Análise da Resolução Nº 1/86 Conama sob perspectiva da avaliação ambiental estratégica(1)

Autora: Marga Inge Barth Tessler
Desembargadora Federal do TRF da 4ª Região
Publicado na Edição 16 - 23.02.2007

Sumário: Introdução. 1 A Avaliação do Impacto Ambiental. 2 Avaliação Estratégica. 3 As limitações da Avaliação de Impacto Ambiental. 4 O Conama e a Resolução nº 1/86. 5 Avaliação Ambiental Estratégica. 6 A importância dos órgãos encarregados de formular políticas e assessorar a tomada de decisão. 7 Licenciamentos e pendências judiciais. Conclusão.

Introdução

O presente estudo tem a intenção de colaborar na reflexão sobre o licenciamento ambiental, a evolução de seus instrumentos, desde a avaliação de impacto ambiental até a idéia de avaliação ambiental estratégica.

Sem a pretensão de esgotar a matéria, a Resolução nº 1/86 Conama será examinada sob o ponto de vista da estratégia ambiental, bem como dos princípios ambientais inspiradores do instrumento. O estudo de impacto ambiental é instrumento preventivo e controlador, imposto pelas exigências sociais que agora reclamam que seja também estratégico.

O licenciamento ambiental é ato administrativo de extrema relevância. A Lei nº 6.938/1981, que trata da Política Nacional do Meio Ambiente, previu-o no artigo 9º, inciso IV: “o licenciamento e a revisão de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras”. Já o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) também é um dos instrumentos de Política Nacional do Meio Ambiente (art. 9, inc. III, da Lei nº 6.938/81), é um procedimento público que pode ser exigido para o licenciamento de atividades quando haja possibilidade de significativa degradação do meio ambiente. Foi constitucionalizado pelo artigo 225, § 1º, inciso IV, da Constituição Federal de 1988.

Com o Estudo de Impacto Ambiental (EIA), são colhidos os elementos e feita a avaliação sobre o impacto ambiental que poderá resultar da obra ou atividade pretendida. Servirá de base para o deferimento ou indeferimento do licenciamento.

As conclusões do EIA/Rima seriam vinculantes para a administração? Penso que tudo depende do caso concreto, da espécie de atividade, etc. Trata-se de atividade administrativa em que existe forte elemento discricionário (não-arbitrário). Mesmo que o EIA/Rima conclua que os impactos não são relevantes, a autoridade que tem a incumbência de decidir poderá, mediante consistente fundamentação, com aporte de elementos técnico-científicos outros, deixar de autorizar a obra ou atividade. O EIA/Rima favorável não confere direito líquido e certo ao empreendedor. Por outro lado, quando o empreendedor obtém o licenciamento mediante processo regular, ele está de boa-fé, sendo que, em exame preliminar, prevaleceria a higidez do ato de licenciamento. Na minha opinião, o ato de licenciamento não se encaixa perfeitamente nas categorias rígidas do Direito Administrativo clássico, tradicional.

1. A avaliação do impacto ambiental

Um dos objetivos da Avaliação de Impacto Ambiental é o de verificar a viabilidade ambiental de projetos e atividades. Segundo Viola e Leis,(2) a introdução da avaliação de impacto ambiental foi iniciada nos Estados Unidos com um forte apelo burocrático, a estratégia burocrática constitui-se em dar uma forma aos objetivos da política ambiental.

Luis Enrique Sánchez(3) lembra que em boa parte dos países em que foi implantada, a avaliação de impacto ambiental surgiu da iniciativa de técnicos e foi progressivamente incorporada aos procedimentos existentes. Em todos os países houve um período de aprendizado em que os objetivos do instrumento foram divulgados juntamente com os procedimentos para colocá-los em prática.

Helita Barreira Custódio(4) salienta que mesmo antes da Lei nº 6.938/1981, que estabeleceu a Política Nacional do Meio Ambiente, o instrumento já era previsto implicitamente no Estatuto da Terra, Lei nº 4.504/1964, artigo 2º, § 1º, e artigo 18; no Código Florestal, Lei nº 4.771/1965, diversos artigos; e na Lei nº 6.830/1980, que estabeleceu diretrizes básicas para o zoneamento industrial.

