A competência da Justiça Militar da União com a provável aprovação da PEC nº 358/2005(1)

Autora: Marga Inge Barth Tessler
Desembargadora Federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região
Publicado na Edição 15 - 22.11.2006


O presente estudo tem a intenção de contribuir no debate da provável alteração constitucional que transfere o julgamento das causas versando sobre infrações administrativas disciplinares dos militares da Justiça Federal para a Justiça Militar.

O artigo 124 da Constituição Federal de 1988 tem a seguinte redação:

"Art. 124. À Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei.

Parágrafo único. A lei disporá sobre a organização, o funcionamento e a competência da Justiça Militar."

Com a possível alteração, o citado artigo terá a seguinte redação:

"Art. 124. À Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei, bem como exercer o controle jurisdicional sobre as punições disciplinares aplicadas aos membros das Forças Armadas."

I – Argumentos em favor da alteração

1º) O Princípio da Unificação por pertinência temática

A justificativa apresentada para fundamentar os trabalhos legislativos, ainda durante a tramitação da Emenda nº 45, conhecida como Reforma do Judiciário, sustentou-se no princípio da unificação das questões temáticas disciplinares na Justiça Militar. Tanto as punições por crime militar quanto as infrações disciplinares militares têm nota de distinção comum que são os princípios da hierarquia e da disciplina, orientadores de toda a vida militar.

Por outro lado, a redação proposta está alinhada à alteração de competências já estabelecida pela Emenda nº 45 que levou para a Justiça Militar Estadual a competência cível atinente às ações judiciais contra atos disciplinares militares.

2º) O Princípio da Eficiência

Um segundo argumento a destacar é o princípio da eficiência, especialmente contemplado pelo artigo 37 da Constituição Federal de 1988. Foi o propósito de toda a Reforma do Judiciário conferir eficiência e agilidade ao Judiciário. O Poder Judiciário ainda gasta muito tempo para solucionar os litígios, embora o extraordinário esforço de seus integrantes. Na Justiça Federal, as causas da espécie demoram cerca de três a quatro anos para serem decididas. A disciplina tem fundamental importância nas Forças Armadas, e a demora na solução prejudica a Corporação, colocando em dúvida a autoridade do responsável pelo Comando que aplicou a penalidade. O próprio militar demandante fica também prejudicado, pois, enquanto o processo está em tramitação, vê a sua vida funcional paralisada, pois não pode ser promovido nem freqüentar cursos. O controle jurisdicional por um órgão mais desafogado de processos certamente contribuirá para um solução mais rápida. O Egrégio Superior Tribunal Militar, segundo as palavras do Eminente Ministro Max Hoertel, no ano passado, julgou ao redor de 600 processos criminais.

Bem, este é justamente o número de recursos que ingressam em um dos seis gabinetes dos Desembargadores Federais que compõem as Turmas Administrativas – 3ª e 4ª Turmas do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

Assim, certamente o andamento dos processos cíveis na Justiça Militar será muito mais rápido.

3º) O fortalecimento da Instituição

O terceiro argumento é o do fortalecimento do Poder Judiciário como um todo. A fratura nas competências da Justiça Militar não favorece ao segmento, não prestigia a administração militar. Sucede que o Poder Judiciário deve ser visto como um todo, e o enfraquecimento de um segmento compromete o todo. Com a transferência de parcela da competência cível para Justiça Militar, permite-se que cada segmento se dedique melhor às suas atribuições.

4º) O argumento da eficácia, da segurança e da certeza

Os juízes federais são muitos e dispersos pelo Brasil, acarretando uma dispersão de entendimentos nem sempre de fácil harmonização pelos Tribunais. Com a alteração, as causas disciplinares dos militares ficariam sob a jurisdição numericamente mais restrita, com maiores possibilidades de segurança e certeza, contribuindo para uma maior probabilidade de solução rápida e justa para todos, sem muita disparidade de entendimentos.

5º) Argumento da especialidade

Inegavelmente a Justiça Militar está mais preparada do que a Justiça Comum para o trato das questões envolvendo os militares. A hierarquia e a disciplina são valores bem mais conhecidos dos juízes militares que têm uma visão muito mais próxima da realidade castrense. O argumento da especialidade é um dos que mais favorecem a alteração.

II – Argumentos contrários à alteração

Para a Justiça Federal se trata de perda de uma parte de sua competência, e perder competência é perder poder, daí é perfeitamente natural que haja uma resistência em prestigiar a alteração.

Poder-se-ia dizer que haveria um retrocesso na medida em que causas cíveis são levadas a uma Justiça especializada e criminal.

Poder-se-ia pensar que a administração militar está com a intenção de sair da área da jurisdição federal comum que se mostra disposta a avançar sobre o mérito dos atos administrativos, não encontrando mais os antigos limites à sua atuação. Cito, exemplificativamente, o precedente do Superior Tribunal de Justiça, REsp nº 429570-GO (DJ de 22.03.2004). "O Poder Judiciário não mais se limita a examinar os aspectos extrínsecos da administração, pois pode analisar ainda as razões de conveniência e oportunidade, uma vez que essas razões devem observar critérios de moralidade e razoabilidade".

