Três questões penais: Autor: Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz |
1) Comentário ao art. 316 do CPB Com efeito, dispõe o art. 316 do CPB que comete o crime de concussão o funcionário que exige a vantagem indevida tanto pelo abuso de sua função como pelo abuso de sua qualidade. Pertinente, no caso, o magistério de NELSON HUNGRIA, ao salientar que a exigência prevista no art. 316 do CPB pode ser indireta, servindo-se o agente de velada pressão, ou fazendo supor, com maliciosas ou falsas interpretações, ou capciosas sugestões, a legitimidade da exigência. (In: Coments. ao Código Penal, Rio de Janeiro, Forense, 1958, v. IX, p. 359). No mesmo sentido, manifesta-se VINCENZO MANZINI, verbis: “Non è necessario che si tratti di una coazione assoluta: basta che il soggetto passivo sia posto dall’agente in condizione di dover aderire alla volontà del pubblico ufficiale per evitare un male maggiore, pur non essendo in lui esclusa la possibilità di resistire.” (In: Trattato di Diritto Italiano, 5. ed., Torino, UTET, 1986, v. 5, n. 1316, IV, “a”, p. 204) Outro não é o ensinamento de GIUSEPPE MAGGIORE, verbis: “La violencia moral, o amenaza, puede asumir tantas formas cuantos sean los modos de avasallar la voluntad del paciente; será, por lo tanto, real o verbal, directa o indirecta, explícita o implícita, clara o simbólica, condicionada o incondicionada. Solo se requiere que sea idónea. Pero no bastaría el solo temor reverencial, es decir, la reverencia o sujeción inspiradas por la autoridad. No se excluye que la coacción se verifique formalmente secundum ius, es decir, conforme a alguna norma jurídica; pero es claro que esta juridicidad aparente queda neutralizada por la conducta abusiva del agente mismo. El fin antijurídico que este se propone, no puede dejar de influír sobre la legalidad de los medios. Y el magistrado debe tener presente esa conducta al apreciar el hecho, porque la característica de la concusión no consiste únicamente en el uso de la violencia o la amenaza (elementos esenciales también en el robo con violencia sobre las personas, o en la extorsión), sino en la circunstancia de que una y otra son la expresión de un abuso de funciones cometido por quien está revestido de la calidad de funcionario público. No hay duda de que es derecho del funcionario otorgar o negar una concesíon al particular; pero si el funcionario amenaza con rechazar la concesión que se le pide, si no se le entrega una suma de dinero, nos hallaremos ante una concusión violenta.” (In: Derecho Penal – Parte Especial, Reimpresión de la segunda edición, traducción por el padre JOSÉ J. ORTEGA TORRES, Editorial Temis S/A, Bogotá, 1985, v. 3, p. 184-5) Da mesma forma, é a lição de MANZINI, verbis: “Il delito, invero, consiste nel fatto del pubblico ufficiale, che, abusando della sua qualità o delle sue funzioni, costringe o induce taluno a dare o a promettere indebitamente, a lui o ad un terzo, denaro o altra utilità.” (MANZINI, Vincenzo. In: Trattato di Diritto Penale Italiano, 5. ed., Torino, UTET, 1986, v. 5, n. 1316, p. 197) Nesse sentido, pronunciaram-se os Tribunais, inclusive o Supremo Tribunal Federal, verbis: “1. Comete o crime de concussão o funcionário que exige a vantagem indevida tanto pelo abuso de sua função como pelo abuso de sua qualidade. (...)” (CJ nº 6.041-RJ, Rel. Min. ANTONIO NEDER, in RTJ 85/415) “A ameaça de imposição de determinada multa, pelo funcionário público, com a ressalva de dispensá-la mediante o pagamento de uma taxa fictícia, constitui uma forma de exigência característica do crime de concussão. Se assim não se entendesse, o fato se enquadraria, pelo menos, no art. 317 do Código Penal, que pune o simples recebimento de vantagem indevida, em razão da função pública.” (TJSP – RHC – Rel. Des. OCTÁVIO LACÔRTE, in