eletrônico, identificando-se com sua senha, e o Sistema abrirá automaticamente sua página pessoal.

A seguir escolherá, no menu que se apresenta na tela, para qual vara de juizado remeterá o novo processo. Nesse menu aparecerá o nome de todas as cidades do Estado do Rio Grande do Sul cujos Juizados Especiais Federais já contam com processo eletrônico. Após acionará a linha que diz “petição inicial – novo processo”, que abrirá a página seguinte, onde há espaço para cadastrar o autor e informar quem é o réu. Feito isso, deverá o advogado acionar o “botão” correspondente para anexar os documentos, que o Sistema abrirá automaticamente a pasta de arquivos do computador onde os mesmos se encontram gravados, “clicando”, a seguir, sobre a pasta onde está “salva” a petição inicial e, em seguida, identificará o tipo de documento através de uma lista pré-existente no portal e depois selecionará a opção anexar. Esse procedimento deverá ser repetido para a procuração e para os demais documentos. Concluída essa etapa, deverá o advogado retornar à tela petição inicial, completando os demais dados da causa nos locais previamente definidos. São esses: o tipo de ação, o assunto, o valor da causa, se há pedido de antecipação de tutela, se o autor é idoso com direito à tramitação prioritária, entre outros. Preparado isso, o advogado deverá acionar o “botão” enviar, e imediatamente já existirá um novo processo judicial no Juizado Especial Federal indicado. Todos os documentos enviados receberão a assinatura eletrônica do advogado, dando confiabilidade à origem, anexando a cada um deles uma chave criptográfica, tornando-os praticamente imunes a fraudes ou adulterações posteriores.

Imediatamente o Sistema gerará um novo processo e, se no lugar houver mais de uma vara de juizado com a mesma competência, distribuirá a causa para um deles, cadastrará e autuará automaticamente a nova ação, emitindo um protocolo de distribuição que aparecerá imediatamente na tela pessoal do advogado que enviou a ação, onde já constará o número que o processo recebeu, o nome das partes, a identificação do juizado para o qual foi distribuído e o nome do juiz que irá julgar. O advogado, então, poderá imprimir o protocolo ou “salvar” em local próprio de seu computador, se assim desejar. Esse procedimento todo demora, no máximo, oito milésimos de segundo.

Recebida a ação no Juizado Especial Federal, a regularidade da ação já poderá ser imediatamente verificada pelo Juízo, que a despachará no que for pertinente, também eletronicamente.

Resolvidas as questões iniciais, a citação do réu ou dos réus será feita eletronicamente, tudo mediante cadastramento e entendimento prévio com a procuradoria pública correspondente, procedimento esse consistente em mero acionamento de “botões”, que também demora milésimos de segundo.

A contestação, ou proposta de conciliação ou transação, se for o caso, é feita no próprio Sistema, sendo que os advogados e procuradores dos órgãos públicos dispõem de uma página pessoal, à semelhança do que ocorre com os advogados privados.

Vinda a resposta, o Juízo decidirá se é o caso de designar audiência de instrução e julgamento que, se ocorrer, terá todos os seus atos registrados em meio virtual, podendo a sentença ser proferida na mesma audiência.

Em se tratando de matéria exclusivamente de direito, a sentença pode ser proferida imediatamente, dispensando-se a designação de audiência, dela intimando-se autor e réu pela via eletrônica.

Interessando ao sucumbente protocolar recurso, o mesmo será interposto eletronicamente através de uma sistemática semelhante ao procedimento acima descrito para distribuição de um novo processo.

A Turma Recursal julgará o recurso também eletronicamente e o processo imediatamente baixará para ser “executado” mediante um simples comando eletrônico. Somente em situações excepcionais é que será admitido recurso extraordinário para o Supremo Tribunal Federal, única hipótese em que ainda será necessário materializar (imprimir) o processo para remessa à Corte Suprema.

Como nos Juizados Especiais Federais o “réu” é sempre um órgão federal (União, autarquias, fundações e empresas públicas federais), conforme estabelece o art. 6º, II, da Lei nº 10.259/2001, no caso de procedência da ação, a implementação do julgado fica muito facilitada, já que a comunicação às autoridades para cumprimento é feita eletronicamente. Havendo crédito em favor do autor, a requisição de pagamento contra a fazenda pública, a chamada Requisição de Pequeno Valor – RPV, também é gerada eletronicamente e o pagamento deve ser feito em, no máximo, 60 dias, para o que já deve existir prévia dotação orçamentária, conforme estabelece a Lei nº 10.099/2000.

Em alguns tipos de demandas repetitivas, que são as que impactam quantitativamente a Justiça Federal, a implantação dos julgados pode ser feita automaticamente e em bloco de um número infinito de ações ao mesmo tempo, através da troca de dados via rede de comunicação “dedicada” entre os computadores da Justiça e os computadores do órgão requerido. São exemplos de demandas repetitivas as ações buscando correção monetária de saldo de contas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS e recálculo de benefícios previdenciários. Em ambos os casos já foram celebrados convênios com a Caixa Econômica Federal e com o Instituto Nacional do Seguro Social estabelecendo protocolos para implementação do serviço.

Diferentemente do que acontece com o processo tradicional, em que o juiz é o grande “ator” da Justiça, tendo o advogado que pedir a ele até para autorizar a juntada de um requerimento nos autos, no processo eletrônico cada qual faz a sua parte. Assim, por exemplo, é o advogado quem cadastra o autor da ação no Sistema, já que é ele que tem a procuração e é ele que sabe quem é o demandante e qual é o seu objetivo. É o advogado quem distribui a petição inicial e é ele quem junta todas suas petições ao processo pela Internet sem a necessidade de nem mesmo comparecer na sede da Justiça. É o procurador do réu (advogado da união, procurador federal, etc.) quem anexa ao processo a contestação, a resposta, o recurso, etc. O mesmo se diga quanto ao Ministério Público. Ao juiz competem as atividades próprias do poder de dizer o Direito: despachos, decisões e sentenças. Isso decorre, enfim, do que dispõem os artigos 127, 131 e 133 da Constituição Federal, que estabelecem que o Ministério Público, a Advocacia Pública, a Defensoria Pública e a Advocacia em geral são todos funções essenciais à Justiça, não sendo legítimo ao Poder Judiciário impedi-los de cumprir seu papel constitucional.

