Sumário: Introdução. 1. O Estado Social e o caráter político da Constituição Federal de 1988: nova dimensão de direitos fundamentais. 2. Formação e crise do Estado Nacional. 3. Direitos fundamentais e políticas públicas: a implementação pelo Poder Judiciário. 4. Considerações Finais. Referências.
Resumo
O artigo discute a possibilidade de implementação de políticas públicas, que tenham como objeto a eficácia dos direitos fundamentais, através do Poder Judiciário. Para tanto, será analisada a existência de conotação política nas decisões do Poder Judiciário e de sua conveniência para a garantia dos direitos fundamentais constitucionalmente garantidos. Procura-se analisar a transição do Estado Nacional, prioritariamente legalista, com o surgimento das Constituições rígidas, e dentro delas, de princípios e direitos fundamentais, que impõem limites ao Poder Público na produção e execução da legislação. Conjugando-se a constatação de falência do modelo de Estado Nacional soberano com o surgimento de textos constitucionais que contém não somente direitos negativos mas também direitos a prestações do Estado, procurou-se demonstrar, como sua conseqüência direta, o alargamento da jurisdição, com o escoamento de novas demandas e novos atores para o âmbito do Poder Judiciário, que buscam não somente a reparação a um direito violado, mas também a obrigação do Poder Público em implementar políticas garantidas constitucionalmente.
Palavras-chave: Políticas Públicas, direitos fundamentais, politicidade das decisões judiciais.
Introdução
O presente artigo enfoca um dos debates de maior polêmica na doutrina jurídico-política da atualidade. As alterações ocorridas com a transformação do Estado legalista em Estado Constitucional trouxeram uma nova imagem ao direito.
As decisões judiciais que deveriam seguir literalmente o texto legal, sob pena de não ter legitimidade no sistema jurídico e político vigente, agora, devem considerar não somente um critério formal para averiguar a conveniência e coerência de sua decisão, bem como devem, antes e muito mais, analisar a correspondência da decisão judicial com o texto constitucional.
Porém, quando a análise da correspondência entre a decisão tomada e o texto constitucional tem como objeto atos normativos emanados pelos Poderes Executivos e Legislativos, e não se trate unicamente de julgar a legalidade da norma, surge uma nova problemática e crise no sistema atual. Pode o Poder Judiciário negar vigência ou determinar, fundamentado em critérios éticos, políticos e sociais, que o Poder Executivo ou Legislativo faça ou deixe de fazer uma ação? Esse é o objeto de estudo proposto.
A partir do surgimento do Estado Social e, principalmente, a partir dele com a inserção nos textos constitucionais de direitos sociais a prestações positivas do Estado, diferentemente do Estado legalista, em que os direitos fundamentais exigiam tão-somente que o Estado não interferisse no âmbito da liberdade individual dos cidadãos, o Poder Judiciário ganha uma nova postura.
A inserção desses direitos nas Constituições se fez, via de regra, pela previsão de princípios e valores em normas programáticas sem auto-aplicabilidade. Essas circunstâncias, aliadas ao fato de que por previsão constitucional o Poder Judiciário é o intérprete último do texto constitucional e, ainda mais, o único responsável por limitar sua própria função, fizeram com que os limites entre uma atuação legal e política se tornassem quase indefiníveis. O que resta à doutrina jurídica é discutir a conveniência, dentro de um Estado democrático com instituições políticas sólidas, de um ativismo judicial que interfira diretamente na implementação de políticas públicas, especialmente quando essas funções por determinação constitucional ficaram a cargo de outros Poderes.
Dentro desse contexto, propõe-se no presente artigo, no primeiro tópico, discutir o Estado Social, o caráter político da Constituição de 1988 e a nova dimensão dada aos direitos fundamentais. O Estado Social gerou Constituições que não se limitaram em assegurar meios de defesa dos súditos em relação ao Poder estatal. Foram além e inseriram em seu texto direitos sociais com caráter de fundamentais, exigindo dos Poderes Executivos e Legislativos ações positivas, a fim de implementar políticas públicas capazes de tornar eficazes decisões políticas constitucionais. Diante da omissão desses poderes, a invasão do Poder Judiciário é legítima? Essa é a resposta que se procura discutir no segundo e terceiro tópicos, nos quais se propõe o debate acerca da conveniência e da legitimidade do Poder Judiciário para tomar decisões políticas vinculantes.
O debate atual tem girado em torno do eixo procedimentalista, altamente crítico à intervenção do Poder Judiciário, vendo como a criação de um modelo clientelista e de assujeitamento do cidadão à dependência do Poder Judiciário. Corre-se o risco de criar um poder gigante e paternalista, trazendo como conseqüência o empobrecimento do ativismo da sociedade civil e o esfacelamento do caráter político do sistema republicano.
De outra banda, a linha substancialista acredita nos juízes como uma intelligentzia, capaz de dar forma, sentido e eficácia ao texto constitucional. É lícito, nessa linha, que o Poder Judiciário imponha a execução de direitos sociais constitucionalmente assegurados contribuindo dessa forma para o fortalecimento da igualdade.
Por fim, sem qualquer caráter conclusivo, o debate proposto pretende tão- somente lançar subsídios para a discussão da problemática da politicidade do Poder Judiciário, especialmente de sua legitimidade para obrigar à implementação de políticas públicas.
1. O Estado Social e o caráter político da Constituição Federal de 1988: nova dimensão de direitos fundamentais
Ao final da Idade Média e no seu período de transição com o momento histórico definido como a Renascença, é possível identificar os traços inconfundíveis do Estado Moderno, mormente, de sua principal característica – a soberania. Muito antes, porém, de se afigurar como expressão da vontade popular, o Estado Moderno veio com o objetivo de expurgar as diferenças de poder existentes na Idade Média e, para isso, representava, em seu início, a vontade do monarca, soberano, príncipe, ou seja, a maior autoridade temporal na terra. A base teórica da construção do Estado encontra-se, primeiramente, na obra de Maquiavel,(1) que o identificava com a figura do príncipe e seu vínculo com a res publica.(2) Esse Estado Moderno pode ser dividido em duas fases: a primeira, ligada à Monarquia e à doutrina da Igreja, sendo seus principais teóricos Bodin e Maquiavel; a segunda fase, fundada de inicio na obra de Hobbes, secularizou a legitimidade do Estado. Se antes Deus garantia e justificava a aplicação da lei, agora, a destruição dos fundamentos metafísicos da legitimidade do poder impõe a necessidade de um fundamento racional para o exercício da força – trata-se de erigir o princípio da segurança jurídica nas relações sociais. O fundamento da teoria hobbesiana é a pré-existência de um estado de natureza ao estado em sociedade. No mesmo sentido que Rousseau e Locke, segundo a teoria de Hobbes, a partir da formação do Estado, o homem trocava sua liberdade pela certeza de sua conservação.