RT 393/241) Da mesma forma, manifesta-se a doutrina, nos termos da lição de ADOLFO ZERBOGLIO, Mestre da Universidade de Pisa, verbis: “7. La concussione, scrive il CARMIGNANI, così detto della voce concutere, propriamente significa la scossa che si dà a un albero per raccogliere i frutti che ne cadono; ed è un delitto consistente nella estorsione di qualche cosa per via di timore ingiustamente incusso d’una nostra od altrui podestà o decisione, in modo che la persona atterrita non altrimenti che per sottrarsi al male che le si minaccia si presta alla indebita prestazione della cosa.” (Del Delitti contro la pubblica amministrazione e l’amministrazione della Giustizia, en Trattato di Diritto Penale de FLORIAN, Milano, Casa Editrice Dottor Francesco Vallardi, v. 3, p. 16) Impende acentuar-se que, nos crimes contra a Administração Pública, em que se insere a concussão, em via de regra os fatos não são suscetíveis de provar-se documentalmente e, também não o sendo por meio de testemunhas, tais circunstâncias dão relevo especial à palavra da vítima desses delitos, já que ela é o segundo dos seus dois únicos partícipes – sendo o primeiro o próprio sujeito ativo do crime em quem a negativa constitui manifestação natural e previsível do instinto de conservação. (STF, Ação Penal nº 231-RN, Rel. Min. XAVIER DE ALBUQUERQUE, in RTJ 88/739) Oportuna, ainda, a advertência de ADOLFO ZERBOGLIO, a respeito do crime de concussão, verbis: “12. La concussione è un delitto molto grave e che tende a rivelare spesso nei suoi autori delle spiccate caratteristiche antisociali. La concussione, afferma il BRUSCHI, altro non è in sostanza che un furto ou una frode, secondo i casi, commesso da un publico ufficiale mediante abuso dei suoi poteri. Non di rado, in particolar modo nella concussione esplicita, si ha ancora piú o meno latente un certo spirito di violenza che ci mostra nel concussionario un grassatore corretto, vestito da uomo civile. Contro questo delitto la società deve essere severa (...)” (Dei delitti contro la pubblica amministrazione e l’amministrazione della Giustizia, en Trattato di Diritto Penale de FLORIAN, Milano, Casa Editrice Dottor Francesco Vallardi, v. 3, p. 24-5) 2. Breves Anotações acerca do Crime de Corrupção Ativa – art. 333 do CPB Nos crimes contra a Administração Pública, em que se insere a corrupção ativa, via de regra, os fatos não são suscetíveis de provar-se documentalmente, também não o sendo por meio de testemunhas, decorrendo, assim, que tais circunstâncias dão especial relevo à palavra da vítima desses delitos, já que ela é o segundo dos seus dois únicos partícipes – sendo o primeiro o próprio sujeito ativo do crime, em quem a negativa constitui manifestação natural e previsível do instinto de conservação. (STF, Ação Penal nº 231-RN, Rel. Min. XAVIER DE ALBUQUERQUE, in RTJ 88/739) Acrescente-se, ainda, que o crime de corrupção ativa, previsto no art. 333 do CPB, tratando-se de crime formal, perfecciona-se pelo simples oferecimento de vantagem indevida por parte do extraneus, pouco importando que o intraneus a recuse. (In RT 414/76; 429/381 e 442/372) Nesse sentido, igualmente, manifesta-se a melhor doutrina, conforme se verifica dos seguintes autores, comentadores do novo Código Penal da França, que entrou em vigor no início de 1994, verbis: “L’infraction suppose donc que soit établie l’antériorité du pacte corrupteur sur l’acte accompli et le lien de cause à effet entre le don ou la promesse et l’acte ou l’abstention. Peu importe que les moyens utilisés aient ou non produit leurs effets, que le corrompu ait ou non l’intention ou les moyens d’atteindre le résultat escompté, qu’il ait ou non accepté l’offre qu’on lui faisait.” (VÉRON, Michel. In: Droit Pénal Spécial, Paris, Masson, 1994, p; 260, I) “L’infraction existe