Foi necessário um aprendizado de como fazer uma avaliação de impacto ambiental. Uma das características da fase inicial é a enorme demanda por metodologias de avaliação geralmente entendidas nas palavras de Sánchez como “receitas de bolo”. A característica no Brasil é que a avaliação de impacto ambiental está ligada ao procedimento de licenciamento ambiental, ou seja, a Avaliação é uma etapa do licenciamento. O vínculo seria tão forte que a aprovação da licença ambiental se confunde com a aprovação do EIA/RIMA quando não existe elo conceitual obrigatório entre ambos. Um estudo de impacto ambiental ótimo poderá levar ao indeferimento do pedido de licenciamento, diante da magnitude dos impactos previstos. Segundo Sánchez, a avaliação de impacto ambiental só pode ser considerada um instrumento eficiente de política ambiental se desempenhar quatro papéis adicionais: 1º) instrumento de concepção de projeto e planejamento; 2º) instrumento de ajuda à decisão; 3º) instrumento de negociação; e 4º) instrumento de gestão ambiental.

A avaliação de impacto ambiental vista como instrumento é entendida como uma atividade de caráter técnico-científico, cujo escopo é identificar, prever e avaliar as conseqüências sobre o meio ambiente de projetos de desenvolvimento, planos, programas e atividades. Essa visão inspirou a edição da Resolução nº 1/86 Conama.

Registra-se que muitos empreendedores consideram intolerável entrave burocrático a realização da avaliação de impacto ambiental, inclusive o próprio governo realizou apelos para acelerar o processo de licenciamento ambiental(5) que, no seu artigo 1º, considerou impacto ambiental qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia. No artigo 3º submete a elaboração do EIA exemplificativamente diversas atividades, tais como: estradas de rodagem, ferrovias, postos, aeroportos, obras hidráulicas, etc.

2. Avaliação estratégica

Algumas considerações sobre a avaliação estratégica precisam ser feitas.

Segundo Paulo Roberto Motta,(6) “pensar estrategicamente é voltar-se para o futuro, produzir análises inusitadas sobre o presente, conscientizar-se de fatores críticos e, principalmente, questionar atuais decisões. A reflexão estratégica pressupõe a sabedoria do pensamento sistematizado, da consulta, da participação e das análises”.

Sobre o tema reúnem-se ainda as seguintes definições:

“Planejamento estratégico é o processo de desenvolver a estratégia – a relação pretendida da organização com seu ambiente. O processo de planejamento estratégico compreende a tomada de decisões que afetam a empresa por longo prazo, especialmente decisões sobre produtos e serviços que a organização pretende oferecer e os mercados e clientes que pretende atingir.(7)

O planejamento estratégico fundamenta-se num pensamento que sintetiza e envolve intuição e criatividade, para oferecer uma visão perspectiva e futura do empreendimento objetivado, contando com a participação dos atores, com suas interações e aprendizagens.(8)

Os planos que se aplicam à organização inteira, que estabelecem os objetivos globais e que buscam posicioná-la em termos de seu ambiente, são chamados de planos estratégicos.”(9)

A idéia de estratégia foi trazida aos estudos de Administração Gerencial para lidar com o alto grau de incerteza, característica do ambiente empresarial na atualidade. O produto do planejamento estratégico são estratégias e resultados compatíveis com a missão, a visão, os objetivos da instituição. Existe para dar um sentido de direção, e não para implantar ou incrementar mais atividade burocrática. Trata-se de uma visão ampla, ampliando o horizonte temporal de atuação, sendo atividade contínua e sistemática.

Na definição do futuro não se perspectiva um só, mas futuros alternativos, futuros possíveis. Os instrumentos de análise são uma combinação de métodos qualitativos e quantitativos. A avaliação e o controle não são ocasionais, episódicos, mas permanentes, como forma de corrigir os cursos de ação.

Introduzida a idéia central do que se entende por estratégia e planejamento estratégico, vamos verificar como o conceito se reflete no campo do direito ambiental e da avaliação ambiental, para que a avaliação seja, enfim, estratégica.

3. As limitações da avaliação de impacto ambiental

Na década de sessenta, as ações públicas e privadas eram avaliadas em vista de parâmetros técnicos e econômicos sempre com o escopo de maximizar os resultados esperados. Segundo Aparecida Oliveira e Manuel Bursztyn,(10) a implementação do processo de avaliação do impacto ambiental iniciou-se por pressões dos organismos multilaterais de financiamento como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) que passaram a exigir a avaliação do impacto ambiental para financiar projetos. A primeira avaliação de impacto ambiental foi realizada em 1972 na barragem de Sobradinho no Nordeste brasileiro.

