Gestão fraudulenta, apropriação e desvio de valores.
Autor: Jorge Vicente Silva |
O crime de gestão fraudulenta está previsto no artigo 4º da Lei nº 7.492/86, cuja conduta, apesar do tipo aberto lançado pela norma (“gerir fraudulentamente instituição financeira”), a nossa doutrina e jurisprudência, ao interpretarem-no, deixaram assentado que, entre outros requisitos para configurar essa modalidade de crime, é necessário que tenha havido fraude na administração da instituição e que ela de alguma forma haja causado prejuízo ou colocado em risco a saúde financeira ou administrativa da entidade,(1) assim como tais condutas não sejam praticadas de forma solitária ou isolada no universo de outras próprias de gestão,(2) executadas pelo agente, sendo ainda indispensável a presença do dolo específico para prática desse tipo penal. Já os delitos de apropriação e/ou desvio de valores, dinheiro ou títulos estão contemplados no artigo 5º da mesma lei, em que as condutas configuram tais ilícitos penais quando administradores de instituição financeira, aí considerados os seus diretores e gerentes, equiparados para este fim o interventor, liquidante ou síndico,(3) apropriam-se ou desviam valores, dinheiro ou quaisquer bens móveis de que tenham a posse, em proveito próprio ou alheio. Quando tais delitos são perpetrados de forma autônoma e independente, sem que sejam praticadas as condutas conjuntamente com as específicas de gestão fraudulenta, não há maiores dificuldades em aferir a configuração de cada um desses ilícitos penais. Entretanto, quando os agentes praticam as condutas relacionadas com esses dois tipos penais, ficamos diante de uma maior dificuldade para interpretação dessas normas. Ou seja, quando o diretor, gerente, etc. executa condutas típicas de gestão fraudulenta (v.g., frauda a contabilidade da instituição financeira, ou outros documentos, a fim de viabilizar o desvio de valores) e consegue seu desiderato que é a apropriação ou desvio de valores, dinheiro, títulos ou bens móveis, qual interpretação deve ser dada às normas atrás citadas, haja vista que, em tese, foram praticadas essas duas modalidades de delitos (arts. 4º(4) e 5º(5) da Lei nº 7.492/86)? Para resolver essa questão devemos analisar os princípios de direito penal referentes à especialidade, à consunção (concurso aparente de normas) e à subsidiariedade, além da possibilidade de a(s) conduta(s) do agente, quanto ao delito de gestão fraudulenta, integrar(em) o próprio tipo penal, especialmente o de desvio de valores, dinheiro ou títulos. O princípio da especialidade, segundo Nelson Hungria, ocorre quando “uma norma penal se considera especial em relação a outra (geral) quando, referindo-se ambas ao mesmo fato, a primeira, entretanto, tem em conta uma especial condição (objetiva ou subjetiva) e apresenta, por isso mesmo, um plus ou minus de severidade. Desde que se realize tal condição (elemento especializante), fica excluída a aplicação da norma geral. O typus especialis substitui-se ao typus generalis.” (Comentários ao Código Penal, Vol. I, Forense, Rio de Janeiro, 1958). A consunção, segundo esse mesmo autor, “deve ser reconhecida consumida por outra quando o crime previsto por aquele não passa de uma fase de realização do crime previsto por esta, ou é uma necessária ou normal forma de transição para o último (crime progressivo). O crime previsto pela norma consuntiva representa a etapa mais avançada na realização do malefício, aplicando-se, então, o princípio de que major absorbet minorem. Os fatos aqui também não se acham em relação de species a genus, mas de minus a plus, de parte a todo, de meio fim.” (Ob. cit.). Finalmente, ocorre o princípio da subsidiariedade quando “uma norma se diz subsidiária em relação a outra (principal): a) quando em seu próprio texto contém a cláusula de que sua aplicação está subordinada à não-aplicação dessa outra (subsidiariedade expressa); b) quando o fato por ela incriminado entra como elemento componente ou agravante especial de fato incriminado pela outra norma, de modo que a presença do último exclui a simultânea aplicação da primeira.” (Autor cit. e ob. cit.). Esta matéria encontrava-se de certa forma pacificada em nossa jurisprudência, sendo aplicado ora o princípio da consunção, ora o da especialidade, recepcionando o universo dessas condutas como crime único.(6) Recentemente o Egrégio Superior Tribunal de Justiça, julgando esta matéria, decidiu que neste caso é aplicável o concurso formal, tendo como delito base a apropriação ou o de desvio de valores, dinheiro ou títulos.(7) Mesmo assim alguns julgadores não cederam aos fundamentos dessa decisão, entre eles podemos citar voto do Eminente Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, Doutor NÉFI CORDEIRO.(8) Verificamos, assim, que esta matéria não se encontra pacificada, merecendo por isso aprofundado estudo. 1. Constatamos nos casos concretos que, em relação ao delito de desvio de importâncias da instituição financeira, há obrigatoriamente necessidade de que o agente realize condutas relacionadas com ilícitos de falso,(9) acabando por executar ações vinculadas diretamente com o delito de gestão fraudulenta, enquanto o delito de apropriação de valores pode ser perpetrado sem outras condutas além daquelas previstas para essa modalidade de crime. Isso porque, para que configure o delito de gestão fraudulenta, há necessidade que o diretor, gerente, etc. pratique de forma concreta condutas que tenham em seu bojo a fraude. Por exemplo, subscrição de documentos falsos, adulteração da contabilidade da instituição, etc.