Sumário: Introdução. 1 A pregiudiziale tributaria na Itália. 2 A importação e a rejeição da pregiudiziale pela Espanha. 2.1 Condição de procedibilidade nos crimes contra a ordem tributária. 2.2 Princípio do non bis in idem e a inter-relação entre as esferas administrativa e judicial. 3 A pregiudiziale tributaria no Brasil. Conclusões. Referências Bibliográficas.
Introdução No Brasil, os índices de sonegação fiscal e de impunidade são altíssimos. Esse fenômeno não decorre de deficiências éticas do nosso povo e tampouco deriva exclusivamente da ineficiência do sistema de fiscalização. As mais expressivas causas consistem, a nosso juízo, nas decisões legislativas e jurisprudenciais voltadas à consagração de causas de extinção da punibilidade e de empecilhos à persecução penal dos crimes contra a ordem tributária. Ao consagrá-los, promove-se a impunidade dessa espécie delitiva.
Neste estudo, não nos focaremos nas causas de extinção da punibilidade, mas sim no expressivo empecilho à persecução penal criado pelo Supremo Tribunal Federal ao julgar o HC 81.611, ou seja, na condição de procedibilidade da ação penal (mais precisamente, na prejudicial heterogênea) consubstanciada na exigência de um lançamento "firme" na esfera administrativa. Acreditamos que as experiências italiana e espanhola possam lançar luzes sobre a problemática, evidenciando que o caminho adotado pelo STF não é o único possível e tampouco o mais adequado.
Portanto, no que segue analisaremos a adoção da pregiudiziale tributaria na Itália (capítulo I) e na Espanha, bem como os fundamentos e o alcance do princípio do non bis in idem neste País (capítulo II), para posteriormente nos dedicarmos a uma análise crítica da jurisprudência do STF sobre o tema (capítulo III).
1 A pregiudiziale tributaria na Itália
Na Itália, o requisito de procedibilidade para a persecução dos crimes contra a ordem tributária consistente no esgotamento da esfera administrativa foi consagrado já em 1929, pelo art. 21, 3, da Lei 4/1929, com aplicação restrita aos impostos diretos. Tal preceito dispunha que "a ação penal iniciará depois que o lançamento do imposto tenha se tornado definitivo" ("l´azione penale ha corso dopo che l´accertamento dell´imposta è divenuto definitivo"), adotando, assim, o requisito denominado de pregiudiziale tributaria.(1) Baseava-se no pressuposto de que, em virtude do "complexo tecnicismo" dos impostos diretos, não seria oportuno que os Juízes iniciassem a ação penal sem um pronunciamento definitivo dos órgãos administrativo-tributários.(2)
A pregiudiziale tributaria sofreu fortes críticas doutrinárias e políticas, que nela identificavam a causa precípua de todas as disfunções processuais no setor do Direito Penal Tributário, concernentemente aos impostos diretos. Como expôs Grosso, "As conseqüências práticas da introdução da prejudicial, facilmente previsíveis, e pontualmente demonstradas por uma experiência já quase cinqüentenária, foram, como é consabido, a completa paralisia da jurisdição penal na inútil espera que os resultados definitivos do lançamento do débito de imposto fossem transmitidos para o início da ação penal. De conseguinte, as sanções penais, embora abstratamente previstas tanto na lei-quadro como nas leis instituidoras dos distintos tributos, na realidade nunca puderam funcionar".(3) Amodio também constatou que, ao diferir-se o início do processo penal ao término do infindável procedimento administrativo, a prejudicial impedia a aplicação das normas penais: "Responsabilidade e sanções criminais não podem ser, respectivamente, definidas e impostas porque não há processo". A prejudicial caracterizaria uma "imunidade das sanções por «paralisia processual»".(4) Chegou-se a vislumbrar na medida uma pretensa escolha de caráter técnico que encobre um nefasto fim político: salvaguardar os sonegadores das classes sociais mais abastadas, que costumavam fraudar os impostos diretos, e não os indiretos.(5)
Não eram apenas os deletérios efeitos práticos da medida que embasavam as críticas. Questionou-se a pregiudiziale sob a ótica da relação entre os Poderes, por tratar-se de um instrumento que consagra a supremacia da Administração sobre o Poder Judiciário, típico do clima político-constitucional em que surgiu: o Estado Totalitário, no qual o princípio da separação dos poderes estava reduzido a uma "formula evanescente", cabendo primado do poder ao Executivo. Nesse contexto, a exigência servia para manter o poder decisório com o Executivo, enquanto se consagrava um controle jurisdicional meramente formal.(6) Não obstante tais críticas, a Corte Costituzionale italiana chancelou a exigência, não vislumbrando nela qualquer afronta à Constituição.(7)
Dada a sua manifesta inadequação prática e teórica, a pregiudiziale tributaria foi revogada definitivamente pela Lei 516/1982,(8) conjuntamente com uma reforma dos crimes tributários, que os transformou em crimes de perigo, destinados à repressão penal das condutas antecedentes à futura e efetiva evasão. Com isso, adiantou-se a proteção dos bens jurídico-tributários.(9) Essa lei também previu expressamente que a aplicação de sanções penais não excluiria a aplicação das sanções administrativas (art. 10), adotando, pois, um princípio contraposto ao do non bis in idem que prevaleceu por um largo período na Espanha, como exporemos a seguir.
2 A importação e a rejeição da pregiudiziale pela Espanha
Na Espanha, não eram tipificados crimes tributários até o advento do Código Penal de 1870. No regime do Código de 1944, foram previstos no art. 319, sob a epígrafe "De la ocultación fraudulenta de bienes o de industria", preceito que se revelou totalmente inoperante. Com a Lei de 14 de novembro de 1977, deu-se nova redação ao dispositivo, denominou-se o crime de "Delito Fiscal" e criou-se a prejudicial administrativa, levando a que sua eficácia prática continuasse sendo inexpressiva.
O quadro somente se alterou com a Lei Orgânica de 29 de abril de 1985, que revogou a prejudicial administrativa, remodelou a tipificação dos crimes tributários e dedicou-lhes um título específico ("Delitos contra la Hacienda Pública") no Código Penal, composto pelos artigos 349, 350 e 350 bis. No que segue, limitaremos nossa análise à questão da prejudicial administrativa, para que possamos abordá-la com relativa profundidade.
2.1 Condição de procedibilidade nos crimes contra a ordem tributária
A exigência de esgotamento da esfera administrativo-tributária como um requisito de procedibilidade para o ajuizamento da ação penal foi importado pela Espanha da Itália, sem que, para tanto, as intensas e fundadas críticas fossem levadas em devida consideração.