Segundo os mesmos autores, a avaliação de impacto ambiental apresenta limitações, quais sejam: ausência de um órgão semelhante ao Conselho de Qualidade Ambiental americano, ausência de estudos para prever a poluição resultante de desajustes econômicos posteriores com o local de implantação, inexistência histórica de tratamento de equipes multidisciplinares, situações precárias dos órgãos ambientais estaduais, participação do público insuficiente, sobreposição de interesses políticos às conclusões contidas no EIA/Rima, produção de documentos inadequados, ausência de diretrizes e manuais, falta de recursos humanos qualificados, aplicação desnecessária do procedimento.

Para superar o elenco de limitações e aumentar a efetividade do instrumento, surge a perspectiva da Avaliação Ambiental Estratégica (AAE).(11) A Avaliação Ambiental Estratégica, segundo Therivel e Partidário,(12) citados por Aparecida de Oliveira e Marcel Bursztyn, pode ser definida como sendo “o procedimento formalizado, sistemático e amplo de avaliação dos efeitos ambientais de uma política, plano ou programa e de suas alternativas, e que inclui a preparação de um relatório escrito sobre as informações obtidas na avaliação, e o uso dessas informações na tomada de decisão”.

Percebe-se que a avaliação ambiental estratégica está fortemente relacionada à dimensão do sentido das políticas públicas, planos ou programas sempre para assegurar que o componente, o reflexo ambiental, esteja devidamente considerado ao lado das facetas econômicas e sociais. Não deve ser tomada como uma simples evolução do instrumento de avaliação do impacto ambiental, mas como um instrumento capaz de, dentro do processo de tomada de decisão, assegurar a integração das questões ambientais em uma perspectiva muito mais ampla e de longo prazo, propiciando o desenvolvimento sustentável. Poder-se-ia dizer que a idéia de avaliação ambiental estratégica é uma dimensão do paradigma sistêmico,(13) em que todo o plano, projeto, programa, atividade, influi no sistema.(14) A seguir, veremos que a Resolução nº 1/86 já contemplava dispositivos com abertura para a avaliação ambiental estratégica.

4. O Conama e a Resolução nº 1/86(15)

O Conama, órgão criado pela Lei nº 6.938/1981, artigo 6º, inciso II, com a redação dada pela Lei nº 8.028/1990, foi instituído justamente para ser o órgão colegiado consultivo e deliberativo, com a missão de assessorar, estudar, propor diretrizes e políticas governamentais ao Conselho do Governo, para o meio ambiente os recursos naturais, e também deliberar, no âmbito de sua competência sobre normas e critérios para o licenciamento de atividades efetiva e potencialmente poluidoras, sobre normas e padrões compatíveis com o meio ambiente ecologicamente equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida. Vê-se, assim, já na sua origem um potencial estratégico acentuado.

A Resolução Conama nº 1/86, para efeito de estabelecer definições, responsabilidades, critérios básicos e diretrizes gerais para a implementação da Avaliação de Impacto Ambiental, destacou a proteção da saúde, segurança e bem-estar da população, as atividades sociais e econômicas, a biota, as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente e a qualidade dos recursos ambientais, submetendo ao licenciamento exemplificativamente as seguintes atividades: estradas de rodagem, ferrovias, portos, terminais de minérios, petróleo, produtos químicos, ferrovias, aeroportos, oleodutos, gasodutos, esgotos sanitários, linhas de transmissão de energia elétrica, usinas, aterros sanitários, distritos industriais, exploração de madeira, projetos urbanísticos acima de 100 ha. Verifica-se que o rol de atividades é extenso. O Professor Paulo Affonso Leme Machado(16) salienta que a Resolução Conama nº 1/86 é muito bem elaborada para os propósitos perseguidos. A rigor contemplou precursoramente aspectos estratégicos, como se observa no artigo 5º, inciso IV, ao determinar a consideração dos planos e programas governamentais propostos e em implantação na avaliação de impacto ambiental, isto é, o empreendimento que se pretendia licenciar deveria estar afinado, e não em contrariedade com os programas e planos governamentais.