(10) Também não é possível que haja desvio de valores, dinheiro ou títulos sem que tais pessoas, de alguma forma, executem condutas fraudulentas, as quais também tipificam delito de gestão fraudulenta. Dessa forma, para que haja o desvio de valores, dinheiro ou títulos, pelo próprio diretor ou gerente, isso somente é possível concretizar-se quando ocorre a prática de fraude, porque, do contrário, não se consegue obter o desiderato de desviar ditos numerários. Diante desse quadro observa-se que estamos diante de uma situação em que ou se praticam condutas que em tese configuram crime de gestão fraudulenta, ou o agente não consegue concluir seu desejo que é desviar bens móveis, valores, dinheiro ou títulos da instituição financeira. Em face de tais circunstâncias conclui-se que se encontram obrigatoriamente embutidas no delito de desvio de valores, dinheiro ou títulos condutas relacionadas com o crime de gestão fraudulenta, passando elas, por isso, a integrarem este tipo penal, tal qual ocorre em relação à lesão corporal para o delito de homicídio; o artifício, ardil ou fraude para o crime de estelionato; a violência ou grave ameaça nos delitos de roubo, extorsão, estupro, atentado violento ao pudor; etc. Da mesma forma que nos citados exemplos de crimes, não é possível praticar essa modalidade de delitos sem a lesão corporal, o ardil, artifício, fraude, violência ou grave ameaça, também no delito de desvio de valores, dinheiro ou títulos não vemos a possibilidade de se executar esse crime sem a prática de alguma conduta que esteja relacionada diretamente com o delito de gestão fraudulenta. Por isso temos que condutas afeitas ao delito de gestão fraudulenta já se encontram embutidas no tipo relacionado ao crime de desvio de valores, dinheiro ou títulos. Nesse particular é importante notar que, conforme já vimos, o delito de gestão fraudulenta está contemplado na lei de forma aberrantemente aberta (“gerir fraudulentamente instituição financeira”), ao ponto de haver debate no sentido de que tal tipo por isso é inconstitucional,(11) o que implica o encampamento, a esse tipo penal, de todas as condutas do agente que através de fraude age de forma a causar de alguma forma abalo moral ou financeiro à instituição.(12) À guisa de comparação, observa-se que também as condutas praticadas em instituições financeiras ligadas aos delitos de sonegação fiscal, do artigo 1o,(13) incisos I,(14) II,(15) III(16) e IV(17) , da Lei nº 8.137/91, encontram-se contempladas no tipo penal de gestão fraudulenta, em razão da sua forma aberta relativamente às condutas que o configuram. Neste caso não encontramos prejuízo material à instituição, mas sim o moral, as quais (condutas), uma vez chegando ao conhecimento público, podem em tese, v.g., afugentar investidores nas sociedades anônimas, assim como clientes ou consumidores avessos à prática de qualquer modalidade de crime, preenchendo com isso, em tese, os requisitos do tipo de gestão fraudulenta. Tanto isso é verdade que as condutas dos tipos atrás indicados cingem-se em prestar declaração falsa às autoridades fazendárias, fraudar a fiscalização, inserindo elementos inexatos, falsificar ou alterar nota fiscal, alterar, distribuir, fornecer ou utilizar documento falso, etc. Não há qualquer dúvida de que o administrador, gerente, etc. da instituição financeira que vier a praticar essas modalidades de condutas (crimes contra a ordem tributária) estará cometendo ações que configuram, em tese, crime de gestão fraudulenta, porquanto, todas elas possuem em seu bojo a fraude.(18) A situação é a mesma relativamente ao delito de desvio de valores e de sonegação fiscal, relativamente às condutas praticadas pelo agente, e nem por isso encontramos na nossa doutrina ou jurisprudência posicionamento, ainda que mínimo, a admitir concurso entre esses crimes, mesmo que, conforme já visto, para tal prática haja fraude embutida na conduta de gestão da instituição financeira perpetrada pelo agente. As condutas ligadas ao delito de gestão fraudulenta encontram-se embutidas no tipo de desvio de valores, dinheiro ou títulos, tal qual as de sonegação fiscal, porquanto, sem a prática de alguma modalidade de fraude, não é possível executar nenhuma dessas condutas infracionais (desvio de valores, dinheiro, títulos ou sonegação fiscal). Ademais, tais condutas não são perpetradas com o fim de gerir fraudulentamente a instituição financeira, apesar de em ambas modalidades de ilícitos estarem contidas na gestão do diretor ou gerente, com conteúdo de fraude. 2. Também é relevante considerarmos que os delitos de desvio de valores, dinheiro, títulos ou apropriação de bens ora em comento, não são puníveis a título de culpa, devendo por isso obrigatoriamente encontrar-se presente o dolo.(19) Assim, somente configura o delito de gestão fraudulenta quando o agente pratica condutas e ele relacionadas, com animus de executar essa modalidade de crime. Por isso, a vontade do agente no momento de executar a ação humana de fraude, deve ser antecedentemente e estar dirigida com fim único de gestão fraudulenta da empresa. Quando tais condutas tiverem vínculo psicológico do agente objetivando desvio de valores, dinheiro ou títulos, na verdade elas cuidam-se de atos preparatórios para a prática dessa modalidade de delito. Ora, se o agente não queria, ou assumiu o risco de praticar crime de gestão fraudulenta, e sendo essa modalidade de ilícito punível apenas a título de dolo, não é possível se pretender qualquer extensão interpretativa no sentido de que ele tenha cometido tal delito, por faltar um dos elementos para configurar o crime. Cabe ainda neste particular observar que dolo não se presume, devendo estar cabalmente provado, cujo ônus é da acusação. Assim, quando a acusação não lograr êxito em provar que o agente, ao praticar condutas que em tese configuram crime de gestão fraudulenta, assim o fez com dolo relacionado com tal ilícito penal, deverá ser absolvido, se não pela falta de configuração dessa modalidade de delito, então pela falta de prova suficiente para a condenação. 