Direito Processual Civil
Limites no juízo de admissibilidade dos recursos especial e extraordinário
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Autora: Maria Lúcia Luz Leiria
(Desembargadora Federal Presidente do TRF da 4ª Região)
Publicado na Edição 13 - 21.07.2006

Os recursos para os Tribunais Superiores, em especial o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, instituídos pela Constituição Federal em seus arts. 102 e 105, passam por uma fase de admissibilidade junto aos Tribunais de Apelação (Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça dos Estados). No Tribunal Regional Federal da 4ª Região tal função está afeita à Vice-Presidência, por delegação da Presidência.

Diz o CPC, em seu artigo 542, o seguinte:

“Art. 542. Recebida a petição pela secretaria do tribunal, será intimado o recorrido, abrindo-se-lhe vista, para apresentar contra-razões.

§ 1º Findo esse prazo, serão os autos conclusos para admissão ou não do recurso, no prazo de 15 (quinze) dias, em decisão fundamentada.

§ 2º Os recursos extraordinário e especial serão recebidos no efeito devolutivo.”

Por isso, decidi buscar traçar o conteúdo do disposto in fine no § 1º do art. 542 do CPC: “(...) serão os autos conclusos para admissão ou não do recurso (...)”.

Quando iniciei no exercício da Vice-Presidência, a pergunta que me fiz era que conteúdo jurisdicional existe no despacho de admissão, qual a sua razão e qual o seu alcance.

Não é este o espaço para tecer teorias sobre a “jurisdição”, sobre a natureza jurídica desta decisão, e sim para buscar delimitar esta atribuição da Presidência ou Vice-Presidência dos Tribunais de Apelação.

Ocorre que mesmo com uma jurisdição delegada dos Tribunais Superiores, por força dos arts. 541 e 542 do CPC, vejo que este poder deferido pelo legislador ordinário, pelo texto infraconstitucional, é um degrau dentro do “devido processo legal recursal”, imposto pelo princípio constitucional que busca determinar uma fase intermediária entre a interposição do recurso e o seu conhecimento pelo Tribunal a que se dirige – STJ ou STF. E esta fase, porque o princípio do devido processo legal concretiza-se nas normas processuais que não maculem outros princípios constitucionais, vem determinar que o Presidente do Tribunal ou Vice-Presidente faça um exame dos requisitos processuais. Sejam os ditos extrínsecos, os quais prefiro chamar de requisitos formais, como a tempestividade, o preparo, a representação processual, o esgotamento da instância recursal, sejam também aqueles que a doutrina denomina de requisitos intrínsecos e que prefiro chamar de requisitos substanciais dos recursos.

E é justamente aqui que se torna difícil estabelecer o limite possível para que se verifique dentro dos aspectos postos se está presente a possibilidade ou plausibilidade da ocorrência do disposto na Constituição Federal, ou seja, os casos de cabimento do recurso especial e do recurso extraordinário.

Há que, sem qualquer dúvida, tangenciar-se o mérito, sem adentrá-lo, ou seja, sem que se profira juízo decisório, porque, então, estar-se-ia invadindo a competência dos Tribunais Superiores. Vale dizer, a competência delegada aos Tribunais diz respeito ao juízo prévio – e provisório – de admissibilidade ou não dos recursos interpostos.

Dessa forma, não há como se examinar, por exemplo, se houve negativa de vigência de lei federal se, no mínimo, não se conhecer o que vem sendo decidido pelo STJ, ou seja, como se vem interpretando o texto legal.

É, pois, esse “tangenciamento do mérito”, ou seja, essa constante atualização do que está sendo decidido no âmbito da jurisdição do STJ que vejo necessária para admitir ou inadmitir um recurso especial. Isto, portanto, em prol da celeridade e também da “duração razoável do processo”, agora erigida em direito fundamental, a partir da Emenda Constitucional nº 45/2004 (art. 5º, inciso 78), de forma a que o “enfrentamento das questões de mérito não seja obstaculizado por bizantino formalismo, nem se admita o uso de manobras procrastinatórias” (2)

Veja-se, de outro lado, que, admitindo-se limites formais e inflexíveis, todo e qualquer recurso deveria ser admitido, com o que restaria esvaziada a fase recursal nos Tribunais de Apelação quanto à admissibilidade ou inadmissibilidade de tais recursos.

Se é necessário ou não tal requisito para a subida do recurso, ou melhor, se é necessária ou não a existência desta fase processual-recursal, só a alteração do sistema recursal vigente poderia resolver. Seria de se estudar, com base em dados técnicos, se a eventual supressão desta delegação resultaria em desobstrução ou não da máquina judiciária e, portanto, em jurisdição mais efetiva, ou se, simplesmente, essa etapa prévia é realmente necessária.

