A jurisdição penal brasileira - Desenho em relação ao espaço e às pessoas - Concorrência de jurisdições nacional e estrangeira - Conseqüências de sua ausência ou deficiência Autor: Roberto Luis Luchi Demo | Artigo publicado em 25.05.2006| |
Sumário: 1. Prolegômenos; 2. A jurisdição; 2.1. A medida da jurisdição penal brasileira; 3. A jurisdição penal brasileira em relação ao espaço; 3.1. Territorialidade da lei penal brasileira; 3.2. Extraterritorialidade da lei penal brasileira; 3.3. Concorrência de jurisdições: jurisdição principal e jurisdição subsidiária; 4. A jurisdição penal brasileira em relação às pessoas; 4.1. Imunidade diplomática; 5. Ausência ou deficiência da jurisdição penal brasileira e jurisdição complementar do Tribunal Penal Internacional – TPI; 6. Bibliografia.
Resumo: Este trabalho, após tecer algumas considerações sobre a jurisdição, parte da premissa segundo a qual o direito penal material brasileiro dá o tom para a jurisdição penal nacional e aborda o desenho dessa jurisdição em relação ao espaço e às pessoas, bem assim a concorrência das jurisdições penais brasileira e estrangeira. A análise é contextualizada da legislação à doutrina e à jurisprudência, passando por acontecimentos recentes e contemporâneos da história. Finalmente, distingue en passant direito internacional penal e direito penal internacional para tratar das conseqüências da ausência ou deficiência da jurisdição penal brasileira, especialmente no que se refere à jurisdição complementar do Tribunal Penal Internacional, também no mesmo contexto multifário.
Palavras-chave: jurisdição penal brasileira – desenho em relação ao espaço e às pessoas – concorrência de jurisdições nacional e estrangeira – conseqüências de sua ausência ou deficiência – Tribunal Penal Internacional.
1. Prolegômenos
O Brasil, a comunidade jurídica e o povo brasileiro foram homenageados, de 28 a 31 de março de 2006, com o XXVII Período Extraordinário de Sessões da Corte Interamericana de Direitos Humanos, realizado na sede do Superior Tribunal de Justiça - STJ, em Brasília - DF. Foi a primeira vez que um tribunal internacional funcionou no Brasil, com audiências sobre dois casos e uma medida provisória em tramitação naquele tribunal, abertas ao público e traduzidas para a linguagem diária da “última flor do Lácio, inculta e bela”, como diria nosso poeta OLAVO BILAC. Esse acontecimento, louvável em todos os aspectos, repercute no âmbito do direito internacional penal, que busca responsabilizar o Estado por atos ou omissões lesivos aos direitos fundamentais do homem. Logo, não pode ser confundido com o direito penal internacional, que busca responsabilizar o indivíduo por crimes internacionais. De se lembrar, neste passo, que o direito penal internacional, no seu turno, repercute na jurisdição penal nacional, é dizer, no direito penal nacional. Basta, para efeito de verificação, lembrar que no art. 7º, incs. I e II e § 3º, CP, estão consagradas regras que se inspiram nos postulados de solidariedade internacional e cooperação penal internacional, com vistas a resolver eventual aplicação simultânea de leis penais (nacional e estrangeira), e que encontram seus antecedentes em tratados bilaterais ou multilaterais, convenções e regras internacionais. Presente o contexto acima delineado, tenho como oportuno passar em revista os contornos da jurisdição penal no nosso Brasil, cujas dimensões continentais se devem, não só mas também, ao diplomata e historiador BARÃO DO RIO BRANCO. Distinguem-se, portanto e em última análise, direito internacional penal, direito penal internacional e direito penal nacional, sob color da história, da doutrina, da legislação e, por último mas não menos importante, da jurisprudência.
2. A jurisdição
A jurisdição é, com a administração e a legislação, forma de exercício e uma das manifestações da soberania estatal(1) do Poder Público. O Poder é indivisível, sendo suas funções divididas em jurisdicional, administrativa e legislativa. Historicamente, a função administrativa precede a jurisdicional que, a seu turno, precede a legislativa.(2) A jurisdição é a função estatal que aplica, de maneira imperativa, a lei material hic et nunc ao caso concreto (etimologicamente, juris = direito e dictio = dizer, jurisdictio = poder de conhecer os fatos e de dizer o direito aplicável), desde o momento em que, proibida a justiça privada e a vingança, reconheceu-se que o Estado está em melhor condição de dirimir as lides do que qualquer outra pessoa ou instituição.(3) É que o conceito de Estado tem como pressuposto a consecução e manutenção do bem comum, que passa pela manutenção e efetividade da ordem jurídica. Das notas que caracterizam a jurisdição, ressalto algumas, já com os matizes da jurisdição penal, sem olvidar que caracterizam também a jurisdição civil, até porque a distinção entre uma e outra não se baseia em diversidade funcional, mas unicamente sobre a diversidade do objeto, da res in judicio deducta,(4) que implica tão-só alteração formal ou de procedimento em uma e outra jurisdição. A indeclinabilidade da jurisdição, por que nenhum juiz pode subtrair-se do exercício da função jurisdicional, tampouco delegá-la (delegatus judex non potest subdelegare), salvante as hipóteses taxativamente permitidas, exemplo na expedição de precatórias. Isso não quer dizer que a tutela penal (seja ao Autor, com a procedência da pretensão punitiva, ou ao Réu, com a improcedência do pedido) há de ser concedida em toda ação penal. Não. A ação penal tem supostos formais (art. 41, CPP), cuja desobediência leva ao não-recebimento da denúncia