3. Entendemos que seja relevante na presente abordagem enfrentarmos algumas questões relacionadas com as condutas necessárias para configurar o delito de gestão fraudulenta, a fim de que possamos fazer um confronto quanto a possibilidade, ou não, de configurar concurso com os delitos de apropriação ou desvio de valores, dinheiro ou títulos. O delito de gestão fraudulenta somente concretiza-se quando o agente pratica ações fraudulentas que afetem de forma substancial a instituição financeira, seja no aspecto material, seja no moral. Observe-se neste particular que somente configura essa modalidade de ilícito quando o agente pratica mais de uma conduta fraudulenta. Portanto, há necessidade da prática de uma universalidade dessas ações.(20) A propósito observamos que nossos tribunais rechaçam a ocorrência dessa modalidade de crime quando o agente pratica condutas isoladas,(21) tal qual ocorre, v.g., com os delitos de prostituição, exercício ilegal da profissão, etc., por cuidarem-se de delitos habituais. À guisa de exemplo, observamos que o crime de exercício ilegal da profissão não se consuma com uma única ou esporádicas intervenções próprias do dentista ou do médico, sendo necessário o exercício constante dessa atividade. Esse mesmo princípio aplica-se ao delito de gestão fraudulenta, porquanto, é indispensável para sua configuração a prática reiterada e com habitualidade de condutas fraudulentas pelo diretor ou gerente. Portanto, tratando-se de crime habitual, há necessidade de que haja fraude no exercício da atividade da instituição, de forma continuada e por um certo espaço de tempo, razão pela qual condutas isoladas, por si só, não são suficientes para tipificar essa modalidade de delito. Na prática verificamos que em muitos casos a conduta do agente é isolada ou insignificante em relação ao porte da instituição financeira, e ainda assim ele resta condenado pelo delito de gestão fraudulenta, o que é inconcebível. 4. Quanto à possibilidade de ser aplicado ao agente infrator as sanções, em concurso formal ou material, desses dois tipos penais, quando há conduta relacionada com gestão fraudulenta e desvio de valores, dinheiro, títulos ou bens, ou apropriação, há também que se analisar no caso concreto a efetiva possibilidade de punição de cada um desses delitos, de forma autônoma e independente, em face da também autônoma e independente conduta do agente. Nesta linha de análise, para que possam tais delitos serem punidos, seja em concurso formal ou material, seja em crime continuado, é necessário que se verifique a possibilidade de cada um deles se materializarem de forma autônoma. Somente quando a conduta relacionada com o delito de gestão fraudulenta puder ser punida de forma autônoma, ainda que não tenha ocorrido a apropriação de valores, dinheiro ou títulos, podemos pensar em concurso entre tais delitos. Isso é, somente quando os atos de gestão fraudulenta atingirem o bem jurídico neste particular tutelado (que é o gerenciamento da instituição, de forma a lhe causar algum mal), pode-se falar em punição autônoma dessas condutas. Seguindo esse raciocínio, suponhamos que o administrador elabore alguns documentos falsos para serem utilizados na instituição, ou ainda que tenha acertado com alguma empresa a realização de negócio fraudulento, cujas condutas cessem antes de iniciada a execução do crime. Nesse caso estaremos diante de atos preparatórios, os quais não são puníveis pelo nosso direito penal. E nem poderia ser diferente, porquanto, se em relação ao delito de gestão fraudulenta a conduta do agente não puder ser punida de forma autônoma, caso não tivesse havido a apropriação ou desvio de bens, valores, dinheiro ou títulos, não é possível se falar em concurso de crimes, porquanto, eles somente restariam configurados, ainda que no caso de crime continuado, quando cada um dos delitos puder receber a repreensão penal de forma solitária, mesmo quando não restar praticado o delito subseqüente. Portanto, para se aferir a ocorrência, ou não, do concurso entre os delitos de gestão fraudulenta e apropriação de valores ou desvio, é indispensável que se avalie a potencialidade das condutas relacionadas com o delito de gestão e a possibilidade de ter afetado o bem jurídico tutelado, ainda que não tenha ocorrido a apropriação ou desvio de bens, valores, dinheiro ou títulos. Ou seja, devemos fazer um raciocínio mental excluindo os delitos de desvio ou apropriação de valores, mantendo-se apenas o crime de gestão fraudulenta. Caso consigamos obter resposta positiva quanto à configuração do delito de gestão fraudulenta, mesmo extirpado o delito de apropriação ou desvio de bens, valores, dinheiro ou títulos, passamos a analisar a incidência, ou não, do concurso, seja formal, seja material ou do crime continuado. Quando a conduta do agente relacionada com o delito de gestão, isoladamente, não puder ser punida de forma autônoma, independentemente do motivo (v.g., estar apenas em atos preparatórios, o documento falsificado configurar crime impossível, em face de ser grosseira a falsificação, etc.), não é possível pensarmos em concurso entre os delitos ora em debate. Isso porque, quando não existe conduta antecedente punível autonomamente como crime, é impossível mensurá-la para os fins de aplicação de pena no crime subseqüente, salvo a valoração dessa conduta na condição de circunstâncias do crime no momento da fixação da reprimenda-base, conforme bem observou o Eminente e culto Desembargador Federal, Doutor NÉFI CORDEIRO, em trecho de seu voto atrás transcrito. No caso dos delitos ora em análise devemos aplicar o mesmo raciocínio. Isso é,. caso as condutas antecedentes tidas como de gestão fraudulenta não possam ser punidas como delito autônomo, na hipótese em que não tiverem ocorrido os delitos