A atividade especial para efeito de aposentadoria no Regime Geral de Previdência Social: atualidades, sucessão legislativa e jurisprudência dominante
Autor: Roberto Luis Luchi Demo |
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Sumário: Prolegômenos. 1. O regime jurídico da aposentadoria especial e da atividade especial. 2. Considerações específicas sobre a aposentadoria especial e a atividade especial. Epílogo. Prolegômenos Na sessão plenária do Supremo Tribunal Federal do dia 27 de setembro de 2006, o Ministro MARCO AURÉLIO proferiu seu voto na qualidade de relator do mandado de injunção nº 721, impetrado por servidora pública federal que ocupava o cargo de auxiliar de enfermagem há mais de 25 anos, julgando então parcialmente procedente o pedido para garantir a ela o direito de aposentadoria especial nos termos da Lei 8.213/91, dado que a lei complementar prevista desde a redação original do art. 40 da CF/88, para regular a atividade especial no âmbito do serviço público, não fora editada até hoje, passados cerca de 17 anos da promulgação da referida Carta Constitucional, traduzindo inadmissível inércia legislativa. Em seguida, pediu vista o Ministro EROS GRAU.(1) Esse julgamento lança luzes sobre o regramento jurídico da atividade especial no regime geral da previdência social, ainda mais quando se tem em conta que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, a partir da assentada de 7 de julho de 2006, julgando os mandados de injunção nos 670 e 712, os quais só não foram concluídos em face do pedido de vista do Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, superou definitivamente o dogma de que o Poder Judiciário somente pode atuar como legislador negativo, para sinalizar então uma mudança jurisprudencial no sentido de admitir, em situações excepcionais, que o Poder Judiciário atue como legislador positivo, sobre que já tivemos inclusive oportunidade de nos manifestar em sede doutrinária.(2) De fato, estamos diante da possibilidade concreta de o regramento jurídico da atividade especial no Regime Geral da Previdência Social – RGPS ser estendido para o Regime Próprio dos Servidores Públicos – RPPS, o que torna alvissareira uma revisita a este tema tão empolgante, que representa um número considerável das ações previdenciárias que pululam nos foros da Justiça, particularmente em virtude das diversas alterações legislativas por que passou a atividade especial, dificultando sua compreensão de modo que, nas palavras do mestre WLADIMIR NOVAES MARTINEZ, "os Postos de Seguro Social do INSS nem sempre adotam interpretação sistemática ou uniforme das disposições, rejeitando DSS-8030 e laudos técnicos ou frustrando a pretensão de segurados sem explicitar a causa nas cartas de indeferimento (consagrando o singelo ‘falta de tempo de serviço’)".(3) A revisita também se mostra oportuna neste momento em que a jurisprudência já assimilou as mencionadas alterações legislativas e, superadas algumas divergências iniciais, fixou entendimento sobre sua correta interpretação, a seguir explicitada. 1. O regime jurídico da aposentadoria especial e da atividade especial A aposentadoria especial e, conseqüentemente, a atividade especial para efeito de aposentadoria no RGPS foram criadas pela Lei 3.807/60, denominada Lei Orgânica da Previdência Social – LOPS, a qual estabelecia que "a aposentadoria especial será concedida ao segurado que, contando no mínimo 50 anos de idade e 15 anos de contribuição, tenha trabalhado durante 15, 20 ou 25 anos pelo menos, conforme a atividade profissional, em serviços que, para esse efeito, forem considerados penosos, insalubres ou perigosos, por Decreto do Poder Executivo" (art. 31, caput). A Lei 3.807/60 foi então regulamentada pelo Decreto 53.831/64, que fixou relação de serviços e atividades profissionais considerados insalubres, perigosos ou penosos e o tempo de trabalho mínimo exigido. A propósito