O artigo 225, inciso IV, da Constituição Federal de 1988, que sobreveio à Resolução Conama nº 1/86 no lapso de dois anos, constitucionalizou a exigência da avaliação de impacto ambiental, o que tornou o instrumento muito mais significativo e importante. Foi a primeira Constituição a fazê-lo, trazendo a avaliação de impacto a pressuposto constitucional de efetividade do direito ao ambiente sadio.

Nos dizeres do Professor Paulo Affonso Leme Machado, a Resolução nº 1/86 não difere substancialmente das regras existentes na Comunidade Européia. Para Álvaro Luiz Valery Mirra,(17) há verdadeira presunção de que as atividades elencadas na Resolução são potencialmente causadoras de significativa degradação do meio ambiente, cabendo ao empreendedor a prova em sentido contrário.

No artigo 5º verificamos que são lançadas as diretrizes gerais, destaco no item 1, a obrigatoriedade de confrontar-se o projeto com a hipótese de não-execução do mesmo, o que efetivamente não ocorre na prática. É muito raro, pelo menos nas questões judicializadas, que haja o exame da hipótese de não-realização do empreendimento.

As questões práticas oferecem dificuldades sem dúvida indescritíveis e difíceis de antecipar.

A propósito das dificuldades, destaco a lição de Cristiane Derani(18) no sentido de que a aplicação do instrumento de Avaliação de Impacto Ambiental é fundamentalmente dependente do conhecimento, e essa questão freqüentemente ultrapassa o âmbito científico, chegando, em última análise, à dependência de uma opção política.

Arremata a citada autora que a prática de Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) apresenta um problema delicado: o de decidir exatamente sobre aquilo que deve ser preservado.

Continuando no exame da Resolução nº 1/86, verifica-se que no item IV deve ser considerada a inclusão do projeto em exame nos planos e programas governamentais propostos e em implantação na área de influência do projeto. Ressaltamos o que já foi antecipado, a Resolução nº 1/86 tinha perspectiva estratégica.

Esse detalhe revela que o órgão licenciador, à luz da Resolução nº 1/86, já estava obrigado a lançar os olhos um pouco além dos limites estritos do objeto da avaliação, denotando uma atitude estratégica, com preocupação nas interações e no princípio da totalidade.

No artigo 6º verificamos sobre a obrigatoriedade de desenvolver, no mínimo, as atividades técnicas que são relacionadas, mostrando-se que a Resolução nº 1/86 tentava se afeiçoar ao paradigma sistêmico. Aqui, procurou aproximar-se da visão interdisciplinar.

Na sucessão de normativas, destacamos a Resolução nº 237/97, que é comentada pelo Professor Paulo Affonso,(19) o qual de pronto afasta qualquer tentativa de interpretação que leve a um retrocesso. Entre outras, destaca a que imputa ao empreendedor a responsabilidade objetiva civil, penal e administrativa por qualquer omissão ou falha na Avaliação de Impacto Ambiental (AIA).

Buscou a Resolução nº 237/97 uma melhoria contínua, procurando ser um instrumento de gestão ambiental, introduzindo a idéia de revisão no sistema de licenciamento, com melhor definição de critérios e divisão de competências. Mereceu críticas da doutrina, mas encerra aspectos positivos, embora não se registre um avanço em direção da ampliação do espectro da avaliação ambiental, aspecto que é sinalizador do elemento estratégico.

5. Avaliação ambiental estratégica

Segundo Egler,(20) uma das principais deficiências da avaliação de impacto ambiental (AIA) é que o processo tende a ocorrer muito tarde no caminho do planejamento de um empreendimento. Não há consideração em relação aos impactos cumulativos, sinergéticos, ancilares, regionais e globais, então, tem-se defendido o uso da AAE (Strategic Environmental Assessment – SEA) que é definida como um processo de avaliação ambiental para políticas, planos e programas (PPPs).

Segundo Sadler e Verheem,(21) a “AAE é um processo sistemático para avaliar as conseqüências ambientais de uma política, plano ou programa, de forma a assegurar que elas sejam integralmente incluídas e apropriadamente consideradas no estágio inicial do processo de tomada de decisão,(22) juntamente com as considerações de ordem econômicas e sociais”. Para Lima,(23) a AAE é um instrumento de planejamento público e privado que faculta a incorporação da dimensão ambiental de modo formal e sistemático no planejamento setorial e regional do processo de desenvolvimento.