de desvio ou apropriação de bens, valores, dinheiro ou títulos, é impossível se pretender que tenha ocorrido o concurso entre esses delitos e o de gestão fraudulenta. Não existe crime quando a conduta tida como infracional não puder ser punida autonomamente, independentemente da realização, ou não, de outro crime subseqüente. Por isso somente podemos aceitar a aplicação de concurso formal, material ou crime continuado entre os delitos de gestão fraudulenta e desvio ou apropriação de bens, valores, dinheiro ou títulos, quando as condutas do agente relacionadas com o delito de gestão fraudulenta tenham sido praticadas de forma autônoma e independente e sem qualquer relação com estes delitos. Para melhor compreensão, especialmente quanto aos delitos de desvio de valores, dinheiro ou títulos e gestão fraudulenta, tomemos como exemplo o diretor que pratica uma série de condutas com dolo único de gestão fraudulenta e outras, também desse conteúdo, mas com a finalidade única de desvio de valores. No primeiro caso as condutas são puníveis pelo delito da modalidade de gestão fraudulenta, porque são autônomas e sem vinculação com o crime de desviar bens, valores, dinheiro ou títulos, enquanto, no segundo, as ações perpetradas com características do delito de gestão fraudulenta servirão para tipificar o delito de desvio, havendo nessas hipóteses a possibilidade de o agente ser punido por esses dois tipos penais. Diante desse quadro observa-se que somente configura o crime de gestão fraudulenta quando há a prática de mais de uma conduta infracional, de forma não isolada, sendo certo que essa exigência não é verdadeira em relação ao delito de desvio de valores, dinheiro ou títulos, haja vista que solitária prática de ato relacionado com o delito de gestão fraudulenta pode possibilitar a prática daquela modalidade de crime. Ou seja, para perfazer o tipo penal de gestão fraudulenta há necessidade de uma universalidade de condutas, por se tratar de crime habitual, enquanto para o crime de desvio de valores, dinheiro ou títulos apenas uma conduta relacionada com o delito de gestão fraudulenta pode ser suficiente para que o agente consiga o seu desiderato, que é desviar bens da instituição. Feitas estas considerações, observamos que, para a execução do crime de desvio de valores, dinheiro ou títulos, é indispensável que o agente pratique alguma conduta relacionada com o delito de gestão fraudulenta, cuja circunstância importa em reconhecer que essa ação antecedente ao delito de desvio integra o próprio tipo penal, dispensando com isso a análise relativamente ao instituto da consunção (concurso aparente de normas), subsidiariedade ou especialidade. Portanto, havendo o reconhecimento de que a(s) conduta(s) ligadas ao delito de gestão fraudulenta integram o tipo, resta superado qualquer debate quanto à aplicação dos citados princípios. 5. De qualquer maneira, uma vez vencido o reconhecimento de que condutas relacionadas com o delito de gestão fraudulenta integram o tipo de desvio de valores, dinheiro ou títulos, não há como negar que o fim desejado pelo agente é desviar dito patrimônio, em que a prática de ações ligadas ao delito de gestão é meio para o agente conseguir seu desiderato, que é apossar-se de valores da instituição, sendo plausível admitir-se que nesse caso pode incidir o princípio da consunção (concurso aparente de normas)(22) contemplado na Súmula 17 do Egrégio Superior Tribunal de Justiça.(23) 6. Diante dessas circunstâncias chegamos a mais uma conclusão lógica. A denúncia precisa obrigatoriamente descrever, de forma individuada, cada uma das condutas praticadas pelo agente, e, no caso de imputar crime de gestão fraudulenta, em concurso com os de apropriação ou desvio de bens, valores, dinheiro ou títulos, é necessário que indique quais delas referem-se àquele delito, com descrição da potencialidade lesiva e do dolo, e quais referem-se a este, especialmente o de desvio, sob pena de inépcia. Não basta que a inicial acusatória apenas informe que o acusado praticou esta ou aquela conduta, colocando como conseqüência automática a prática de crime de gestão fraudulenta e/ou desvio ou apropriação de bens, valores, dinheiro ou títulos. É indispensável que indique de forma concreta, além das condutas perpetradas pelo agente, o porquê, em razão de tais fatos, de o acusado incidir em infração a este ou àquele tipo penal. Além disso, no caso de concurso de agentes, deve descrever de forma individuada a conduta de cada um deles, apresentando ainda a respectiva correlação aos dispositivos tidos como violados. Cuidando-se de delitos de apropriação ou desvio de bens, valores, dinheiro ou títulos, é indispensável que a inicial acusatória indique, no caso de bens, a sua precisa identificação, e no caso de valores, dinheiro ou títulos, com precisão, a(s) respectiva(s) importância(s) e data da ocorrência do fato. Esse requisito é indispensável, haja vista que a reparação do dano, isto é, a devolução das importâncias, conforme a época em que ocorrer, tem efeitos jurídicos próprios. No caso de ocorrer a reparação do dano antes do recebimento da denúncia, incide a causa de diminuição da pena prevista no artigo 16 do Código Penal, sendo posterior, configura a atenuante prevista no artigo 65, inciso III, letra b, da mesma norma, assim como no momento da fixação da pena-base faz jus à mitigação da reprimenda pelo referencial relacionado com as conseqüências do crime, nos termos do artigo 59, caput, do mesmo diploma legal. É importante observar que essas causas mitigadoras de pena cuidam-se de matérias de ordem pública e, como tal, devem sempre ser valoradas. Ora, sendo direito de ordem pública, devem obrigatoriamente ficar à disposição do acusado, para que possa escolher o momento para se valer desse benefício. Assim, ainda antes do