da idade mínima de 50 anos para aposentadoria especial, muito embora só tenha sido extinta formalmente pela Lei 5.440/68, a jurisprudência não placitava esse requisito, mesmo antes de sua extinção,(4) tanto assim que o próprio INSS dispensou a idade mínima para a concessão de aposentadoria especial, conforme Parecer 223/95 da Consultoria Jurídica do Ministério da Previdência e Assistência Social. Posteriormente, foi editada a Lei 5.890/73, que alterou a legislação da previdência social, revogando o sobredito art. 31 da Lei 3.807/60 e dispondo que "a aposentadoria especial será concedida ao segurado que, contando no mínimo 5 anos de contribuição, tenha trabalhado durante 15, 20 ou 25 anos, pelo menos, conforme a atividade profissional, em serviços que, para esse efeito, forem considerados penosos, insalubres ou perigosos, por Decreto do Poder Executivo" (art. 9º, caput). Sobreveio então o Regulamento dos Benefícios da Previdência Social – RBPS, aprovado pelo Decreto 83.080/79. Em seguida, foi editada a Lei 8.213/91, que dispõe sobre o Plano de Benefícios da Previdência Social – LBPS, estabelecendo que "a aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15, 20 ou 25 anos, conforme a atividade profissional, sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física" (art. 57, caput, redação original), bem assim que "a relação de atividades profissionais prejudiciais à saúde será objeto de lei específica" (art. 58, redação original), prevalecendo até a edição desta lei específica a legislação anterior para efeito de aposentadoria especial (art. 152, redação original). Ocorre que esta lei específica jamais foi editada, de modo que o art. 58 da Lei 8.213/91 foi alterado pela Lei 9.528/97, para efeito de determinar que "a relação dos agentes nocivos químicos, físicos e biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física considerados para fins de concessão de aposentadoria especial de que trata o artigo anterior será definida pelo Poder Executivo", sendo editado então o Decreto 2.172/97, passando a ser o Regulamento dos Benefícios da Previdência Social – RBPS. Calha referir, nesse passo, que o regime jurídico da atividade especial positivado originariamente nos arts. 57 e 58 da Lei 8.213/91 não foi alterado somente pela susomencionada Lei 9.528/97, mas também pelas Leis 9.032/95, 9.711/98 e 9.732/98, bem assim pela Emenda Constitucional 20/98, tornando inclusive complexa a legislação. De fato, a EC 20/98 alterou o art. 201, §1º, da CF/88, para vedar "a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral de previdência social, ressalvados os casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, definidos em lei complementar". Portanto, a partir da EC 20/98, é exigido lei complementar para disciplinar a atividade especial no âmbito do regime geral da previdência social – RGPS, embora, nos termos do art. 15 da EC 20/98, enquanto não for editada a necessária lei complementar, permanece em vigor o disposto nos arts. 57 e 58 da Lei 8.213/91, na redação vigente à data da publicação da Emenda. Tendo em conta essa sucessão legislativa, vale salientar então que, a propósito do reconhecimento da atividade exercida como especial, o tempo de serviço é disciplinado pela lei em vigor à época em que efetivamente exercido, por força do princípio tempus regit actum, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador. Desse modo, uma vez prestado o serviço sob a égide de determinada legislação, o segurado adquire o direito à contagem ponderada nos termos então vigentes, bem como à comprovação das condições de trabalho na forma exigida à época, não se aplicando retroativamente uma lei nova que venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial. Em outras palavras, a cada dia trabalhado em atividades especiais, realiza-se o suporte fático da norma que autoriza a contagem desse tempo de serviço de forma diferenciada, de modo que