Enquanto mantido o sistema como está, não vejo outra atitude que não a de tangenciar o mérito, de forma a demonstrar que a irresignação constante na peça recursal atende ao conteúdo dos casos em que é possível a interposição do recurso especial ou do recurso extraordinário. Esse tangenciamento do mérito, parece-me, vem reforçado pela edição da Súmula 83 do STJ, que permite a inadmissibilidade do recurso quando a orientação do Tribunal “se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida”, ou seja, implicitamente recomenda aos Tribunais de Apelação verificar, inicialmente, se o recurso é viável juridicamente e, portanto, dentro das tendências constantes da Reforma do Poder Judiciário, realizada por meio da Emenda Constitucional nº 45/ 2004.

Cabe, ainda, tecer-se algumas considerações sobre as Súmulas nº 634 – "Não compete ao Supremo Tribunal Federal conceder medida cautelar para dar efeito suspensivo a recurso extraordinário que ainda não foi objeto de juízo de admissibilidade na origem" – e nº 635 – "Cabe ao Presidente do Tribunal de origem decidir o pedido de medida cautelar em recurso extraordinário ainda pendente do seu juízo de admissibilidade."

Aqui o limite do exame fica dentro da prova feita pelo recorrente, da argumentação feita em cotejo sempre com a realidade das decisões dos Tribunais Superiores. Cabe verificar, nesta hipótese, se, sem a suspensão dos efeitos da decisão do Tribunal de Apelação, tal decisão – passível de ser modificada, ainda, pelos Tribunais Superiores – acarretaria dano de difícil ou incerta reparação capaz de impossibilitar a volta da situação que se consolidou com a decisão de 2º grau.

Tais limites ou tais preocupações que se colocam no exame de admissibilidade recursal têm sempre, ao lado dos direitos controvertidos, a visão dos precedentes firmados pelas Cortes Superiores, bem como a preservação das decisões dos Tribunais de Apelação quando conformes com o entendimento dos Tribunais Superiores.

Tudo porque os recursos especial e extraordinário são recursos constitucionalmente limitados. O texto constitucional não abre brecha para que se inove ou se adite interpretação analógica a fim de se permitirem casos outros que não aqueles taxativamente determinados pelos artigos 102 e 105 da Constituição Federal.

Não vejo, aqui, a excepcionalidade dos recursos aos Tribunais Superiores, vejo-os, e peço vênia a parte da doutrina, como outros recursos próprios constitucionais, endereçados aos Tribunais que detêm a guarda da Constituição e a guarda da legislação federal. Tudo devidamente ligado ao princípio democrático e ao princípio federativo.

Cumpre a mim informar, a título meramente exemplificativo, que o número de tais recursos que chegam para a admissão no TRF4 é expressivo: 32.110 processos recebidos e 31.946 remetidos, tendo sido proferidos 14.177 despachos de admissibilidade e 14.653 despachos de inadmissibilidade.

Buscando tecer um rápido panorama sobre a admissibilidade dos recursos aos Tribunais Superiores, haja vista a posição acima assumida e de forma a manter uma certa linha de pensamento, passo a fazer um exame pontual das hipóteses de cabimento nos termos constitucionais.

Analiso o inciso II do art. 102 da Constituição Federal – recurso ordinário –, cabimento também da fase de admissibilidade em que se perquire sobre os requisitos formais, pois trata-se de recurso ordinário.

Em alguns casos, as partes interpunham recurso ordinário em mandados de segurança, quando não denegada a segurança, mas extinto o processo (Recurso Ordinário em MS nº 2005.04.01.027102-6/PR):