É claro que o juiz não perde o poder de dirigente do processo, cumprindo-lhe verificar a regularidade processual e a pertinência das peças que são juntadas aos autos da causa, podendo mandar corrigir ou desentranhar o que não atender aos princípios da Justiça.

A propósito de juntada de petições e de ações repetitivas, o processo eletrônico também permite movimentação processual em bloco, isto é, quando para “n” processos deve ser juntada uma petição idêntica, um recurso idêntico ou até mesmo uma sentença idêntica, bastará que o usuário selecione todos os processos repetidos através de ferramentas próprias, tais como tipo de ação, estágio do processo, etc., e determine num único “clicar” que o documento seja anexado automaticamente a todos os processos selecionados. Essa facilidade faz com que o trabalho de muitas horas seja realizado em poucos segundos.

A interposição de recurso também é muito simplificada no processo eletrônico. Basta que o procurador anexe ao processo a petição contendo as razões recursais, adotando o mesmo procedimento acima descrito para anexação da petição inicial, e informe no campo próprio que deseja recorrer e o ato está pronto. Será feito o exame de admissibilidade pelo juiz e dada vista à outra parte, também eletronicamente, para contra-razões e, logo a seguir, o servidor do Juizado Especial Federal acionará a tecla correspondente à remessa do processo à Turma Recursal. Imediatamente o processo “congelará” para o Juizado e se “abrirá” para a Turma Recursal, já informando qual o relator designado, sem necessidade de qualquer providência de distribuição ou de procedimentos burocráticos, podendo, inclusive, ser pautado imediatamente para o julgamento colegiado; ou poderá o relator negar seguimento “de pronto” ao recurso se a sentença estiver em conformidade com matéria sumulada. As partes podem acompanhar pela Internet, em tempo real, tudo que está acontecendo com o processo. É claro que, embora isso ainda não aconteça na prática, em tese a interposição e processamento de um recurso, bem como seu julgamento pela Turma Recursal, podem virar procedimento de apenas alguns minutos.

A distribuição de recurso contra medida cautelar, que consiste no único recurso antes da sentença admitido pela Lei dos Juizados Especiais Federais e que é um procedimento similar ao agravo de instrumento do procedimento comum, o qual é distribuído diretamente para a Turma Recursal, também ficou extremamente facilitada pelo processo eletrônico. Basta o recorrente acessar, de onde estiver, pela Internet, o processo no qual foi proferida a decisão deferindo ou indeferindo a medida cautelar, “clicar” no botão correspondente ao recurso, anexar suas razões recursais e comandar “enviar”. Em milésimos de segundo o recurso contra medida cautelar já estará na Turma Recursal, formatado, numerado e com relator designado, informações que imediatamente estão disponíveis para o recorrente, do que poderá, inclusive, imprimir protocolo. O recorrido também pode ter “vista” imediata do recurso contra a medida cautelar pela Internet. Também aqui o Sistema está apto para que, em tese, a interposição e o julgamento de um recurso se dêem em apenas alguns minutos.

Isso tudo é possível porque o processo eletrônico está acessível pela Internet permanentemente para todos os interessados. Não há nenhum impedimento para que o interessado consulte o processo quando bem entender, bem assim para que protocole (anexe) um requerimento ou petição a qualquer momento. Ainda que o processo esteja “concluso” com o julgador, o advogado poderá peticionar. Também desaparece a tradicional carga dos autos, já que é sempre possível o acesso imediato do processo de qualquer lugar do mundo, pela web.

A forma de citação, intimação e controle de prazos processuais utilizados pelo processo eletrônico transformou tudo o que existia até então em métodos pré-históricos. A começar pelo procedimento interno do Juizado Especial Federal, onde simplesmente desaparece a rotina de expedição e distribuição de mandados, emissão de ofícios etc. Exemplificando, se foram proferidas 200 sentenças em um determinado dia, o servidor encarregado de promover a intimação das partes poderá selecionar eletronicamente, em minutos, os processos correspondentes, informar no Sistema que é para intimar todos os advogados (públicos ou privados) com o prazo determinado. Imediatamente estará disponível na tela pessoal de cada um dos advogados ou procuradores intimandos a informação de que há uma intimação dirigida a sua pessoa e em qual ou em quais processos. A citação inicial do processo é feita com esse tipo de procedimento.

A intimação (ou citação) não estará ainda perfectibilizada. Depende da aceitação do intimando, que deverá acessar o processo para tomar conhecimento do ato processual ou “clicar” o comando “aceita ser intimado”. Quando isso for feito, o Sistema certificará imediata e automaticamente no processo que a intimação está completa e só aí tem início a contagem do prazo, que se dá na forma da lei processual em vigor (exclui o dia do começo, se não for dia útil, etc.). Uma vez iniciada a contagem do prazo, aparecerão na “tela inicial” do advogado as seguintes informações, no formato de uma linha: número do processo, nome da parte autora, o prazo da intimação e o dia que ela foi enviada pela vara, o primeiro dia do prazo, o último dia do prazo e o documento que gerou a intimação, para acesso rápido. Isso se repetirá para cada um dos processos que estão “no prazo”, podendo a tela inicial ser formado por “n” linhas, tantas quanto forem os processos patrocinados por aquele advogado e que estão com prazos pendentes. O Sistema tem um calendário interno que controla automaticamente os prazos para os advogados.