De acordo com a doutrina citada, três tipos de ações se prestam ao tratamento mediante a AAE:

1º) as PPPs setoriais de energia e transporte;

2º) as PPPs relacionadas ao uso do território qualquer que seja o projeto;

3º) políticas e ações que não necessariamente se introduzem por projetos, mas que podem ter impactos significativos (v.g. política de incentivos, créditos).(24)

Há duas razões principais para inserir a AAE na agenda política e ambiental, quais sejam:

1ª) capacidade que tem o instrumento para superar as deficiências técnicas do AIA;

2ª) a natureza próativa do AAE ao invés da natureza reativa do AIA.

O instrumento dá conta de impactos aditivos, de impactos sinergéticos, impactos indiretos e impactos por estresse de tempo e espaço e ainda impactos globais.

Outra justificativa para a adoção da AAE é a promoção da sustentabilidade do processo de desenvolvimento, por intermédio da integração das dimensões ambientais, sociais e econômicas no processo de tomada de decisão. Não se acredita seja necessária uma lei para introduzir a AAE formalmente nas práticas dos gestores ambientais. Aliás, lineamentos de estratégia já estão na Lei da Política Nacional do Meio Ambiente – Lei nº 6.938/1981, bastará uma Resolução do Conama.

A AAE tem uma dimensão técnica e outra política institucional.

6. A importância dos órgãos encarregados de formular políticas e assessorar a tomada de decisão

No julgamento da Medida Cautelar na ADIn nº 3540-1/DF, o Ministro Celso de Mello (DJU de 03.02.2006) prestigiou os órgãos de gestão ambiental ao afastar a necessidade de lei estrita específica para que a administração licencie ou autorize atividades e obras em espaços territoriais protegidos. Na ótica do STF apenas a alteração ou supressão do próprio regime jurídico especial é que está submetido à reserva legal. Note-se a importância da responsabilidade que é deixada aos cuidados dos gestores ambientais que, segundo o julgado, teriam melhores condições que os legisladores para a tomada de decisão na matéria. O julgado é extremamente prestigiador das atividades de gestão ambiental.

7. Licenciamentos e pendências judiciais

Casos envolvendo a atividade de licenciamento em obras públicas e particulares são bastante comuns no âmbito do Judiciário.(25) No caso as obras públicas, causou viva controvérsia a construção da Usina Hidroelétrica de Barra Grande, onde alegadamente o erro estaria no procedimento licenciatório. Outra polêmica é a que envolve o projeto de transposição das águas do Rio São Francisco. Cito ainda o caso da liberação de transgênicos na Ação Civil Pública movida pelo Idec contra a Monsanto e União Federal. A usina hidrelétrica de Baixo Iguaçu (PR) também foi contestada judicialmente, tendo sido suspenso o processo de licenciamento, contestando-se a competência estadual sobre a matéria.(26) Em linhas gerais, as demandas observadas decorrem em grande parte de um déficit acentuado do princípio da participação. As obras públicas ou privadas já vêm prontas e acabadas, sendo as audiências públicas mera formalidade, o que acaba por gerar demandas no Judiciário. Outro aspecto que deveria ser melhorado é o da celeridade no exame dos projetos.(27) Não se está a dizer que as avaliações e os estudos devam ser apressados, mas há necessidade de um aporte maior de recursos humanos e materiais para que possa ser feita a boa administração ambiental, em mais curto espaço de tempo. Deveria ser evitada também a solicitação de complementos adicionais em “conta-gotas”, isto é, exigências parciais sucessivas que de regra geram profundo descontentamento no ânimo dos empreendedores. Por outro lado, lembro que o Judiciário, em inúmeros precedentes, afastou o “licenciamento fatiado”, por partes, quando se pretende a realização de grandes projetos e obras, as decisões judiciais que impõem o exame do conjunto todo de obras têm inspiração no paradigma contemporâneo de buscar a visão total e estratégica.

Conclusão

Concluo com o destaque aos princípios de direito ambiental(28) que inspiram a avaliação do impacto ambiental (AIA), que integra um dos instrumentos do princípio da prevenção, em que já há a certeza de conseqüências indesejáveis. São antepostas medidas preventivas para que elas não ocorram ou sejam mitigadas. Princípio 17, Declaração Rio-92.