ou queixa, e pressupõe existência cumulativa de lastro probatório mínimo e idôneo e das condições da ação (art. 43, CPP), cuja inexistência leva à rejeição da peça vestibular. Outrossim e em relação ao elemento notio da jurisdição,(5) não há atividade jurisdicional de ofício (ne procedat judex ex officio), salvante na concessão ex officio de habeas corpus e na execução das penas privativas de liberdade e restritivas de direito. Na execução da pena de multa, a atuação do juiz fica condicionada à provocação. Andante, a substitutividade nem sempre está presente na jurisdição penal: sendo essa jurisdição penal necessária, sintomática, desaparece a substitutividade, que somente estará presente na execução da pena de multa, sem embargo de que, em todas as situações, o Juízo é sempre um terceiro alheio à lide a ser composta, por isso que imparcial (abandonando aqui o mito da neutralidade(6)). Essa necessidade (ou necessariedade, como colocam alguns) da jurisdição penal, no seu turno, evidencia a importância de um Poder Judiciário eficaz e eficiente. Eficaz em realizar o Direito Penal objetivo, quando se tem em conta as lições de CESARE BECCARIA, por que importa mais a certeza da condenação do que o montante da pena, acabando com o sentimento de impunidade(7) (e a lei dos crimes hediondos está aí para confirmar essa lição de que não adianta majorar as penas, tampouco endurecer seu regime de cumprimento). Eficiente, quando se tem a compreensão da atual sociedade, com o atual quadro de desenvolvimento de tecnologias de informação e comunicação, marcado pelo caráter de instantaneidade e por uma conseqüente aceleração no ritmo de vida, tornando as expectativas mais urgentes e carecedoras de serem atendidas cada vez mais rapidamente. A atividade jurisdicional é monopólio do Poder Judiciário (sistema inglês de controle judicial ou da unidade de jurisdição: una lex una jurisdictio), com exceção apenas da competência de Casas Legislativas (Poder Legislativo) em determinadas situações numerus clausus. Quanto à função jurisdicional, o sistema constitucional pátrio vigente não deu margem, portanto, a que pudesse ser exercida pelo Poder Executivo. A função jurisdicional típica, assim considerada aquela por intermédio da qual conflitos de interesses são resolvidos com o cunho de definitividade (res iudicata), é praticamente monopolizada pelo Judiciário e, só em casos excepcionais e expressamente mencionados na Constituição, é desempenhada pelo Legislativo. Ainda neste caso, temos atividade jurisdicional, mostrando que o critério orgânico ou subjetivo não é bastante para caracterizar o ato jurisdicional, impondo-se sobranceiros os critérios objetivos material e formal, especialmente a coisa julgada material (res iudicata). Outra característica da jurisdição é que, em relação a um dado caso concreto, a sua atuação implica o respectivo esgotamento, de modo que não pode haver dupla condenação pelo mesmo fato delituoso.(8) E essa garantia não se restringe à hipótese de condenação: se o réu é absolvido por falta de provas (art. 386, VI, CPP), não se admite novo processo, mesmo descobertas novas provas posteriormente. Assim, porque o processo é um instituto que pressupõe seriedade e responsabilidade, de modo que se o Ministério Público ou querelante não têm provas suficientes para acusar, devem aguardar novas provas, com comedimento no manejo do jus accusationis. Do ponto de vista do réu, submetido ele a julgamento uma vez, não pode ser novamente submetido, até porque não há revisão criminal pro societate.(9) Diferente é a hipótese de simples arquivamento do inquérito, quando a descoberta de novas provas permite a sua reabertura (Súmula 524/STF). Constituindo manifestação da soberania estatal, a jurisdição é exercida nos limites do território do país respectivo, por força do princípio da efetividade: a jurisdição pressupõe, do Estado-Juiz que proferir a sentença, a possibilidade de executá-la (elemento coercio da jurisdição), até porque, e especialmente na jurisdição penal, uma sentença condenatória que não pudesse ser concretizada pelo Estado seria apenas uma manifestação de intenção, jamais uma manifestação de soberania. Parafraseando RUDOLF VON JHERING, jurisdição sem poder de execução é como fogo que não queima. Isso não quer dizer que a jurisdição brasileira se afirma com exclusividade em todos os casos em que possa executar suas decisões. Há situações em que a lei brasileira admite a concorrência de sua jurisdição com a estrangeira, como se verá adiante.
2. 1. A medida da jurisdição penal brasileira
Diferente do processo civil, em que o Juiz nacional pode aplicar o direito material estrangeiro (arts. 7º a 10, LICC e art. 337, CPC), no processo penal o Juiz sempre há de aplicar o direito penal material nacional. Assim, a jurisdição penal nacional é limitada pela incidência do direito penal objetivo nacional:(10) se o suposto fático não é qualificado pelo direito penal objetivo brasileiro, não há jurisdição penal brasileira. De se mencionar também a nota de jurisdição penal nas medidas de cautela (ex: decretação de prisão preventiva, seqüestro de bens(11)) ou contra-cautela (ex: fiança e habeas corpus) referentes à aplicação do direito penal objetivo brasileiro, bem assim nas medidas preparatórias de ações penais veiculando pretensão de aplicar-se aquele direito (ex: quebra de sigilo bancário e de sigilo telefônico). Nessa toada, convém estudar as hipóteses de incidência do direito penal material brasileiro, seja em relação ao espaço, seja em relação às pessoas, enquanto medida da jurisdição penal nacional.