Como referido, foi o artigo 37 da Lei 50/1977, que, no direito espanhol, condicionou o desencadeamento da ação penal-tributária ao prévio esgotamento da via administrativa. Fê-lo ao estabelecer que: Los delitos fiscales sólo son perseguibles a instancia de la Administración, sin necesidad de querella. Una vez hayan adquirido firmeza las actuaciones administrativas [...] el Delegado de Hacienda [...] deberá poner en conocimiento del Ministerio Fiscal los hechos que se estimen constitutivos de delitos fiscales cometidos en el âmbito de su jurisdicción. Da leitura desse preceito, constata-se, outrossim, que os crimes tributários não eram de ação pública incondicionada e tampouco condicionada à representação: eram de ação "privada", pois a decisão sobre a persecução penal cabia exclusivamente à Administração Tributária.(10)
Sem embargo, a decisão administrativa sobre a procedência do lançamento tributário somente servia como um instrumento de auxílio ao Magistrado para julgar a questão, visto que se entendia ser inviável vinculá-lo a tal decisão quando do pronunciamento acerca da existência ou não de crime.(11)
Assim como na Itália, fortes críticas foram tecidas a esse sistema, devidamente exemplificadas por esta afirmação de Muñoz Conde: "La «prejudicialidad administrativa» (cfr. Art. 37 Ley 50/1977) obstaculizaba una intervención directa del Derecho penal, permitiendo «arreglos» y «componendas» entre el contribuyente y la Administración que hacían luego imposible la exigencia de responsabilidad penal […] No es extraño que durante los siete años largos de vigencia del «delito fiscal» apenas hubiera alguna sentencia condenatoria (cfr. Sentencia Audiencia Provincial de La Coruña de 2 de mayo de 1983) y sí varias absolutorias (cfr. Sentencia Audiencia Territorial de Salamanca de 17 de febrero de 1984) de los cerca de 500 expedientes remitidos por Hacienda a los fiscales".(12)
A exigência acabou sendo revogada pela Lei Orgânica 2/1985, que, ademais, sujeitou os crimes tributários à ação penal pública. Na própria exposição de motivos, afirmou-se que a mudança era necessária em virtude de a exigência constituir um entrave para o funcionamento do sistema processual penal: a exigência "es ciertamente un obstáculo para el correcto funcionamiento del mecanismo procesal y sustantivo y, por ello, esta Ley incluye su derogación, consciente, además, de que imponer una prejudicialidad tributaria com carácter necesario choca con el principio tradicional en nuestro ordenamiento, que, con suficiente elasticidad, aparece recogido en el capítulo II del título I del libro I de la Ley de Enjuiciamiento Criminal".
Parte da doutrina, contudo, defendeu a subsistência da exigência como uma questão prejudicial, contrariamente à declarada intenção dos autores da Lei Orgânica 2/1985. Sustentando claramente essa posição, Aparício Pérez assevera: "Desaparece, pues, la necesidad de firmeza de las actuaciones administrativas, aunque es evidente que funcionará en este punto el mecanismo de la prejudicialidad recogido en la Ley de Enjuiciamiento Criminal, ya que para proceder por un delito de defraudación tributaria será necesario que la Autoridad judicial reclame a la Administración tributaria los antecedentes necesarios si este no los hubiere ya remitido; lo que implica que para la necesaria relevancia jurídico-penal de tales antecedentes haya que exigir su firmeza".(13)
Tal tese, à evidência, não pode se embasar nesses fundamentos, pois a "relevância jurídico-penal" dos documentos que instruem o procedimento administrativo não possui qualquer pertinência com a existência de uma decisão irrecorrível. Ademais, esse entendimento é flagrantemente contrário ao sistema adotado pela Ley General Tributaria após o advento da Lei 10/1985, como exporemos a seguir.
Nessa linha, o Tribunal Supremo espanhol rechaçou a tese da subsistência de uma prejudicialidade necessária, ao declarar ser dispensável até mesmo a existência de uma prévia autuação administrativa, por se tratar de crime sujeito à ação penal pública. Afastando as alegações de violação aos princípios da tutela jurisdicional efetiva e da segurança jurídica, esclareceu expressamente que cabe ao Poder Judicial durante o processo penal, e não à Administração Pública durante o processo administrativo, determinar o montante sonegado, por se tratar de elemento objetivo do crime:
"es al órgano judicial a quien coresponde fijar la cuota defraudada no a la Administración tributaria, conforme a la valoración de la prueba practicada en el acto del juicio oral, y a tenor de lo dispuesto en el artículo 741 de la Ley de Enjuiciamiento Criminal. Asi lo ha declarado una reiterada jurisprudencia de esta Sala, afirmando la Sentencia de 24 de Febrero de 1993, que reproduce la doctrina de las Sentencias de 30 Enero, 5 Noviembre y 3 Diciembre 1991, que la cuantía de la deuda tributaria, como elemento objetivo del delito que es, debe ser fijada dentro del proceso penal" (STS 274/1998).(14)
Conquanto não fosse admitida a pregiudiziale tributaria, reconhecia-se a existência de uma estreita inter-relação entre a esfera administrativa e a judicial (imposta pelo princípio do non bis in idem) e de uma prejudicial específica, consistente na decisão do juiz penal sobre a questão. Abordaremos essas questões no tópico que segue.
2.2 Princípio do non bis in idem e a inter-relação entre as esferas administrativa e judicial
Na Espanha, adotou-se um sistema em que a sentença penal configura uma questão prejudicial para a aplicação da sanção administrativo-tributária, em virtude do reconhecimento do princípio do non bis in idem, também denominado de princípio de "no concurrencia de sanciones": ninguém pode ser sancionado duplamente por uma mesma conduta ilícita. Esse princípio, na dicção do Tribunal Constitucional espanhol, tem por finalidade evitar reações punitivas desproporcionais, que caracterizem um ilegítimo excesso punitivo.(15)
A respeito, a antiga "Ley General Tributaria" (Ley 230/1963) era omissa em sua redação original. Somente com o advento da Lei 10/1985 é que passou a consagrar uma cláusula de exclusão da punibilidade administrativa em virtude da punição da conduta na esfera penal. Esta configurava, pois, uma questão prejudicial específica, levando a que se determinasse a suspensão do procedimento administrativo quando a Administração Tributária considerasse que as infrações pudessem configurar delitos contra a Fazenda Pública, até a solução definitiva da questão na esfera penal. Trata-se da consagração do princípio da preferência da jurisdição penal, que implica a impossibilidade de a Administração Tributária proceder à liquidação definitiva, levando a que a decisão acerca da existência do crime de sonegação fiscal seja proferida com base no sistema de livre convencimento judicial. Eis a redação do dispositivo comentado:
"En los supuestos en que la Administración tributaria estime que las infracciones pudieran ser constitutivas de los delitos contra la Hacienda Pública, pasará el tanto de culpa a la jurisdicción competente y se abstendrá de seguir el procedimiento administrativo mientras la autoridad judicial no dicte sentencia firme, tenga lugar el sobreseimiento o archivo de las actuaciones o se produzca la devolución del expediente por el Ministerio Fiscal" (art. 77.6, na redação dada pela Lei 10/1985).