oferecimento da denúncia, seja no Inquérito Policial, seja no procedimento administrativo, é indispensável que a(s) importância(s) desviada(s) ou apropriada(s) seja(m) liquida(s) de forma a possibilitar a sua restituição. Enquanto isso não ocorrer, faltará justa causa para propositura da ação penal, haja vista que não estando liquidada(s) é prematura a sua propositura, por cerceamento de defesa, haja vista a impossibilidade de o acusado poder optar por tal benefício, o qual, convenhamos, está embutido no princípio da ampla defesa constitucionalmente consagrado no artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal. Diante desse quadro observa-se que os valores desviados ou apropriados devem ser líquidos, ainda antes do oferecimento da denúncia, e com ciência desse fato pelo acusado, sendo ainda indispensável que a inicial acusatória indique de forma precisa o valor das importâncias e respectivas datas em que ocorreu a apropriação ou desvio de bens, valores, dinheiro ou títulos, de forma a possibilitar a sua devolução. 7. Também a sentença deve estar fundamentada de forma que contemple uma correlação com a denúncia, indicando quais condutas do agente referem-se ao crime de gestão fraudulenta e qual, ou quais, foram praticadas a fim de viabilizar a prática do delito de desvio ou apropriação de bens, valores, dinheiro ou títulos, informando os respectivos dolos de cada uma dessas modalidades de delitos. Os fundamentos da decisão devem encontrar perfeita ressonância com a descrição dos fatos postos na inicial acusatória, independentemente do tipo penal nesta lançada, porquanto, a defesa tanto pessoal quanto técnica é realizada segundo a conduta imputada ao agente, porque é ela que será objeto de reprovação no caso de reconhecimento da procedência da acusação. Ainda, tal qual a denúncia, a sentença deve, além de indicar as condutas praticadas pelo agente, também quais estão relacionadas com o delito de gestão fraudulenta e quais, ou qual, com o crime de desvio de valores, dinheiro ou títulos, apontando ainda o animus do agente e a finalidade de cada uma das ações, para que se possa identificar o raciocínio desenvolvido pelo julgador para concluir pela configuração dessas duas modalidades de delitos, em concurso. A sentença precisa apresentar perfeita correlação com a descrição dos fatos postos na denúncia, em todos os seus aspectos, além da motivação enquadrar-se no tipo penal, seja de gestão fraudulenta, seja de apropriação ou desvio de bens ou valores, sob pena de vício que importa em nulidade do julgado. Ainda, necessita individualizar o bem apropriado e seu respectivo valor, ou as importâncias apropriadas ou desviadas, nos mesmos moldes da denúncia, conforme atrás vimos. Nesse caso, é indispensável essa providência especialmente porque o condenado tem direito, no futuro, a pleitear livramento condicional, o qual, nos termos do artigo 83, inciso IV, do Código Penal, somente é possível ser concedido caso haja a reparação do dano, ou a impossibilidade de fazê-lo, não sendo possível remeter ao juízo da execução para liquidação desse débito, porquanto, cuida-se de matéria de competência do juízo processante. Feitas essas considerações, concluímos: 1. A conduta no crime de desvio de patrimônio da instituição financeira somente é possível de ser cometido quando o agente também pratica conduta(s) ligada(s) ao delito de gestão fraudulenta, e nesse caso ela(s) integra(m) o próprio tipo, não sendo por isso possível configurar concurso entre essas duas modalidades de crimes. 2. O delito de apropriação de bens da instituição financeira pode ser cometido sem a prática de condutas ligadas ao delito de gestão fraudulenta. 3. Somente é possível ocorrer concurso formal ou material entre essas duas modalidades de crimes quando as condutas relacionadas com o delito de gestão fraudulenta puderem ser punidas de forma autônoma, ainda que tenha ocorrido o delito de apropriação ou desvio de bens, valores, dinheiro ou títulos, e haja o dolo relativamente a cada um dos tipos penais. 4. O delito de gestão fraudulenta somente se configurará quando houver mais de uma conduta infracional praticada pelo agente, não sendo suficientes ações infracionais isoladas, enquanto o delito de desvio de bens, valores, dinheiro ou títulos da instituição financeira pode ser praticada com apenas uma conduta ligada ao crime de gestão fraudulenta. 5. Pode também admitir-se a aplicação do princípio da consunção(24) (concurso aparente de normas) quando o agente valer-se das condutas ligadas ao tipo penal de gestão fraudulenta, as quais serviram de meio, cujo fim era o desvio de bens da instituição financeira, incidindo neste caso a Súmula 17 do E. STJ, ainda que seja em respeito ao princípio do in dubio pro reo, o qual também incide para fins de interpretação da lei. (25) 6. O(s) valor(es) do(s) bem(ns), assim como as importâncias apropriadas ou desviadas, devem estar apurados, de forma a possibilitar a sua devolução, ainda antes do oferecimento da denúncia, para que o acusado possa optar pelo benefício da diminuição da pena previsto no artigo 16 do Código Penal, cujo direito enquadra-se entre aqueles conceituados como público subjetivo. 7. A denúncia deve descrever cada conduta do agente, relacionando-a a cada um dos crimes de gestão fraudulenta e apropriação ou desvio de bens, valores, dinheiro ou títulos, quando a inicial imputar concurso de crimes, assim como o dolo do agente, sob pena de inépcia. Também é indispensável que a inicial acusatória deixe consignados expressamente os valores, bens, dinheiro ou títulos desviados ou apropriados, com indicação das respectivas datas, a fim de possibilitar ao denunciado a restituição do patrimônio, para receber o benefício da mitigação da pena elencada na condição de circunstância atenuante no artigo 65, inciso III, letra “b”, do Código Penal (reparação do dano antes da sentença), assim como na fixação da pena-base, no que respeita às conseqüências do crime, nos termos do artigo 59, caput, da mesma norma, haja vista cuidar-se também de direito público subjetivo do acusado, não sendo por isso admissível lhe negar a possibilidade de valer-se dessa benesse, o que de fato ocorrerá caso não sejam tomadas as providências atrás apontadas. 