Já a partir do início do séc. XVIII e tendo seu ponto culminante em 1789 com as Constituições Francesas da Revolução, inicia-se o Estado Constitucional que vem firmar o princípio da liberdade nas relações sociopolíticas. “Começa então o capítulo da limitação do poder; do Homem-povo, do Homem-cidadão, do Homem-político, do Homem que faz lei, que governa, ou se deixa governar, que cria a representação, que toma consciência da legitimidade, que é poder constituinte e poder constituído.”(3) Ergue-se um Estado com a idéia central de povo, iniciando a consciência da necessidade do exercício democrático do Poder, e, com isso, a construção de direitos fundamentais. Por fim, com a queda da Bastilha na segunda metade do séc. XVIII, finda-se a era do Estado Feudal, firmando-se definitivamente o Estado Moderno, “[...] simboliza, por derradeiro, a ocasião única em que nasce o poder do povo e da Nação em sua legitimidade incontrastável”.(4)
O ponto crucial a ser notado dentro da idéia inspiradora do Estado Moderno é a transição de um Estado absoluto para um Estado constitucional. Desse momento em diante, exige-se que a nação seja governada por leis e não mais por homens. A legalidade passa a premissa básica e inafastável da atuação estatal e é expressada com veemência nos códigos e legislações.
De sua formação no momento histórico indicado até nossos dias, importante perceber que o Estado constitucional aparentou-se em duas fases: o Estado constitucional da separação de Poderes (Estado Liberal) e o Estado constitucional dos direitos fundamentais (Estado Social).(5)
O Estado constitucional da separação dos poderes situa-se logo após a eclosão da Revolução da Independência Americana e Revolução Francesa, ocorridas na segunda metade do século XVIII. Enquanto a Revolução Americana fez surgir o espírito Republicano e proporcionou a emancipação de diversas colônias no continente, a Revolução Francesa disseminou em toda Europa a idéia de uma constituinte democrática. Foi, sobretudo, com a teoria de Montesquieu e o texto da Declaração dos Direitos do Homem(6) que se viu inaugurar a fórmula da divisão dos Poderes e, com isso, selou-se a convicção de que a concentração de poderes deveria ser evitada, e a fórmula perfeita deveria prever o controle de um poder pelo outro. À evidência, percebe-se a clara intenção do novo estado em garantir as liberdades e os direitos políticos e civis. Essa primeira versão do Estado constitucional teve claro compromisso com a lei, o código, a necessidade de segurança jurídica; com a soberania e a autonomia da vontade; com a separação, a harmonia e o controle dos poderes, especialmente do governante, por fim, a promessa da emancipação. No governo das leis, inclusive o soberano deveria a elas se submeter. Assim, o Estado(7) firma-se como monopólio da produção normativa, firmando o princípio da legalidade como critério para reconhecimento do direito válido e vigente.(8)
O segundo momento do Estado constitucional é marcado pelas preocupações com os critérios de justiça que deveriam nortear a atuação estatal. Com a positivação dos direitos fundamentais de liberdade e autonomia, definidos como de primeira geração, passa a ser necessária a promoção de debates sobre a efetivação da justiça, enquanto garantia de direitos sociais e ao desenvolvimento, colocados como direitos de segunda e terceira geração.
O Estado liberal clássico da primeira fase do constitucionalismo foi alvo de severas criticas, tanto por parte do socialismo utópico, requerendo a reforma social, como pelo socialismo científico, pleiteando a extinção do Estado, visto somente como garante dos privilégios burgueses. A partir da segunda década do séc. XX, as estruturas do Estado Liberal passam a desabar com questionamentos que pretendiam afastar a legitimidade da legalidade. Ora, o parlamento, representante direto e legítimo do povo, erigia normas gerais, de cunho universal e vinculante, o que gerava a crença da legitimidade estar na lei. Com a mudança de paradigma e a inserção de novos paradigmas econômicos, políticos e sociais, começa-se a formatar as linhas do Estado Social, que busca sua legitimidade não mais na lei, e sim na concretização dos direitos sociais garantidos nas cartas constitucionais – mormente expressos como princípios.
“Quando prevaleciam por única constante na caracterização do Estado Moderno os direitos da primeira geração, a lei era tudo. Quando se inaugurou, porém, a nova idade constitucional dos direitos sociais, como direitos de segunda geração, a legitimidade – e não a lei – se fez paradigma dos Estatutos Fundamentais. [...] A legitimidade é o direito fundamental, o direito fundamental é o princípio, e o princípio é a Constituição na essência; [...] Ou colocado em outros termos: a legalidade é a observância das leis e das regras; a legitimidade, a observância dos valores e dos princípios. [...] A regra define o comportamento, a conduta, a competência. O princípio define a justiça, a legitimidade, a constitucionalidade.”(9)
Na primeira fase do Estado constitucional, as decisões jurídicas e administrativas deveriam corresponder ao texto normativo, assim como posto, para garantir sua legitimidade. Trata-se, portanto, de um critério de vigência formal,(10) ou seja, a correspondência da decisão com o conteúdo normativo é garantia de sua segurança e justiça, independentemente de seu conteúdo. A partir da constitucionalização do direito dentro do Estado Social, na segunda fase do constitucionalismo, insere-se um novo critério de verificação da validade da lei, ou seja, um critério de vigência substancial,(11) que nada mais é do que a adequação da lei ordinária ao conteúdo positivado no texto constitucional. Desse momento em diante, todos os poderes estão subordinados à Constituição, inclusive o Legislativo, na medida em que lhe impõe uma limitação no direito de legislar, impedindo qualquer ferimento aos direitos fundamentais.