Proferida sentença penal condenatória com trânsito em julgado, a imposição da sanção administrativa seria excluída. Caso contrário, deveria prosseguir o procedimento administrativo, com uma peculiaridade: a Administração Tributária ficaria vinculada à valoração probatória judicial, porquanto haveria de julgar com base nos fatos considerados provados pelo Poder Judiciário. É o que dispõe o mesmo art. 77.6, em continuação:
"La sentencia condenatoria de la autoridad judicial excluirá la imposición de sanción administrativa.
De no haberse apreciado la existencia de delito, la Administración tributaria continuará el expediente sancionador con base a los hechos que los Tribunales hayan considerado probados".
Esse sistema foi mantido e aprimorado pela nova Ley General Tributaria (Ley 58/2003), que dedicou um título (Título IV) à regulação do poder sancionador (potestad sancionadora) e um capítulo específico para seus princípios, dentre os quais figura o princípio do non bis in idem. Tal princípio é tratado no art. 180 da LGT, que o denomina de "principio de no concurrencia de sanciones tributarias". Em essência, a redação da LGT de 1963 foi mantida, com a regulamentação de determinados aspectos relativos às sanções administrativo-tributárias.(16)
Como exposto anteriormente, a sistemática da questão prejudicial na Espanha baseia-se num princípio específico: o princípio non bis in idem. Sendo previsto expressamente que a aplicação da sanção penal exclui a possibilidade de aplicar-se a correlata sanção administrativa, exsurgiu a indagação: a recíproca é verdadeira? Ou seja, a aplicação da sanção administrativa exclui a punibilidade na esfera penal?
À primeira vista, essa indagação seria impertinente, uma vez que a observância do procedimento preconizado pela LGT excluiria a possibilidade de aplicar-se a sanção administrativa com anterioridade à sanção penal. Sempre que houvesse suspeitas da possibilidade de os fatos configurarem ilícitos penais, a autoridade administrativa deveria suspender o procedimento e noticiar à autoridade competente. Na prática, porém, é evidente que a questão assumiu relevância, pois o rito nem sempre era cumprido. Ademais, durante o regime anterior, todos os infratores eram sancionados administrativamente.
Levada a questão ao Tribunal Constitucional, formou-se uma "jurisprudencia avanzada y progresista (porque, curiosamente, de la prohibición de bis in idem no se hace eco de manera expresa el texto constitucional)", levando a que a interdição do bis in idem experimentasse um "relanzamiento ciertamente espetacular"(17) . O leading case formou-se em maio de 1981, ao afirmar-se que "El principio general del Derecho conocido por «non bis in idem» supone, en una de sus más conocidas manifestaciones, que no recaiga duplicidad de sanciones-administrativa y penal- en los casos en que se aprecie la identidad del sujeto, hecho y fundamento, sin existencia de una relación de supremacía especial de la Administración. Tal principio está íntimamente unido a los de legalidad y tipicidad de las infracciones y se encuentra implícitamente recogido en el artículo 25 de la Constitución".(18) .
Imposta sanção administrativa por decisão irrecorrível, restaria excluída a possibilidade de punir-se penalmente, contanto que presente uma tríplice identidade: objetiva (mesmos fatos), subjetiva (mesmo sujeito infrator) e causal (mesmo fundamento punitivo).(19) Essa tese, conjugada com a transição dos sistemas (da exigência à dispensa do esgotamento da via administrativa), teve repercussões vultosas. Como era exigido o esgotamento da via administrativa no sistema anterior, todos os infratores haviam sido sancionados administrativamente antes de iniciar-se o procedimento penal. Conseqüentemente, não podiam mais sê-lo penalmente.(20)
O processo de expansão do princípio de non bis in idem continuou, por obra da jurisprudência do Tribunal Constitucional espanhol. Conferiu-se-lhe uma amplitude tal que passou a abarcar tanto o direito material quanto o processual, bipartindo-se o princípio em dois subprincípios, a saber: o princípio de non bis in idem material, que impede a aplicação de duas sanções pelos mesmos fatos ilícitos; e o princípio de non bis in idem procedimental, que obsta a tramitação concomitante de procedimentos sancionadores.(21) Os efeitos da interdição do bis in idem procedimental afetam a esfera administrativa, implicando a suspensão do procedimento administrativo sancionador. Como exposto pelo TC espanhol, a vertente formal ou procedimental do princípio de non bis in idem concretiza-se na regra de preferência da autoridade judicial penal sobre a Administração, a respeito da sua atuação sancionadora:
"la vertiente formal o procesal de este principio, que, de conformidad con la STC 77/1983, de 3 de octubre (FJ 3), se concreta en la regla de la preferencia o precedencia de la autoridad judicial penal sobre la Administración respecto de su actuación en materia sancionadora en aquellos casos en los que los hechos a sancionar puedan ser, no sólo constitutivos de infracción administrativa, sino también de delito o falta según el Código penal. En efecto, en esta Sentencia (FJ 2) declaramos que, si bien nuestra Constitución no ha excluido la existencia de una potestad sancionadora de la Administración, sino que la ha admitido en el art. 25.3, dicha aceptación se ha efectuado sometiéndole a «las necesarias cautelas, que preserven y garanticen los derechos de los ciudadanos». Entre los límites que la potestad sancionadora de la Administración encuentra en el art. 25.1 CE, en lo que aquí interesa, se declaró la necesaria subordinación de los actos de la Administración de imposición de sanciones a la Autoridad judicial".
O Tribunal prossegue esclarecendo que, da subordinação da Administração à autoridade judicial penal, derivam três exigências específicas:
"«a) el necesario control a posteriori por la Autoridad judicial de los actos administrativos mediante el oportuno recurso; b) la imposibilidad de que los órganos de la Administración lleven a cabo actuaciones o procedimientos sancionadores, en aquellos casos en que los hechos puedan ser constitutivos de delito o falta según el Código penal o las leyes penales especiales, mientras la Autoridad judicial no se haya pronunciado sobre ellos; c) la necesidad de respetar la cosa juzgada»"(22) .
Dessas exigências, destaca-se a segunda, consistente na impossibilidade de a Administração aplicar sanções administrativas enquanto não há decisão judicial definitiva. Expressa o reconhecimento do aludido princípio da preferência da autoridade judicial penal sobre a Administração, que promove os princípios basilares do Estado de Direito, ao respeitar o postulado da separação dos poderes, que lhe é inerente.