3. A jurisdição penal brasileira em relação ao espaço
3.1. Territorialidade da lei penal brasileira
Prevê o art. 5º, caput, CP: “Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional”. A lei penal brasileira aplica-se, portanto e com base nessa norma de superdireito, a todos os crimes cometidos em território nacional, independente da nacionalidade do agente ou do titular do bem jurídico lesado. A regra vale, inclusive, para crimes cometidos nas sedes de organizações que têm personalidade jurídica de direito internacional (organizações internacionais ou intergovernamentais) e são sediadas ou representadas no Brasil. Por exemplo: foi realizada, nos dias 13 a 18 de junho de 2004, a XI Conferência Internacional sobre Comércio e Desenvolvimento, quando o Centro de Convenções do Anhembi, em São Paulo, transformou-se na sede da Organização das Nações Unidas – ONU. Eventuais crimes ali praticados nesse período também se submetem à lei brasileira. A ressalva feita na norma a convenções, tratados e regras de direito internacional caracteriza a territorialidade temperada. O CP não definiu o que seja território, deixando a matéria a cargo do Direito Público. Neste passo, de se registrar que território nacional, em seu sentido jurídico, é mais amplo que no seu sentido estrito, abrangendo, além do território real, de base puramente física, o chamado território fictício. Território, em sua conformação física, é o espaço em que o Estado exerce sua soberania. Abrange o solo, o subsolo, as águas interiores (eventualmente limitadas pela linha mediana, equidistante das margens, ou pela linha do talvegue, que acompanha a maior profundidade, se fizer fronteira com outro país), o mar territorial (entendido como a faixa de mar exterior que se estende por 12 milhas marítimas, a partir da baixa-mar do litoral continental – art. 1º, Lei 8.617/93) e o espaço aéreo (equivalente à coluna atmosférica sobre o território – art. 11, Lei 7.565/86, temperando-se a Convenção de Paris, de 1919 – de uma época, portanto, em que o desenvolvimento tecnológico não permitia ainda vislumbrar as possibilidades totais na exploração desse espaço,(12) descurando, por isso mesmo, a fixação dos limites de altitude ao exercício da soberania territorial –, e a Convenção de Chicago, de 1944, que, neste particular, manteve referida omissão). No tocante ao mar territorial, de se registrar que o exercício da soberania é delimitado pelo direito de passagem inocente.(13) A zona contígua, faixa de 12 a 24 milhas marítimas, na qual o Brasil pode tomar medidas de fiscalização, a fim de evitar infrações às leis aduaneiras, fiscais, de imigração ou sanitárias, não compreende o território nacional. Nessa premissa, eventual crime de entrada ou permanência ilegal de estrangeiro (art. 309, CP), embora possa ser evitado pelas autoridades competentes na zona contígua mesma, somente se consuma no mar territorial. Espaço cósmico e alto-mar: não se sujeitam à soberania de qualquer país. Voltando ao CP, prevê o § 1º do art. 5º: “Para os efeitos penais, consideram-se como extensão do território nacional as embarcações e aeronaves brasileiras, de natureza pública ou a serviço do governo brasileiro onde quer que se encontrem, bem como as aeronaves e as embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, que se achem, respectivamente, no espaço aéreo correspondente ou em alto-mar”. Trata-se do princípio do pavilhão ou da bandeira, que estende, mediante ficção jurídica, o conceito de território do Estado onde estejam matriculadas as naves.(14) Assim, às naves de natureza pública ou a serviço do governo brasileiro só se aplica a lei do seu pavilhão, onde quer que se encontrem, diferente do que ocorre com as naves mercantes ou de propriedade privada. Os barcos ou destroços são considerados remanescentes da embarcação ou aeronave, sendo, por conseguinte, extensão do território nacional. No seu turno, o § 2º do mesmo art. 5º consigna: “É também aplicável a lei brasileira aos crimes praticados a bordo de aeronaves ou embarcações estrangeiras de propriedade privada, achando-se aquelas em pouso no território nacional ou em vôo no espaço aéreo correspondente, e estas em porto ou mar territorial do Brasil”. Entretanto, se o crime cometido a bordo de aeronave ou embarcação estrangeira, em vôo ou navegação, não produzir efeitos no Brasil (por exemplo, não houver comunicação a autoridades nacionais ou pedido de ajuda) nem atingir seus interesses, o Brasil dispõe de sua jurisdição, de sorte que não intervirá no vôo ou navegação tão-só com o fito de exercer sua jurisdição penal.(15) Os lugares militarmente ocupados (e aqui convém mencionar a espécie, por isso que a história recente trouxe e continua trazendo exemplos, infelizmente, da atualidade do tema) presumem-se, por ficção jurídica, extensão do território do exército ocupante se, e somente se, a ocupação decorrer de operação bélica. Desse modo, em se tratando de ocupação consentida pelo país ocupado e não havendo convenções especiais entre os dois governos, a lei do exército ocupante somente se aplica aos seus militares.(16) Complementando a regra da territorialidade, o art. 6º, CP, determina que “considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado”. Em relação aos crimes permanentes, aplica-se a lei nacional quando qualquer dos fatos do iter criminis tenha-se realizado em território brasileiro. Entende-se que parte do resultado também é resultado, para fins de incidência da norma. Tem-se a teoria unitária ou da ubiqüidade. Essa regra diz com a determinação da jurisdição nacional, por isso há de ser aplicada tão-só nos crimes a distância (ação ou parte da ação no território nacional/estrangeiro; resultado, parte do resultado, impedimento do resultado ou impedimento de parte do resultado no estrangeiro/território nacional, respectivamente). O art. 70, CPP, e o art. 6º, Lei 9.099/95, que veiculam a teoria do resultado e a teoria da atividade, nessa ordem, são regras de determinação de competência e não de determinação de jurisdição, por isso que deixam de ser analisadas aqui. Neste passo, três observações. Primeira, a teoria da ubiqüidade aplica-se também em relação ao território fictício, ou seja, em relação a embarcações e aeronaves em alto-mar ou espaço aéreo correspondente. O STF, por esse fundamento, reconheceu a competência da Justiça brasileira para o processo e julgamento de explosão de navio inglês em alto-mar decorrente de bomba-relógio colocada na Bahia, declarando a competência da 2ª Vara Criminal de São Salvador.(17) Segunda, o resultado, para fins de aplicação da lei penal brasileira, é o resultado típico e não o resultado secundário. Exemplo: homicídio; ação no estrangeiro (aliunde); resultado típico: morte, no estrangeiro; resultado secundário: sucessão patrimonial no Brasil; jurisdição: estrangeira.(18) Terceira, as regras de modificação de competência (conexão ou continência) não se aplicam para ampliar a jurisdição nacional a causas afetas à justiça estrangeira, até porque modificação de competência pressupõe competência mesma e esta, por sua vez, pressupõe jurisdição, inexistente na hipótese.(19) Essa diretriz está, inclusive, no art. 303 do Código Bustamante, Código de Direito Internacional privado para a América, incorporado ao ordenamento positivo brasileiro pelo Decreto 5.647/29. Então e por exemplo, se ocorre um furto (conhecido e comprovado) na Argentina e receptação (conexo) no Brasil, aqui somente será julgada a receptação.