o tempo de serviço assim convertido resta imediatamente incorporado ao patrimônio jurídico do segurado, tal como previsto na legislação de regência. Esse entendimento jurisprudencial tranqüilo,(5) aliás, passou a ter previsão legislativa expressa com a edição do Decreto 4.827/03, o qual introduziu o § 1º ao art. 70 do Decreto 3.048/99, atual Regulamento da Previdência Social – RPS, verbis: "A caracterização e a comprovação do tempo de atividade sob condições especiais obedecerá ao disposto na legislação em vigor na época da prestação do serviço". Logo, ficou definitivamente superada a antiga e equivocada orientação administrativa do INSS, segundo a qual a norma jurídica de direito público aplica-se de imediato, inexistindo direito adquirido à contagem de tempo de serviço na forma da lei anterior, pois, não preenchidos os requisitos da aposentadoria, ou seja, não ocorrido o fato completo e acabado, constata-se apenas mera expectativa de direito. Assim, no período de trabalho até 28 de abril de 1995, quando vigentes a Lei 3.807/60, a Lei 5.890/73 e, posteriormente, a Lei 8.213/91, em sua redação original, é possível o reconhecimento da atividade especial mediante comprovação: (i) do exercício das profissões relacionadas no Código 2.0.0 do Quadro Anexo ao Decreto 53.831/64 e no Anexo II do Decreto 83.080/79, ou (ii) da exposição aos agentes nocivos relacionados no Código 1.0.0 do Quadro Anexo ao Decreto 53.831/64 e no Anexo I do Decreto 83.080/79, mediante informações prestadas pela empresa em formulário específico (SB-40 ou DSS-8030), dispensando destarte dilação probatória e autorizando, inclusive, a via expedita do mandado de segurança.(6) Aqui, quatro considerações. Primeira: durante esse período, a prova da atividade especial prescinde da apresentação de laudo técnico.(7) Segunda: quando a atividade não for enquadrável como especial nos decretos regulamentadores, ainda assim é possível o reconhecimento da atividade como especial mediante prova pericial que reconheça sua nocividade à saúde, nos termos da Súmula 198/ex-TFR ("Atendidos os demais requisitos, é devida a aposentadoria especial, se perícia judicial constata que a atividade exercida pelo segurado é perigosa, insalubre ou penosa, mesmo não inscrita em Regulamento"), até porque os róis de atividades descritas nos regulamentos são meramente exemplificativos. Terceira: em relação aos agentes nocivos ruído e calor, é sempre necessária a aferição do nível de decibéis e da temperatura por meio de perícia técnica, carreada aos autos, noticiada em formulário emitido pela empresa ou ainda feita judicialmente, a fim de se verificar a nocividade ou não desses agentes.(8) Quarta: a divergência existente entre a atividade constante na carteira de trabalho ou no CNIS e a do formulário não é óbice a sua caracterização como especial, desde que devidamente esclarecida.(9) A partir de 29 de abril de 1995, foi extinto o enquadramento por categoria profissional, dadas as distorções que ocorriam, sendo comum, por exemplo, um engenheiro de minas que nunca entrasse em uma mina aposentar-se após poucos anos de serviço. Desse modo, no lapso temporal compreendido entre 29 de abril de 1995 e 05 de março de 1997, em que vigentes as alterações introduzidas pela Lei 9.032/95 no art. 57 da Lei 8.213/91, é necessária, para efeito de reconhecimento da atividade especial no Código 1.0.0 do Quadro Anexo ao Decreto 53.831/64 e no Anexo I do Decreto 83.080/79, a efetiva demonstração da exposição, de forma habitual e permanente, a agentes nocivos à saúde ou à integridade física, por qualquer meio de prova, considerando-se suficiente para tanto, e dispensando assim dilação probatória, a apresentação de formulário-padrão preenchido pela empresa (SB-40 ou DSS-8030), sem a exigência de embasamento em laudo técnico. A habitualidade e permanência traduzem o trabalho não ocasional nem intermitente, no qual a exposição do