O Tribunal Constitucional veio a revisar seu posicionamento jurisprudencial quanto ao princípio do non bis in idem numa decisão proferida no começo de 2003. Nela, após fazer uma ampla análise de sua jurisprudência e negar que em qualquer momento tivesse conferido ao princípio a dimensão de coibir toda forma de cumulação de sanções penal e administrativa, considerou ser viável, em tese, a aplicação de sanções administrativa e penal pelos mesmos fatos e em razão dos mesmos fundamentos, desde que não se verifique uma equiparação de sanções (bis). Outrossim, externou que, se não for respeitada a primazia do procedimento judicial penal, será viável a abertura de um segundo procedimento sancionador, ou seja, do processo penal, dado que a aplicação da sanção administrativa, por ser mais branda, não poderia excluir a da sanção penal. Os elementos necessários à qualificação da infração penal, portanto, estão sujeitos integralmente à apreciação do Poder Judiciário, que não poderá ser vinculado, de forma alguma, a decisões administrativas. Esta passagem é esclarecedora de tal entendimento:
"Cuando el hecho reúne los elementos para ser calificado de infracción penal, la Administración no puede conocer, a efectos de su sanción, ni del hecho en su conjunto ni de fragmentos del mismo, y por ello ha de paralizar el procedimiento hasta que los órganos judiciales penales se pronuncien sobre la cuestión".
Verifica-se que, embora esta decisão do Tribunal Constitucional espanhol represente uma significativa alteração na concretização do princípio do non bis in idem, reforça os fundamentos da sistemática da apuração de infrações administrativo-tributárias e penais adotada na LGT, ao assinalar a necessidade de que a valoração sobre os elementos constitutivos dos crimes caiba ao Poder Judiciário, e não à Administração.
Após essa sucinta análise, cabe ressaltar as inconveniências práticas do sistema da pregiudiziale tributaria, que levaram à sua abolição na Itália e na Espanha, e a primazia judicial na valoração probatória de infrações penais, que é sucessivamente reiterada pelo Tribunal Constitucional espanhol. Esses elementos são relevantes para a valoração da "pregiudiziale tributaria" vigente no nosso sistema.
3 A pregiudiziale tributaria no Brasil
No Brasil, a exigência de um lançamento "firme" (isto é, não mais sujeito à revisão administrativa) como condição de procedibilidade da ação penal nos crimes contra a ordem tributária não é consagrada expressamente pela legislação. Fora prevista pelo art. 11, §3º, da Lei 4.357/64 para os crimes de não recolhimento de tributos retidos,(23) mas a legislação posterior a expungiu do sistema jurídico-positivo.
A exigência parecia ter sido adotada na Lei 9.430/96, que, em seu artigo 83, caput, preceitua: "A representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária definidos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, será encaminhada ao Ministério Público após proferida decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente". A contrario sensu, antes de proferida decisão final, na esfera administrativa, sobre a legitimidade do lançamento, a representação fiscal para fins penais não deverá ser encaminhada ao Ministério Público e, conseqüentemente, a ação penal não poderá ser ajuizada.
Questionou-se a legitimidade da medida, notadamente por ter coarctado a atuação funcional do Ministério Público, que é garantida constitucionalmente. No entanto, o STF não vislumbrou que o preceito tivesse consagrado claramente uma condição de procedibilidade para os crimes contra a ordem tributária, limitando-se a dispor sobre o momento da formulação da notitia criminis:
"Dispondo o art. 83 da Lei nº 9.430/1996 sobre a representação fiscal, há de ser compreendido nos limites da competência do Poder Executivo, o que significa dizer, no caso, rege atos da administração fazendária, prevendo o momento em que as autoridades competentes dessa área da Administração Federal deverão encaminhar ao Ministério Público Federal os expedientes contendo notitia criminis, acerca de delitos contra a ordem tributária, previstos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8137/1990".
"Não cabe entender que a norma do art. 83 da Lei nº 9.430/1996 coarcte a ação do Ministério Público Federal, tal como prevista no art. 129, I, da Constituição, no que concerne à propositura da ação penal, pois, tomando o MPF, pelos mais diversificados meios de sua ação, conhecimento de atos criminosos na ordem tributária, não fica impedido de agir, desde logo, utilizando-se, para isso, dos meios de prova a que tiver acesso. 7. O art. 83 da Lei nº 9.430/1996 não define condição de procedibilidade para a instauração da ação penal pública, pelo Ministério Público". (24)
Na realidade, o STF, sem dizê-lo, conferiu ao preceito constitucional interpretação conforme a Constituição, excluindo a possível interpretação de que o preceito consagrara implicitamente uma condição de procedibilidade para o exercício da ação penal pública.(25) Ademais, proferiu a decisão com os olhos e o pensamento totalmente centrados no texto legal: menoscabou completamente os efeitos práticos da exigência, que, nitidamente, coarctam a atuação prática do Ministério Público e a persecução penal dos crimes contra a ordem tributária.
Surpreendentemente, a condição de procedibilidade, que segundo o STF não fora prevista pela Lei 9.430/96 (e não poderia sê-lo), foi inserida no sistema jurídico-positivo pelo próprio STF, através de uma decisão extremamente criativa. Ao introduzir essa regra no sistema, atuou nitidamente como legislador positivo, fazendo precisamente o que diz não poder fazer quando analisa o pleito dos contribuintes excluídos do âmbito de abrangência de benefícios tributários através de leis flagrantemente atentatórias ao princípio da igualdade tributária.
O leading case consiste no Habeas Corpus 81.611, impetrado com vistas ao trancamento de ação penal concernente a crime contra a ordem tributária, caracterizado, em tese, pela supressão de tributos através da omissão de informação às autoridades fazendárias e de fraude à fiscalização tributária, representada pela omissão de operações em documentos e livros exigidos pela lei fiscal. Tais condutas enquadram-se nos incisos I e II do art. 1º da Lei 8.137/90, que, como é consabido, trata dos crimes materiais (de resultado) contra a ordem tributária (os formais são previstos no artigo subseqüente). Considerando tratar-se de crime material e o fato de a impugnação ao lançamento ainda estar pendente de apreciação na esfera administrativa, concedeu-se a ordem, com base na premissa de que "a decisão definitiva do processo administrativo consubstancia uma condição objetiva de punibilidade, sem a qual a denúncia deve ser rejeitada, uma vez que a competência para constituir o crédito tributário é privativa da administração fiscal, cuja existência ou montante não se pode afirmar até que haja o efeito preclusivo da decisão final do processo administrativo". Afastou-se a alegação de violação ao princípio da separação e independência dos Poderes, "haja vista que a punibilidade da conduta, quando não a tipicidade, está subordinada à decisão de autoridade diversa do juiz da ação penal". Considerou-se, ainda, que, ante a faculdade de extinguir-se a punibilidade mediante o pagamento do tributo antes do recebimento da denúncia prevista no art. 34 da Lei 9.249/95, o aguardo do término do processo administrativo seria impositivo, sob pena de "compelir-se" o contribuinte "a renunciar ao direito assegurado por lei de impugnar o lançamento mediante o procedimento cabível - pagando desde logo o tributo", o que caracterizaria uma "violação aos princípios do devido processo legal e da ampla defesa".