3.2. Extraterritorialidade da lei penal brasileira
Já o art. 7º, CP, prevê a aplicação da lei penal objetiva brasileira a crimes cometidos fora do território nacional. São casos de extraterritorialidade da lei penal. No inc. I, estão os crimes sujeitos à extraterritorialidade incondicionada, por força do princípio da proteção ou da defesa: a) contra a vida ou a liberdade do Presidente da República; b) contra o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal, de Estado, de Território, de Município, de empresa pública, sociedade de economia mista, autarquia ou fundação instituída pelo Poder Público; e c) contra a administração pública, por quem está a seu serviço; e do princípio da universalidade, da justiça universal ou da competência universal: d) de genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil. No inc. II e § 3º do mesmo art. 7º, estão os crimes sujeitos à extraterritorialidade condicionada, que veiculam o princípio da universalidade, da justiça universal ou da competência universal: a) que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir; princípio da nacionalidade ou personalidade ativa: b) praticados por brasileiro; princípio da representação: c) praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, quando em território estrangeiro e aí não sejam julgados; e princípio da proteção ou da defesa: cometidos por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil, desde que não tenha sido pedida ou tenha sido negada a extradição e haja requisição do Ministro da Justiça. As condições da incidência da lei penal (nas hipóteses de extraterritorialidade condicionada) são cumulativas e estão no § 2º do mesmo art. 7º: a) entrar o agente no território nacional; b) ser o fato punível também no país em que foi praticado; c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição; d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena; e e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável. A saída do agente em momento posterior ao início da ação penal, não prejudica, em tese, sua continuidade. Questão interessante surge quando um súdito brasileiro supostamente comete crime em outro país e foge para o Brasil. Instado a entregar o brasileiro àquele país, o Brasil não poderá fazê-lo, por força da expressa proibição constitucional de extraditar-se o súdito nacional (art. 5º, LI, CF). Nessa hipótese, o Brasil deve consultar formalmente aquele país sobre seu interesse em ver o súdito brasileiro submetido à persecução penal, no Brasil mesmo, pelo suposto crime, e submetê-lo a processo penal de ação penal pública condicionada à requisição do Ministro da Justiça, consoante recomenda o consagrado princípio “aut dedere aut judicare” e o dever ético-jurídico de se evitar a impunidade do nacional que delinqüiu alhures. De se registrar que essa situação pode gerar impunidade, já porque as provas do crime estão aliunde, o que dificulta sobremaneira o julgamento; por outro lado, é melhor correr esse risco do que permitir um súdito brasileiro, por exemplo, ser julgado na Inglaterra, onde é visto no imaginário popular como um latino-americano que entrou ilegalmente no país e cometeu um crime contra um nacional, sendo que provavelmente não seria julgado com imparcialidade.(20) Vale ressaltar que, em se tratando de contravenções penais, a lei brasileira somente é aplicável às cometidas no território nacional (art. 2º, DL 3.688/41 – Lei das Contravenções Penais – LCP). Em contrapartida, a Lei 9.455/97, que define os crimes de tortura, “aplica-se ainda quando o crime não tenha sido cometido em território nacional, sendo a vítima brasileira ou encontrando-se o agente em local sob jurisdição brasileira” (art. 2º).
3.3. Concorrência de jurisdições: jurisdição principal e jurisdição subsidiária
Pode ocorrer que a jurisdição nacional e a jurisdição estrangeira concorram sobre um determinado fato criminoso, por isso que as leis penais objetivas do Brasil e do Estado estrangeiro incidem, consoante suas regras de superdireito, concorrentemente naquele suporte fático. Nas hipóteses de territorialidade (art. 5º, CP) e de extraterritorialidade incondicionada (art. 7º, I, CP) da lei penal brasileira, a jurisdição nacional é principal ou preponderante em relação à jurisdição estrangeira: “o agente é punido segundo a lei brasileira, ainda que absolvido ou condenado no estrangeiro” (art. 7º, § 1º, CP). Isso não significa, porém, que haverá um duplo apenamento pelo mesmo fato, na medida em que há detração com a parte da pena provisória cumprida no estrangeiro (art. 42, CP), bem assim “a pena cumprida no estrangeiro atenua a pena imposta no Brasil pelo mesmo crime, quando diversas, ou nela é computada, quando idênticas” (art. 8º, CP). Por outro lado, nas hipóteses de extraterritorialidade condicionada (art. 7º, II e § 3º, CP), a jurisdição nacional é subsidiária em relação à jurisdição estrangeira. Com efeito, o STF tem afirmado o caráter subsidiário do princípio da universalidade, que informa a extraterritorialidade condicionada, dando prevalência ao princípio da territorialidade, no concurso de jurisdições nacional e estrangeira.(21) Outrossim, do exame do art. 7o, §2º, CP, percebe-se que processo penal em curso no estrangeiro, ainda que em país integrante do Mercosul, não impede o processo penal no Brasil.(22) Entretanto, se o agente for processado no juízo estrangeiro, sua sentença preponderará sobre a do juiz brasileiro, mas somente se a coisa julgada for anterior ao início do processo penal brasileiro: não que se reconheça o fenômeno jurídico da coisa julgada em outro país, em seu sentido técnico, mas por aplicação do princípio universal do non bis in idem. Caso o réu seja absolvido pelo juiz territorial, aplicar-se-á a regra non bis in idem para impedir a persecutio criminis (art. 7º, § 2º, d, CP). No entanto, em caso de condenação, se o condenado se subtrair à execução da pena (ainda que de parte da pena), não lhe caberá invocar o non bis in idem: será julgado no Brasil e eventualmente condenado de novo, aplicando-se, entretanto, a detração do art. 42 e o art. 8º, ambos do CP.