Portanto, é na segunda metade do século XX que se criou o controle de constitucionalidade das leis ordinárias.(12) Esse fato coincide ao mesmo tempo com dois eventos político-institucionais importantes: a criação de constituições rígidas e o surgimento do Estado de bem-estar.(13)
Com o surgimento do Estado de bem-estar e principalmente em seu âmbito, no direito do trabalho, vê-se o fim da clássica separação entre o Estado e a sociedade civil. A partir dele, com a crescente expansão do princípio democrático, verificou-se uma institucionalização do direito na vida social rompendo-se com a nítida distinção entre as relações privadas e públicas – provocando a publicização das relações privadas que passam a ser mediadas por instituições políticas democráticas ao mesmo tempo em que provoca a judicialização das relações políticas.(14)
Conjuntamente a esse fenômeno e até mesmo em decorrência dele, nesta época surgem as primeiras Constituições rígidas.(15) Dentro de seu texto inscrevem-se direitos fundamentais que impõem limitações ao Parlamento sobre seu direito de legislar, inserindo direitos que, por serem indispensáveis para a vida e a liberdade, estão fora do âmbito do decidível.(16) De outra forma, esse novo paradigma constitucional coloca o Poder Judiciário à disposição da sociedade civil como meio de reparação dos danos e violações em seus direitos. Ademais, as Constituições contêm princípios que se colocam como meta-regras de conteúdo axiológico impondo ao Poder Público não só seu respeito, mas também sua efetivação.(17)
Os direitos fundamentais firmam-se como direitos de liberdade – negativos, de defesa – constituindo-se em impedimentos de ações do Estado. Trata-se do direito de não ser impedido a determinadas ações; de não ser perturbado em certas propriedades e situações; e, por fim, a garantia de que o Estado não eliminará determinadas posições jurídicas de seus titulares.(18)
Por outro lado, a constitucionalização de direitos sociais dá à sociedade civil o direito a prestações positivas do Estado. Cronologicamente, no Brasil, a concretização dos direitos sociais está ligada à sua constitucionalização, ocorrida por movimentos sócio-políticos que se desenvolveram em diversos países e tiveram suas bases principalmente nas classes trabalhadoras.
“Em alguns países, a conquista de direitos sociais foi impulsionada por revoluções ou movimentos políticos, fundados nas classes trabalhadoras do campo e das cidades. Um desses eventos foi a Revolução Mexicana (1910-1917), [...], culminando com a Constituição de 1917, que poderia rivalizar com a de Weimar em termos de direitos políticos e sociais. [...]. Algo semelhante ocorreu no Brasil, após a vitória do movimento armado de 1930, que ensejou nos anos seguintes o reconhecimento legal dos sindicatos (postos, no entanto, sob tutela e controle do Estado), institui seguros obrigatórios contra a velhice e a invalidez e, a partir de 1940, salários mínimos para as diferentes regiões do país.”(19)
De acordo com o modelo de Estado Social, além do governo regular a economia, devia implementar políticas públicas, desenvolvendo programas de emprego, saúde, previdência, matérias que dependem de leis específicas. “Assim como o princípio de justiça social fora infiltrado no direito privado mediante a criação do Direito do Trabalho, no Welfare State tal princípio passaria a fazer parte da Administração.”(20)
No Brasil, a partir da década de 30, as conquistas históricas dos trabalhadores resultaram no reconhecimento dos sindicatos, seguros contra velhice e invalidez e instituição do salário mínimo. (21)
Além de devolver à sociedade a autonomia para reivindicar seus direitos, o direito do trabalho e o sindicalismo trouxeram ao direito novo paradigma de justiça ligado à sociedade, manifestações que trazem à exposição da esfera pública problemas resguardados na esfera privada, gerando novos conflitos que exigem uma posição que supere os limites da legalidade aproximando a decisão judicial da política.
Com maior ênfase, no Brasil, a constitucionalização dos direitos sociais é um marco teórico e fático desse movimento a que se denominou de judicialização das relações sociais. Verifica-se com a Revolução de 30 e a ascensão de Getúlio Vargas ao Poder, e ainda, com maior visibilidade com a Constituição de 1934, inclinando-se para questão social e econômica. “Ao lado da clássica declaração de direitos e garantias individuais, inscreveu um título sobre a ordem econômica e social e outro sobre a família, a educação e a cultura, com normas quase todas programáticas, sob a influência da Constituição de Weimar.”(22)
Contudo, ao contrário das Constituições anteriores, originadas de um contexto pré-definido em que é possível identificar claramente as forças construtoras de seu texto, a Constituição de 1988 inova ao surgir do seio da Assembléia Constituinte. É possível identificar as Constituições de 1891, 1934 e 1946 como conclusões de um movimento político hegemônico. Ao contrário dessas, a Carta de 1988 acabou sendo elaborada sem contar com um anteprojeto e no contexto muito particular em que ela própria era parte do processo de transição do autoritarismo à democracia política, e não uma conclusão dele.(23) É a primeira que não se origina através de uma ruptura com a ordem constitucional vigente, ainda que tenha advindo do maior período nacional de cerceamento das liberdades públicas.(24)
Essa nova roupagem do constitucionalismo moderno, presente na Carta Política de 1988, promove uma reaproximação do Direito com a ética(25) e os valores,(26) o que havia sido negado pelo positivismo jurídico(27) consubstanciado no Estado Moderno da separação dos poderes. Esses valores compartilhados pela sociedade são inseridos explícita ou implicitamente no texto constitucional sendo identificados como princípios. Servem ao mesmo tempo para dar harmonia e unidade ao texto constitucional, bem como para reduzir as tensões internas das normas. “Estes os papéis desempenhados pelos princípios: a) condensar valores; b) dar unidade ao sistema; c) condicionar a atividade do intérprete.”(28)
Por outro lado, uma Constituição definida inteiramente por princípios torna-se claramente aberta e, ao contrário das anteriores, agora admite a influência de valores externos, deixando aos seus intérpretes a função de dar-lhe o seu sentido e direção.
Princípios constituem mandados de otimização com forte carga valorativa e ética, via de regra, derivados de opções políticas que os colocam como direção a seguir. A direta ligação entre princípios e valores é facilmente reconhecida, quando a eficácia de princípios e a busca de sua otimização representam diretamente a realização de valores.(29)
Um texto constitucional firmado em princípios requer para sua efetividade uma ampla regulamentação, o que provocou uma inflação legislativa, criando uma sociedade altamente regulada e normatizada. Por outro lado, a alta carga valorativa dos princípios constitucionais traz como conseqüência a discricionariedade deixada na mão dos juízes, de poder fazer escolhas e impor determinações em assuntos antes reservados ao crivo do legislador. A partir dessa constatação, torna-se necessária a discussão quanto aos limites, a necessidade e a conveniência de um Judiciário politizado.