Oportuno mencionar o porquê da necessidade de aceitação da intimação por parte do advogado. É que no processo eletrônico, conforme foi noticiado linhas acima, o procedimento é muito rápido e não raro pode haver centenas de intimações simultâneas, especialmente para os procuradores federais, e seria no mínimo desagradável o interessado ser surpreendido com um sem número de processos com prazo em curso sem que tivesse tido conhecimento prévio. Evidentemente que também não é possível que a intimação fique indefinidamente na pendência da vontade do intimando porquanto isso ofenderia o interesse da parte contrária. Por isso foi estabelecido, de comum acordo com os procuradores dos órgãos federais, advogados da União e com a OAB, o lapso de 10 dias, findos os quais o advogado estará automaticamente intimado, ainda que não tenha oposto seu “aceite”, sendo gerada pelo Sistema a informação em cada processo de “intimação por decurso de prazo”, bem como expedido um correio eletrônico para o advogado comunicando a abertura automática do prazo. Na prática, a intimação fica pendente por até 10 dias para que o intimando escolha o melhor momento, de acordo com suas circunstâncias, para aceitá-la. Considera-se promovida a intimação pessoal do advogado, cuja efetivação se dará no décimo dia após o envio, podendo o interessado antecipá-la através da aceitação expressa, conforme suas conveniências.

Um debate que tem surgido é se lapso conveniado de 10 dias não prejudica a celeridade processual. A resposta é, decididamente, não. Isso porque, pelo sistema tradicional de intimação pessoal, ou até mesmo através de publicação de boletim no diário oficial, não é possível fazê-la em menos de 10 dias. Sendo esse o prazo mínimo que se ganha com a automatização, nada mais justo do que repassá-lo para a parte contra a qual corre o instituto da perempção. De qualquer modo, pode o interessado, se pretender fazer o processo “andar” ainda mais rápido, antecipar a intimação através do mencionado aceite. Como se pode notar, o processo eletrônico põe em xeque as noções de tempo e espaço. Isso porque não mais existem obstáculos físicos para a movimentação processual, nem limitações de horários de expediente. O Sistema pode ficar acessível na Internet em tempo integral diariamente, inclusive sábados, domingos e feriados. É como se as portas dos Juizados Especiais Federais estivessem sempre abertas.

No processo virtual a Justiça deixa de ter uma sede específica e se transfere simultaneamente para o escritório de cada advogado ou para o gabinete de cada procurador federal. Na sede da Justiça mesmo, o advogado só deve comparecer para a realização de audiência ou para ter contato direto com os magistrados e com os servidores quando isso eventualmente se fizer necessário. Isso porque, de seu escritório, ou de qualquer lugar do mundo, poderá ter acesso integral às ações judiciais de sua responsabilidade, fazer petições, distribuir iniciais, extrair dados estatísticos, etc.

Enfim, é o princípio da ubiqüidade da Justiça na mais ampla extensão da palavra.

3. O  Processo Eletrônico no Rio Grande do Sul: História e Avaliação

Muito embora desde o início a intenção sempre fosse a de melhorar o acesso à Justiça e de desburocratizar as ações judiciais, o processo eletrônico começou de forma muito menos ambiciosa que a evolução que acabou tendo.

Inicialmente era apenas uma forma de peticionamento eletrônico, pela Internet, desenvolvido exclusivamente para o Juizado Especial Federal de Rio Grande, tendo sido instalado em meados do ano de 2002. A petição era enviada para o Juizado de forma eletrônica, onde era impressa e juntada aos autos.

Esse primeiro projeto foi desenvolvido por provocação do Ministro Teori Albino Zavascki, então Desembargador Federal Presidente do Tribunal Regional Federal da Quarta Região(4), que incentivou a criação de um sistema eletrônico que atendesse aos princípios da informalidade e da simplicidade, próprios dos Juizados Especiais Federais.

Formou-se, então, uma comissão integrada por representantes da Justiça Federal, Ordem dos Advogados do Brasil e Departamento de Tecnologia da Informação da Universidade Federal do Rio Grande, presidida pelo Juiz Federal Diretor do Foro de Rio Grande, e, num prazo recorde de 30 dias, o projeto estava alinhavado.

Contratou-se, a seguir, com verbas próprias, os serviços de uma empresa privada de informática que desenvolveu o software e auxiliou na implantação do projeto de peticionamento eletrônico.

Observou-se, então, que esse projeto poderia evoluir para um sistema processual completo, o que acabou sendo feito. Para isso, o suporte do Tribunal Regional Federal tornou-se indispensável. Procuramos o Desembargador Federal Vilson Darós, à época coordenador dos Juizados Especiais Federais, que de imediato lhe deu apoio integral, nomeando uma comissão de juízes federais para, em trinta dias, apresentar um projeto completo de processo eletrônico. Isso foi feito e, em março de 2004, o projeto foi apresentado ao Conselho de Administração do Tribunal, que o aprovou e autorizou o desenvolvimento do software e a instalação em quatro juizados para funcionarem como pilotos: Rio Grande-RS, Blumenau-SC, Florianópolis-SC e Londrina-PR.

Reuniu-se uma equipe de quatro técnicos em informática,(5) todos servidores da Justiça Federal, que desenvolveram o software sem nenhum custo para a Justiça Federal além dos próprios salários.

O trabalho foi muito intenso, às vezes invadindo a noite e os finais de semana, mas o objetivo foi alcançado: em julho de 2004 foi instalado o programa nas quatro varas piloto designadas pelo Tribunal, dando-se início ao processo totalmente virtual.

Na etapa de desenvolvimento e testes do projeto foram envolvidos não só juízes e servidores dos cartórios dos Juizados Especiais Federais, mas também procuradores federais, procuradores da República e advogados dos três estados do sul do Brasil, a fim de que o processo eletrônico atendesse às demandas não só do Poder Judiciário, mas de todos os envolvidos com a prestação jurisdicional.

Com certeza o sucesso do projeto de processo virtual se deve ao fato de ter sido desenvolvido com o pensamento voltado a atender às necessidades de todos os operadores da Justiça, tanto internamente quanto externamente.

Pois bem, concluída a fase de testes e avaliação nas varas piloto, o Tribunal autorizou a instalação do projeto nos demais Juizados Especiais Federais, de acordo com um calendário preestabelecido. Nesse momento já havia assumido a coordenação dos Juizados Especiais Federais o Desembargador Federal Tadaaqui Hirose, que chamou para si a responsabilidade pela expansão do processo eletrônico, o que foi decisivo para a superação não só dos percalços que surgem naturalmente quando é implantado um sistema totalmente novo, mas especialmente dos obstáculos criados pelos acomodados e pelos pregadores do apocalipse.