même si l’offre n’a pas agréée.” (JEAN et ANNE-MARIE LARGUIER. In: Droit Pénal Spécial, 8. ed., Paris, Dalloz, 1994, p. 238) 3. Crime continuado e superveniência de lei mais severa Com efeito, tratando-se de crime continuado, a superveniência de lei mais severa não impede a aplicação desta aos fatos consumados também em sua vigência. Nesse sentido, manifesta-se a doutrina, consoante se constata da obra de VINCENZO MANZINI, verbis: “Ove il giudizio abbia per oggetto un reato permanente o continuato, protrattosi sotto l’imperio di due leggi diversi, si applicherà in ogni caso l’ultima, perché sotto di questa il reato si è esaurito.” (In: Trattato di Diritto Penale Italiano, 5. ed., UTET, 1985, v. 1, p. 391) Da mesma forma, FILIPPO GRISPIGNI, in Diritto Penale Italiano, 2ª ed., Milano, Dott. A. Giuffrè Editore, 1947, v. 1, p. 361; GIOVANNI LEONE, in Del Reato Abituale, Continuato e Permanente, Napoli, Nicola Jovene Editori, 1933, p. 350-1; FRANCISCO DE ASSIS TOLEDO, in Princípios Básicos de Direito Penal, 3. ed., São Paulo, Saraiva, 1987, p. 31-2. A respeito, concluiu o saudoso Ministro Nelson Hungria, em seus Comentários ao Código Penal, Rio de Janeiro, Forense, v. 1, t. 1, p. 136, verbis: “Crimes permanentes e continuados. O crime permanente (em que a atividade antijurídica, positiva ou negativa, se protrai no tempo) incide sob a lei nova, ainda que mais severa, desde que prossiga na vigência dela a conduta necessária à permanência do resultado. É que a cada momento de tal permanência está presente e militando, por ação ou omissão, a vontade do agente (ao contrário do que ocorre nos crimes instantâneos com efeitos permanentes), nada importando assim que o ‘estado de permanência’ se haja iniciado no regime da lei antiga, ou que esta incriminasse, ou não, o fato. Em relação ao crime continuado (pluralidade de crimes da mesma espécie, sem intercorrente punição, que a lei unifica em razão de sua homogeneidade objetiva), se os atos sucessivos já eram incriminados pela lei antiga, não há duas séries (uma anterior, outra posterior à lei nova), mas uma única (dada a unidade jurídica do crime continuado), que incidirá sob a lei nova, ainda mesmo que esta seja menos favorável que a antiga, pois o agente já estava advertido da maior severidade da sanção, caso persistisse na ‘continuação’. Se, entretanto, a incriminação sobreveio com a lei nova, segundo esta responderá o agente, a título de crime continuado, somente se os atos posteriores (subseqüentes à entrada em vigor da lei nova) apresentarem a homogeneidade característica da ‘continuação’, ficando inteiramente abstraídos os atos anteriores.” Pertinente a lição de PAUL ROUBIER, Mestre de Lyon, em obra clássica, verbis: “Le conflit de lois dans le temps naît, non pas de la coexistence des lois, mais de leur succession; c’est en d’autres termes le conflit des lois anciennes et des lois nouvelles. Il y a des faits qui se trouvent placés à la limite de la durèe d’application des lois, de telle sorte qu’ils peuvent être gouvernés, en tout ou en partie, par la loi antérieure ou par la loi postérieure, et c’est pour cela que l’on dit que ces lois entrent en compétition, son en conflit.” E, mais adiante, conclui o notável jurista, verbis: “Lorsqu’un acte a été passé à une certaine date ou dans un certain lieu, ses conditions de validité sont régies par la loi de cette date ou de ce lieu.” (In: Le Droit Transitoire (Conflits des Lois dans le Temps), 2. ed., Paris, Éditions Dalloz et Sirey, 1960, p. 4 e 7, respectivamente) Impõe-se, ainda, atentar, nesses casos, para o exame do argumento da ocorrência da abolitio criminis, consoante se verificou quando do advento da Lei nº 8.866/94, na medida em que a lei citada é de natureza extrapenal, somente disciplinando providência acautelatória dos interesses