2. A problemática da politicidade do Poder Judiciário
Pode o Poder Judiciário tomar decisões políticas vinculantes? Esse é o questionamento que tem provocado ardentes debates nos últimos anos, especialmente após a promulgação da Constituição Federal de 1988. É conveniente que decisões judiciais decidam sobre reajuste de tarifas públicas, vencimentos de funcionários públicos, quando e em que medida devem ser os investimentos em educação? Esses poucos exemplos têm se originado de freqüentes provimentos judiciais que interferem diretamente em assuntos que, pela célebre divisão de poderes,(30) ficavam a cargo do Executivo e do Legislativo. Outro fator importante a ser considerado é o agigantamento do órgão do Ministério Público que, após a firmeza de um extenso rol de garantias institucionais na Constituição Federal de 1988, ampliou o campo de sua atuação incorporando em suas ações não somente comportamentos repressivos, mas também, exigindo o cumprimento de direitos fundamentais e sociais insertos na Carta Política.
Após o fenômeno do populismo no Poder Executivo, estaríamos frente ao populismo dos juízes atualmente? Seria render-se ao “império da força bruta”,(31) diante da frustração pelas promessas constitucionais não cumpridas com a Constituição Federal de 1988, que, após quase duas décadas de sua promulgação, não conseguiu implementar o mínimo de suas garantias sociais? Essas são perguntas difíceis e ainda sem respostas diante do novíssimo fenômeno da judicialização da política.
De outra banda, o ato judicial não pode ser isolado e imune aos valores sociais. Deve, sem sombra de dúvidas, percorrer todo o caminho histórico da cultura e das perspectivas alçadas pela sociedade na qual irá refletir. É possível aferir a legitimidade dessas decisões pela responsabilidade constitucional reservada ao Poder Judiciário de unificar os discursos interpretativos em torno do texto constitucional, ou seja, cabe ao Judiciário dizer, em última instância, como deve ser interpretada a norma constitucional.
À medida que a Constituição fez uma opção por garantir não somente direitos de defesa aos cidadãos, mas também inseriu em seu texto direitos a prestações sociais, não é sensato esperar que o Poder Judiciário mantenha-se alheio ao debate da necessidade de implementação de Políticas Públicas – o que leva, por conseqüência, a judicializar a política.
Conforme já debatido, a Constituição Federal de 1988 é marcada pelo espírito do Estado Social não se limitando como no Estado Liberal a delimitar os direitos individuais do cidadão, e sim colocando em seu texto uma idéia de justiça resultante das históricas lutas pela garantia dos direitos sociais.(32)
Nesse debate, importante gizar o conceito de democracia cabível para a Constituição Federal de 1988. As Constituições de cunho marcadamente liberal dos Estados Nacionais são fundadas no conceito de democracia representativa, que se resumem, na participação esporádica no pleito através do voto, perdendo-se, no mais das vezes, qualquer vínculo com o representante. Com a Constituição de 1988, o compromisso de justiça, de solidariedade e de participação que marca seu texto requer uma democracia substancial e não mais somente formal. “A democracia substancial, [...] consiste, no valor nuclear da Constituição brasileira de 1988, a partir da conjugação dos valores de cidadania e dignidade da pessoa humana.”(33) Nesse contexto, parece indispensável que o Poder Judiciário intervenha afim de controlar as ações e omissões do Poder Público que não atendam aos princípios fundantes da Carta constitucional. Por outro lado, é de se admitir que neste caso as decisões judiciais possam sofrer de legitimidade, ao passo que são expressões da vontade de um agente político escolhido não pela vontade popular, e sim por critérios internos de seus próprios pares.
A problemática da judicialização da política inicia-se já no Welfare State, quando o Poder Executivo se torna gigante e se apropria do processo político de formação da lei, quase na totalidade de sua iniciativa, “[...] quer por deter o monopólio das informações essenciais sobre a vida social, quer pela perícia técnica dos seus quadros em atuar sobre ela”.(34) Outro fator preponderante neste modelo de Estado é a atuação dos partidos políticos que, tradicionalmente, exercem função de mediação entre a vontade política da sociedade e a do Estado e, nesse momento, assumem uma postura de Estado, e não de representante da sociedade civil, servindo, unicamente, de formação e legitimação da vontade estatal através da vontade popular.
Esse é o principal efeito do Estado Social, de dar resposta às demandas sociais assumindo funções reservadas por competência constitucional ao Legislativo. Nesse panorama o Judiciário ganha nova função – a de dizer, em última instância e de forma especializada, qual o sentido da norma constitucional.
Ademais, o desenvolvimento rápido e incontrolável da cultura, da tecnologia e da sociedade civil faz com que a resposta do Estado seja expressa através do direito e da norma. Como conseqüência direta e grave, tem-se uma infinidade de normas de caráter provisório e temporário. Neste processo, a lei, não mais se originando dos processos democráticos da sociedade civil, passa a representar diferentes motivações e interesses – econômicos e sociais-, tornando-se indispensável a intervenção do Poder Judiciário para firmeza da “segurança jurídica”, trazendo muitas vezes sentido à lei que o caracteriza como um legislador implícito.
O Welfare State se sustenta e se origina com a agenda da igualdade. No entanto, esse tema amplia-se para outros setores culminando com o corporativismo da sociedade atual.
“Exercer, nesse contexto, controle sobre a agenda igualitária e sobre as suas repercussões sociais dependeria, então, de o Poder Judiciário exercer jurisdição sobre a forma de comunicação nelas dominante – que é a do direito –, erigindo-se em um ‘terceiro gigante, capaz de controlar o legislador mastodonte e o leviatanesco administrador. [...] permitindo-lhe invocar o justo contra a lei.”(35)
Esse novo constitucionalismo surgido, principalmente, após a segunda guerra mundial, com a inserção em seu texto de direitos fundamentais e sociais, relativiza o normativismo kelseniano e reacende o debate quanto às disparidades entre o direito e a justiça no momento atual.
3. Direitos fundamentais e políticas públicas: a implementação pelo Poder Judiciário
Inicialmente, com a finalidade de trazer subsídios ao debate proposto, apresenta-se o recente debate no qual provimentos judiciais interferem diretamente em assunto relacionado às Políticas Públicas. Trata-se das decisões judiciais que polemizam quanto às cotas para negros e egressos de escolas públicas em Universidades públicas.