Problemas a serem enfrentados pela Justiça Militar

Entre os problemas a serem enfrentados pelo Poder Judiciário Militar podemos destacar o ônus de ter que implantar um grande número de controles processuais adequados às causas cíveis. A Justiça Militar do Estado do Rio Grande do Sul enfrentou e superou as dificuldades com as citadas adaptações.

Valho-me da colaboração do Eminente Juiz e ex-Presidente do Tribunal de Justiça Militar do Rio Grande do Sul, Dr. Anastácio Brandeburski e do Dr. Pedro Osório Rosa Lima, Diretor Geral do Tribunal de Justiça Militar do Rio Grande do Sul, que fizeram um levantamento das principais dificuldades, a saber:

A primeira questão refere-se ao alcance da competência recebida. Seriam apenas as ações judiciais contra atos disciplinares militares, apenas a ação declaratória da ilegalidade ou nulidade do ato ou também a ação executória para determinar a própria reintegração do militar em caso de aplicação da pena de demissão. Abarcaria eventual ação de indenização por danos materiais ou morais em virtude da aplicação da penalidade?

O Egrégio Superior Tribunal de Justiça já tem um precedente envolvendo o Conflito de Competência nº 54.553-SP, Relator Ministro Nilson Naves, envolvendo o Juízo de Direito da Vara da Fazenda Pública de São Paulo e o Juiz de Direito da 2ª Auditoria Militar do Estado de São Paulo, com a seguinte ementa:

"Justiça Militar estadual (competência). Ato administrativo (exoneração). Reintegração (pedido).

1. O que compete à Justiça Militar estadual é processar e julgar as ações judiciais contra atos disciplinares militares (EC nº 45/04).

2. Não lhe compete, em conseqüência, ação contra ato administrativo, na qual se alega achar-se a exoneração em estágio probatório viciada por ilegalidade e abusividade, e na qual, também em conseqüência, pleiteia-se reintegração.

3. Conflito conhecido, declarada a competência do suscitado."

Vê-se que a interpretação é restritiva, refere-se apenas às questões versando atos disciplinares aplicados aos militares, outras questões continuam na Justiça Federal Comum. Então, em princípio, a interpretação do alcance do artigo 124 deverá ser restritiva como já sinalizou o Egrégio Superior Tribunal de Justiça, embora o precedente envolva a Justiça Militar Estadual.

Outro problema a ser enfrentado é o de preparar as Auditorias Militares e o próprio Superior Tribunal Militar para processar e julgar causas cíveis. Uma das primeiras questões que a Egrégia Justiça Militar do Estado do Rio Grande do Sul enfrentou foi o do pagamento das custas, pois inexiste Contadoria nos seus serviços auxiliares. Como sabemos, o artigo 712 do Código de Processo Penal Militar refere que "não são sujeitos a custas, emolumentos, selos ou portes de correio, terrestre, marítimo ou aéreo". A solução encontrada, no sentido de superar o problema de forma emergencial, foi o de solicitar a colaboração dos serviços do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul até que seja possível a reestruturação do quadro funcional da Justiça Militar. O Egrégio Tribunal de Justiça aquieceu ao pedido, e o Tribunal de Justiça Militar baixou a Resolução nº 40, no sentido de aplicar aos processos cíveis a legislação referente às custas e à taxa judiciária cabível nas ações cíveis da competência da Justiça Estadual. As contas e os cálculos dos processos serão realizados pelas Contadorias dos Foros Central de Porto Alegre, Santa Maria e Passo Fundo. Pela ordem de serviço nº 5/2006 do Tribunal de Justiça Militar foi disciplinado o preparo nas apelações cíveis e agravos, vinculando o Tribunal de Justiça Militar Estadual à tabela de custas do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. A mesma solução, por ser a mais econômica, poderá ser adotada no caso dos órgãos judiciários federais.

Antevê-se outra questão que é a do exame de admissibilidade dos recursos aos Tribunais Superiores, o Recurso Especial ao Egrégio Superior Tribunal Militar e o Recurso Extraordinário ao Colendo Supremo Tribunal Federal. Haverá de ser designada autoridade judiciária militar na esfera dos Estados para antecipar o exame, a não ser que o Egrégio Superior Tribunal Militar prefira fazê-lo sem delegação.

Por derradeiros, não são muitos os processos envolvendo punições disciplinares a membros das Forças Armadas no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (RS, SC, PR). No momento são cerca de 130 feitos em diversas fases. Acredita-se, assim, que não será muito expressivo o número de processos a serem remetidos à Egrégia Justiça Militar da União.

São essas as considerações para contribuir no debate.

Notas:

01. Texto-Base para participar como debatedora do VI Seminário "Advocacia Pública em Debate", promovida pela Advocacia-Geral da União – AGU, em 22.05.2006, tendo como conferencista o Ministro Max Hoertel do Superior Tribunal Militar e como debatedor o Dr. Alceu Alves dos Santos, Juiz Auditor da 1ª Auditoria do 3ª CJM.

Referência bibliográfica: (de acordo com a NBR 6023: 2002/ABNT):
. Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n., novembro 2006. Disponível em:
<>
Acesso em: .