A falsidade documental e o dano efetivo (análise do art. 297 do CPB) Autor: Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz | Artigo publicado em 25.05.2006| |
Com efeito, não se exige para a configuração do delito previsto no art. 297 do CPB a ocorrência do dano efetivo, bastando a existência do dano potencial. Nesse sentido, orienta-se a melhor doutrina, como se constata do magistério de R. GARRAUD, verbis: “Cet élément du faux existe, par cela seul que le préjudice a été possible au moment de la perpétration du crime, quels que puissent être les événements ultérieurs. Ce qui démotre bien, en effet, que la possibilité ou l’éventualité du préjudice est suffisant, c’est que la loi ne subordonne pas la criminalité du faux à l’usage qui peut en être fait.” (In: Traité Théorique et Pratique du Droit Pénal Français, 3ª ed. Paris: Librairie du Recueil Sirey, 1922, t. 4, p. 189, nº 1.399, IV) Outra não é a lição de CARRARA, em obra clássica, verbis: “Danno. L’estremo del danno vuole essere in questo malefizio specialmente avvertito, perchè attesa la sua indole di reato sociale (a differenza di ciò che procede nel falso privato) non si richiede a costituire il falso pubblico un danno effettivo, ma basta un danno potenziale. Quantunque il falso documento non abbia poscia servito ad una ingiusta locupletazione e non abbia prodotto lo spoglio di alcuno, pure se aveva potenza a nuocere, il falso in documento pubblico (a differenza del falso in documento privato) è consumato e perfetto per quella sua solla potenzialità.” (In: Programma del Corso di Diritto Criminale, 9ª ed. Firenze: Casa Editrice Libraria Fratelli Cammelli, 1923, v. VII, p. 400, § 3.680) Da mesma forma, GIULIO CATELANI, in I Delitti di Falso, Milano: Giuffrè Editore, 1978, p. 14 e 82. É de acrescentar-se, ainda, que essa é a orientação da jurisprudência da Suprema Corte. (RE nº 97.592-RJ, rel. Min. FRANCISCO REZEK, in RTJ 105/1.264) Nessa oportunidade, disse o eminente Relator, verbis: “Constitui interpretação razoável a exigência de potencialidade de dano para que se configure crime de falsificação documental.” (In: RTJ 105/1.264) Diversa, no entanto, é a situação tipificada no art. 304 do Código Penal, em que se exige que o uso de documento falso deve, ao menos potencialmente, produzir conseqüências no âmbito das relações sociais. Nesse sentido, a jurisprudência do Eg. STF, como se observa do aresto proferido quando do julgamento do RHC nº 64.699-ES, verbis: “Habeas corpus. Uso de documento falso. Receptação. Justa Causa. Inépcia da denúncia. O papel adulterado, para ensejar delito de uso de documento falso, deve ser utilizado de modo a, pelo menos potencialmente, produzir conseqüências no âmbito das relações sociais. Hipótese em que tanto não se verifica. (...)” (In: RTJ 121/140) Em seu voto, concluiu o ilustre Relator, Min. FRANCISCO REZEK, verbis: “Não vejo configurado o delito de uso de documento falso. Para que o crime se perfaça, cumpre que o instrumento seja empregado para demonstrar algo juridicamente importante. Daí ensinar Heleno Fragoso que ‘falso uso de documento (...) é empregá-lo como evidência dos fatos juridicamente relevantes a que seu conteúdo se refere, fazendo-o passar por autêntico ou verídico’. Com apoio em Antolisei afirmar que “há uso (...) quando o documento é utilizado para o fim a que serviria se não fosse falso’.” (Lições de Direito Penal: Parte Especial – arts. 213 a 359 CP. Rio: Forense, 1981, p. 371) O documento adulterado, para ensejar o delito, deve ser utilizado de modo a, pelo menos potencialmente, produzir conseqüências no âmbito das relações sociais.” (In: RTJ 121/141) Outro não é o entendimento da melhor doutrina, conforme se constata do exame da obra de MARCEL ROUSSELET et MAURICE PATIN, ao analisarem os requisitos do uso de documento falso, verbis: “Enfin, un préjudice a dû résulter de l’usage de la pièce fause ou du moins devait pouvoir en résulter.” (In: Précis de Droit Pénal Spécial, 6ª ed. Paris: Libr. Du Recueil Sirey, 1950, p. 107, n. 155) Questão que desperta interesse, agora sob o aspecto processual, e comum nos delitos contra a fé pública quando praticados por servidor público, é a eventual nulidade pela inobservância do rito previsto no art. 514 do CPP. Com efeito, a inobservância do disposto no art. 514 do CPP, segundo mais recente jurisprudência da Suprema Corte, acarreta a nulidade absoluta do processo, porque atinge o princípio fundamental da ampla defesa. Nesse sentido, deliberou o Pretório Excelso quando do julgamento do HC nº 60.104-SP, em que foi relator o eminente Ministro OSCAR CORRÊA, verbis: “Artigo 514 do Código de Processo Penal. Pedido de Habeas Corpus deferido.” (In: RTJ 103/157) Em seu voto, disse o eminente Relator, verbis: “Parece-nos, data venia da opinião da douta Procuradoria-Geral da República, que o prejuízo é evidente e insanável e que nada impede seja alegado agora, ou em qualquer oportunidade, pela defesa. (...) A nulidade referente aos prazos de acusação e defesa é, pois, insanável, porque atinge o princípio fundamental da ampla defesa, elementar garantia dos direitos humanos, aliás, constitucionalmente assegurada. (CF, art. 153, § 15) Não há, desta forma, como dizer-se não ter sido alegada quando, pela primeira vez, nos autos, falou a defesa: inquinou, fundamentalmente, de nulidade o processo.” (In: RTJ 103/160-1) A importância da não-alteração do rito processual, sob pena de nulidade absoluta do processo, ainda que com o consenso das partes, eis que importa em restrição inaceitável ao direito de defesa, é uma constante na jurisprudência do Pretório Excelso, conforme assinalado no voto do Ministro RAFAEL MAYER, ao votar no HC nº 60.409-SP, verbis: “Cuido, no entanto, que o rito processual não é disponível pelas partes, tanto mais quanto é a tradução, pelo legislador, do princípio do contraditório, segundo modelos alternativos que têm em conta a gravidade da sanção, a especificidade do fato, as exigências da defesa e a ponderação do julgador, atendendo a graus e complexidades diversas. (...) Todavia, a grave restrição no procedimento adotado, notadamente dos prazos que, mesmo não utilizados, devem ser sempre facultados, importa necessariamente num irremediável estreitamento do direito de defesa, ínsito o prejuízo do réu a quem se coarctou utilizar a concessão da lei.” (In: RTJ 105/565) Idêntica orientação adotou a Excelsa Corte quando do julgamento do HC nº 68.599-PR, rel. Min. CÉLIO BORJA, in RTJ 137/1.197. A propósito, pertinente o ensinamento de GIROLAMO BELLAVISTA, quando afirma, em conceituada obra, verbis: “...la difesa penale non risponde ad una mera facoltà dell’imputato, ma ad una necessità processuale irrinunziabile.” (In: Lezioni di Diritto Processuale Penale, 3ª ed., Milano: Dott. A. Giuffrè Editore, 1965, p. 189) Dessa forma, inobservado o procedimento previsto no art. 514 do CPP, impõe-se a declaração da nulidade absoluta do processo, nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. |
Referência bibliográfica: (de acordo com a NBR 6023: 2002/ABNT): |