A Universidade Federal do Paraná,(36) em seu vestibular no ano de 2004, optou, valendo-se de sua autonomia administrativa, por reservar 20% das vagas aos afro-descendentes e outros 20% aos egressos de escolas públicas. O Ministério Público Federal, com supedâneo no princípio constitucional da isonomia, propôs Ação Civil Pública,(37) pedindo provimento judicial que impedisse a Universidade de aplicar o referido percentual. Em sede de tutela antecipada, o juiz de primeiro grau deferiu ordem suspendendo o ato administrativo da Universidade Federal. Posteriormente, em pedido de suspensão de execução de liminar, o Tribunal suspendeu a antecipação de tutela deferida.
Em sua manifestação, o Tribunal reconhece que a decisão entra no âmbito, tradicionalmente político e, por isso, de competência do Legislativo e do Executivo, porém, entende se tratar de um fenômeno internacional.(38) E, por fim, reflete a postura imperante ideologicamente no Poder Judiciário e também no órgão do Ministério Público – a idéia e a convicção de que o Poder Judiciário, ainda que intervenha em ações políticas, reflete sempre as aspirações da sociedade da época e da sociedade em que está inserido.(39)
No mesmo sentido, outra decisão(40) do Judiciário negou provimento ao Agravo de Instrumento de uma candidata que, sentindo-se prejudicada pelo sistema de cotas, pedia a anulação da ordem administrativa que havia incluído o sistema no vestibular 2005. Alega o juiz relator que, a partir da Constituição de 1988, o Judiciário deve intervir também para combater desigualdade, e não somente para garantir privilégios, e que a democratização do acesso permite maior igualdade social na medida em que garante o acesso das camadas mais baixas à elite do conhecimento. E, por fim, trata-se de fazer prevalecer uma política pública sobre um interesse particular.
Vê-se claramente que, no caso relatado, o conflito apresentado impõe a decisão diante de dois princípios constitucionais: o princípio da isonomia e o princípio da dignidade humana e garantia do interesse público. Em casos como esses, a decisão tomada não pode ser de forma a tornar efetivo um princípio e invalidar o outro. Deve-se otimizar a aplicação dos princípios em conflito de forma a tornar efetivo, em cada caso concreto, o que deverá prevalecer por critérios de justiça.(41)
Porém, ninguém dúvida da necessidade de tornar o Estado brasileiro mais democrático e com menos desigualdades socioeconômicas. Contudo, a dúvida que surge a partir dessas decisões é quanto à capacidade e à legitimidade do Poder Judiciário para decidir e com critérios decide pela implementação de políticas públicas? Isso porque sabe-se que as estatísticas e os planejamentos administrativos são realizados pela administração pública fundada em diversos critérios, que são, no mais das vezes, ignorados por grande parte dos agentes políticos, quando tomam decisões que resultam em políticas públicas.
A função de governar exige a necessidade de controle, coesão e administração de todas as forças políticas. Seria um equívoco para o Estado democrático desejar que os juízes governassem, seja porque não detêm legitimidade popular, seja porque não dispõem do diálogo necessário com a sociedade para definir as políticas públicas convenientes para cada época.
Porém, ainda assim, restaria uma importante função para o Poder Judiciário. Trata-se da possibilidade de fiscalizar e exigir do Poder Executivo a implementação de políticas públicas as quais se comprometeu e também os direitos sociais assegurados na Constituição Federal de 1988. Importante frisar, contudo, que o ativismo judicial não pode, de qualquer forma, adentrar no espaço do planejamento e da conveniência de qual política pública deverá ser implementada em cada tempo. Isso porque não representa a sociedade civil para esse fim e estaria deturpando suas funções institucionais e pondo em risco o sistema democrático.
Não há que se olvidar que, dos contornos dados à Constituição Federal de 1988, os juízes são, em última análise, os únicos intérpretes e responsáveis por definir os limites de suas atuações.
“A fixação dos limites à própria jurisdição representa, nesse contexto, uma das mais graves funções outorgadas ao Poder Judiciário. A busca da plena normatividade constitucional não pode significar o rompimento do delicado equilíbrio necessário à democracia. Um governo de juízes, neste sentido, em nada difere de um governo aristocrático, pois o regime democrático não se coaduna com a concentração extremada de poder político junto a um único órgão.”(42)
Deve-se ter sempre em vista que a função primordial do Poder Judiciário é o controle dos demais Poderes impondo a implementação das políticas públicas previstas na constituição. Contra argumentos econômicos, financeiros ou sociais, não cabe qualquer discurso racional e jurídico, por isso, tornam-se sem critérios válidos as decisões judiciais, ainda que se justifiquem por argumentos políticos e sociais.(43)
Após a queda do modelo de Estado legalista, caracterizado pela prevalência do Poder Legislativo, e o surgimento dos Estados constitucionais, o Poder Executivo ganha maior espaço colocando-se como controlador da atividade do executivo e do legislativo – sempre adequando suas atuações ao texto constitucional.
Dentro dessa nova perspectiva, para Cappelletti,(44) o Poder Judiciário se vê, invariavelmente, diante de duas alternativas: permanecer fiel à concepção tradicional nos limites da função jurisdicional ou elevar-se ao nível dos demais poderes, tornando-se o terceiro gigante, em condições de controlar o legislativo e o executivo.
A primeira opção lhe garante a confortável atuação formal na repressão à violação dos direitos individuais e na repressão à criminalidade, negando sua vertente política. A escolha pela segunda opção faz o Judiciário assumir uma postura política, ultrapassando o nível tradicional de resolução de conflitos de natureza privada.
Essa segunda opção presente no Poder Judiciário leva a outro problema das sociedades atuais. Uma das conseqüências do Welfare State é a massificação. As sociedades construídas após o modelo de Estado gerado pelo Welfare State caracterizam-se especialmente por trazerem conflitos sociais que envolvem grande número de pessoas, muito freqüentemente, ligados a problemas econômicos, financeiros e de consumo. É preocupação freqüente a criação de ações coletivas(45) ou modelos processuais de tutela desses direitos meta- individuais ou coletivos, em condições a garantir a isonomia na relação processual e a igualdade de armas da sociedade frente a grandes grupos econômicos.