O processo eletrônico foi desenvolvido e implantado praticamente sem custos para o Poder Judiciário, uma vez que aproveitou a rede de computadores e de comunicações já existente e utilizou programas de código aberto,(6) ou seja, aqueles que não pagam licenças para as multinacionais da área de informática.

Na verdade, foram comprados oito computadores para albergar o Sistema, tendo sido instalados dois na Seção Judiciária de Porto Alegre, com o objetivo de atender todo o Estado do Rio Grande do Sul; dois na Seção Judiciária de Florianópolis, para atender todo o Estado de Santa Catarina; e dois na Seção Judiciária de Curitiba, para atender o Estado do Paraná. Em cada Estado, um computador fica ativo, ligado à rede de Internet, e o outro faz um espelhamento de todo o processamento e em prontidão para entrar em operação em caso de pane no computador principal, a fim de garantir integral operacionalidade ao Sistema. Os outros dois computadores estão instalados em local remoto, recebendo cópia de tudo que é processado nos três estados, com o objetivo de prevenir qualquer perda de dados. Também foram compradas mesas digitalizadoras para 43 varas de juizado e para 3 turmas recursais e foram feitas inúmeras viagens para dar treinamentos sobre a operacionalização do processo eletrônico para juízes, servidores, advogados, procuradores da República e procuradores dos órgãos públicos. Com tudo, o gasto da Justiça Federal andou na casa de oitocentos mil reais, o que é insignificante se comparado ao que cobraria uma fábrica de software para desenvolver um programa semelhante. Para que se tenha uma idéia, segundo foi noticiado na imprensa, um outro tribunal gastou mais de dez milhões de reais só com o desenvolvimento de um software para acompanhamento processual e o pagamento de licenças. Como dito, com desenvolvimento do programa, a despesa da Justiça Federal do Sul foi zero.

Pois bem, o custo com os insumos do caderno processual tradicional, ou seja, papel, capa, tinta, grampos, etiquetas, etc., é de no mínimo vinte reais, custo esse que simplesmente desaparece com o processo virtual. Como já foram distribuídos aproximadamente 250.000 processos virtuais, é só fazer a conta: uma economia de cinco milhões de reais. Descontado o que foi gasto, só com a economia de autos físicos a Justiça Federal já tem um superávit de quatro milhões e duzentos mil reais, apenas com a economia nesse tipo de insumo.

Há muitos outros resultados econômicos positivos com a utilização do processo virtual. Um outro exemplo é a economia com mão-de-obra. Para fazer a distribuição de 250.000 processos na primeira instância (não levando em conta a distribuição de recursos contra medida cautelar e recursos em geral, que são feitos para as Turmas Recursais), demandaria o trabalho de 90 servidores em regime de tempo integral durante um ano, serviço esse que simplesmente desaparece com o processo eletrônico. Claro está que esses servidores podem ser redirecionados para outras atividades, qualificando ainda mais o atendimento da Justiça Federal.

O meio ambiente também agradece. Com efeito, se considerarmos que cada processo tem, no mínimo, trinta páginas, já são sete milhões e meio de folhas economizadas, o que se traduz em árvores poupadas e menos poluição industrial.

Porém, o que deve ser ressaltado, mesmo, é a economia de tempo, ou seja, agilidade processual. Foi feito um levantamento na Seção Judiciária de Porto Alegre em que se contaram todas as sentenças proferidas de primeiro de janeiro a 31 de julho de 2005, tendo sido verificado o número médio de dias desde a data da distribuição até o dia da decisão, chegando-se aos seguintes números:(7) justiça comum: 789,51 dias; juizados especiais federais com processos de papel e processos virtuais: papel: 525,60 dias, virtuais: 239,23 dias; juizados cíveis totalmente virtuais: 37,83 dias.

A agilidade, praticidade e economia de tempo e de recursos também beneficia diretamente os escritórios de advocacia. Primeiro, por ser um sistema “sediado” na web, a implantação do sistema no escritório tem custo zero. Como dito antes, o escritório do advogado se transforma em uma secretaria do juizado; ficam totalmente desburocratizados a distribuição de um novo processo e qualquer peticionamento no curso da ação; há grande economia de tempo e dinheiro com a desnecessidade de comparecimento aos fóruns; disponibilidade de horário; controle automático dos prazos processuais, citações e intimações; contestações e peticionamentos em bloco; localização imediata de qualquer processo; otimização dos recursos materiais e humanos; facilitação para interposição de recursos; inexistência de carga de autos e transporte de processos com risco de extravios; etc.

Evidentemente que, em que pese ser o processo eletrônico o melhor remédio para desburocratizar a Justiça, torná-la mais ágil e econômica, etc., tem também seus defeitos, que, por certo, são superados pelas vantagens. É muito comum usuários reclamarem do desconforto de ler petições diretamente na tela do computador, ou muitas vezes terem que examinar documentos mal digitalizados ou poucos legíveis. Há também, eventualmente, problemas de velocidade de rede de acesso à Internet. Há ainda limitações no desenvolvimento do software, que nem sempre contempla todas as situações que surgem no dia-a-dia do processamento de causas judiciais.

Por certo que são problemas reais e deve-se investir para superá-los. O processo eletrônico recebeu muito pouco investimento por parte do Poder Judiciário. O lucro que sempre se objetivou com o projeto foi de melhoria da prestação jurisdicional e não financeiro. Daí porque alguns desses noventa servidores dispensados dos setores de distribuição poderiam ser deslocados para trabalhar na melhoria do programa informático. Daí que pelo menos uma parte dos mais de quatro milhões economizados até agora poderiam ser redirecionados para investimento na melhoria de equipamentos. Daí porque os espaços economizados com arquivos e armários poderiam ser realocados para melhoria das condições de trabalho da equipe de servidores que cuidam do processo eletrônico.