4. A jurisdição penal brasileira em relação às pessoas
Já anotei o princípio da territorialidade ser temperado, i.e., relativo. Daí, há pessoas a quem é conferida imunidade de jurisdição nacional, em virtude de tratados, convenções internacionais e regras de direito internacional. Trata-se das imunidades diplomáticas do Direito Internacional Público. Mas o Direito Público interno também veda incidência às normas penais brasileiras, nas denominadas imunidades parlamentar e judiciária. Em todos os casos, a imunidade não tem em vista a pessoa do agente, mas a função por ele exercida. Antes de prosseguir, pois, convém esclarecer o duplo sentido da imunidade em relação às normas penais objetivas brasileiras. O primeiro é o sentido oriundo da imunidade diplomática, que se apresenta como verdadeiro impedimento ao exercício da jurisdição brasileira sobre as pessoas que a detêm, mas existem delito e pena, até o ponto em que, na hipótese de renúncia do Estado acreditante, o agente pode ser condenado de conformidade com a lei nacional e pela jurisdição nacional.(23) O segundo é o das imunidades parlamentar e judiciária que, no seu turno, não impedem o exercício da jurisdição nacional sobre as pessoas que as detêm, mas tão-só excluem a ilicitude do fato penal típico. Assim, somente a imunidade diplomática exclui a jurisdição nacional e pode ser considerada exceção ao princípio da territorialidade, i.e., exceção ao preceito de que o Estado pode punir todos os crimes praticados em seu território. As imunidades parlamentar e judiciária, bem como as excludentes de ilicitude (art. 23, CP: estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento de dever legal e exercício regular de direito), não excluem a jurisdição penal, mas só a ilicitude do fato típico e, conseqüentemente, o crime. Nessa ordem de considerações, somente se justifica, neste trabalho, a análise da imunidade diplomática.
4.1. Imunidade diplomática
A imunidade diplomática vem regulada pelas Convenções de Viena, de 1961 (relativa ao agente diplomático) e de 1963 (concernente ao serviço consular), incorporadas ao ordenamento positivo interno pelos Decretos 56.435/65 e 61.078/67, respectivamente. A imunidade diplomática admite renúncia que, entretanto, é de ser manifestada pelo Estado ou Organismo Internacional acreditante, e não pelo titular da imunidade. É de competência da Justiça brasileira decidir sobre a ocorrência ou não da imunidade diplomática.(24) A imunidade do agente diplomático é absoluta, referindo-se a qualquer delito, impedindo não só qualquer inquérito ou processo, bem assim a prisão e a condução coercitiva para prestar testemunho. Essa imunidade se estende aos membros do pessoal administrativo e técnico da missão diplomática (exclui-se, portanto, o pessoal não-oficial, como os secretários particulares, datilógrafos, mordomos e motoristas), assim como aos membros de suas famílias que com eles vivam, desde que não sejam nacionais do Estado acreditado nem nele tenham residência permanente. A imunidade absoluta abrange também o chefe de Estado estrangeiro ou Organismo Internacional que visita o país e os membros de sua comitiva, bem assim os membros das forças armadas estrangeiras que se encontrem no país em tempo de paz (art. 7º, Tratado de Direito Internacional de Montevidéu, de 1940). Importante ressaltar que os locais das missões diplomáticas já não são mais considerados extensão de território estrangeiro,(25) embora sejam invioláveis(26), não podendo ser objeto de busca, requisição, embargo ou medida de execução. Assim, delitos cometidos nas representações diplomáticas, por pessoas que não gozam de imunidade, submetem-se à jurisdição brasileira. Os crimes dos agentes diplomáticos devem ser levados ao conhecimento dos respectivos governos, únicos competentes para o respectivo processo e julgamento. Em outras palavras: a imunidade não livra o agente da jurisdição de seu Estado patrial. De outro lado, na hipótese de renúncia do Estado acreditante, o agente diplomático pode então ser processado e julgado pela jurisdição nacional. O cônsul não representa o Estado: suas funções são pertinentes às atividades privadas, especialmente a mercantil, sem maior interesse político. Por isso, a imunidade do cônsul é relativa tão-só à jurisdição das autoridades judiciárias e administrativas do Estado receptor pelos atos realizados no exercício das funções consulares. A regra se aplica tanto aos cônsules de carreira ou originários (cônsules missi), bem assim aos cônsules honorários (cônsules electi), estes recrutados no país onde vão exercer o ofício, já porque idêntico o regime jurídico de ambos. Essa definição da imunidade penal do cônsul, que a torna inviável para ser estendida aos membros de sua família, permite o inquérito, o processo e a prisão referentes a crimes não-relacionados com a função consular. Enfim, calha anotar que alguns países, como o Brasil, unificaram as duas carreiras. Cada profissional da diplomacia, nesses países, transita concomitantemente entre funções consulares e funções diplomáticas. A função exercida no momento é que determina a pauta de privilégios no tocante à imunidade diplomática.