Porém, trata-se de situações recentes no sistema jurídico, e, portanto, os meios processuais e de direito material disponíveis ainda carecem de consolidação. Ademais, via de regra, esses direitos estão previstos em normas programáticas que não são auto-aplicáveis, forçando que a magistratura defina seu real alcance: “pela razão de que tais leis e direitos freqüentemente são muito vagos, fluidos e programáticos, mostra-se inevitável alto grau de ativismo e criatividade do juiz chamado a interpretá-los.”(46) Esse é o eixo substancialista, que coloca a imagem do juiz como uma nova intelligentzia,(47) responsável por declarar e efetivar dentro do direito princípios já admitidos no seio da sociedade.
No entanto, é importante considerar a crítica da doutrina procedimentalista, capitaneada principalmente por Habermas(48) e Garapon,(49) para os quais a invasão da política pelo Estado conduz para cidadão-cliente, que se mantém de forma passiva diante do Estado, aguardando suas concessões e reduzindo, neste caso, o espaço da liberdade. Esse é o preço de conduzir a efetividade dos direitos sociais pela força impositiva do Estado, e não pela manifestação ativa da cidadania, o que se espera num regime democrático e para uma cultura cívica saudável. “A igualdade somente daria bons frutos quando acompanhada por uma cidadania ativa, cujas práticas levassem ao contínuo aperfeiçoamento dos procedimentos democráticos, pelos quais o direito deveria zelar, abrindo a todos a possibilidade de intervenção no processo de formação da vontade majoritária.”(50)
Para o eixo procedimentalista, o agigantamento do Poder Judiciário não é resultado somente da facilidade de acesso ao sistema, mas representa também a incompetência do sistema político para dar resposta aos problemas atuais da sociedade. O Poder Judiciário é colocado como substituto do Estado diante da necessidade de igualdade e a da ineficiência das instituições políticas em prover essa carência.
A realidade atual da jurisdição demonstra um crescimento cada vez maior da intervenção do Poder Judiciário em áreas tradicionalmente afetas à política. Os resultados dessa transformação de paradigma do direito ainda são desconhecidos. Cabe apenas apontar algumas vicissitudes desse novo modelo de controle político e social que se instala atualmente.
4. Considerações finais
Na discussão lançada, denotam-se as transformações e incertezas que invadem o novo paradigma de atuação do Poder Judiciário. Com o advento do Estado Social em contraposição ao Estado legalista, o Judiciário ganhou nova imagem e nova função: garante dos direitos assegurados constitucionalmente e responsável pela eficácia dos princípios e critérios de justiça insertos no texto constitucional.
Na necessidade de cumprir com sua função institucional de promover a eficácia dos princípios constitucionais, o Judiciário assumiu postura notadamente política. Com isso, vem interferindo diretamente em assuntos tradicionalmente afetos aos Poderes Executivo e Legislativo, determinando e avaliando a necessidade de implementação de políticas públicas.
É o rompimento do modelo democrático clássico de participação política do cidadão através do pleito em momentos esporádicos, bem como, do Judiciário como instituição responsável unicamente pela aplicação da norma e fiscalizador das ações de poderes com funções claramente distintas.
Por outro lado, a intervenção excessiva do Judiciário nos demais poderes traz como conseqüência o agigantamento de seus poderes e a concentração de forças numa única esfera, empobrecendo a democracia e comprometendo a cidadania ativa.
Essa é a crÍtica da doutrina procedimentalista, que aponta para transformação em uma cidadania ativa, com participação política e de formação cívica, para construção de um cidadão-cliente e dependente das concessões e privilégios estatais. A luta sem critérios pela promoção da igualdade dentro do Estado conduzido pelo Poder Judiciário provoca, por outro lado, um comprometimento da liberdade.
Essas são apenas algumas das características presentes dentro dos Estados Sociais e constitucionais, com alta intervenção do Poder Judiciário. Longe de lançar calmaria ao debate, verifica-se o início de uma pungente discussão que pretende redefinir os conceitos da teoria política constitucional e do novo paradigma do direito em busca da maior eficácia possível das garantias constitucionais sem comprometimento dos princípios de liberdade.
Referências Bibliográficas
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Notas
1. Segundo a Filosofia Política dominante, a expressão “Estado” foi criada por Maquiavel em sua obra “O Príncipe”, porém seu conceito somente se assentou mais tarde com elementos da seara jurídica.
2. “A idéia de grandeza, majestade e sacralidade da soberania coroava a cabeça do príncipe e levantava as colunas de sustentação do Estado Moderno, que era Estado da soberania ou do soberano, antes de ser Estado da Nação ou do povo.” BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. 5 ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 30
3. BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. p. 35
4. BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. p. 36
5. Tomamos como referência a classificação histórica apresentada por Bonavides. Contudo, o Autor divide as fases do Estado constitucional em três períodos, acrescendo, além daqueles já indicados, o Estado constitucional da Democracia participativa (Estado Democrático-Participativo), pretendendo a efetividade do direito fundamental à democracia, que no entanto, não será objeto de estudo neste trabalho. Bonavides define o Estado Democrático-Participativo, como sendo “[...] o Estado onde se busca levar a cabo, em proveito da cidadania/povo e da cidadania/Nação, concretamente dimensionadas, os direitos da justiça, mediante um Constitucionalismo de normas indistintamente designadas como principiais, principais, principiológicas ou de princípio.” BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. p. 48
6. “A Filosofia política, expendida em livros do quilate do Contrato Social de Rousseau ou do Espírito das Leis de Montesquieu, teve na época sentido altamente subversivo, porquanto, inspirando a ação revolucionária, traçou a linha mestra das mutações profundas da sociedade. Foi, sobretudo, o breviário do novo credo, a cartilha por onde rezaram os constituintes de 1791 e 1793, depois de escreverem, iluminados das lições de tão sábios preceptores, a célebre Declaração dos Direitos do Homem.” BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. p. 38
7. “El primer modelo es el fruto de la revolución que se produjo con el nacimento del estado moderno como monopolio de la producción jurídica y con la afirmación del principio de legalidad como norma de reconocimiento del derecho existente.” FERRAJOLI, Luigi, Positivismo crítico, derechos y democracia. Disponível em: Acesso em: 10 abr 2006.
8. Nesse modelo de Estado, trata-se ainda, os conceitos de validade e vigência, num sentido puramente formal, conforme se verá mais adiante.
9. BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado.p. 44/45
10. “Según la concepción prevaleciente entre los máximo teóricos del derecho – de Kelsen a Hart y Bobbio – la <> de las normas se identifica, sea cual fuere su contenido, con su existencia: o sea, con la conformidad com las normas que regulan su producción y que tambíen pertencen al mismo.” FERRAJOLI, Luigi. Derechos y garantias: la ley del más débil. Trad. Andrés Ibáñez y Andréa Greppi. Madrid: Trotta, 2001. p.19
11. “En efecto, el sistema de las normas sobre la producción de normas – habitualmente establecido, en nuestros ordenamientos, com rango constitucional – no se compone solo de normas formales sobre la competencia o sobre los procedimientos de formación de las leyes. Incluye también normas sustanciales, como el principio de igualdad y los derechos fundamentales, que de modo diverso limitan y vinculam al poder legislativo excluyendo o imponiéndole determinados contenidos. Así, una norma – por ejemplo, una ley que viola el principio constitucional de igualdad – por más que tenga existência formal o vigência, pude muy bien ser inválida y como tal suscptible de anulación por contraste con una norma sustancial sobre su producción.” FERRAJOLI, Luigi. Derechos y garantias: la ley del más débil. p.19/20
12. ATIENZA, Manuel; FERRAJOLI, Luigi. Jurisdiccion y argumentación en el Estado constitucional de derecho. México: Instituto de Investigaciones Jurídicas, 2005. p.88
13. “Estado de Bem-estar é o produto da reforma do modelo clássico de Estado Liberal que pretende superar as crises de legitimidade que este possa sofrer, sem abandonar sua estrutura jurídico-política. Caracteriza-se pela união da tradicional garantia das liberdades individuais com o reconhecimento, como direitos coletivos, de certos serviços sociais que o Estado providencia aos cidadãos, de modo a proporcionar iguais oportunidades a todos.” CRUZ, Paulo Márcio. Política, Poder, Ideologia e Estado Contemporâneo. Florianópolis: Diploma Legal, 2001. p. 207
14. VIANNA, Luiz Werneck (et. al.). A judicialização da política e das relações sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999. p. 16/17.
15. “Rígida é a constituição somente alterável mediante processos, solenidades e exigências formais especiais, diferentes e mais difíceis.” SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 40.
16. “Este ámbito de lo ‘no decidible’– el ‘qué’ no és licito decidir (o decidir) – no es sino lo que en las constituciones democráticas se convino sustrair a la voluntad de la mayoría. En cualquier convención democrática a dos cosas que se deben sustraer a las decisiones de la mayoria, porque son condiciones de la vida civil e razones del pacto de convivência: [...] la tutela de los derechos fundamentales, empezando por la vida y la libertad [...]”.ATIENZA, Manuel; FERRAJOLI, Luigi. Jurisdiccion y argumentación en el Estado constitucional de derecho. México: Instituto de Investigaciones Jurídicas, 2005. p. 96.
17. Princípios constituem em mandados de otimização, com forte carga valorativa e ética, via de regra, derivados de opções políticas que os colocam como direção a seguir. A direta ligação entre princípios e valores é facilmente reconhecida segundo Alexy, “por una parte, de la mima manera que puede hablarse de una colisón de principios y de una ponderación de principios, puede también hablarse de una colisión de valores y de una ponderación de valores; por outra, el cumplimiento gradual de los princípios tiene su equivalente em la realización gradual de valores.” ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales. Madri: Centro de Estúdios Constitucionales, 1993. p. 138.
18. “Los derechos del ciudadano frente al Estado a acciones negativas del Estado (derechos de defensa) pueden dividirse en tres grupos. El primero está constituído por derechos a que el Estado no impida u obstaculice determinadas acciones del titular del derecho; el segundo, por derechos a que el Estado no afecte determinadas propiedades o situaciones del titular del derecho; y tercero, por derechos a que el Estado no elimine determinadas posiciones jurídicas del titular del derecho.” ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales. p. 189.
19. SINGER, Paul. A cidadania para todos. In PINSKY, Jaime; PINSKY, Carla Bassanezi (orgs.). História da Cidadania. São Paulo: Ed. Contexto, 2003. p. 240
20. VIANNA, Luiz Werneck (et. al.). A judicialização da política e das relações sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999. p. 17.
21. Em alguns países, a conquista de direitos sociais foi impulsionada por revoluções ou movimentos políticos, fundados nas classes trabalhadoras do campo e das cidades. Um desses eventos foi a Revolução Mexicana (1910-1917), [...], culminando com a Constituição de 1917, que poderia rivalizar com a de Weimar em termos de direitos políticos e sociais. [...]. Algo semelhante ocorreu no Brasil, após a vitória do movimento armado de 1930, que ensejou nos anos seguintes o reconhecimento legal dos sindicatos (postos, no entanto, sob tutela e controle do Estado), institui seguros obrigatórios contra a velhice e a invalidez e, a partir de 1940, salários mínimos para as diferentes regiões do país. SINGER, Paul. A cidadania para todos. In PINSKY, Jaime; PINSKY, Carla Bassanezi (orgs.). História da Cidadania. São Paulo: Ed. Contexto, 2003. p. 240.
22. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 84.
23. VIANNA, Luiz Werneck (et. al.). A judicialização da política e das relações sociais no Brasil. p. 38.
24. A observação é feita por BONAVIDES e ANDRADE, segundo os quais, a constatação de inexistência de ruptura é apenas aparente, “porquanto, se a Carta Magna não foi precedida de um ato de independência, como a Carta Política do Império, de 1824, ou da queda de um império, como a de 1891, ou do fim de uma república oligárquica – a chamada Pátria Velha carcomida, posta abaixo pelas armas liberais da Revolução de 1930 – como a Constituição de 1934, ou da ruína de uma ditadura e dissolução do Estado Novo, como a de 1946, ou até mesmo de um golpe de Estado que aniquilou com um violento ato institucional uma república legítima, qual o fez a de 1967, nem por isso a ruptura deixa de ser a nota precedente do quadro constituinte instalado em 1987, visto que ela se operou na alma da Nação, profundamente revelada contra o mais longo eclipse das liberdades públicas; [...]”. BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História constitucional do Brasil. 3. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991. p. 451.