segurado empregado, trabalhador avulso ou contribuinte individual ao agente nocivo seja indissociável à produção do bem ou à prestação do serviço (art. 157, II, da IN INSS/PR nº 11/06, que atualmente estabelece os critérios a serem adotados pela área de Benefícios). Em outras palavras, os requisitos da habitualidade e da permanência traduzem a não-eventualidade e efetividade da função insalutífera, a continuidade e a não-interrupção da exposição ao agente nocivo. Assim, se o trabalhador desempenha diuturnamente suas funções em locais insalubres, mesmo que apenas em metade de sua jornada de trabalho (leia-se: trabalho intermitente), tem direito ao cômputo do tempo de serviço especial, porque estava exposto ao agente agressivo de modo constante, efetivo, habitual e permanente. Ou seja, o fato de o contato com os agentes nocivos ser intermitente e não permanente não retira a habitualidade, pois a exposição é diuturna, inerente às funções habituais que o segurado exerce na empresa cotidianamente, ensejando destarte o reconhecimento da atividade especial.(10) Seguindo essa mesma linha de raciocínio, o direito ao reconhecimento da atividade especial não é prejudicado quando o segurado possui mais de um vínculo empregatício, com tempo de trabalho concomitante (comum e especial), desde que constatada a nocividade do agente e a permanência em pelo menos um dos vínculos (art. 166 da IN INSS/PR nº 11/06). Outrossim, a IN INSS/PR nº 11/06 positivou que "não quebra a permanência o exercício de função de supervisão, controle ou comando em geral ou outra atividade equivalente, desde que seja exclusivamente em ambientes de trabalho cuja nocividade tenha sido constatada" (art. 157, § 2º), o que aliás já era entendimento jurisprudencial pacífico. Registre-se, ainda, que estão incluídos no conceito de trabalho permanente os períodos de descanso determinados pela legislação trabalhista, inclusive férias, e os afastamentos que ensejam benefício previdenciário, a exemplo do auxílio-doença e salário-maternidade, desde que à data do afastamento o segurado estivesse exercendo atividade considerada especial. Os agentes nocivos à saúde ou à integridade física podem ser físicos (ruídos, vibrações, calor, frio, umidade, eletricidade, pressões anormais, radiações ionizantes etc.), químicos (névoas, neblinas, poeiras, fumos, gases e vapores de substâncias nocivas presentes no ambiente de trabalho, absorvidos pela via respiratória ou por meio de outras vias) e biológicos (bactérias, fungos, parasitas, bacilos, vírus etc.). Nas associações de agentes que estejam acima do nível de tolerância, será considerado o enquadramento relativo ao que exigir menor tempo de exposição. Outrossim, como já enfatizado, o conceito de permanência para efeito de atividade especial não exige o cumprimento de jornada integral, de modo que o tempo de exposição é importante tão-só para observar o grau de nocividade do agente em cotejo com o limite de tolerância que, ultrapassado, enseja o reconhecimento da atividade especial. Por sua vez, no interregno compreendido entre 06 de março de 1997 e 06 de maio de 1999, em que vigente o Decreto 2.172/97, que regulamentou as disposições introduzidas no art. 58 da Lei 8.213/91 pela Lei 9.528/97 (lei de conversão da MP 1.523/96), passou-se a exigir, para efeito de reconhecimento de tempo de serviço especial no Anexo IV do Decreto 2.172/97 e no Anexo IV do Decreto 3.048/99, a comprovação da efetiva sujeição do segurado a agentes agressivos por meio da apresentação de formulário-padrão, embasado em laudo técnico das condições ambientais de trabalho para todos os agentes nocivos, ou por meio de perícia judicial. Portanto, a partir de 06 de março de 1997, já não é mais possível o enquadramento automático da periculosidade, a exemplo das atividades exercidas por vigilante e eletricista, sendo necessária, pois, a verificação da periculosidade no caso concreto. Na hipótese de a empresa em que o segurado trabalhou ter sido extinta, impossibilitando a coleta de dados in loco, é admissível a perícia indireta em empresa ou equipamento similar, a fim de não prejudicar o segurado nem inviabilizar o exercício de seu direito.