5. Ausência ou deficiência da jurisdição penal brasileira e jurisdição complementar do Tribunal Penal Internacional – TPI
Considerada a existência de um direito penal internacional, vocacionado para a prevenção e repressão dos crimes mais graves, praticados por pessoas e que assolam a comunidade internacional, por isso mesmo reconhecidos em tratados internacionais e denominados crimes internacionais, vemos e vivemos dois fenômenos. O primeiro é a constitucionalização do Direito Internacional, que consubstancia a idéia de implantação de uma comunidade universal de Estados, devidamente institucionalizada, revelando-se pela criação de organismos políticos a que os Estados juridicamente organizados aderem, organismos estes que adotam, à guisa de tratados fundadores, verdadeiras Constituições internacionais, providas de órgãos que muito lembram os existentes nas instituições internas dos Estados. Como exemplo, cite-se a Carta da ONU. O segundo é a internacionalização do Direito Constitucional,(27) que consiste na recepção de preceitos de Direito Internacional por algumas Constituições modernas. Como exemplo desta tendência, cite-se o art. 7º, ADCT/88, propugnando pela formação de um tribunal internacional dos direitos humanos; o art. 5º, § 3º, CF/88, acrescentado pela EC 45/04 – Reforma do Judiciário, que trata da incorporação dos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos ao Direito brasileiro, equiparando-os às emendas constitucionais; e o art. 5º, § 4º, CF/88, também acrescentado pela EC 45/04, submetendo o Brasil à jurisdição do Tribunal Penal Internacional – TPI. Nesse contexto é que se observa o aparelhamento de órgãos intergovernamentais especialmente criados para prevenir e reprimir os crimes internacionais, a exemplo da Internacional Criminal Police Organization – INTERPOL e, mais recente, do Tribunal Penal Internacional – TPI.(28) Neste passo é bom asseverar que não há confundir o direito penal internacional, que busca responsabilizar o indivíduo por crimes internacionais, com o direito internacional penal, que busca responsabilizar o Estado por atos ou omissões lesivos aos direitos fundamentais do homem. No âmbito do direito internacional penal, mencionem-se a Corte Européia dos Direitos do Homem (Estrasburgo) e a Corte Interamericana dos Direitos do Homem (São José da Costa Rica), ambas inseridas no sistema de garantia de eficácia das normas protetivas dos direitos humanos postas, respectivamente, na Convenção Européia sobre os Direitos do Homem (1950) e na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica, de 1969). Em relação à última, mencione-se sua competência para julgar casos de violações de direitos humanos atribuídas aos Estados da Organização dos Estados Americanos – OEA que hajam reconhecido sua competência contenciosa, bem assim para determinar medidas provisórias com vistas a prevenir possíveis violações em situações graves e urgentes e, finalmente, para emitir opiniões consultivas sobre a interpretação e aplicação dos tratados de direitos humanos do sistema interamericano. Cumpre referir, ainda, que as denúncias feitas no Brasil não chegam direta e automaticamente à Corte Interamericana dos Direitos do Homem (que foi reconhecida pelo Brasil em 1998). Essas denúncias são, antes, “filtradas” pela Comissão Interamericana dos Direitos do Homem,que, a par do amplo espectro de atribuições que possui (ex: requisitar informações e formular recomendações aos governos dos Estados pactuantes, as quais, infelizmente, poucas vezes são cumpridas ou observadas), só encaminha para a referida Corte aquelas que, no seu juízo discricionário, mereçam ser examinadas.(29) Voltando ao direito penal internacional, cumpre referir que a aprovação do Estatuto de Roma, ratificado pelo Senado brasileiro no primeiro semestre de 2002 e internalizado no ordenamento brasileiro por meio do Decreto 4.388/02, criando o Tribunal Penal Internacional – TPI, com sede em Haia (Holanda), é, sem dúvida, um dos marcos mais significativos no seu desenvolvimento. O TPI vem com o mérito de ser um tribunal permanente e internacional, não marcado com a hedionda etiqueta de tribunal ad hoc de vencedores para julgar vencidos.(30) Outrossim, não faz tábula rasa da soberania dos Estados(31) e a fortiori de sua jurisdição primária, uma vez que sua jurisdição é residual à dos Estados, na medida em que a sua atuação somente ocorrerá de forma complementar à jurisdição nacional e na hipótese de falência da justiça interna do Estado.(32) Trata-se do princípio da complementaridade, consagrado no art. 1o, Estatuto de Roma. Nessa ordem de considerações, a ausência ou deficiência da jurisdição primária brasileira pode, portanto, implicar a incidência da jurisdição complementar do TPI. Isso não é, porém, uma assertiva absoluta, já que este tribunal não exerce sua jurisdição em relação a todos os crimes internacionais, mas somente em relação àqueles previstos no art. 5º, Estatuto de Roma: genocídio, agressão, contra a humanidade e de guerra. Demais disso, o TPI é regido pelo princípio do juiz natural, de modo que sua jurisdição somente será exercida em relação aos crimes cometidos após a vigência do Estatuto de Roma, e se um Estado se tornar Parte no referido Estatuto após esta data, o Tribunal poderá exercer sua jurisdição unicamente sobre crimes cometidos após a entrada em vigor do Estatuto para tal Estado, salvo expressa declaração em outro sentido (art. 11, Estatuto de Roma). É importante referir também que o art. 12, Estatuto de Roma, por sua vez, consagra como condição prévia ao exercício da jurisdição do TPI a necessidade de ser parte do Estatuto o Estado em cujo território teve lugar a conduta ou o Estado a que pertença o acusado do crime. De mais a mais, a jurisdição do TPI só pode ser exercida nas hipóteses de o Estado comunicar ao Promotor uma situação que envolva crimes de sua competência, o próprio Promotor instaurar um inquérito de ofício ou, finalmente, o Conselho de Segurança da ONU comunicar ao Promotor uma situação (art. 13, Estatuto de Roma). Neste último caso, porém, não se pode olvidar que o Conselho de Segurança age sob seletividade política. Feitas essas ponderações, fica pois o sentimento de que, apesar do grande passo dado com a criação do TPI, ainda assim vários crimes graves passam e passarão, na hipótese de ausência ou deficiência da jurisdição nacional, ao largo da jurisdição deste tribunal e, conseqüentemente, de uma sanção penal. Em outras palavras, embora o TPI já não seja mais utopia (palavra latina que significa, literalmente, em lugar nenhum), não se pode invocar CAMÕES, na sua plenitude, quando disse: “cessa tudo que a antiga musa canta, que outro valor mais alto se alevanta”...
