Protocolo de Kyoto: grande oportunidade para o Brasil *

Autor: Giuliano Deboni
Advogado, especialista em gestão ambiental pela PUCRS, mestre em Direito Ambiental pela Università degli Studi di Milano (Itália)
Publicado na Edição 17 - 25.04.2007

 

Com a adesão da Rússia em novembro de 2004, entrou em vigor o Protocolo de Kyoto. Fruto da terceira Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, esse importante documento – firmado em 1997 no Japão – constitui fundada esperança para estabilização das emissões atmosféricas de gases causadores do efeito estufa. O apoio da Rússia foi fundamental, já que os Estados Unidos, poluidores por excelência, se retiraram das negociações em março de 2001, com anúncio oficial da Agência de Proteção Ambiental (EPA - Environmental Protection Agency), alegando não haver disposição para afrontar os custos políticos e econômicos necessários para reduzir as emissões.

Para atingir os objetivos de contenção de emissões atmosféricas, o Protocolo prevê que os Estados industrializados (relacionados no anexo II da Convenção) devem, num primeiro período de empenho – 2008/2012 –, reduzir as emissões dos gases previstos no anexo A, conhecidos como gases do efeito estufa ou greenhouse gases (GHG), em 5,2%, comparativamente aos níveis de 1990, data individuada como de referência. Nesse primeiro período, os países não-industrializados têm o dever de apresentar apenas inventário de emissões dos mencionados gases, aspecto que tem gerado sérias discussões, pois China e Brasil ocupam, respectivamente, 2º e 3º lugar nas emissões mundiais, sabendo-se que, em conjunto, esses dois países e a Índia – que representam 40% da população mundial – alcançam 18% das emissões de CO
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Entretanto, para atingir as metas de redução e considerando que os efeitos nefastos são globais e não locais, o Protocolo prevê que os países industrializados devam não só abater as emissões de forma direta, mas também utilizar, de maneira acessória, outros mecanismos e tornar menos onerosa a atuação de cada um deles.

Quatro são os mecanismos, conhecidos pela nomenclatura em inglês: Joint ImplementationJI (projetos de atuação conjunta), Joint Fulfillment (JF) ou bubble (bolha), International Emissions Trading IET (troca internacional de direitos de emissão) e Clean Development MechanismCDM (Mecanismo de Desenvolvimento Limpo). Todos eles geram créditos a quem utilizá-lo, calculados em unidades de medida, exceto o joint fulfillment, no qual as partes (restrito aos países do anexo I) realizam conjuntamente o empenho, a exemplo da União Européia, que constituiu uma única “bolha” para fazer frente às reduções de emissões.

O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo – MDL (art. 12 do Protocolo) trata de projetos que reduzam ou absorvam as emissões de GHG em países diversos daquele em que foram elaborados e não incluídos no anexo I, que relaciona os industrializados do anexo II e aqueles em transição para economia de mercado, como os do leste europeu, dos quais vários já aderiram à Comunidade Européia, em maio de 2004. É o único dos mecanismos que torna possível a participação, no Protocolo, de um país em vias de desenvolvimento, como o Brasil, mediante a obtenção de créditos de carbono (Certified Emission Reduction units, CERs).

Importante ressaltar que, em 2003, i.e. muito antes da assinatura pela Rússia, a União Européia demonstrou sua intenção em reduzir, já entre 2008 e 2012, em 8% as emissões dos gases causadores do efeito estufa, em relação ao nível de 1990, independentemente da vigência do Protocolo. Nesse sentido, aprovou a Diretiva 2003/87/CE, recentemente alterada pela Diretiva 2004/101/CE do Parlamento e do Conselho Europeu, a fim de incluir, entre outras medidas, o mecanismo de desenvolvimento limpo (MDL), visto que, inicialmente, previa-se apenas o regime de troca internacional de direitos de emissão (international emissions trading). Esse regime (IET), previsto no artigo 17 do Protocolo, confere aos países do anexo B a prerrogativa de reduzir as emissões em medida maior do que a prevista no próprio target e de vender este plus a outros países constantes do anexo B para atingir os próprios objetivos.

Essa foi uma clara demonstração, pela Comunidade Européia, de racionalidade e vontade de modificar a alarmante situação das mudanças climáticas. Demonstrou, também, confiança nos organismos da comunidade internacional, em resposta à desastrosa e negativa decisão norte-americana de se afastar do Acordo.

No que concerne especificamente ao MDL – parte do Protocolo que mais interessa aos negócios do Brasil –, deve-se ressaltar que há três modalidades de projetos para implementá-lo: a) reduzir emissões (p.ex. substituir óleo diesel por álcool); b) evitar emissões (p.ex. em aterro sanitário, aproveitar o gás metano, que iria para a atmosfera); e c) absorver emissões.

Esta última modalidade – absorção de emissões – vincula-se, fundamentalmente, ao setor LULUCFland use, land-use change, forestry (i.e. uso da terra, mudança de uso da terra e florestas), ou seja, atividades ligadas ao patrimônio florestal e agrícola. A absorção de emissões, embora ofereça maiores vantagens ambientais quanto à sustentabilidade, é a mais complexa para mensurar a suplementaridade dos projetos, o que tem impedido a implementação de projetos neste setor. Imagine-se o grau de dificuldade em quantificar o carbono absorvido pela floresta, pela interação de múltiplos fatores externos, como variações climáticas, tipo de solo, temperatura local etc.

Nos objetivos do Protocolo, o Brasil tem incomparável potencial para projetos MDL e, por isso, já é um dos principais alvos dos países com deveres de redução de emissões atmosféricas. Ademais, diferentemente da grande maioria dos países em situação análoga, o Brasil já recepcionou o Protocolo em seu ordenamento jurídico e estabeleceu procedimentos para acolher tais projetos. Aliás, previsões do Banco Mundial antecipam que o comércio internacional de títulos de redução de emissões certificadas (CERs) poderá chegar a US$ 20 bilhões ao ano.

Nesse contexto, vale assinalar que os países com deveres de redução de emissões poderão implementar projetos de imediato e utilizar os respectivos títulos no primeiro período de compromisso, ou seja, em 2008/2012. No Brasil, já foram apresentados projetos à Comissão Interministerial de Mudança do Clima, nos termos da Resolução nº 1. Dois deles já aprovados.

Vê-se que, com o Protocolo e em termos de estabilização de emissões – que aumentam rapidamente –, o uso mais austero e racional dos recursos naturais necessários à produção e ao desenvolvimento poderá ter bom êxito em termos de diminuição dos agentes causadores das mudanças climáticas, além de uma manifesta oportunidade de mercado. Outrossim, a alternativa MDL será um ótimo veículo de transferência de tecnologia limpa e moderna aos países não-industrializados. Portanto, de interesse direto do Brasil.

Para concluir esses comentários, podemos nos valer das palavras de Neil Armstrong ao pisar na lua, dizendo que a vigência do Protocolo de Kyoto – em razão da distância em solucionar o problema das mudanças climáticas, pelo percentual de redução até então imposto – representa, seguramente, “um pequeno passo para o homem, um grande passo para humanidade”.

*Artigo elaborado em março de 2005.

Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023: 2002/ABNT):
. Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n., abr. 2007. Disponível em:
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Acesso em: .