25. “Ethica; Em geral, a ciência da conduta. Existem duas concepções fundamentais dessa ciência: 1ª a que considera como ciência do fim a que a conduta dos homens se deve dirigir e dos meios para atingir tal fim; e deduz tanto o fim quanto os meios da natureza do homem; 2ª a que a considera como a ciência do móvel da conduta humana e procura determinar tal móvel com vistas a dirigir ou disciplinar a mesma conduta.” ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Trad. Alfredo Bosi. São Paulo: Mestre Jou, 1970. p. 360.
26. “O uso filosófico do termo começa só quando o seu significado é generalizado para indicar qualquer objeto de preferência ou escolha; e isso aconteceu pela primeira vez com os Estóicos os quais introduziram o termo no domínio da ética e chamaram valor os objetos das escolhas morais.” ABBAGNANO, Nicola. (1970) p. 952.
27. “Assim Hans Kelsen chamou a sua doutrina formalista do direito e do Estado.” ABBAGNANO, Nicola. (1970) p. 746
28. BARROSO, Luis Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro (pós modernidade, teoria crítica e pós-positivismo) in BARROSO, Luis Roberto (org.). A nova interpretação Constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 30.
29. “[...] por una parte, de la mima manera que puede hablarse de una colisón de principios y de una ponderación de principios, puede también hablarse de una colisión de valores y de una ponderación de valores; por outra, el cumplimiento gradual de los princípios tiene su equivalente en la realización gradual de valores.”ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales. p. 138.
30. Importante lembrar, que os Estados atuais são gerados do modelo de separação dos poderes em certa medida segundo os moldes da teoria de Montesquieu. Contudo, essa separação rígida de poderes, após a crise dos Estados legalistas pelo constitucionalismo tem se tornado tênue e muitas vezes impossível de ser identificada.
31. “A adoção de um modelo judicial ancorado num suposto realismo judiciário – sob o argumento de que, se cabe aos juízes decidir sobre o conteúdo da Constituição, também lhes cabe governar – é inaceitável em um regime democrático, pois significa render graças ao ‘império da força bruta’”. APPIO, Eduardo. Controle Judicial das Políticas Públicas no Brasil. Curitiba: Juruá, 2005.p. 20.
32. “O debate acerca do conteúdo da Constituição brasileira de 1988 gravita em torno de um tema central: o conflito entre direitos individuais baseados no respeito à vontade humana e uma concepção comum e solidária de justiça. Neste contexto, o caráter desagregador dos direitos estritamente individuais – que alcançaram seu ápice com o Estado Liberal do final do século XIX – passa a ser confrontado com a natureza solidarista de uma concepção judicial sobre a justiça, com o escopo de assegurar harmonia no grupo social. APPIO, Eduardo. Controle Judicial das Políticas Públicas no Brasil. p. 25.
33. APPIO, Eduardo. Controle Judicial das Políticas Públicas no Brasil. p. 28.
34. VIANNA, Luiz Werneck (et. al.). A judicialização da política e das relações sociais no Brasil. p. 20.
35. VIANNA, Luiz Werneck (et. al.). A judicialização da política e das relações sociais no Brasil.p. 21.
36. A Universidade lançou o Edital n. 01/04-NC, que previu a reserva de vagas para negros e egressos de escolas públicas, baseada em critérios de raça e capacidade financeira.
37. Suspensão de execução de liminar n. 2004.04.01.054675-8/PR, que tramitou no Tribunal Regional Federal da 4 Região, Rel. Des. Vladimir Freitas.
38. “Por outro lado, não deixo sem registro que esta decisão acaba por definir política de educação superior, tarefa que não se situa exatamente entre as do Poder Judiciário. Todavia, a provocação do Judiciário em temas que tais constitui fenômeno internacional. Cada vez mais os juízes vêem-se em situação de decidir assuntos de grande interesse público.” Autos n. 2004.04.01.054675-8/PR, TRF 4. Des. Vladimir Freitas.
39. “Nesta linha, faço minhas as palavras de Benjamin Cardozo, um dos maiores Juízes da Suprema Corte norte-americana e grande estudioso do chamado ativismo judicial, ao dizer que meu dever como juiz deve ter como objetivo a lei, não as minhas aspirações e convicções filosóficas, mas sim as aspirações e convicções filosóficas do homem e da mulher do meu tempo.” Autos n. 2004.04.01.054675-8/PR, TRF 4. Des. Vladimir Freitas.
40. Decisão prolatada no Agravo de Instrumento n. 2005.04.01.022897-2/PR, Des. Luiz Carlos de Castro Lugon. Tribunal Regional Federal da 4 Região.
41. Para aprofundamento do tema sobre a resolução de conflito de regras e princípios recomendamos a leitura de ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales. Madri: Centro de Estúdios Constitucionales, 1993.
42. APPIO, Eduardo. Controle Judicial das Políticas Públicas no Brasil. p. 71.
43. “[...] na realidade brasileira o que se observa é um desrespeito acentuado das regras do jogo quando se trata de resolver o paradoxo economia x direito. Atualmente, em nome do atendimento a determinados fins econômicos, cada vez mais instala-se, na realidade brasileira, uma ‘lógica de emergência’que, para todos os efeitos, atenderia a uma suposta ‘verdade’: a de que todos os males da sociedade brasileira residem no tamanho e no custo do Estado. E na busca da demolição do Estado, instala-se essa lógica da racionalidade (direitos deduzidos de direitos). OLIVEIRA JR. José Alcebíades de. Politização do Direito e Juridicização da Política. Revista Seqüência. Florianópolis, n. 32, ano XVII. P. 9-14, jul 1996. p. 12 citado por APPIO, Eduardo. Controle Judicial das Políticas Públicas no Brasil. Curitiba: Juruá, 2005.p. 72/73.
44. CAPPELLETTI, Mauro. Juízes Legisladores? Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1993. p. 47.
45. Class actions e public interest litigation nos Estados Unidos, actions coletives e Verbandsklagen na França, Bélgica, Alemanha.
46. CAPPELLETTI, Mauro. Juízes Legisladores? p. 60.
47. Idéia presente na obra: DWORKIN, Ronald. O Império do Direito.São Paulo: Martins Fontes, 1999.
48. HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia – entre validade e facticidade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.
49. As principais idéias da proposta analítica procedimentalista de Garapon, encontram-se em sua obra GARAPON, Antoine. Le Gardien de Promesses. Paris: Odile Jacob, 1996.
50. VIANNA, Luiz Werneck (et. al.). A judicialização da política e das relações sociais no Brasil. p. 23.
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