6. Bibliografia BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. São Paulo: Martin Claret, 2000 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 11ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2001 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Parte geral. 2ª edição, v. I. São Paulo: Saraiva, 2001 CARNEIRO, Athos Gusmão. Jurisdição e Competência, 10ª edição. São Paulo: Saraiva, 2000 COUTINHO. Jacinto Nelson de Miranda. O papel do novo juiz no processo penal. Trabalho apresentado no Seminário Nacional sobre Uso Alternativo do Direito, evento comemorativo do sesquicentenário do Instituto dos Advogados Brasileiros, Rio de Janeiro, 7 a 9 de junho de 1993 DEMO, Roberto Luis Luchi. Competência penal originária. Uma perspectiva jurisprudencial crítica. São Paulo: Malheiros Editores, 2005 FERREIRA, Roberto dos Santos. Competência da Justiça Federal. Rio de Janeiro: Editora Independente, 1997 GOMES, Luiz Flávio; PIOVESAN, Flávia (coords.). O sistema interamericano de proteção dos direitos humanos e o direito brasileiro, São Paulo: RT, 2000 MARQUES, José Frederico. Da competência em matéria penal. São Paulo: Saraiva, 1953 NORONHA, E. Magalhães. Curso de Direito Processual Penal. 25ª edição. São Paulo: Saraiva, 1997 REZEK, J. F., Direito Internacional público. 8a edição, São Paulo: Saraiva, 2000 SEITENFUS, Ricardo; VENTURA, Deisy. Introdução ao Direito Internacional Público, 3a edição, Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2003 ZAFFARONI, Raul Eugenio; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. Parte geral, 2ª edição, São Paulo: RT, 1999
Notas 1. O conceito de soberania, o eixo fundamental que organiza os Estados Nacionais, é hoje arranhado (não sob o aspecto formal, mas em sua essência) por países desenvolvidos (mediante o tráfego comercial), instituições financeiras multilaterais surgidas após a Segunda Guerra Mundial (Fundo Monetário Internacional - FMI, Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID) e algumas organizações não-governamentais, que mostram uma reminiscência da Lei de Hobbes, da lei do mais forte no plano internacional: “o homem é o lobo do homem”. 2. CARNEIRO, Athos Gusmão. Jurisdição e Competência, 10. edição, São Paulo: Saraiva, 2000, p. 16. 3. A autotutela, fora das hipóteses legalmente admitidas (v.g., prisão em flagrante, estado de necessidade e legítima defesa), configura ilícito penal, tipificado no art. 345, CP, quando cometido por particular, e no art. 350, CP, quando cometido por agente público 4. MARQUES, José Frederico. Da competência em matéria penal. São Paulo: Saraiva, 1953, p. 14. 5. “O poder jurisdicional não compreende apenas a decisão em que é declarada a vontade legal. Embora seja a sentença o ato jurisdicional por excelência, jurisdicionais são, outrossim, os demais atos que no processo foram praticados em preparação ao decisório. Compreende, por isso, a jurisdição, os cinco elementos seguintes: notio, vocatio, coercio, judicium e executio”. (MARQUES, José Frederico. Da competência em matéria penal. São Paulo: Saraiva, 1953, p. 24) 6. ver COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. O papel do novo juiz no processo penal. Trabalho apresentado no Seminário Nacional sobre Uso Alternativo do Direito, evento comemorativo do sesquicentenário do Instituto dos Advogados Brasileiros, Rio de Janeiro, 7 a 9 de junho de 1993. Aliás, a neutralidade do homem enquanto integrante da sociedade, que o forma, não existe, valendo a regra para todos os campos da atividade humana, podendo-se invocar, exemplificadamente, o comunista soviético Nikita Krutschev, quando disse que “existem países neutros, mas não homens neutros”. 7. “O rigor do suplício não é o que previne os delitos com maior segurança, porém a certeza da punição”. (BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. São Paulo: Martin Claret, 2000, p. 64) 8. STF, HC 72.330, FRANCISCO REZEK, 2 a T, DJ 27.10.95. 9. O mesmo se dá no processo civil, em que a não-comprovação do fato constitutivo do direito implica a improcedência da ação, e não a extinção do processo sem exame do mérito, como infelizmente e com pouca técnica fazem muitos juízes, em especial quando versam demandas contra o Poder Público. 10. Nesse sentido: MARQUES, José Frederico. Da competência em matéria penal. São Paulo: Saraiva, 1953, p. 78/9. 11. No rigor técnico, o seqüestro não visa a garantir a aplicação do direito penal objetivo, mas, antes e pelo contrário, a garantir a aplicação do direito civil objetivo, viabilizando o ressarcimento dos danos causados pelo crime mesmo, este sim qualificado pelo direito penal objetivo. Entretanto, a legislação brasileira atribuiu ao juízo penal o conhecimento e julgamento dessa medida cautelar tendente a garantir a indenização (arts. 125 e 132, CPP), por que se pode falar em jurisdição penal. 12. o primeiro vôo homologado da história da aviação, de Santos Dumont, que, em seu 14 Bis, decolou, voou por 220 metros a 6 metros de altura e pousou, dera-se havia poucos anos: 1906. 13. Art. 17, Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar ou Convenção de Montego Bay, de 1982. A Convenção ainda esclarece que a passagem é inocente desde que não seja prejudicial à paz, à boa ordem ou à segurança do Estado costeiro. Em todos os casos a passagem deve ser contínua e rápida. 14. Esse critério formal de aferição da nacionalidade pela matrícula, embora de aceitação pacífica para as aeronaves, devido ao intenso controle internacional da atividade de transporte aéreo, não é aceito pacificamente para as embarcações, sendo que a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, de 1982, exige um vínculo substancial entre o Estado e o navio, como exigência para o reconhecimento da nacionalidade, justamente para combater as chamadas “bandeiras de conveniência” (SEITENFUS, Ricardo; VENTURA, Deisy. Introdução ao Direito Internacional Público, 3ª edição, Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2003, p. 118). 