Como se pode ver, o processo eletrônico começou de uma forma muito modesta, porém ganhou uma dimensão que sequer as previsões mais otimistas podiam imaginar.

Graças ao apoio e ao prestígio emprestado pela Ministra do Supremo Tribunal Federal, Ellen Gracie Nortfleet, o projeto de processo eletrônico foi apresentado no exterior, como por exemplo na Costa Rica, no Equador, no Peru, no Chile e no Canadá, onde sempre foi muito aplaudido e se constatou que não existe nada similar no mundo inteiro, dando o Brasil, pois, um exemplo de avanço e de modernidade no uso da tecnologia de ponta para levar Justiça ao cidadão.

No Brasil a repercussão do projeto não foi menor. O próprio Tribunal Regional Federal reconheceu isso, concedendo-lhe o prêmio de destaque institucional do ano de 2004. O projeto também recebeu o prêmio CONIP (Congresso de Informática Pública), na modalidade de excelência em informática pública, que é considerado o maior prêmio da espécie da América do Sul.

É bom deixar consignado que, apesar do ineditismo do processo eletrônico, nada de novo foi inventado. O sistema funciona em um navegador de Internet comum. A forma de acesso e identificação dos usuários é a mesma que é utilizada largamente pelos bancos. O modelo de escaneamento de documentos já era utilizado pelo Juizado Especial Federal de São Paulo. O formato das intimações dos advogados foi desenvolvido pelos técnicos da Justiça Federal do Estado de Santa Catarina, que cedeu gratuitamente o programa para ser usado no processo eletrônico.

Uma questão que tem sido muito argüida pelas procuradorias federais, e com certa razão muito pouco compreendida, é o fato de existirem tantos modelos de processo eletrônico quanto o número de tribunais regionais federais. A justificativa (muito esfarrapada, é verdade) é que todos os tribunais começaram ao mesmo tempo a desenvolver seus projetos, tendo adotado linhas diversas.

Porém, o projeto do Sul foi adotado como modelo para o desenvolvimento do processo eletrônico do Tribunal Regional Federal da Região Nordeste, de modo que são hoje sistemas interoperáveis, podendo ser facilmente interligados entre si. Os sistemas eletrônicos em utilização nos Tribunais Regionais Federais de Brasília e de São Paulo, com pequenas adaptações, também podem aderir ao modelo web aqui utilizado, de modo que não é difícil a unificação em todo o Brasil do processo eletrônico para juizados, e assim atender à demanda dos órgãos como a Advocacia-Geral da União, a Caixa Econômica Federal, a Procuradoria Federal Especializada do INSS, etc., que são organizados nacionalmente.

Há também que se maximizar e popularizar o uso do processo eletrônico. Ora, acaba de ser aprovada uma proposta de projeto de lei no Conselho Nacional de Justiça para criação de 230 varas da Justiça Federal no Brasil. Com a utilização do processo eletrônico é possível atingir um número muito maior de jurisdicionados com um investimento muito menor. Claro que uma coisa não prejudica a outra.

Com o processo eletrônico é possível instalar pontos de atendimento dos Juizados Especiais Federais em pequenas comunidades que não comportam a estrutura de uma vara tradicional, o que é autorizado pela Lei nº 10.259/2001. Essa lei permite que o interessado compareça ao Juizado Especial Federal mesmo sem advogado, assim como possibilita que sejam designados conciliadores que podem receber os requerimentos, o que pode ser feito, no processo eletrônico, diretamente no navegador de Internet. Assim, basta que o Poder Judiciário celebre convênio com prefeituras, sindicatos, associações comunitárias, etc., para que os pedidos sejam recebidos na cidade de residência do jurisdicionado. É só instalar uma central em uma cidade maior, a capital do estado, por exemplo, onde há uma grande estrutura judicial, onde os processos virtuais seriam recebidos, processados e julgados. No final, o autor seria intimado da sentença diretamente no local de sua residência.

Com esse tipo de atendimento, seria proporcionada jurisdição a 95% dos segurados da previdência social e 70% dos jurisdicionados em geral, que são os que têm causas menores, de até 60 salários mínimos, na forma da já citada Lei nº 10.259/2001. Com isso, a Justiça iria ao encontro do cidadão mais pobre e efetivaria ainda mais o seu valor social. As médias e grandes empresas, assim como os cidadãos mais abastados, podem se deslocar para serem atendidos pela estrutura tradicional da Justiça.

Com o processo eletrônico é também possível fazer atendimento da Justiça em quiosques instalados em eventos, em shoppings, enfim, onde a imaginação pode alcançar, já que basta existir um computador ligado à rede mundial que lá haverá um posto de atendimento de um Juizado Especial Federal.

Também é possível fazer convênios com bancos para que os terminais de auto-atendimento sejam transformados em locais próprios para peticionamentos ou para obter informações processuais, já que são sistemas também ligados à Internet.

Com esse sistema de processamento de causas judiciais é posssível maximizar os recursos humanos disponíveis através da utilização de mutirões. Isso pode ser feito com a atribuição de jurisdição a um juiz de uma determinada localidade, por mais longínqua que seja, que está eventualmente com a distribuição reduzida, sem necessidade de qualquer tipo de deslocamento. Do mesmo modo pode ser feito nas procuradorias federais. Uma determinada procuradoria, que tenha um número reduzido de processos, pode receber atribuições para fazer a defesa de determinado órgão da Fazenda Pública localizada no outro lado do Brasil. Esse tipo de procedimento não só pode agilizar a prestação jurisdicional em locais muito congestionados, como também pode melhorar a qualidade das decisões judiciais.

Enfim, com o processo eletrônico, ao invés de o jurisdicionado ir até a Justiça, é esta que pode ir até onde o cidadão está.

4. Mudanças Normativas Sugeridas

Não há dúvida de que o processo eletrônico atende, como nenhum outro, às exigências constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa, do contraditório, da inafastabilidade da jurisdição, do juiz natural, da publicidade e, em especial, do princípio introduzido pela Emenda Constitucional nº 45, o do direito à razoável duração do processo, o que por si só justifica seu acolhimento por parte dos operadores do Direito.