Já a avaliação ambiental estratégica (AAE) é um dos instrumentos do princípio de precaução,(29) Princípio 15, Declaração Rio-92, e o Princípio do Desenvolvimento Sustentável, Princípio nº 4 da Declaração Rio-92.

Como consideração derradeira, expresso a certeza sobre a importância da atividade de licenciamento ambiental, sendo que as exigências sociais e políticas contemporâneas impõem que o instrumento seja utilizado na perspectiva estratégica.

Aos Conselheiros do Conama e aos demais gestores ambientais deixo a mensagem do filósofo Heidegger, em Ser e Tempo: “O homem no seu percurso temporal no mundo é filho do cuidado”, esperando que a gestão ambiental cuidadosa de todos assegure uma vida digna aos nossos pósteros no planeta Terra.

Notas:

1. Texto-base para a participação no Seminário dos 25 anos do Conselho e da Política Nacional do Meio Ambiente, Ministério do Meio Ambiente/CONAMA/Ibama, São Paulo, 31 ago. 2006. Estudo dedicado ao Dr. Paulo Nogueira Neto, criador da política ambiental no Brasil, homenageado do Evento. “Criar é não se conformar com o que a realidade é”.

2. VIOLA, Eduardo J.; LEIS, Héctor Ricardo. A evolução das políticas ambientais no Brasil, 1971-1991: do bissetorialismo preservacionista para o multissetorialismo orientado para o desenvolvimento sustentável. In: HOGAN, Daniel Joseph; VIEIRA, Paulo Freire (orgs.) Dilemas socioambientais e desenvolvimento sustentável. 2. ed. Campinas: EDUNICAMP, 1995. p. 73-102.

3. SÁNCHEZ, Luis Enrique. Os papéis da avaliação de impacto ambiental. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, v. 1, n. 0, p. 138-157, 1996.

4. CUSTÓDIO, Helita Barreira. Legislação brasileira do estudo de impacto ambiental. In: TAUK, Sâmia Maria (org.). Análise ambiental: uma visão multidisciplinar. 2. ed. São Paulo: Edusp, 1995.

5. O FIM da burocracia ambiental. Jornal do Brasil, São Paulo, 19 mar. 2003. Segundo a matéria, o licenciamento é apontado como um “gargalo do crescimento econômico”.

6. MOTTA, Paulo Roberto. Planejamento Estratégico. Cadernos do Projeto de Mestrado Profissional em Poder Judiciário. Fundação Getúlio Vargas.

7. MAXIMILIANO, Antonio Cesar Amaru. Teoria Geral da Administração: Da Revolução Urbana à Revolução Digital. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2004.

8. DUARTE, Geraldo. Dicionário de Administração. Fortaleza: Imprensa Universitária – UFC, 2002.

9. ROBBINS, Stephen P. A Administração: mudanças e perspectivas. São Paulo: Saraiva, 2001.

10. OLIVEIRA, Aparecida Antônia de; BURSZTYN, Marcel. Avaliação de Impacto Ambiental de Políticas Públicas. Interações, Campo Grande, v. 2, n. 3, p. 45-56, 2001.

11. Strategic Environmental Assessment (SEA).

12. THÉRIVEL, Riki; Maria do Rosario Partidário. The Practice of Strategic Environmental Assessment. Earthscan: London, 1996. In: OLIVEIRA, Aparecida Antônia de; BURSZTYN, Marcel. Avaliação de Impacto Ambiental de Políticas Públicas. Interações, Campo Grande, v. 2, n. 3, p. 45-56, 2001.

13. Resumo dos Paradigmas da Profª Drª Tânia de Almeida da Silva. Fundação Getúlio Vargas – FGV, Direito Rio, Mediação e Conciliação, Caderno Conceitual. Paradigma Moderno: linear, mecanicista, causa e efeito, previsibilidade, observador isento, competição, autoria, especialidade. Paradigma Contemporâneo: sistêmico/quântico, interação, possibilidade, observador que interfere, colaboração, co-autoria, interdisciplinaridade, princípio de totalidade, visão sistêmica.