“O recurso não merece prosseguir pois: ‘Dispõe o artigo 105, inciso II, letra b, da Constituição Federal que compete a este Superior Tribunal de Justiça, em recurso ordinário, julgar ‘os mandados de segurança decididos em única instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando denegatória a decisão’. Dessa forma, se da decisão monocrática que extinguiu o processo sem julgamento de mérito cabia agravo regimental, para que a controvérsia fosse submetida ao crivo desta Corte, far-se-ia necessário, antes da interposição do presente recurso ordinário, que a decisão recorrida tivesse sido proferida pela Turma julgadora. Precedentes. recurso ordinário não-conhecido.’ (RMS 17.305/SE, Rel. Ministro FRANCIULLI NETTO, SEGUNDA TURMA, julgado em 28.09.2004, DJ 21.03.2005, p. 297). Da mesma forma: ‘Da decisão monocrática do Relator, que indefere in limine a inicial de mandado de segurança, o recurso cabível é o agravo regimental e não o recurso ordinário, que pressupõe decisão denegatória do Tribunal (art. 105, inc. II, letra b, da Constituição Federal). Embargos de declaração, apreciados pela Turma, cujo único objetivo é discutir questão referente à prevenção. Agravo regimental improvido.’ (AgRg no RMS 17.438/ES, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, QUARTA TURMA, julgado em 15.04.2004, DJ 01.07.2004 p. 195)’ E ainda: ‘Mesmo nos casos de embargos de declaração, deve ser buscada a manifestação do órgão colegiado sobre a questão suscitada, para que se viabilize o acesso a esta instância excepcional. Precedentes.’ (AgRg no Ag 546491. Ministro Castro Filho. DJ 27.06.05).”

Passo, agora, ao exame casuístico das hipóteses do inciso III do art. 102 da Constituição Federal. Pela letra a (“contrariar dispositivo desta Constituição”), o importante para a admissão do recurso é o tratamento efetuado na decisão objeto de recurso extraordinário sobre a chamada questão constitucional. Claro que atrás de uma regra há sempre um princípio, mas, nos termos da jurisprudência do STF mais atual, a dita questão constitucional ou matéria constitucional há que ter sido objeto de contraditório e de decisão pelas instâncias inferiores. No mesmo sentido, tem vindo a jurisprudência do STJ (AgRgREsp 612671/MG, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 29.05.2006, p. 231): “Para que se revele prequestionamento é necessário apenas que o tema tenha sido objeto de discussão na instância a quo, envolvendo dispositivo legal tido por violado”.

Quanto à hipótese da letra b (“quando a decisão recorrida declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal”), aqui ressurge o problema da aplicação no controle difuso de constitucionalidade do comando do art. 97 da Constituição Federal. Portanto, declarada pelo órgão especial ou Plenário a inconstitucionalidade de um texto para o exame do caso posto, aí ocorrida a hipótese da letra b.

Interessante anotar que o STF vem decretando monocraticamente a nulidade de decisão de órgão fracionário que afasta e declara a inconstitucionalidade de determinado texto, para determinar que seja argüido o devido incidente de inconstitucionalidade (AI 475133/RJ, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ 04.05.2005, p. 30):

“(...) Controle de constitucionalidade; reputa-se declaratório de inconstitucionalidade o acórdão que – embora sem o explicitar – afasta a incidência da norma ordinária pertinente à lide para decidi-la sob critérios diversos alegadamente extraídos da Constituição. (RE nº 240.096, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, DJ de 21.05.1999) O acórdão impugnado, ao adotar os fundamentos da sentença, afastou a aplicação do artigo 262 do CTB por considerá-lo incompatível com a Constituição sem, contudo, observar o preceito do artigo 97, que restou violado.”

Daí a conclusão de que deve sempre ser admitido o recurso, por se tratar de decisão que afastou a aplicação de determinado texto por eiva de inconstitucionalidade.

Tudo isso tendo em vista o princípio da supremacia da Constituição (ADI 2010 MC / DF – DISTRITO FEDERAL, Relator Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, DJ 12.04.2002, p. 51):

“RAZÕES DE ESTADO NÃO PODEM SER INVOCADAS PARA LEGITIMAR O DESRESPEITO À SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. A invocação das razões de Estado – além de deslegitimar-se como fundamento idôneo de justificação de medidas legislativas – representa, por efeito das gravíssimas conseqüências provocadas por seu eventual acolhimento, uma ameaça inadmissível às liberdades públicas, à supremacia da ordem constitucional e aos valores democráticos que a informam, culminando por introduzir, no sistema de direito positivo, um preocupante fator de ruptura e de desestabilização político-jurídica. Nada compensa a ruptura da ordem constitucional. Nada recompõe os gravíssimos efeitos que derivam do gesto de infidelidade ao texto da Lei Fundamental. A defesa da Constituição não se expõe, nem deve submeter-se, a qualquer juízo de oportunidade ou de conveniência, muito menos a avaliações discricionárias fundadas em razões de pragmatismo governamental. A relação do Poder e de seus agentes, com a Constituição, há de ser, necessariamente, uma relação de respeito. Se, em determinado momento histórico, circunstâncias de fato ou de direito reclamarem a alteração da Constituição, em ordem a conferir-lhe um sentido de maior contemporaneidade, para ajustá-la, desse modo, às novas exigências ditadas por necessidades políticas, sociais ou econômicas, impor-se-á a prévia modificação do texto da Lei Fundamental, com estrita observância das limitações e do processo de reforma estabelecidos na própria Carta Política. A DEFESA DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA REPRESENTA O ENCARGO MAIS RELEVANTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. O Supremo Tribunal Federal – que é o guardião da Constituição, por expressa delegação do Poder Constituinte – não pode renunciar ao exercício desse encargo, pois, se a Suprema Corte falhar no desempenho da gravíssima atribuição que lhe foi outorgada, a integridade do sistema político, a proteção das liberdades públicas, a estabilidade do ordenamento normativo do Estado, a segurança das relações jurídicas e a legitimidade das instituições da República restarão profundamente comprometidas. O inaceitável desprezo pela Constituição não pode converter-se em prática governamental consentida. Ao menos, enquanto houver um Poder Judiciário independente e consciente de sua alta responsabilidade política, social e jurídico-institucional.”

