Três Questões de Direito Tributário:
I) Imposto de Renda da Pessoa Jurídica: a importância da Lei nº 7.450/85;
II) Presunções no Direito Tributário;
III) A isonomia no Direito Tributário.

Autor: Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz
Desembargador Federal do TRF da 4ª Região
Publicado na Edição 19 - 27.08.2007

I) Imposto de Renda da Pessoa Jurídica: a relevância da Lei nº 7.450/85 na legislação tributária

Com efeito, sendo o fato gerador do imposto de renda complexivo, ou seja, abrangendo a aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica verificada em um determinado período de tempo, orientou-se o legislador em fixar regras desse ciclo de incidência.

No que concerne às pessoas jurídicas, a base de cálculo do seu imposto de renda é apurada segundo os resultados do seu exercício social.

Via de regra, o exercício social das pessoas jurídicas coincide com o ano civil, ou seja, se estende do dia 1º de janeiro a 31 de dezembro de cada ano, configurando o denominado ano-calendário. No regime anterior à edição da Lei nº 7.450/85, para efeitos de apuração de rendimentos tributáveis pelo imposto de renda, a legislação permitia às pessoas jurídicas fixarem o encerramento do seu exercício social em qualquer data do ano civil, desde que anteriormente ao exercício financeiro em que o imposto seria devido. Esse favor legal, todavia, jamais implicou a instituição, em seu favor, de momento próprio para considerar ocorrido o fato gerador do imposto de renda segundo a data de encerramento do balanço social, eis que o conceito de período-base para as pessoas jurídicas sempre foi idêntico ao das pessoas físicas, independentemente da data de encerramento de seus balanços.

Nesse sentido, a edição da Lei nº 7.450/85, verdadeiro marco na legislação tributária em nosso país, encerrou a polêmica ao determinar que os períodos-base de apuração do imposto de renda das pessoas jurídicas serão anuais (1º de janeiro a 31 de dezembro) ou semestrais (1º de janeiro a 30 de junho e 1º de julho a 31 de dezembro).

Dessa forma, o fato gerador do imposto de renda, tanto para as pessoas físicas como para as jurídicas, apenas se considera ocorrido no primeiro dia do exercício financeiro seguinte ao da apuração dos resultados.

A jurisprudência da Suprema Corte pronunciou-se acerca da matéria, salientando que o regramento de ocorrência do fato gerador do IRPJ não está vinculado à data de encerramento das suas demonstrações financeiras, consoante se constata do voto do Ministro CORDEIRO GUERRA proferido no julgamento do RE nº 104.259-RJ, verbis:

“O que determina o fato gerador do imposto de renda não é o balanço social, mas a aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica – art. 43 do CTN, e a base de cálculo do imposto é o montante real ou presumido, da renda ou dos proventos tributáveis, art. 44 do CTN.

Os estatutos das companhias não podem desparificar os contribuintes em face da lei impositiva, nem assegurar um privilégio em face da lei nova, a viger no exercício seguinte.

Daí o acerto do inciso I, ao estabelecer a base de cálculo do imposto, nas hipóteses de não coincidência do balanço social com o período de incidência da nova norma tributária.

Se é verdade, como se sustenta, que o balanço social e fiscal não se distinguem, porque só o primeiro existe, o certo é que, dada a autonomia do direito fiscal, não se pode evitar que este estabeleça a base de cálculo do imposto de renda, para o caso de não coincidência do balanço com o ano-base da tributação.” (In RTJ 115/1341)

Sobre o tema, anotou o Professor ANTONIO ROBERTO SAMPAIO DÓRIA, em sua obra Da Lei Tributária no Tempo, São Paulo, 1968, pp. 173/4, verbis:

“Nada existe, na sistemática do imposto de renda brasileiro, que defina a data do levantamento do balanço como o marco da ocorrência do respectivo fato gerador. Pelo contrário, a única relevância tributária do balanço, sob esse aspecto, é o de indicar o termo final do ano-base sobre cujos lucros recairá o imposto.

(...)

Em verdade, soaria deveras estranho, senão mesmo absurdo, que praticamente todas as condições de surgimento de uma obrigação tributária, axiomaticamente inderrogável pelas partes, inalterável por convenções particulares, ficassem ao alvedrio do contribuinte.

Excluída a extinção da pessoa jurídica, que caracteriza o mais das vezes um caso de força maior, a alteração do exercício social da empresa, ato subjetivo por excelência, não tem o condão de antecipar a verificação do fato gerador do imposto de renda, que continua a dar-se a 1º de janeiro de cada exercício financeiro, única hipótese legal.”

II) Presunções no Direito Tributário

Com efeito, com a entrada em vigor da Lei nº 4.729/65, notadamente o seu art. 9º, o legislador estabeleceu em favor do Fisco uma presunção legal, cabendo ao contribuinte provar que os depósitos em suas contas bancárias são originários de rendimentos já tributados ou, então, de rendimentos tributados exclusivamente na fonte.

Ao examinar as presunções e ficções no direito fiscal, assinalam Ch. PERELMAN e P. FORIERS em preciosa monografia, verbis:

Les présomptions iuris tantum se meuvent presqu’exclusivement sur le terrain des preuves. L’administration des finances se trouve toujours en état d’infériorité vis à vis du contribuable sur le plan de preuve.

Aussi la présomption légale lui vient-el en aide pour lui permettre d’établir la base imposable au moyen de présomptions, dont le législateur estime qu’elles présentent un degré suffisant de vérité. Telle est, en effet, la portée de la présomption iuris tantum.”

E, mais adiante, acrescentam os eminentes juristas, verbis:

La loi présume que le contribuable a réalisé des profits d’un montant approximativement égal à ceux qui sont réalisés par d’autres contribuables similaires.