(11) No que se refere à conversão do tempo de serviço especial para comum a contar de 28 de maio de 1998, tal limitação temporal restou afastada, por força da decisão do STF ao não apreciar o mérito da ADI 1.884, por entender que o art. 57, § 5º, da Lei 8.213/91 não fora revogado pela Lei 9.711/98, lei de conversão da MP 1.663/98(12) , bem assim em virtude do acréscimo do § 2º ao art. 70 do Decreto 3.048/99, pelo Decreto 4.827/03, o qual possibilitou a aplicação das regras de conversão ao trabalho especial exercido em qualquer período, em consonância aliás com a EC 20/98. Mesmo assim, a jurisprudência que prevalece é no sentido de que, após 28 de maio de 1998, já não é mais possível o reconhecimento da atividade especial, por força do art. 28 da MP 1.663/98, a partir de sua 10a edição, convertida na Lei 9.711/98.(13) Finalmente, a contar de 07 de maio de 1999, o reconhecimento da atividade laborada em condições especiais no Anexo IV do Decreto 3.048/99 também pressupõe a apresentação do formulário-padrão preenchido pela empresa, com base em laudo técnico das condições ambientais de trabalho para todos os agentes nocivos. A comprovação dar-se-á pelo formulário DIRBEN-8030 (antigos SB-40 e DSS-8030) até 31 de dezembro de 2003 e, a partir de 01º de janeiro de 2004, pelo Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), o qual foi instituído pelo § 6º do art. 68 do Decreto 3.048/99, com as alterações dos Decretos 4.032/01, 4.729/03 e 4.882/03, a ser emitido pela empresa com base em Laudo Técnico de Condições Ambientais – LTCAT expedido nos termos da legislação trabalhista, inclusive para efeito de classificação dos agentes nocivos, limites de tolerância e metodologia de avaliação (vide art. 148 da IN INSS/DC nº 95/03, alterado pela IN nº 96/03 e, atualmente, art.178 da IN INSS/PR nº 11/06). Em síntese, para efeito de enquadramento das categorias profissionais, devem ser considerados os Decretos 53.831/64 (Quadro Anexo – Código 2.0.0) e 83.080/79 (Anexo II) até 28 de abril de 1995, data da extinção do reconhecimento da atividade especial por presunção legal, em virtude da Lei 9.032/95. Já para o enquadramento dos agentes nocivos, devem ser considerados os Decretos 53.831/64 (Quadro Anexo – Código 1.0.0) e 83.080/79 (Anexo I) até 05 de março de 1997, o Decreto 2.172/97 (Anexo IV) no interregno entre 06 de março de 1997 e 06 de maio de 1999 e, finalmente, o Decreto 3.048/99 (Anexo IV) a partir de 07 de maio de 1999. Além dessas hipóteses de enquadramento, é sempre possível, como já registrado alhures, a verificação da especialidade da atividade no caso concreto, por meio de perícia técnica judicial, a teor da Súmula 198/ex-TFR.(14) 2. Considerações específicas sobre a aposentadoria especial e a atividade especial Especificamente sobre o agente nocivo ruído, questão presente em diversas ações judiciais previdenciárias, merece atenção o nível mínimo para determinar a insalubridade da atividade, o qual fora fixado inicialmente em 80 dB(A), no Quadro Anexo do Decreto 53.831/64, revogado pelo Anexo I do Decreto 83.080/79, que então elevou o nível para 90 dB(A). Na vigência dos Decretos 357/91 e 611/92, houve a incorporação do Anexo I do Decreto 83.080/79, que fixou o nível mínimo de ruído em 90 dB, e do Anexo do Decreto 53.831/64, que estabeleceu o nível mínimo de ruído em 80 dB(A). Durante tal período, que abrange 07 de dezembro de 1991 a 05 de março de 1997, estão, pois, a incidir níveis mínimos de ruído diferentes, o que impõe superar a evidente antinomia caracterizada com o afastamento, nesse particular, da incidência de um dos Decretos que produziram a contradição, o que se faz à luz da natureza previdenciária da norma, adotando-se destarte a solução pro misero para fixar o nível mínimo de ruído mais benéfico ao segurado, ou seja, 80 dB(A) até 05 de março de 1997, data imediatamente anterior à publicação do Decreto 2.172/97. Desse modo, até 05 de março de 1997, é considerada nociva à saúde a atividade sujeita a ruídos superiores a 80 decibéis, conforme previsão mais benéfica do Decreto 53.831/64.