Quanto à alínea c, nesta hipótese o que se deve buscar na sede de admissão do recurso é se o texto aplicado na lide julgada está sendo objeto de discussão sobre a sua constitucionalidade.

A letra d, inovação trazida pela Emenda Constitucional 45, tem por sentido a busca da obediência ao disposto na legislação federal, destina-se mais especificamente aos tribunais estaduais e respeita ao recurso extraordinário – inciso III do art. 105 CF. Trata-se de questão de interpretação da lei federal na aplicação ao caso concreto, por isso, imprescindível a atualização das posições do STJ quanto às matérias deduzidas no recurso.

No tocante ao recurso especial para enquadramento na alínea a, a Constituição prevê para as hipóteses em que a decisão recorrida “contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência”.

Para fins de interposição do recurso especial com fundamento na alínea b, com a nova redação dada pela Emenda Constitucional nº 45/2004, é cabível quando a decisão “julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal”.

No que diz respeito à alínea c, há necessidade de demonstração inequívoca da divergência jurisprudencial. Nestes casos, a jurisprudência do STJ tem sido bem rigorosa: não basta que alegue a divergência, é necessário que ela seja demonstrada, com o “cotejo analítico” das questões postas no acórdão paradigma e o acórdão recorrido, que seja verificada a “similitude fática” (EREsp 273654 / RJ, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ 29.05.2006, p. 157): “Para a caracterização e apreciação do dissídio jurisprudencial, devem ser mencionadas as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados, transcrevendo os trechos dos arestos paradigmas que configurem o dissídio, bem como apresentadas cópias integrais ou pela citação de repertório oficial de tais julgados, nos termos do art. 255 do RI/STJ.” Além disto, a jurisprudência deve ser contemporânea, não se admitindo sejam juntados acórdãos antigos. A exceção se dá quando a divergência é notória (AgRg no REsp 612671 / MG, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 29.05.2006, p. 231).

Com relação à proliferação dos agravos de instrumento junto aos Tribunais de Apelação, no tocante aos recursos aqui analisados, necessário verificar a regra do art. 542, § 3º, CPC. Esta prevê fique o recurso especial ou extraordinário retido quando: a) interpostos contra decisão interlocutória; b) a decisão se der em processo de conhecimento, cautelar ou embargos à execução. Nesta hipótese, o recurso somente será processado "se o reiterar a parte, no prazo para a interposição do recurso contra a decisão final, ou para as contra-razões". A finalidade básica de tal previsão legal é, portanto, evitar a preclusão, como reconhece a doutrina (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo de conhecimento. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 560).