Mas a criatividade do Supremo Tribunal Federal não parou na criação de uma condição objetiva de "punibilidade".(26) Criou outra norma, uma regra de suspensão do prazo prescricional, durante o período em que "a definitividade do lançamento esteja obstada por recursos administrativos interpostos pelo contribuinte". O propugnador do self-restraint e da tese do legislador negativo, pois, criou, construiu, inovou, inseriu regras gerais e abstratas no sistema. Fez tudo o que afirma não poder fazer, em prol da morosidade e da impunidade dos criminosos de "colarinho branco".
Todos os pontos supra-referidos foram sintetizados na ementa do acórdão, nestes termos:
"I. Crime material contra a ordem tributária (L. 8.137/90, art. 1º): lançamento do tributo pendente de decisão definitiva do processo administrativo: falta de justa causa para a ação penal, suspenso, porém, o curso da prescrição enquanto obstada a sua propositura pela falta do lançamento definitivo. 1. Embora não condicionada a denúncia à representação da autoridade fiscal (ADInMC 1571), falta justa causa para a ação penal pela prática do crime tipificado no art. 1º da L. 8.137/90 – que é material ou de resultado –, enquanto não haja decisão definitiva do processo administrativo de lançamento, quer se considere o lançamento definitivo uma condição objetiva de punibilidade ou um elemento normativo de tipo. 2. Por outro lado, admitida por lei a extinção da punibilidade do crime pela satisfação do tributo devido, antes do recebimento da denúncia (L. 9.249/95, art. 34), princípios e garantias constitucionais eminentes não permitem que, pela antecipada propositura da ação penal, se subtraia do cidadão os meios que a lei mesma lhe propicia para questionar, perante o Fisco, a exatidão do lançamento provisório, ao qual se devesse submeter para fugir ao estigma e às agruras de toda sorte do processo criminal. 3. No entanto, enquanto dure, por iniciativa do contribuinte, o processo administrativo suspende o curso da prescrição da ação penal por crime contra a ordem tributária que dependa do lançamento definitivo" .(27)
Já adiantamos a crítica à contradição performativa do STF, que afirma não poder atuar como legislador positivo para estender benefícios tributários a contribuintes discriminados injustamente e legisla positivamente para beneficiar os sonegadores, para promover a impunidade, a frustração dos bons pagadores de tributos e, acima de tudo, o sentimento social de que apenas os excluídos da sociedade são sancionados penalmente.
E o mais peculiar é que o STF, ao criar jurisprudencialmente a regra geral e abstrata que condiciona a ação penal à condição objetiva de procedibilidade em comento, afirmou que, se a condição que criou não fosse atendida, a denúncia deveria ser rejeitada com base no art. 43, III, do Código de Processo Penal, por "faltar condição exigida pela lei para o exercício da ação penal" (parágrafo 86 do voto do relator). De sua passiva jurisprudência constitucional exsurgiu, portanto, uma condição legal para o exercício da ação penal!
Essa não é a única incoerência do STF. No caso abordado, o Tribunal criou a regra que afirmara não poder ser criada nem mesmo pelo Congresso Nacional, legitimado democraticamente pelo voto direto. Inseriu no sistema a regra que não poderia ser adotada pela interpretação da Lei 9.430/96, sob pena de violação à Constituição.
No entanto, nosso foco não está dirigido às contradições do Pretório Excelso. Pretendemos analisar a correção do entendimento adotado pelo STF, à luz das experiências italiana e européia. Ao fazê-lo, podemos redirecionar à exigência consagrada pela decisão proferida no HC 81.611 todas as críticas dirigidas às leis italiana (Lei 4/1929) e espanhola (Lei 50/1977), após longos anos de experiência: promove-se a evasão fiscal, a impunidade, a desigualdade jurídica e social, além de abalar-se a separação dos poderes. Para não incidir em tautologia, não iremos reiterá-las aqui, remetendo o leitor às considerações supra-expendidas.
Quanto aos fundamentos jurídicos da decisão, a primeira indagação que exsurge diz respeito à exigência de um lançamento "firme" para viabilizar o ajuizamento da ação penal, quando na Espanha e na Itália tal exigência é dispensada. A propósito, é necessário reconhecer que os crimes do art. 1º da Lei 8.137/90 são materiais, o que diferencia o sistema brasileiro do italiano – mas não do espanhol. Por que no Brasil a condição existe e na Espanha não? Já que não possui fundamento legislativo, qual o seu fundamento teórico? A resposta parece residir na adoção das incorretas premissas de que o lançamento tributário tem natureza constitutiva e de que o crédito tributário somente pode ser constituído pela Administração. Examiná-las-emos antes de abordar as especificidades da linha argumentativa adotada no HC 81.611.
Sobre o tema dos efeitos do lançamento perante o crédito tributário (se constitutivos ou declaratórios), já se travou o que foi denominado de uma "querela fradesca". Discutiu-se, por décadas a fio, a respeito do tema, sem que as correntes teóricas opostas se harmonizassem.(28) No Brasil, prevalece a (correta) corrente declaratória, como reconhecido pelo Ministro Sepúlveda Pertence no seu voto proferido no HC 81.611 (parágrafo 65).(29) O certo é que a polêmica gravita mais em torno dos efeitos do lançamento perante o crédito do que dos seus efeitos perante a obrigação tributária, notadamente no Brasil, onde existe disposição expressa do CTN no sentido de que "a obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador" (art. 118, §1º). Demais, atualmente é amplamente aceita a exigibilidade do crédito tributário sem que o lançamento seja realizado, tendo em vista que a imensa maioria dos tributos está sujeita ao "lançamento por homologação", ou seja, à determinação do quantum devido pelo contribuinte e ao pagamento antes que haja qualquer atuação da Administração, como expresso pelo Ministro Joaquim Barbosa no voto proferido no HC 81.611 (páginas 11-14).
Nesse sentido, Martinez Pérez afirma que: "De forma similar a lo que sucede en el delito de estafa, en el delito fiscal el instante consumativo se sitúa en la defraudación, esto es, en el momento en que se ocasiona el perjuicio patrimonial a la Hacienda pública"(30) . Prossegue, tratando especificamente da relevância da teoria adotada sobre os efeitos do lançamento para fins de determinar-se o momento da consumação do crime de sonegação: "Si admitimos con la doctrina mayoritaria que en nuestro Derecho positivo la realización del hecho imponible previsto en la ley fiscal origina el nacimiento de la obligación tributaria, no encontramos obstáculo alguno que impida situar el instante consumativo del delito fiscal después de practicarse la liquidación"(31) . Na mesma linha é a posição de Ayala Gómez sobre a consumação dos crimes contra a ordem tributária nas hipóteses de tributos sujeitos a lançamento por homologação (tributos con autoliquidación): "es definitivo que el Derecho tributario nos indique el momento en que la deuda es exigible, y, con arreglo al mismo, podemos afirmar que lo es – para el caso de los tributos con autoliquidación – desde el momento en el que las normas propias de cada tributo establezcan la apertura de la fase de presentación de las liquidaciones a las que se deberá acompañar el pago. En consecuencia, debe entenderse que el delito se consuma, precisamente, en el momento en que finaliza el período voluntario de pago de los tributos que se trate".(32)
Outrossim, não seria viável ater-se à corrente teórica perfilhada pelo STF após o advento da EC 45/04, que conferiu competência à Justiça do Trabalho para a "execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir" (art. 114, VIII, da CF). Nessa hipótese, é evidente que não há lançamento realizado pela Administração e tampouco processo administrativo. À execução é necessário que exista, tão-somente, uma sentença judicial. Portanto, mesmo que o intérprete se apegasse à corrente teórica que propugna a natureza constitutiva do lançamento tributário, haveria de reconhecer que é viável a constituição judicial do crédito tributário, sem a intervenção da Administração Tributária, diversamente do que restou consignado no HC 81.611 (parágrafo 91 do voto do relator).