L’Administration garde la charge de la preuve. Elle ne peut fixer le montant des profits ou bénéfices arbitrairement. La charge de la preuve qui lui incombe se trouve toutefois considérablement allégée. Quant au contribuable, il ne pourra contester le chiffre proposé et établi par L’Administration, ainsi qu’il vient d’être dit, qu’en fournissant la preuve du chiffre exact de ses revenus. La présomption est ici aussi dans la ligne des faits. Elle ne s’y oppose pas.


Il en est encore ainsi de l’évaluation de la base imposable par signes et indices, lorsque ceux-ci révélent une aisance supérieure à celle qu’attestent les revenus déclarés. La présomption repose sur les faits et réserve au contribuable la preuve contraire.” (In Les Présomptions et les Fictions en Droit, Établissements Émile Bruylant, Bruxelles, 1974, pp. 180 e 182/3, respectivamente)

Exemplo disso encontra-se na jurisprudência, quando o agente fiscal, atendendo ao disposto na legislação então em vigor (arts. 149, I, do CTN e 9º da Lei nº 4.729/65), solicitou ao contribuinte, por ocasião da fiscalização, que este apresentasse elementos para comprovar a sua situação perante o fisco; todavia, não o fez o contribuinte, o que originou o lançamento ex officio.

Nesse sentido, a jurisprudência da Suprema Corte, em aresto de que foi relator o saudoso Ministro RODRIGUES ALCKMIN, verbis:

“Imposto de Renda. (Decreto nº 58.400/66) Lançamento ex officio. Se o contribuinte não apresenta declaração de rendimentos e não presta esclarecimentos exigidos, licito é ao Fisco lançar o imposto com os elementos que dispuser. Inexistência de ofensa a direito federal ou de dissídio de julgados.

RE não conhecido.” (RE nº 86. 910-PR, rel. Min. RODRIGUES ALCKMIN, in RTJ 85/275)

III) A Isonomia no Direito Tributário

Nos termos do disposto no art. 150, II, da Lei Maior, impõe-se, verificando-se situações idênticas de diversos contribuintes, a dispensa pela autoridade tributária do mesmo tratamento fiscal, vedada qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos.

A respeito, escrevendo sob o regime constitucional anterior, assinalou o saudoso Ministro Aliomar Baleeiro, verbis:

“Se ‘todos são iguais perante a lei’, não será possível a esta reservar tratamento fiscal diverso aos indivíduos que se acham nas mesmas condições.

Daí se infere que não serão toleráveis discriminações nem isenções que não correspondam a critérios razoáveis e compatíveis com o sistema da Constituição.

O princípio fundamental, fonte principal de critérios discriminatórios, é o da capacidade contributiva (expresso no art. 202 da C.F. de 1946 e suprimido pela Emenda nº 18, de 1965), que recomenda a personalização do imposto e a sua graduação, segundo as possibilidades econômicas do contribuinte. Mas a igualdade será respeitada sempre dentro da mesma categoria de contribuintes. O art. 202 impossibilitava a desigualdade que resultaria de tratamento igual a indivíduos economicamente desiguais.” (In Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar, 6ª edição, Forense, 1985, p. 203)

Nesse sentido, acrescente-se, inclina-se a melhor doutrina, consoante se verifica da obra de JEAN SCHMIDT, verbis:

Un même régime fiscal s’applique à tous les contribuables placés dans une même situation telle qu’elle est définie par la loi fiscale. Il en résulte que si pour bénéficier d’un régime d’impôt particulier, il faut remplir certaines conditions, toute personne remplissant ces conditions doit pouvoir bénéficier de ce régime.” (In Les Principes Fondamentaux du Droit Fiscal, Éditions Dalloz-Sirey, Paris, 1992, p. 69)

Da mesma forma, o ensinamento de José Afonso da Silva, em seu já clássico Curso de Direito Constitucional Positivo, 18ª edição, p. 694, verbis:

“(A.2) princípio da igualdade tributária, estabelecido no art. 150, II, veda às referidas entidades tributantes instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos; a norma se refere a qualquer tributo, mas é mais expressivamente dirigida aos impostos pessoais e ao de renda; em relação a este, contudo, há que se levar em conta a regra da progressividade agora constitucionalizada no art. 153, § 2º, I. Aqui se cuida da igualdade ‘em sentido jurídico, com paridade de posição, com exclusão de qualquer privilégio de classe, religião e raça, de modo que os contribuintes, que se encontrem em idêntica situação, sejam submetidos a idêntico regime fiscal’, ... depende de ser complementado com a igualdade em sentido econômico, fundada no princípio da capacidade contributiva, que é nosso tema seguinte;”

Ora, o princípio insculpido no art. 150, II, da CF/88 configura importante limitação ao poder de tributar do Estado, erigindo-se, possivelmente, na mais importante garantia constitucional do contribuinte, devendo o juiz, na sua aplicação, jamais esquecer as sábias palavras de Rui Barbosa, verbis:

“Mas as mais autorizadas regras da interpretação ordinária das leis e, ainda com mais fôrça, as regras fundamentais da interpretação constitucional nos não permitem admitir a hermenêutica literal, quando ela conduz a contradições grosseiras, absurdos clamorosos, ou contrassensos palmares, nem toleram que a inteligência das constituições, atendo-se à exegese de expressões destacadas, a elas sacrifiquem a harmonia das instituições do direito político e a evidência do espírito, cuja lógica superior as anima.” (In Obras Completas de Rui Barbosa, MEC, Rio de Janeiro, v. XLIII – 1916, t. 2, p. 38)

Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023: 2002/ABNT):
. Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n., ago. 2007. Disponível em:
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