E mais, está afeiçoado perfeitamente aos princípios relativos à Administração Pública, previstos no artigo 37, entre eles o da eficiência, moralidade, publicidade, etc.

Entretanto, eventualmente o processo eletrônico tem sido acoimado de ilegal ou inconstitucional, tendo sido objeto de ações de mandado de segurança por parte de alguns advogados (poucos, é verdade), ou são levantadas preliminares no mesmo sentido por, pasmem, defensores públicos e por alguns membros do Ministério Público.

Em um processo eletrônico que tramitou no Estado do Paraná, o Ministério Público Federal argüiu preliminar de inconstitucionalidade e ilegalidade que, para melhor entendimento, merece ser transcrita:

“O sistema alcunhado de ‘e-proc’, também chamado de ‘processo eletrônico’ ou ‘autos virtuais’, padece, aos olhos deste representante do Parquet, de manifesta inconstitucionalidade e ilegalidade, ao menos da forma como vem sendo mantido.

Inicialmente, ofende-se o princípio da legalidade (art. 5º, II, CF/88), na medida em que inexiste amparo legal para a tramitação de processos de forma virtual, sendo certo que o art. 8º, § 2º, da Lei nº 10.259/01, ao prever a recepção de petições por meio eletrônico, por óbvio, não prescindiu da autuação e processamento das peças processuais pertinentes.

Oportuno mencionar que a Lei nº 9.800/99, ao permitir às partes a utilização de sistema de transmissão de dados e imagens para a prática de atos processuais, condiciona a entrega dos originais em Juízo, no prazo de 5 (cinco) dias, não podendo ser diversa a situação presente.

Outrossim, a tramitação meramente virtual obriga os sujeitos do processo – em especial as partes e seus procuradores – a manejarem equipamentos de informática cujo acesso nem sempre é fácil, sobretudo no tocante aos segurados da Previdência Social, em sua maioria, pessoas economicamente desfavorecidas, o que prejudica a fiscalização da demanda.

Assim, o direito de acompanhamento dos atos processuais e o acesso às decisões judiciais ficam seriamente prejudicados, violando o art. 93, inciso IX, da Constituição Federal, além do art. 37, caput, na medida em que também o princípio da publicidade fica arranhado, pois, ao que consta, a parte não tem acesso ao conteúdo das decisões (somente seu advogado).

Por outro lado, ainda que se releve a violação ao princípio da legalidade, entendo necessário que todas as petições e documentos apresentados pelas partes sejam, primeiramente, autenticados de forma visível no sistema virtual (ainda que pelo advogado, conforme Lei nº 10.325/01) e, depois, depositados em Juízo, nos termos (e prazo) do art. 2º, da Lei nº 9.800/99, para fins de eventual conferência por parte de algum dos sujeitos do processo.

Com efeito, o fato de os documentos serem apenas escaneados e não ficarem à disposição do Juízo e dos demais interessados, salvo engano, pode propiciar a manipulação dos mesmos e até mesmo a ocorrência de fraudes, dada a facilidade hoje existente em ‘montar’ um documento eletrônico.

Ademais, nos processos previdenciários, é comum haver revisões periódicas de benefícios – principalmente o assistencial (LOAS), que a cada dois anos deve ser revisto pela autarquia –, sendo importantíssima a materialização (e respectiva guarda física) dos atos processuais que instruíram a concessão, tais como a petição inicial, o laudo pericial e o mandado de verificação.

Todos esses documentos necessitam ser materialmente disponibilizados ao INSS para consulta periódica, não podendo ter existência apenas ‘virtual’.

Outrossim, o sistema prejudica o direito de a parte poder vir em Juízo independentemente de advogado, conforme autorizam as Leis n os 9.099/95 e 10.259/01, pois, ao que consta, somente advogados é que podem movimentar as petições. E ainda que o Juízo providencie defensor dativo, o direito em questão é o de comparecer em juízo sem advogado e não ter um defensor (o que é um outro direito).

Por fim, há violação ao devido processo legal, com prejuízo à ampla defesa, também no fato de não haver integração (desse sistema ‘e-proc’) com as Turmas Regional e Nacional de Uniformização Jurisprudencial e tampouco com o Supremo Tribunal Federal, para fins de interposição do incidente previsto no art. 14 da Lei nº 10.259/01 e do Recurso Extraordinário.

Sem mencionar, ainda, que o manejo dos chamados ‘autos virtuais’ implica uma série de riscos – tais como a alta possibilidade de panes no sistema, ação de hackers, manipulação indevida de dados, ausência de autenticação dos documentos etc. – e inconvenientes, como a dificuldade de lidar com páginas eletrônicas (reclamação não rara de advogados), as obstruções do raciocínio decorrentes da necessidade de ‘abrir’ um arquivo (o que nem sempre é rápido) concomitantemente à elaboração de petição e assim por diante.

Dessa forma, requer o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL sejam apreciadas as questões ora argüidas, a fim de adequar o sistema dos Juizados Especiais às regras constitucionais e legais que informam o processo civil brasileiro”.

Desse texto, o que mais se evidencia é a má-vontade do Parquet em relação às formas modernas que proporcionam uma prestação jurisdicional mais rápida, ainda que viesse a arranhar algum princípio constitucional menos relevante no caso concreto, o que efetivamente não ocorre, de modo que, havendo colisão de princípios constitucionais, deve-se prestigiar aquele que mais atende o princípio dos princípios, que é o da dignidade da pessoa humana, conforme bem escreveu o Professor Ingo Wolfgang Sarlet.(8) Ou, na melhor das hipóteses, desconhecimento do Sistema.

De qualquer forma, a Lei 10.259/2001, cuja autoridade decorre diretamente do parágrafo primeiro do artigo 98 da Constituição Federal, não proíbe que os processos judiciais sejam formados em autos de papel. Ao contrário disso, no seu artigo 24 estabelece que a Justiça Federal criará os programas de informática necessários para subsidiar a instrução das causas submetidas aos Juizados. E para completar, também autoriza, no parágrafo 2º do artigo 8º, a intimação de partes e recepção de petições em meio eletrônico.