8. Ao prolatar a sentença o julgador deve também indicar cada conduta do agente e sua correlação também com cada um dos delitos, quando houver concurso de crimes (entre apropriação ou desvio de valores, bens, dinheiro ou títulos e gestão fraudulenta), bem como o dolo, devendo ainda guardar efetiva correlação com a peça acusatória, e ainda os valores dos bens ou importâncias apropriadas ou desviadas, a fim de possibilitar a reparação do dano no caso do condenado pretender valer-se do livramento condicional, cuja matéria não pode ser remetida ao juízo da execução, sob pena de nulidade do julgado por vício de fundamentação. Notas de Rodapé 1. “O crime de gestão fraudulenta pressupõe, como elemento normativo do tipo, manobras ilícitas, o emprego de ardis, de fraudes e de engodos. A fraude, por sua vez, também pressupõe o desiderato de prejudicar alguém ou a obtenção de vantagem indevida para o agente ou outrem. Desse modo, havendo o Fisco concluído pela ausência de qualquer prejuízo decorrente das operações narradas no libelo e realizadas pelos administradores da instituição financeira, faz-se mister concluir que as ações não se realizaram voltadas à prática do mencionado delito. No máximo, poder-se-ia afirmar que a conduta dos gestores do Banco, diante da dúvida sobre a licitude da conduta, do ponto de vista da técnica contábil, foi imprudente.” (TRF4, Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, HC 2005.04010128000, DJU de 18.05.2005, p. 904). 2. “Para que se aperfeiçoe o delito do art. 4º da Lei nº 7.492/86, há necessidade de um número substancial de atos fraudulentos que possibilite a valoração da gestão como fraudulenta.” (TRF4, Rel. Des. Federal Tadaaqui Hirose, Ap. Crim. 2002.04010523040, DJU de 12.05.2004, p. 712). 3. “- Somente pode ser entendido como sujeito ativo do crime previsto no art. 4º da Lei nº 7.492/86 aquela pessoa que, de alguma forma, tem poder de comando da instituição financeira, participe da sua alta administração, enfim, tenha ingerência nas decisões significativas e acerca das diretrizes a serem tomadas pela própria empresa e não quando, como no presente caso, seja responsável somente por uma não expressiva agência ou filial. - Não há como concluir que o gerente de uma simples e comum agência bancária ou até mesmo ordinariamente o gerente regional possa praticar o crime de gestão fraudulenta ou temerária, caso não esteja coligado a um diretor, controlador ou administrador com poderes sobre o Banco ou ainda a interventor, liquidante ou síndico da instituição. - Se não houver a presença dos indicados gestores da instituição e efetivo risco para o sistema e concretamente para o patrimônio da instituição não há falar em gestão fraudulenta ou temerária, mas, quando muito, estelionato.” (TRF4, Rel. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro, Ap. Crim. 2003.04010365826, DJU de 23.06.2004, RTRF/4ª.R nº 54/2004/118). “O fato de ser crime próprio, não exclui a possibilidade de que o crime de gestão fraudulenta ocorra em concurso de agentes, sob a forma de participação.” (TRF4, Rel. Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère, HC 2004.04010407928, DJU de 10.11.2004, p. 890). 4. “Gerir fraudulentamente instituição financeira”. 5. “Apropriar-se, qualquer das pessoas mencionadas no art. 25 desta Lei, de dinheiro, título, valor ou qualquer outro bem móvel de que tem a posse, ou desviá-lo em proveito próprio ou alheio”. 6. “Deve-se aplicar ao caso o princípio da consunção, sendo que o crime de apropriação do art. 5º é que fica absorvido pela gestão fraudulenta. E se essa forma de conduta ilícita se materializar por circunstâncias que integram outro tipo, como no caso (artigo 5º, 6º e 10), estes devem ser absorvidos pelo caput do artigo 4º da Lei 7.492/86, cuja pena deve ser aplicada por ser o crime mais grave.” (Rel. Des. Federal Tadaaqui Hirose, Ap. Crim. 2002.04.01052304-0, DJU de 12.05.2004, p. 712). “Tendo os agentes se valido das manobras ardilosas com o fim último de desviar valores que pertenciam a seus clientes, decorrentes da venda e compra de ações no mercado de capitais, incide também o art. 5º da Lei 7.492/86. Em face do princípio da especialidade, afasta-se o concurso material, aplicando-se somente a pena relativa ao art. 5º, e não a do art. 4º da referida Lei 7.492/86. Precedente.” (Rel. Des. Federal José Luiz B. Germano da Silva, Ap. Crim. 2001.04.01.087651-4, DJU de 11.03.2003, p. 752). 7. “O art. 4º da Lei 7.492/86 descreve crime de gestão fraudulenta de instituição financeira, tutelando o Sistema Financeiro Nacional e sua credibilidade pública. Já o art. 5º da mesma lei protege a relação de confiança dos negócios jurídicos desta área e o patrimônio dos investidores. Se os dispositivos tutelam objetos jurídicos diversos, não há que se falar em conflito aparente de normas, mas de concurso formal, caso em que o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes.” (RESP. 585770/RS, Rel. Min. Gilson Dipp, DJU de 16.11.2004, p. 313). 