É verdade que tanto a doutrina quanto a jurisprudência têm interpretado a regra com relativo elastério, mas, da mesma forma, o deferimento de medidas cautelares para destrancamento dos recursos têm exigido a demonstração do fumus boni iuris e do periculum in mora evidentes, na esteira, analogamente, do que se encontra previsto para o agravo retido (art. 523, § 4º, CPC): ou seja, "dano de difícil e incerta reparação". Assim, não há porque permanecer retido recurso especial versando, por exemplo, sobre a questão de falta de preparo ou deserção (REsp 671842/RS, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ 23.05.2005, p. 301), reabertura de prazo (REsp 479806/MG, Rel. Min. Teori Zavascki, DJ 01.02.2005, p. 408) ou fornecimento de remédio para menor impúbere portador de doença terminal (MC 7240/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 25.10.2004, p. 211). Diversa, contudo, a situação quando o provimento antecipatório será, necessariamente, substituído por sentença ou acórdão, porque diz respeito ao mérito da questão, e, portanto, inexistente hipótese de dano irreversível ou lesão de difícil reparação: "mesmo em se tratando de tutela antecipada, a parte agravante receberá, em vindo a ser declarado o seu efeito, o que lhe for devido" (AgRegPet1740/SP, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, DJ 20.09.2004, p. 280). Tal é a hipótese da maior parte dos pedidos de liminar ou tutela antecipada, por exemplo, quando se requer a suspensão de exigibilidade de determinado tributo (REsp 731.118/SE, Rel. Min. Castro Meira) e de grande parcela de antecipações de tutela contra a Fazenda Pública (REsp 653081/PR, Rel. Min. Castro Meira, DJ 09.05.2005, p. 349). Não é demais lembrar que a própria apreciação dos requisitos do art. 273 do CPC enseja, ordinariamente, "o revolvimento do conjunto fático-probatório dos autos, o que é vedado pela Súmula 7 desta Corte." (REsp 653081/PR, Rel. Min. Castro Meira, DJ 09.09.2005, p. 349). Entendimento diverso, a par de desvirtuar a intenção da reforma processual civil, com a proliferação interminável de sucessivos recursos para a (re)discussão das mesmas questões, que ainda serão objeto de apelo e posteriores recursos especiais ou extraordinários, acaba por transformar os Tribunais Superiores em terceira ou quarta instância de apreciação dos feitos, o que não condiz com os propósitos da Emenda Constitucional nº 45/2004 de assegurar a "razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação" (art. 5º, LXXVIII), aliás, direito fundamental do cidadão. A experiência no exercício da Vice-Presidência demonstrou que, na grande maioria das hipóteses em que se determinou permanecesse retido o recurso e o STJ determinou o destrancamento por se tratar de tutela antecipada, o processo chegou ao TRF da 4ª Região já com a sentença de primeiro grau proferida.

Cabem, ainda, algumas considerações sobre a possibilidade de deferimento de efeito suspensivo aos recursos. Tal ocorre somente na esfera de tempo que medeia a interposição do recurso e o despacho de admissibilidade. Da mesma forma, entendo impossível, nesta “cautelar”, abrir-se um verdadeiro contraditório, pois o que se analisa é apenas a ocorrência da possibilidade de dano irreparável acaso não suspensa a decisão recorrida. Após o despacho de admissibilidade ou de inadmissibilidade, cessa toda e qualquer “delegação de jurisdição aos Presidentes dos Tribunais de Apelação”.

Outra questão que se apresenta, ainda, é a possibilidade de, em sede de juízo de admissibilidade do recurso especial ou extraordinário, ser deferido o benefício da assistência judiciária gratuita, mediante requerimento do recorrente. A jurisprudência do STJ tem se mostrado bastante divergente. Há julgados no sentido de que se o autor em momento algum do processo faz qualquer menção à necessidade da assistência judiciária gratuita, requerendo o benefício somente por ocasião da interposição do recurso, a pena de deserção deve ser aplicada, porque a regra geral é a do pagamento das custas do recurso no momento da sua interposição e também porque o benefício da justiça gratuita não é absoluto (REsp 494446 / RS).

Há julgados, entretanto, que admitem tal possibilidade, conferindo à Vice-Presidência da Corte de origem a competência para o seu deferimento e, caso indeferido, a intimação do recorrente para efetuar o devido preparo do recurso. Dessa forma, visando dar maior efetividade ao processo, adotei esta última corrente no que diz com o benefício da assistência judiciária gratuita.

Adstrita aos limites da delegação, mas considerando que o preparo é pressuposto para admissibilidade dos recursos aos Tribunais Superiores, examinava os pedidos de assistência judiciária gratuita formulados na petição, casos em que, até aquele momento, a parte não litigara sob o pálio de tal assistência. Nesses casos, examinava se os recorrentes faziam jus ao benefício e, portanto, se enquadravam na condição de necessitados, prevista no parágrafo único do art. 2º da Lei 1.060/50 para aqueles que não estão em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família. Tudo nos termos do inciso LXXIV do art. 5º da Constituição Federal.

Notas:

01. Palestra realizada no 3º Ciclo de Palestras de Processo Civil – A Justiça Federal e o Processo Civil, promovido pela Justiça Federal do Paraná e pela Escola da Magistratura (EMAGIS) do TRF da 4ª Região no dia 6 de junho de 2006.

02. Discurso de posse da Min. Ellen Gracie Northfleet como Presidente do STF, no dia 27 de abril de 2006, disponível em: http://www.stf.gov.br/imprensa/pdf/discursogracie.pdf

Referência bibliográfica: (de acordo com a NBR 6023: 2002/ABNT):
. Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n. , jul. 2006. Disponível em:
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Acesso em: .