Querer fazer aplicar a Lei 9.800/99, a chamada Lei do Fax, que se constitui em um avanço, porém apenas em relação aos processos formados em autos de papel, a ações integralmente virtuais, além de fazer tábula rasa dos princípios hermenêuticos da especialidade e de conflitos de leis no tempo, é uma prédica ao retrocesso.

Ademais, não se deve olvidar que os Juizados Especiais são também regulados pela Lei 9.099, de 26.09.1995, que é expressa no sentido de que os processos correspondentes devem se orientar pelos princípios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade (art. 2º), determinando, ainda, que os processos serão válidos sempre que preencherem sua finalidade, não se pronunciando nulidade sem que tenha havido prejuízo (art. 13), bem como que os atos processuais podem ser registrados de forma resumida em notas taquigrafadas ou estenotipadas e até gravadas em fitas magnéticas ou equivalente (parágrafo 3º do mesmo artigo), bem como que normas locais podem dispor sobre conservação de peças processuais e demais documentos que instruem os processos (parágrafo 4º).

Portanto, do posto de vista constitucional e legal não há nenhum vício a ser imputado aos processos virtuais.

É totalmente equivocado afirmar que o processo virtual prejudica a classe menos favorecida da população, que seriam os segurados da Previdência Social, porquanto é exatamente o contrário. Quando o autor procura diretamente os Juizados Especiais Federais, seja para distribuir a petição inicial, seja para protocolar petição no curso da ação, é atendido pelo método tradicional, cumprindo ao próprio Juizado providenciar a “virtualização” da petição, com a vantagem de o autor poder consultar o andamento de seu processo, inclusive ver a sentença e os demais atos processuais mediante simples consulta à Internet, sem necessidade de comparecimento periódico à sede da Justiça. E, como se sabe, a grande maioria das pessoas nessa situação mora longe do centro onde fica a sede da Justiça, quiçá em outra cidade, mas onde sempre há acesso à Internet, havendo economia com passagens, etc. Ainda que o autor tenha advogado, o hipossuficiente pode pedir a um amigo para consultar os autos do processo, de modo que lhe é viável fiscalizar não só os atos judiciais, como também o desempenho de seu procurador.

Beira a incompreensão a afirmação de que os autos devem ser materializados para consultas periódicas, vez que não há nenhum impedimento que essas consultas sejam feitas diretamente no sistema virtual, sendo facultado, inclusive, materializá-los a qualquer momento. Aliás, já de alguns anos todo o processamento de concessão administrativa de benefícios previdenciários é totalmente virtual, o que tem se constituído em um favor de fiscalização para os segurados que podem, mediante simples consulta ao sítio da Previdência Social, saber a situação de seus benefícios. Outro exemplo é o chamado Sistema SISCOMEX, que é totalmente virtual, e através do qual tramita todo o comércio exterior do Brasil, com a máxima segurança.

Evidentemente que fraudes pode haver. Mas também é certo que no sistema eletrônico as possibilidades de fraudes são muito menores e deixam sempre rastros. De qualquer modo, pode-se ter por certo que a esmagadora maioria dos que atuam na área judicial são pessoas de boa-fé. E qualquer sistema deve ser construído pensando sempre nas pessoas de bem e não na exceção.

Como todo processo judicial, o processo virtual está sujeito à fiscalização das partes, que podem denunciar, a qualquer momento, qualquer tipo de fraude. E estando o processo eletrônico acessível pela Internet em tempo integral para as partes, nele a fiscalização fica ainda mais intensa. E essa fiscalização é feita também por magistrados, procuradores da República, defensores públicos e advogados públicos e privados, e todos têm um dever ético para com a prestação jurisdicional e gozam de presunção de honestidade e probidade, salvo prova em contrário.

Por fim, afirmar que advogados não têm acesso a computador é, no mínimo, desconhecimento da realidade. De qualquer forma, em todas as sedes da Justiça há também sala da OAB onde há equipamentos disponíveis para os advogados. Também há terminais de auto-atendimento na sede dos Juizados, com servidores capacitados para dar orientação para advogados e para as próprias partes.

Tendo o processo eletrônico se mostrado tão eficiente para o processamento de causas judiciais, em que pesem os defeitos já apontados, não deve mais ficar circunscrito apenas aos Juizados Especiais Federais. É importante implementá-lo nos demais ramos da Justiça, o que depende, e nesse ponto concorda-se com a manifestação do Ministério Público, de base legal.

E para isso merece ser saudada a iniciativa da AJUFE – Associação dos Juízes Federais do Brasil, que apresentou o Projeto de Lei da Câmara nº 71, que trata exatamente dessa questão. Aliás, comemore-se aqui a iniciativa da AJUFE também em relação à Lei 10.259/2001, que criou os Juizados Especiais Federais, que hoje respondem por aproximadamente 50% das causas em tramitação na Justiça Federal, numa verdadeira aproximação do Poder Judiciário com o povo.

O PLC 71 foi aprovado na Câmara dos Deputados e enviado ao Senado Federal, cuja relatoria coube à Senadora Serys Slhessarenko, a qual atualizou o projeto segundo as tecnologias disponíveis e o submeteu à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, onde recebeu aprovação unânime e foi saudado pelos senadores como o principal projeto de modernização da Justiça que já tramitou naquela Casa.

O PLC 71 já foi aprovado pelo Plenário do Senado e reenviado à Câmara dos Deputados em face do grande número de alterações em relação ao projeto originário.

Essa nova Lei acolhe integralmente o modelo de processo virtual até aqui descrito e autoriza sua utilização em qualquer tipo de processo, inclusive criminal.

Passarão a ser admitidas no processo comum, portanto, petições totalmente virtuais e documentos digitalizados como meio de prova. Todas as intimações e citações poderão ser feitas por meio eletrônico, com a mesma validade das intimações e citações pessoais hoje existentes. A execução de sentenças também poderá ser feita mediante troca de dados entre os sistemas da Justiça e os sistemas informatizados dos órgãos da Administração Pública.