8. “Ocorre que o concurso formal não é distinguido do conflito aparente de normas pela tão só diferença dos objetos jurídicos tutelados. Ao contrário, é isso o que normalmente ocorre tanto no concurso como no conflito aparente de normas. Veja-se especialmente a consunção, em que é o crime-meio realizado como etapa do crime final, quando esgota seu potencial ofensivo, sendo por isso apenada apenas a conduta criminosa final do agente. Claramente são diferentes os bens jurídicos tutelados na invasão de domicílio para a prática do furto (e somente o crime fim é punido) e na falsificação de documento para a prática de estelionato (Súmula 17/STJ). Não é a diferença dos bens jurídicos tutelados, mas a razoável inserção na linha causal do crime final, como esgotamento do dano social no último desejado crime, que faz as condutas serem tidas como únicas já em tese (concurso aparente de normas, pela consunção) e apenado somente o crime último desejado. Tem-se a consunção quando o conteúdo do injusto e da culpabilidade de uma ação típica inclui também outro fato ou, no caso, outro tipo... e expressa o desvalor do sucedido em seu conjunto” (tradução livre, Jescheck e Weigend, Tratado de Derecho Penal, p. 792, 5. ed. Comares Editorial). Também Zaffaroni (Tratado de Derecho Penal, p. 529, IV, Ediar) afirma que ‘a atividade final que devemos averiguar se configura uma unidade de conduta, pode integrar-se com uma ou com vários movimentos’. E ressalta palavras de Impallomeni (p. 523/524): A tese de que o delito é tipicidade e não ação, está dito com todas as palavras por Impallomeni, ainda que não usasse essa terminologia, como é lógico. ‘A ação – dizia – não é mais que o modo como se efetua a violação da lei; e o cumprir diversos fins criminais por meio de uma ou de várias ações é indiferente, pois que o delito, que é a violação da lei, não consiste no meio adotado; o meio não é mais que a condição indispensável para a perpetração do delito’. Isto lhe permite afirmar que ‘a unidade ou pluralidade de ações com que se lesionam vários direitos não é, em muitos casos, mais que um mero acidente que não pode influir sobre a valoração jurídica do fato’. Ou seja, é natural à realização dos mais variados tipos penais que venha o fator final (como chama Zaffaroni) a ser obtido por uma ou várias ações, que, mesmo atingindo diretamente diferentes bens jurídicos e confirmando vários crimes, somente merecerão pena específica em caso de desvalor específico. Ou seja, quando sejam as condutas (isoladamente criminosas) realizadas como meio de crime final e nele esgotem seu desvalor, não haverá tipificação separada para os crimes-meio, pois a única é a conduta de desvalor final: o crime pretendido. Nada impede que no exame das circunstâncias do crime – na fixação da pena-base – sejam valoradas as condutas criminosas meio, especialmente quando algo desviadas da normal linha causal (não pode haver grande desvio de linha causal, sob pena de criar independente desvalor de tipicidade). A conduta meio que exaure seu desvalor, seu potencial ofensivo, na conduta criminosa final, é por esta absorvida.” (Ap. Crim. nº 1999.70.00031756-0, j. em 09.08.05, DJU de 14.09.05). 9. “Tendo todos os fatos retratados nos autos se manifestado em evidente desrespeito a normas regulamentares do banco, com uma liberalidade por demais acentuada para o montante de recursos envolvidos, mas sem qualquer elemento ensejador de fraude, necessário à perfectibilização do delito de gestão fraudulenta tipificado no art. 4º, caput, da Lei nº 7.492/86, caracterizada a prática do crime de gestão temerária, descrito no parágrafo único do artigo da Lei n° 7.492/86.” (TRF4, Rel. Des. Federal Tadaaqui Hirose, ACR 2003.04010582163, DJU de 25.05.2005, p. 890) 10. “O crime de gestão fraudulenta pressupõe, como elemento normativo do tipo, manobras ilícitas, o emprego de ardis, de fraudes e de engodos. A fraude, por sua vez, também pressupõe o desiderato de prejudicar alguém ou a obtenção de vantagem indevida para o agente ou outrem. Desse modo, havendo o Fisco concluído pela ausência de qualquer prejuízo decorrente das operações narradas no libelo e realizadas pelos administradores da instituição financeira, faz-se mister concluir que as ações não se realizaram voltadas à prática do mencionado delito. No máximo, poder-se-ia afirmar que a conduta dos gestores do Banco, diante da dúvida sobre a licitude da conduta, do ponto de vista da técnica contábil, foi imprudente.” (TRF4, Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, HC 2005.04010128000, DJU de 18.05.2005, p. 904). 11. “Portanto, a descrição típica do artigo 4º e parágrafo único da Lei nº 7.492/86 deixa muito a desejar, restando sérios prejuízos ao princípio da legalidade, precisamente ao postulado da determinação taxativa que expressa a exigência de que as leis penais, especialmente as de natureza incriminadora, sejam claras, certas e precisas. Essa exigência de clareza exigida dos tipos é necessária ‘para que a lei penal possa desempenhar função pedagógica e motivar o comportamento humano’. Conclui-se que o artigo 4º e parágrafo único da Lei nº 7.492/86 é inconstitucional e deve urgentemente sofrer retificação, não se podendo contemporizar com outro entendimento, nem mesmo a pretexto, e com louvável motivo, de ‘possibilitar a punição dos chamados criminosos do colarinho-branco’,(4) pois a violação de um princípio constitucional, além de gerar a insegurança jurídica depõe contra a manutenção do sagrado Estado democrático de direito.” (Paulo Cezar da Silva, Coluna Direito e Justiça, Jornal O Estado do Paraná, circulação de 27.11.2005). “A lei atual, numa flagrante violação ao princípio da reserva, estatui em seu art. 4º um tipo aberto, uma vez que se limita a estabelecer ‘gerir fraudulentamente instituição financeira’” (João Cezar de Araújo JR., Dos crimes contra a ordem econômica. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 154. 12. “O artigo 4º da Lei nº 7.492/86 prevê o crime de gestão fraudulenta e no parágrafo único a gestão temerária de instituição financeira, utilizando apenas o verbo gerir seguido dos adjetivos fraudulenta e temerária. Tem-se entendido que gerir tem o sentido de administrar, dirigir, decidir e gerenciar.” (Paulo Cezar da Silva, Coluna Direito e Justiça, Jornal O Estado do Paraná, circulação de 27.11.2005). 