14. SILVA, Tânia de Almeida da. “Sob Paradigma Sistêmico: Na década de 60 o Estado de Massachussets recuperou para si muitos metros quadrados de terras que estavam em mão particulares. Transformou a maioria delas em bosques e uma enorme população de bichos voltou a habitar essas propriedades. Primeiro vieram os castores que roíam gravetos, os cortavam em pedaços e os abandonavam no solo. O acúmulo de gravetos no solo tornou a terra encharcada, pantanosa e atraiu os alces. Os alces não comiam um determinado tipo de vegetação que, acumulada, atraiu os veados. Os veados se multiplicaram, passaram a atravessar as pistas rodoviárias e a provocar acidentes automobilísticos. Isto desencadeou um aumento no preço do seguro dos carros. O governo autorizou, então, a caça dos veados e tal medida ampliou o número de acidentes com armas de fogo, etc., etc., etc.”

15. No Seminário comemorativo dos 25 anos do Conama, falaram sobre a análise da Resolução nº 1/86 o Dr. Antônio Inagê de Assis Oliveira que colaborou com a elaboração da Resolução nº 1/86, Antonio Fernando Pinheiro Pedro, figurando como debatedor, Gustavo Trindade do MMA e Otávio Okano, Diretor da CETESB.

16. MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 215.

17. MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Impacto ambiental. Aspectos da legislação brasileira. São Paulo: Oliveira Mendes, 1998.

18. DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. São Paulo: Max Limonad, 1997. p. 173.

19. MACHADO, op. cit., p. 222-240.

20. EGLER, Paulo César Gonçalves. Perspectivas de Uso no Brasil do Processo de Avaliação Ambiental Estratégica. Parcerias Estratégicas, Brasília, n. 11, p. 175-190, jun. 2001.

21. Sadler, B.; R. Verheem, 1996 apud EGLER, op. cit., 2001.

22. Evita-se com isso a invocação pelos empreendedores de alegação de “fato consumado” argumento que, em face de circunstâncias concretas, costumam ser prestigiado pelo Judiciário.

23. LIMA, Luiz Henrique. Avaliação Ambiental de Obras: da burocracia do licenciamento à efetividade do controle. In: Simpósio Nacional de Auditoria de Obras Públicas, 10, 2005, Recife.

24. Deixar de combater o contrabando de agrotóxicos não aprovados e tolerar a importação de carcaças de pneus têm impactos ambientais evidentes.

25. Verificar REsp nº 588.022/SC, STJ, Primeira Turma, Relator Ministro José Delgado, julg. em 17.02.2004, DJU de 05.04.2004, p. 217. “Administrativo e Ambiental. Ação Civil Pública. Desassoreamento do Rio Itajaí-Açu. Licenciamento. Competência do Ibama. Interesse Nacional”. MS nº 9.101/DF, STJ, Primeira Seção, Relator Ministro Luiz Fux, julg. em 09.06.2004, DJU de 04.10.2004, p. 198. Licença para exploração de areia. RMS nº 19.535/RJ, STJ, Segunda Turma, Relator Ministro Franciulli Netto, julg. em 01.09.2005, DJU de 31.05.2006, p. 244. Licença para construir no Morro da Urca e Pão de Açúcar elevadores para deficientes físicos. RESp nº 447.639/PR, STJ, Primeira Turma, Relator José Delgado, julg. em 07.11.2002, DJU de 09.12.2002, p. 308. Construção em área de proteção ambiental sem licenciamento.

26. A LAP é exigida para que a usina seja colocada no leilão da concessão. São objetos de leilão para construção de mais cinco usinas, Barra da Pomba, Cambuci, Dardanelos, Mauá e Salto Grande.

27. GOLDEMBERG, José. Licenciamento ambiental em São Paulo. Folha de São Paulo, São Paulo, 19 set. 2006. “Há queixas sobre a morosidade deste processo, mas um enorme esforço foi feito no atual governo para simplificar o licenciamento e reduzir os prazos de análises, o que muitas vezes não é reconhecido por empreendedores [...]”

28. TESSLER, Marga Inge Barth. Os Princípios no Direito Ambiental: da construção doutrinária à aplicação jurisprudencial. 2004, 161 f. Dissertação (Mestrado em Direito). Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS [2004].

29. DERANI, op. cit., p. 168.

 

Referência bibliográfica: (de acordo com a NBR 6023: 2002/ABNT):
. Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n. , fev. 2007. Disponível em:
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