O projeto também autoriza a criação de um diário oficial on line, pela Internet, que deverá desburocratizar e agilizar a prestação jurisdicional também nos processos de autos de papel.

São promovidas alterações no Código de Processo Civil, a fim de que a eletrônica seja recepcionada nos processos judiciais comuns em sua maior extensão.

A nova Lei dará tratamento jurídico minudente aos documentos virtuais, estabelecendo seu valor jurídico e como elementos de prova, regulamentando também o processamento de eventuais falsificações antes ou durante a digitalização de documentos físicos preexistentes, introduzindo, ainda, a certificação digital, o que dará mais segurança quanto à autoria dos documentos virtuais.

Ao que parece, o processo virtual dos Juizados Especiais Federais serviu como ensaio para a virtualização completa da Justiça e da prestação jurisdicional. Aprovado com louvor o modelo adotado, prepara-se a lei para disseminar essa nova forma de utilização da Tecnologia da Informação e da Comunicação no âmbito do Poder Judiciário.

 5. Conclusões

Dessa breve exposição não fica difícil perceber que o processo eletrônico rompe não só com a forma tradicional de utilizar a tecnologia da informação a serviço da Justiça, mas rompe principalmente com os conceitos arraigados numa cultura jurídico-processual que não mais atende à velocidade do mundo moderno e à necessidade de uma prestação jurisdicional em massa que estamos vivenciando hoje no Brasil.

E fruto disso recolheram-se muitas incompreensões e verdadeiros dissabores que, entretanto, ficaram totalmente esmaecidos pelos aplausos e incondicional apoio de outros tantos, o que foi mais que um incentivo, foi a justificação e o estímulo para não desanimar. É como diz o poeta, “tudo vale a pena, quando a alma não é pequena”.

E o registro que não pode deixar de ser feito é em relação aos Juízes Federais Emmerson Gazda e Antônio Schenkel do Amaral e Silva, que integraram a comissão de juízes responsável pelo projeto de processo virtual e instalação das varas piloto.

Foram também inúmeras as manifestações de apoio dos juízes federais em geral ao projeto, sem o que não haveria energia para enfrentar e vencer as batalhas dos opositores.

Decisiva foi, entretanto, a atuação dos Juízes Federais Diretores do Foro dos Estados de Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul, atuais e anteriores, que acreditaram e acreditam no Sistema Virtual, tendo dado todo o suporte, moral e logístico, para que o processo eletrônico se tornasse realidade.

A propósito, também foi fundamental a parceria estabelecida com a Procuradoria Federal Especializada do INSS, num primeiro momento, à qual se somou a Advocacia-Geral da União, as demais procuradorias federais, a Procuradoria da Caixa Econômica Federal, assim como de órgãos que lhes prestam serviço, como por exemplo a DATAPREV e o SERPRO, que colaboraram intensamente no desenvolvimento do software e suportaram muitas vezes os ônus das deficiências próprias de um sistema novo, renunciando a muitos dos privilégios e prerrogativas legais de que dispõem, firmes no propósito de fazer um futuro melhor para todos os brasileiros.

A Ordem dos Advogados do Brasil, e junto a ela um número simplesmente incontável de advogados, nos três Estados do Sul, desempenhou papel fundamental para que o projeto virtual se tornasse realidade. A classe dos advogados soube aperceber-se do momento histórico que vivia e não a deixou simplesmente passar. Escreveu junto.

Entretanto, a história do processo eletrônico não está concluída. Ao contrário, mal começou. Ainda há muito que ser feito, não só no que diz respeito às melhorias do Sistema, mas especialmente com a descoberta de novos usos e a criação de formas alternativas de processar e julgar causas judiciais. De qualquer modo, já comprovou ser uma ferramenta eficiente para, junto com outras soluções legislativas e administrativas, aproximar a justiça do povo, dar transparência ao Judiciário, melhorar o acesso à Justiça, diminuir o custo da prestação jurisdicional e, muito especialmente, afastar definitivamente a morosidade da Justiça.

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Notas

1. Vide, a propósito de direitos de primeira, segunda e terceira gerações, Boaventura de Sousa Santos et allii, in Os Tribunais Nas Sociedades Contemporâneas, RBCS 30-29.

2. Teoria Geral do Processo, 9ª ed., São Paulo, Malheiros,1992.

3. Consulte-se, a propósito, o sítio www.stf.gov.br

4. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região tem jurisdição sobre a Justiça Federal dos Estados do Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina.

5. São eles: José Carlos Abelaira, que liderou a equipe, Giscard Stephanou, Jairo Girotto e Júlio Camaroto.

6. O sistema é baseado na tecnologia de web conhecida por LAMP (Linux, Apache, Mysql e PHP), utiliza 2 servidores HP quadriprocessados com Xeon 2G, 4GB de memória RAM, possui 410 GB de disco já com RAID implementado. O banco de dados e a aplicação estão no mesmo servidor, sendo que o segundo servidor é uma réplica exata do primeiro, apenas um servidor fica na web, o outro fica replicando os dados para uma eventual queda do primeiro. Os backups são feitos em fitas, na rede local, na replicação e por envio sistemático a outro site do TRF. O sistema operacional usado é o Linux SUSE 9.2 com banco de dados mysql com features da versão 4.1, servidor apache 2.0.x, PHP versão 4.0.x, servidor Tomcat para comunicação com outras bases de dados.

7. Levantamento realizado pelo departamento de estatísticas da Diretoria de Informática do Tribunal Regional Federal da 4ª Região em agosto/2005.

8. SARLET, Ingo Wolfang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988, 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002 e A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Livraria do Advogado, 2003.

 

Referência bibliográfica: (de acordo com a NBR 6023: 2002/ABNT):
. Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n., maio 2006. Disponível em:
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Acesso em: .

REVISTA DE DOUTRINA DA 4ª REGIÃO
PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRF DA 4ª REGIÃO - EMAGIS