(15) Posteriormente, com o advento do Decreto 2.172/97, bem como quando entrou em vigor o Decreto 3.048/99, voltou o nível mínimo de ruído a 90 dB(A), até que, por fim, editado o Decreto 4.882/03, passou o índice ao nível de 85 dB(A).(16) Em resumo, é admitida como especial a atividade em que o segurado ficou exposto a ruídos superiores a 80 decibéis até 05 de março de 1997; ruídos superiores a 90 decibéis no interregno de 06 de março de 1997 até 18 de novembro de 2003; e finalmente, ruídos superiores a 85 decibéis a partir de 19 de novembro de 2003, conforme a alteração trazida pelo Decreto 4.882/2003 ao Decreto 3.048/99, que unificou as legislações trabalhista e previdenciária no tocante à atividade especial.(17) Quanto ao recebimento de adicionais de insalubridade, penosidade ou periculosidade, este fato só por si não ensejava direito ao reconhecimento da atividade especial, já porque os pressupostos desses adicionais no direito do trabalho eram diversos dos pressupostos da atividade especial no direito previdenciário. Assim, a jurisprudência consolidou entendimento segundo o qual o caráter insalubre ou perigoso da atividade exercida, reconhecido na Justiça do Trabalho, assegura o direito à percepção do adicional correspondente, mas não autoriza que o período seja considerado como tempo de serviço especial para fins previdenciários.(18) Entretanto, essa desvinculação entre as legislações trabalhista e previdenciária foi superada a partir do Decreto 4.882/03, que acresceu o § 11 ao art. 68 do Decreto 3.048, dispondo que "As avaliações ambientais deverão considerar a classificação dos agentes nocivos e os limites de tolerância estabelecidos pela legislação trabalhista, bem como a metodologia e os procedimentos de avaliação estabelecidos pela Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho – FUNDACENTRO". Logo, a partir da vigência do Decreto 4.882/03, vale dizer, a partir de 19 de novembro de 2003, o simples fato de o segurado ser detentor de adicional de insalubridade demonstra a atividade especial para efeito previdenciário. Nesse diapasão, há autorização para que seja buscada a classificação de agentes agressivos da legislação trabalhista quando ausente o amparo na legislação previdenciária, suprindo, assim, a necessidade de realização de perícia judicial para a configuração da especialidade de atividades sujeitas a agentes nocivos sem enquadramento nos decretos pertinentes, como exigido pela Súmula 198/ex-TFR, mas abarcados pelas normas trabalhistas.(19) A propósito dos Equipamentos de Proteção Individual – EPI, é assente que "O simples fornecimento de equipamento de proteção individual de trabalho pelo empregador não exclui a hipótese de exposição do trabalhador aos agentes nocivos à saúde, devendo ser considerado todo o ambiente de trabalho" (Enunciado 21 do Conselho de Recursos da Previdência Social). No mesmo sentido: "Aposentadoria Especial – Equipamento de Proteção Individual: O uso de Equipamento de Proteção Individual (EPI), ainda que elimine a insalubridade, no caso de exposição a ruído, não descaracteriza o tempo de serviço especial prestado" (Súmula 9 da Turma de Uniformização da Jurisprudência do Juizado Especial Federal). Assim é, porque a utilização de equipamento de proteção individual – EPI possui o escopo de resguardar a saúde do trabalhador, para que não sofra lesões, não tendo o condão de descaracterizar a situação de insalubridade nem a atividade especial, a qual não exige que o segurado venha a sofrer danos efetivos à sua saúde, ou seja, a atividade especial não é aquela que provoca necessariamente determinada seqüela.