Existe ainda outra razão que leva ao rechaço da condição de procedibilidade: "O lançamento não tem caráter prejudicial – frente ao sucessivo juízo sobre o crime – pela simples razão de que o juiz penal não é vinculado pelas conclusões concretizadas no lançamento".(33) Solução diversa implicaria uma ofensa à separação dos poderes e, ainda, teria o nefasto efeito de concentrar demasiado poder em órgãos integrantes do Executivo, que, como se sabe, não são imunes às criminosas ofertas pecuniárias dos grandes sonegadores. Seguindo-se o questionamento efetivado pelo Ministro Joaquim Barbosa no seu voto proferido no HC 81.611, pergunta-se como deverá proceder o Ministério Público nos casos em que houver envolvimento dos agentes dos Fiscos em infrações penais tributárias?
E como a decisão proferida no procedimento administrativo não pode vincular o Poder Judiciário, resta evidente a desnecessidade de aguardar-se o término do procedimento administrativo para que seja dado início ao processo penal. Se dúvidas houver, o Magistrado poderá, diante das peculiaridades do caso, suspender o processo para aguardar o término do procedimento administrativo.
Ocorre que foi justamente a tese da vinculação do Judiciário à decisão administrativa que prevaleceu no STF. Para afirmar a existência da condição de procedibilidade em análise, o Ministro Sepúlveda Pertence considerou que a eficácia preclusiva da decisão final administrativa, conquanto não constitua um elemento essencial do tipo, "ilidiria o juízo positivo de tipicidade" caso fosse favorável ao contribuinte. Os Juízes, Desembargadores e Ministros, além de terem que aguardar pela decisão administrativa, estariam vinculados a ela, não podendo emitir juízo diverso sobre a matéria tributária do que o adotado pelas autoridades administrativas. Sem que haja qualquer necessidade técnico-jurídica para tanto, subordina-se o Poder Judiciário a decisões proferidas por órgãos integrantes do Poder Executivo, quando é indubitável que todas as decisões que tais órgãos proferem podem ser revistas judicialmente (art. 5º, inc. XXXV, da CF), sempre que haja legitimidade e interesse para tanto. Adotou-se, pois, um sistema diametralmente oposto ao espanhol, baseado no princípio da preferência da Administração sobre a autoridade judicial.(34) Ao subordinar-se o Judiciário à Administração, concretiza-se, por meio de uma decisão da mais alta Corte brasileira, a medida adotada legislativamente no Estado Totalitário italiano da década de 30, que, como notou Amodio, implica um primado do Poder Executivo na persecução penal. É no rechaço a tal primado que reside a relevância do modelo espanhol, no qual a prevalência da valoração probatória judicial constitui um postulado basilar.
O Ministro Sepúlveda Pertence considerou ainda que, enquanto não findo o processo administrativo, existiria uma "incerteza objetiva sobre a existência e o conteúdo da obrigação", que impediria o ajuizamento da ação penal. Ou seja, o Pretório Excelso considerou que toda e qualquer impugnação ao lançamento tributário, por mais infundada e descabida que seja, leva a uma situação de "incerteza objetiva" sobre a existência e o conteúdo da obrigação. Se o contribuinte é flagrado utilizando centenas de notas fiscais falsas emitidas por empresa inexistente e impugna o lançamento afirmando que a Taxa SELIC é inconstitucional (ou, para não empregar um exemplo tão extremo, limitando-se a afirmar que as notas são verdadeiras, sem produzir qualquer prova da existência da empresa e tampouco do pagamento pelas mercadorias), caracterizada estará a situação de "incerteza objetiva", inviabilizando o exercício da ação penal, até o momento em que sua alegação seja rechaçada definitivamente pela Administração (como inexoravelmente o será). Indaga-se, então, como reconhecer na hipótese uma situação de "incerteza objetiva"?
E quando o contribuinte discute judicialmente o lançamento com argumentos efetivamente plausíveis, inexistirá uma situação de "incerteza objetiva"? Por que se exigir o efeito preclusivo da decisão administrativa e não o efeito preclusivo da decisão judicial correlata? Por coerência, o STF deveria afirmar que o trânsito em julgado da ação judicial voltada à discussão do lançamento também configura uma condição de procedibilidade para o exercício da ação penal. No entanto, tem jurisprudência firmada no sentido da independência das instâncias judiciais, como se constata do precedente trazido à colação pela Ministra Ellen Gracie no voto proferido no HC 81.611: "A circunstância de pender litígio civil não pode impedir a averiguação criminar, não só porque há a plena independência de instâncias como porque, sob tal perspectiva, a discussão no cível sequer se constitui em questão prejudicial obrigatória". E o peculiar dessa perigosa construção jurisprudencial é que o Magistrado penal fica jungido à prolação de uma decisão definitiva pela Administração, mas, teoricamente, não à prolação de uma decisão definitiva pelo próprio Poder Judiciário, uma vez que esta não configura uma condição objetiva de procedibilidade ou de punibilidade.
Resta analisar a questão atinente ao pagamento voltado à extinção da punibilidade. O argumento empregado pelo Min. Sepúlveda Pertence é relevante, haja vista que o contribuinte-infrator pode obter administrativamente a redução do quantum devido e, assim, extinguir a punibilidade pagando um valor inferior ao inicialmente apurado. Contudo, não basta para justificar a conclusão de que se deve invariavelmente aguardar a conclusão do processo administrativo para instaurar-se a ação penal. Poder-se-ia ter adotado uma interpretação no sentido de que o pagamento posterior ao recebimento da denúncia produz os mesmos efeitos que aqueloutro efetuado anteriormente, contanto que tenha havido uma redução do montante devido na esfera administrativa. Inovar-se-ia muito menos no ordenamento jurídico e adotar-se-ia uma solução mais adequada, tanto sob o viés teórico quanto sob o prático. Aliás, essa solução já havia sido consagrada legalmente quando do julgamento do HC 81.611, por meio da Lei 10.684/2003 (art. 9º, § 2º), como recordou o Ministro Joaquim Barbosa ao proferir o seu voto (folha 17).