13. “Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:” 14. “omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;” 15. “fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;” 16. “falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável;” 17. “elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato;” 18. “O crime de gestão fraudulenta pressupõe, como elemento normativo do tipo, manobras ilícitas, o emprego de ardis, de fraudes e de engodos. A fraude, por sua vez, também pressupõe o desiderato de prejudicar alguém ou a obtenção de vantagem indevida para o agente ou outrem. Desse modo, havendo o Fisco concluído pela ausência de qualquer prejuízo decorrente das operações narradas no libelo e realizadas pelos administradores da instituição financeira, faz-se mister concluir que as ações não se realizaram voltadas à prática do mencionado delito. No máximo, poder-se-ia afirmar que a conduta dos gestores do Banco, diante da dúvida sobre a licitude da conduta, do ponto de vista da técnica contábil, foi imprudente.” (TRF4, Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, HC 2005.04010128000, DJU de 18.05.2005, p. 904). 19. “Contudo, o legislador não puniu a forma culposa do delito de gestão fraudulenta.” (TRF4, Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, HC 2005.04010128000, DJU de 18.05.2005, p. 904). 20. “Para que se aperfeiçoe o delito do art. 4º da Lei nº 7.492/86, há necessidade de um número substancial de atos fraudulentos que possibilite a valoração da gestão como fraudulenta.” (TRF4, Rel. Des. Federal Tadaaqui Hirose, Ap. Crim. 2002.04010523040, DJU de 12.05.2004, p. 712). “A abertura e movimentação de contas bancárias em nome de pessoas jurídicas fictícias ou mediante a utilização indevida da razão social de outras empresas já existentes podem, em tese, caracterizar o delito de gestão fraudulenta de instituição financeira, previsto no artigo 4º da Lei nº 7.492/86, vigente à época dos fatos” (STJ, Rel.: Min. Paulo Gallotti/6ª Turma, RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 14.236/CE, DJU de 20.06.05, pág. 378) 21. “A gestão fraudulenta traduz-se pela utilização contínua e habitual de artifícios para pôr em erro outros administradores na condução dos negócios. Os crimes previstos nos arts. 4º e 6º da Lei nº 7492/86 caracterizam-se por um conjunto de atos ou universo de operações, a comprometer a higidez financeira da empresa e não casos isolados de gestão.” (TRF3, Ap. Crim. N º 97.03.051199-6, j. 14.08.2001). “A palavra ‘gestão’ indica o espaço de tempo em que a pessoa é administradora de uma pessoa jurídica, e não cada uma das operações que realiza. Gerir é uma atividade continuada, pressupondo habitualidade, sendo que um ou alguns atos isolados não constituem uma gestão, na opinião de Heleno Fragoso. Gestão fraudulenta é a em que o administrador utiliza, continuada e habitualmente, na condução dos negócios, sociais, artifícios, ardis ou estratagema para pôr em erro outros administradores da instituição ou seus clientes. Precedentes Jurisprudenciais desta Corte. Alguns casos, pinçados em um universo de milhares de operações, não podem ser tidos como gestão fraudulenta.” Grifamos. (TRF3, HC nº 98.03.081133-9, j. em 04.05.99). “Para que se aperfeiçoe o delito do art. 4º da Lei nº 7.492/86, há necessidade de um número substancial de atos fraudulentos que possibilite a valoração da gestão como fraudulenta.” Grifamos. (TRF4, Rel. Des. Federal TADAAQUI HIROSE, j. em 13.04.2004, DJU de 12.05.04, p. 712, Publicado na RTRF n º 52/2004, p. 278). “O crime de gestão fraudulenta (art. 4º) não se consuma através de apenas um ato de gerência, exigindo-se necessariamente uma sucessão de práticas contínuas e habituais realizadas em determinado contexto e lapso temporal.” (TRF4, Rel. Des. Federal ÉLCIO PINHEIRO DE CASTRO, Ap. Crim. 200104010717308, DJU de 01/10/2003 p. 712). 22. “Em matéria de concurso aparente de leis, em regra, a conduta faz subsumir preceitos idênticos, entretanto, como a tutela que se opera é de bens jurídicos idênticos, não há por que apenar-se duplamente. Em alguns casos o bem jurídico igual não é objeto direto de proteção da norma em conflito, mas indireto, ainda assim havendo de reconhecer-se o concurso impróprio ou de leis.” (ROSA, Fábio Bittencourt da. Lei nº 7.492/86 e o concurso aparente de leis. Disponível na internet: <www.ibccrim.org.br>, 10.02.2005). 23. “Quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido.” 24. “Deve-se aplicar ao caso o princípio da consunção, sendo que o crime de apropriação do art. 5º é que fica absorvido pela gestão fraudulenta. E se essa forma de conduta ilícita se materializar por circunstâncias que integram outro tipo, como no caso (artigos 5º, 6º e 10), estes devem ser absorvidos pelo caput do artigo 4º da Lei 7.492/86, cuja pena deve ser aplicada por ser o crime mais grave. A conduta objeto do artigo 4º, caput, da Lei nº 7.492/86 fica evidenciada quando alguma das pessoas arroladas no artigo 25 da mesma Lei gere instituição financeira ou por ela equiparada fraudulentamente, há necessidade de um número substancial de atos fraudulentos que possibilite a valoração da gestão como fraudulenta.” (TRF4, Rel. Des. Federal Tadaaqui Hirose, Ap. Crim. 2003.04010246710, DJU de 28.04.2004, p. 734). 25. “Em último caso, se o objeto da interpretação se contiver na fronteira entre as duas figuras de concurso (ideal e impróprio), o princípio do in dubio pro reo recomendará a conclusão pelo concurso de leis.” (ROSA, Fábio Bittencourt da. Lei nº 7.492/86 e o concurso aparente de leis. Disponível na internet: <www.ibccrim.org.br>, 10.02.2005) |
Referência bibliográfica: (de acordo com a NBR 6023: 2002/ABNT): |