(20) Os beneficiários da aposentadoria especial que podem, pois, ter reconhecida a atividade especial são os segurados empregado, trabalhador avulso e contribuinte individual. Porém, segundo orientação administrativa do INSS, a partir da vigência da Lei 9.032/95, o contribuinte individual já não tem mais direito ao reconhecimento da atividade especial nem à conversão da atividade especial para comum, porquanto não há como aferir se no exercício da atividade laboral ele estava sujeito a condições que prejudiquem sua saúde ou integridade física (vide art. 163 da IN INSS/PR 11/06). Exceção à regra, o art. 1º, caput, da MP 83/02, convertida na Lei 10.666/2003, possibilitou a conversão da atividade especial em comum para o segurado cooperado filiado à cooperativa de trabalho e produção que trabalhe exposto a agentes nocivos, estabelecendo custeio específico para esta prestação. Para a jurisprudência, entretanto, tal reconhecimento da atividade especial é um direito que assiste a todos os contribuintes individuais, mesmo antes da entrada em vigor da MP 83/02.(21) Se o segurado que pleitear aposentadoria especial houver exercido sucessivamente duas ou mais atividades sujeitas a condições especiais prejudiciais à saúde ou à integridade física, sem completar em qualquer delas o prazo mínimo exigido para a aposentadoria especial (15, 20 ou 25 anos), os respectivos períodos serão somados após conversão, conforme tabela constante do art. 66 do Decreto 3.048/99, considerada a atividade preponderante, verbis:
O beneficiário de aposentadoria especial que retornar ao exercício de atividade que o sujeite a agentes nocivos, ou nela permanecer, na mesma ou em outra empresa, qualquer que seja a forma de prestação do serviço, ou categoria de segurado, a partir da data do retorno à atividade, terá sua aposentadoria automaticamente suspensa. Esta é a inteligência do art. 57, § 8º, da Lei 8.213/91, porquanto não há aqui possibilidade de cancelamento do benefício, eis que o segurado não perde os requisitos para concessão da aposentadoria especial. Diverso é o tratamento da aposentadoria por invalidez, que pressupõe a incapacidade total e permanente para o trabalho, de modo que seu retorno à atividade implica o cancelamento do benefício, em virtude da ausência da necessária incapacidade, forte no art. 46, da Lei 8.213/91. Nessa toada, a aposentadoria especial deve ser restabelecida a partir do afastamento da atividade nociva à saúde. Finalmente, de se salientar a inexistência de óbice ao aposentado especial para retornar à atividade laboral que não o sujeite a agentes nocivos. Vale registrar, neste passo, que atualmente raros são os casos em que o segurado pleiteia aposentadoria especial por exercer atividade especial por 15, 20 ou 25 anos, conforme relação estabelecida nos decretos regulamentares, o que reflete a realidade do mercado de trabalho não só brasileiro, mas também mundial. De fato, a maioria das ações judiciais previdenciárias versando a atividade especial é: (i) pedido de concessão de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição em que o segurado pretende reconhecer certo período de trabalho como atividade especial; (ii) pedido de revisão de aposentadoria proporcional já concedida administrativamente para, mediante o reconhecimento da atividade especial, majorar a respectiva renda mensal inicial – RMI; e (iii) pedido de restabelecimento de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição já concedida administrativamente e posteriormente cancelada mediante revisão pelo INSS, em geral por meio de revaloração de prova e/ou mudança de critério interpretativo, sendo poucos os casos em que se constata efetivamente a existência de fraudes. Daí por que merece destaque o critério de conversão do tempo de serviço exercido