Outrossim, somente foi possível formular esse argumento em virtude de o STF ter, incorretamente, chancelado dispositivos que consagravam (e ainda consagram) a possibilidade de extinguir-se a punibilidade nos crimes contra a ordem tributária mediante o pagamento dos tributos devidos.(35) Exclusivamente por essa razão existe a "coação consubstanciada na ameaça da ação penal" para que o pagamento do débito tributário seja efetivado. Ocorre que essa sistemática malfere o princípio da igualdade, que é basilar ao Estado Democrático de Direito. Trata distintamente criminosos pobres e ricos, ao permitir que sejam concedidos privilégios para os crimes de "colarinho branco" que são rejeitados para os demais crimes, cometidos pelos socialmente desfavorecidos. Com efeito, qual a razão de se permitir a extinção da punibilidade mediante o pagamento para "estelionatos" contra o Poder Público e negá-los aos praticados contra particulares? Se um particular obtém, através de uma falsidade, uma pequena vantagem financeira, será processado criminalmente, sem que haja qualquer condição objetiva de procedibilidade ou possibilidade de extinguir a punibilidade mediante a restituição do valor devido. Mas se um grande empresário obtém uma vultosa vantagem financeira através de múltiplas falsidades contra o Fisco, poderá aguardar tranqüilamente o desenrolar do processo administrativo, protelando-o à sua vontade e, findo este, pagar o valor devido, eximindo-se de qualquer sanção na esfera penal. A ofensa à isonomia é gritante, e o Supremo Tribunal Federal nunca a reconheceu. Pelo contrário, vem agravando-a por meio de decisões como a proferida no HC 81.611, nas quais tenta garantir direitos fundamentais dentro de uma sistemática que é atentatória a um dos mais básicos direitos fundamentais, o direito à igualdade. Infelizmente, o exame dessa distorção não pode ser efetivado adequadamente nos estreitos lindes desta investigação.
Conclusões
As experiências italiana e espanhola evidenciam que a sistemática adotada pelo STF no julgamento do HC 81.611 não é a única possível e tampouco a mais adequada aos postulados básicos dos Estados Constitucionais contemporâneos. A persecução penal dos mais expressivos crimes contra a ordem tributária não pode ser condicionada ao término dos processos administrativos, sob pena de restar sujeita à decisão do infrator de prorrogar a sua responsabilização penal, mediante os mais variados artifícios procrastinatórios. A pregiudiziale tributaria revelou-se, tanto na Itália quanto na Espanha, nitidamente inadequada para a punição dos crimes contra a ordem tributária. E o Brasil não necessita aguardar por décadas para constatar que o fenômeno da impunidade também sucederá (ou permanecerá sucedendo) aqui, caso mantida a pregiudiziale. Poderia ter aprendido com os erros dos demais, não necessitando cometer os seus próprios. Mas, já que os perpetrou, deverá remediá-los prontamente, obstando, assim, a continuidade da produção de nocivos e nefastos danos à sociedade.
Além de levar à impunidade, cria situações de conflito sistêmico, já que, em outras matérias, é amplamente reconhecido o princípio da independência das instâncias administrativa e penal.
Conseqüentemente, reforça o contexto de discriminação jurídica dos criminosos de baixo poder aquisitivo, contribuindo para a perpetuação do sentimento popular de que o sistema repressivo-penal é dirigido essencialmente aos "três pês", que podem ser sintetizados basicamente num único "pê": os pobres.
Demais, a condição de procedibilidade criada pelo STF retira do Poder Judiciário o poder-dever de analisar a existência dos elementos básicos dos crimes contra a ordem tributária, abalando o sistema de separação dos poderes. Para tanto, parte de premissas teóricas incorretas e do equivocado pré-conceito de que os integrantes do Judiciário são incompetentes para julgar matéria tributária.
Enfim, há de se rever as decisões proferidas no HC 81.611 e na ADI 1.571, extirpando do nosso sistema processual penal a pregiudiziale tributaria e a restrição imposta pelo art. 83 da Lei 9.430/96. Soluções de lege ferenda também podem ser apresentadas, como propostas alternativas. Embora não implique uma graduação adequada das sanções penais, a abolição dos crimes tributários de resultado acompanhada de um agravamento das sanções previstas no art. 2º da Lei 8.137/90 seria uma medida que reduziria a impunidade dos crimes contra a ordem tributária, porquanto afastaria a malfadada pregiudiziale e inclusive a razão de ser da restrição imposta pelo art. 83 da Lei 9.430/96. Adotar-se-ia, assim, um sistema similar àquele da Lei 4.729/64 e ao modelo italiano. Por outro lado, poder-se-ia retornar ao modelo original da Lei 8.137/90, sem as inovações implementadas pela Lei 9.430/96 e pela decisão do HC 81.611, aproximando-se o sistema brasileiro do espanhol. O que não se pode é manter-se o sistema atual, voltado à impunidade e à promoção, no plano fático, de uma odiosa desigualdade de status jurídico-penais entre os cidadãos que integram as distintas camadas socioeconômicas brasileiras.
Referências Bibliográficas
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Notas:
1. Cf.: CARACCIOLI. I reati tributari, p. 50; ANTOLISEI. Manuale di Diritto Penale. Leggi complementari, p. 292.
2. CARACCIOLI. I reati tributari, p. 50.
3. GROSSO, Sanzioni penali e sanzioni non penali nell´illecito fiscale, p. 1178, Apud CARACCIOLI. I reati tributari, p. 50-51 (traduzimos, assim como as demais citações em italiano).
4. AMODIO. L´abolizione della ‘pregiudiziale’ nel nuovo processo penale tributario, p. 60.
5. GROSSO. L´evasione fiscale. Controllo e sanzioni, p. 40.
6. AMODIO. L´abolizione della ‘pregiudiziale’ nel nuovo processo penale tributario, p. 61-62.
7. Vid. Acórdãos (sentenze) de 20 de abril de 1968, n. 32; 20 de fevereiro de 1973, n. 8.
8. A pregiudiziale tributaria já havia sido abolida pela Lei de 5 de janeiro de 1956 e reintroduzida pelo Decreto Presidencial de 29 de janeiro de 1958. Com a reforma de 1972, foi estendida para o IVA.
9. Cf.: COVINO. Il nuovo diritto penale tributario, p. 49 et. seq.; AYALA GOMEZ. El delito de defraudación tributaria: artículo 349 del Código Penal, p. 400 et. seq.
10. AYALA GOMEZ chegou a referir-se a um crime "semi-público": La Ley introdujo un delito en el Código Penal que sin ser estrictamente privado tampoco era público, y más parecía semi-público al otorgar competencia a la Administración para excitar al órgano judicial, y dentro de ésta a determinados casos (El delito de defraudación tributaria: artículo 349 del Código Penal, p. 391-392).