da Fazenda Pública. Portanto, como observou VINCENZO MANZINI, para que se configure a abolitio criminis deve haver uma ab-rogação completa do preceito penal, e não somente de uma norma singular referente a um fato que, sem ela, se contém numa incriminação geral. A respeito, a lição do Mestre peninsular, verbis: “Deve trattarsi peraltro di abrogazione completa del precetto penale, e non soltanto dell’estinzione d’una norma che incriminava singolarmente un fatto rientrante, senza quella disposizione particolare, in una incriminazione più generale.” (In: Trattato di Diritto Penal Italiano, 5. ed., Torino, UTET, 1985, v. 1, n. 152, p. 379) Da mesma forma, nessas circunstâncias, em face da multiplicidade de condutas delituosas, é freqüente a alegação da ocorrência da coisa julgada, sendo conveniente recordar os pressupostos para a sua configuração. A respeito, preciso o entendimento firmado pela Corte de Cassação italiana, em julgado transcrito pelo notável processualista peninsular GIOVANNI LEONE, verbis: “Hay identidad de los hechos cuando haya completa identidad cronológica y material entre los elementos que constituyen la acción que se imputa a los agentes en el procedimiento respecto del cual interviene la cosa juzgada, y los elementos que constituyen el hecho imputado a la misma persona en el procedimiento que se quiere iniciar después. Basta que un solo elemento sea diferente para que no se pueda hablar de un mismo hecho, sino de hechos diferentes.” (In: Tratado de Derecho Procesal Penal, traduccion de SANTIAGO SENTÍS MELENDO, Buenos Aires, E.J.E.A., 1989, v. 3, nota 42, p. 342) No mesmo sentido, o magistério de RENÉ e PIERRE GARRAUD, verbis: “I. Dès lors, lorsque deux faits imputables au même agent sont matériellement et juridiquement différents (un vol, puis un meurtre par exemple), ils peuvent faire successivement l’objet de deux poursuits, quel que soit par ailleurs le caractère juridique de l’un et de l’autre, non seulement lorsqu’ils ont été commis le second après le premier et sans aucun lien moral ou matériel entre eux, mais encore lorsque le second est antérieur au premier, ou lorsque l’un et l’autre, ayant entre eux un lien matériel ou moral, sont concommittants ou connexes. En effet, ni la concommittance pure et simple, ni la connexité ne suffisent à donner aux faits concommittants ou connexes, certainement distincts au point de vue matériel, l’unité juridique qui empêcherait, si elle existait, la seconde poursuite: la concommittance et la connexité ont pour unique effet une prorrogation éventuelle de compétence, lorsque la jonction des poursuites, d’ailleurs facultative, est opérée. II. Les mêmes solutions doivent être donnés lorsque le faits, successivement poursuivis, restent distincts, bien que matériellement et juridiquement semblables (deux vols, deux meurtre). Dès lors peuvent faire l’objet de deux poursuites soit un délit réitéré deux fois par le même agent, soit deux délits semblables concommittants ou connexes.” (In: Traité Théorique et Pratique D’Instruction Criminelle et de Procédure Pénale, Paris, Librairie du Recueil Sirey, 1929, n. 2273, t. 6, p. 224-5) São dignos de registro dois magníficos julgados do Eg. Supremo Tribunal Federal, versando o real alcance do art. 110, § 2º, do CPP e a extensão da coisa julgada no Direito Penal, com farta doutrina nacional e estrangeira. Refiro-me ao Recurso Ordinário Criminal nº 1.201/SP, relator para o acórdão o eminente Ministro Xavier de Albuquerque, e ao Habeas Corpus nº 64.158/MG, relatado pelo ilustre Ministro Rafael Mayer, acórdãos publicados na RTJ 70/620 e 120/117, respectivamente. |
Referência bibliográfica: (de acordo com a NBR 6023: 2002/ABNT): |
REVISTA DE DOUTRINA DA 4ª REGIÃO
PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRF DA 4ª REGIÃO - EMAGIS |