em atividade especial para tempo de serviço comum, a ser então utilizado na aposentadoria por tempo de serviço/contribuição, nos termos do art. 57, § 5º, da Lei 8.213/91: "O tempo de trabalho exercido sob condições especiais que sejam ou venham a ser consideradas prejudiciais à saúde ou à integridade física será somado, após a respectiva conversão em tempo de trabalho exercido em atividade comum, segundo critérios estabelecidos pelo Ministério da Previdência e Assistência Social, para efeito de concessão de qualquer benefício". Nessa toada, a conversão de tempo de atividade especial em tempo de atividade comum dar-se-á de acordo com a seguinte tabela constante do art. 70 do Decreto 3.048/99, verbis:
Nos termos do art. 168, § 2º, da IN INSS/PR 11/06, no caso de atividades concomitantes sob condições especiais, no mesmo ou em outro vínculo empregatício, é considerada para efeito de contagem aquela que exigir menor tempo para a aposentadoria especial. Epílogo A própria CF/88 diferencia o trabalho normal daquele prestado em condições especiais, nos termos da atual redação do art. 40, § 4º (regime estatutário), e do art. 201, §1º (regime celetista). E essa diferença se deve ao fato de que o trabalho prestado em condições adversas expõe a saúde do trabalhador, diminuindo-lhe inclusive a expectativa de vida laboral, mercê de que existem os adicionais de insalubridade, penosidade ou periculosidade, visando à compensação da sua saúde e integridade física, bem assim a contagem diferenciada de tempo de serviço, há muito reconhecida pela legislação previdenciária, para viabilizar uma aposentadoria em tempo menor quando comparada às aposentadorias por idade ou tempo de serviço/contribuição, como visto acima. Ora, o servidor público e o trabalhador que exerceram atividades sob condições nocivas à saúde sofrem de maneira idêntica, padecem do mesmo mal à saúde, não se justificando destarte tratamentos díspares somente porque um está vinculado ao regime estatutário e outro ao regime celetista, o que causa perplexidade, mormente a partir de 19 de novembro de 2003, quando houve a unificação entre as legislações trabalhista e previdenciária para efeito de reconhecimento da atividade especial. Outra situação igualmente causadora de perplexidade é o fato de o trabalhador da iniciativa privada que exerce atividade especial e atinge um cargo público mediante concurso não poder levar aquele tempo de serviço a maior decorrente da atividade especial para o serviço público (contagem recíproca),(22) enquanto o servidor público, ex-celetista que passou a estatutário por força da CF/88, tem direito a essa contagem de tempo de serviço a maior decorrente da atividade especial exercida no período anterior.(23) Para finalizar, registro que a atividade prestada como auxiliar de enfermagem pode ser enquadrada como atividade especial, inclusive no período posterior à Lei 9.032/95, dado que o contato com agentes biológicos por meio de doenças transmissíveis se enquadra no Código 1.3.2 do Quadro Anexo do Decreto 53.831/64, no Código 1.3.4 do Anexo I do Decreto 83.080/79, no Código 3.0.1 do Anexo IV do Decreto 2.172/97 e, finalmente, no Código 3.0.1 do Anexo IV do Decreto 3.048/99.(24) Logo, uma vez julgado procedente o mandado de injunção referido nas linhas iniciais deste trabalho, a servidora pública que exerceu por mais de 25 anos a atividade de auxiliar de enfermagem poderá aposentar-se nas mesmas condições, sob o ângulo do tempo de serviço/contribuição e desde que comprovada a atividade especial nos termos mencionados alhures, poderá aposentar-se, então, nas mesmas condições de suas colegas da iniciativa privada, o que prestigia inclusive o princípio da isonomia. Notas: 1. Vide, a propósito, o Informativo do STF nº 442, de 25 a 29 de setembro de 2006.
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Referência bibliográfica: (de acordo com a NBR 6023: 2002/ABNT): |