15. Nesse sentido: NORONHA, E. Magalhães. Curso de Direito Processual Penal, São Paulo: Saraiva, 25ª edição, 1997, p. 15. 16. MARQUES, José Frederico. Da competência em matéria penal. São Paulo: Saraiva, 1953, p. 127. 17. SIQUEIRA, Galdino. Direito penal brasileiro, apud MARQUES, José Frederico, Da competência em matéria penal. São Paulo: Saraiva, 1953, p. 97/8. 18. CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Parte geral. 2ª edição, v. I, São Paulo: Saraiva, 2001, p. 90. 19. Nesse sentido: MARQUES, José Frederico. Da competência em matéria penal. São Paulo: Saraiva, 1953, p. 92/3. 20. Isso se tivesse a oportunidade de ser julgado, o que não ocorreu com o brasileiro Jean Charles de Menezes, que morava na Inglaterra e, confundido com um terrorista, foi assassinado brutalmente por policiais da famosa Scotland Yard, em julho de 2005. 21. FERREIRA, Roberto dos Santos. Competência da Justiça Federal.Rio de Janeiro: Editora Independente, 1997, p. 174. 22. Não se pode olvidar que o Protocolo de Las Leñas, internalizado pelo Brasil pelo Decreto 2.067/96, instituiu a litispendência no âmbito do Mercosul, no seu art. 22, mas essa regra não abrange os processos penais, restrita que fica aos processos cíveis (no seu sentido amplo, é dizer, que envolvam as matérias civis, comerciais, trabalhistas e administrativas, nos termos do art. 1º, Protocolo de Las Leñas). 23. ZAFFARONI, Raul Eugenio; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. Parte geral, 2ª edição, São Paulo: RT, 1999, p. 236. 24. STF, RHC 34029, EDGARD COSTA, PLENO, DJ 11.3.57. 25. NORONHA, E. Magalhães. Curso de Direito Processual Penal, 25ª edição, São Paulo: Saraiva, 1997, p. 15. 26. O que não impediu, quando o ditador panamenho Manuel Noriega se refugiou na embaixada do Vaticano, que os soldados do Psyop, especialistas em guerra psicológica do Exército dos Estados Unidos, bombardeassem-no dia e noite com rock, amplificado por caixas acústicas de 10.000 watts: em poucos dias, Noriega se rendeu, com os nervos em frangalhos. 27. Essas expressões “internacionalização do Direito Constitucional” e “constitucionalização do Direito Internacional” são da lavra de PAULO BONAVIDES, in Curso de Direito Constitucional, 11ª edição, São Paulo: Malheiros Editores, 2001, p. 32-3. 28. Não há confundir o Tribunal Penal Internacional – TPI com a Corte Internacional de Justiça – CIJ. Esta, com sede em Haia (Holanda) – onde também funciona o TPI –, é a mais alta instância da ONU, criada para resolver pendências entre seus Estados membros, ou seja, é uma das alternativas de solução pacífica jurisdicionalde litígios internacionais. É de se lembrar que, recentemente, o Conselho de Segurança da ONU pediu para que a CIJ emitisse uma decisão sobre as conseqüências legais do muro que Israel estava construindo ao redor do território ocupado pelos palestinos. Em 09 de julho de 2004, a CIJ decidiu que o muro violava os direitos humanos, mas nem por isso Israel deixou de dar continuidade à sua construção, o que mostra a pouca eficácia que possuem as decisões da CIJ. 29. Para maiores detalhes, confira-se: GOMES, Luiz Flávio; PIOVESAN, Flávia (coords.), O sistema interamericano de proteção dos direitos humanos e o direito brasileiro, São Paulo: RT, 2000. 30. Exemplos que a História traz em quatidade razoável. Cite-se o Tribunal Penal Internacional de Nuremberg, criado após a II Guerra Mundial pelos países aliados para julgar os crimes de guerra cometidos pelos chefes da Alemanha nazista, sendo Herman Goering o mais famoso (leia-se: afamado); o Tribunal Penal Internacional da ONU para a ex-Iuguslávia, que está processando Slobodan Milosevic por crimes de genocídio e de guerra; e o Tribunal Penal Internacional para Ruanda, que julga os responsáveis por um dos maiores genocídios da história, em que os tutsis foram massacrados pelos hutus. 31. Sem embargo dessa constatação, os Estados Unidos da América não assinaram o Tratado de Roma, ao discurso de que há de prevalecer a sua soberania nacional em detrimento da defesa dos valores universais, como os direitos humanos, por isso que não se admite que um cidadão americano seja julgado por outro tribunal que não americano. Contradizendo esse discurso, dirigiram ações bélicas contra o Iraque, sem a luz verde do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas – ONU: parece que só a soberania norte-americana interessa... Mais recente, os Estados Unidos da América propuseram acordos bilaterais com outros países no sentido de impedir a extradição de americanos processados no Tribunal Penal Internacional, bem assim retaliações aos países que não assinassem mencionados acordos, entre os quais, o Brasil. 32. REZEK, J. F., Direito Internacional público. 8ª edição, São Paulo: Saraiva, 2000, p. 149/50. Indício dessa falência da justiça interna pode ser exemplificado no caso de emasculação de crianças para ritual de magia negra ocorrido em Altamira, Belém, nos idos de 1989 a 1993, cuja lentidão no processo (parte dos acusados só foi a julgamento pelo júri em 27 de agosto de 2003) contribuiu para que o Brasil fosse denunciado na Corte Interamericana de Direitos do Homem. |
Referência bibliográfica: (de acordo com a NBR 6023: 2002/ABNT): |
REVISTA
DE DOUTRINA DA 4ª REGIÃO
PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRF DA 4ª REGIÃO - EMAGIS |