11. Vide, por todos, AYALA GOMEZ. El delito de defraudación tributaria: artículo 349 del Código Penal, p. 393.
12. MUÑOZ CONDE. Derecho Penal. Parte Especial, p. 989-990. Vid. MARTINEZ PÉREZ. El delito fiscal, p. 389. APARICIO PÉREZ assevera, contidamente, que a Lei de 1977 "nació con cierta vocación de inaplicación al reservarse la Administración tributaria la regulación de los canales de acceso a la Justicia penal, y dotar a los tipos penales de obstáculos graves para su aplicación por los Tribunales" (Delitos contra la Hacienda Pública, p. 139-140).
13. APARICIO PÉREZ. Delitos contra la Hacienda Pública, p. 139-140.
14. Nesse sentido, vide: STS 24/03/1993, relativa ao recurso 1902/1991.
15. SSTC 154/1990, 177/1999, 2/2003.
16. Vale referir o trecho do art. 180, no que concerne à questão prejudicial: "Principio de no concurrencia de sanciones tributarias. 1. Si la Administración tributaria estimase que la infracción pudiera ser constitutiva de delito contra la Hacienda Pública, pasará el tanto de culpa a la jurisdicción competente o remitirá el expediente al Ministerio Fiscal, previa audiencia al interesado, y se abstendrá de seguir el procedimiento administrativo que quedará suspendido mientras la autoridad judicial no dicte sentencia firme, tenga lugar el sobreseimiento o el archivo de las actuaciones o se produzca la devolución del expediente por el Ministerio Fiscal. La sentencia condenatoria de la autoridad judicial impedirá la imposición de sanción administrativa. De no haberse apreciado la existencia de delito, la Administración tributaria iniciará o continuará sus actuaciones de acuerdo con los hechos que los tribunales hubieran considerado probados, y se reanudará el cómputo del plazo de prescripción en el punto en el que estaba cuando se suspendió. Las actuaciones administrativas realizadas durante el período de suspensión se tendrán por inexistentes".
17. GARBERÍ LLOBREGAT; BUITRÓN RAMÍREZ. Principio de no concurrencia de sanciones tributarias, p. 344.
18. STC 2/1981. Seguiram-se inúmeros pronunciamentos do Tribunal Constitucional Espanhol nesse sentido, como estes acórdãos (sentencias): SSTC 77/1983, 66/1986, 159/1987. 154/1990, 204/1996 e 177/1999.
19. Cf.: GARBERÍ LLOBREGAT; BUITRÓN RAMÍREZ. Principio de no concurrencia de sanciones tributarias, p. 344.
20. Foi o que declarou o Tribunal Supremo Espanhol na Sentença de 12 de maio de 1986, baseado na premissa de que seria irrelevante, para a aplicação do princípio do non bis in idem, qual sanção foi aplicada anteriormente: esta sempre impediria a aplicação de qualquer outra sanção. Como exposto pelo Tribunal, "la posibilidad de sancionar, una conducta, administrativamente y, más tarde, penalmente, o viceversa, se halla proscrita por la sentencia de 30 de mayo de 1981, dictada por el Tribunal Constitucional, en cuya sentencia se declaró que la Constitución, suprema rectora del ordenamiento jurídico, no sanciona favorablemente el principio de derecho «bis in idem», sino que, antes al contrario, el respaldado, por el ordenamiento constitucional, es el principio de Derecho «non bis in idem», el cual no permite, por unos mismos hechos, duplicar o multiplicar la sanción sea cualquiera la autoridad que primeramente la haya impuesto" (STS de 12 de maio de 1986). Esse entendimento veio a ser excepcionado com a prolação da Sentença de 30 de janeiro de 1991, na qual o Tribunal Supremo externou que não haveria violação ao princípio do non bis in idem pela aplicação de uma sanção penal posteriormente à administrativa, em virtude de a aplicação desta consubstanciar uma etapa necessária para a da sanção penal (já que, no regime do art. 37 da Lei 50/1977, exigia-se que se esgotasse a via administrativa para o início da ação penal) e de não haver se cobrado da sociedade a sanção administrativa (STS de 30/01/1991).
21. Cf: SSTC 77/1983 e 2/2003.
22. STC 2/2003.
23. "Art 11. Inclui-se entre os fatos constitutivos do crime de apropriação indébita, definido no art. 168 do Código Penal, o não-recolhimento, dentro de 90 (noventa) dias do término dos prazos legais: a) das importâncias do Impôsto de Renda, seus adicionais e empréstimos compulsórios, descontados pelas fontes pagadoras de rendimentos; b) do valor do Impôsto de Consumo indevidamente creditado no-s livros de registro de matérias-primas (modêlos 21 e 21-A do Regulamento do Impôsto de Consumo) e deduzido de recolhimentos quinzenais, referente a notas fiscais que não correspondam a uma efetiva operação de compra e venda ou que tenham sido emitidas em nome de firma ou sociedade inexistente ou fictícia; c) do valor do Impôsto do Sêlo recebido de terceiros pelos estabelecimentos sujeitos ao regime de verba especial. [...] §3º Nos casos previstos neste artigo, a ação penal será iniciada por meio de representação da Procuradoria da República, à qual a autoridade de julgadora de primeira instância é obrigada a encaminhar as peças principais do feito, destinadas a comprovar a decisão final condenatória proferida na esfera administrativa" (Lei 4.357/64).
24. STF, Pleno, ADI 1.571 MC, Rel. Min. Néri da Silveira, 03.1997. No mérito, o Tribunal reformou a decisão liminar para julgar improcedente o pedido (STF, Pleno, ADI 1.571, Rel. Min. Gilmar Mendes, 12.2003), haja vista a decisão proferida no HC 81.611, que será comentada a seguir.
25. Como exposto pelo Ministro Sydney Sanches: "Sr. Presidente, estava propenso, de início, a admitir a interpretação conforme, por seu conteúdo pedagógico, pois poderia parecer que, indeferida a cautelar, o Ministério Público não poderia propor a ação de que se trata, mas, no voto do eminente Relator e dos que o acompanharam, essa questão ficou bem esclarecida".
26. Para uma crítica à qualificação da prejudicial como uma causa objetiva de punibilidade, vide FONTELES. "A constituição do crédito tributário não é condição objetiva de punibilidade aos delitos contra a ordem tributária", item 24 et. seq. Fonteles afirma tratar-se de questão prejudicial heterogênea, por consistir numa questão a ser decidida por autoridade diversa do Juiz penal, ob. cit., item 32 et. seq. A distinção, porém, é irrelevante para nossa análise.
27. STF, Pleno, HC 81.611, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 10.2003. Esse entendimento passou a ser aplicado pacificamente pelo STF.
28. Sobre o tema, vide: DE BONO. L´accertamento tributario, v. I, p. 9 et. seq.; MANGIONE. L´atto d´accertamento tributario nel diritto penale, p. 102 et. seq.; GIANNINI. I concetti fondamentali del Diritto Tributario, p. 270 et. seq.
29. Conferir as obras mencionadas pelo Ministro Sepúlveda Pertence, ao referir justamente a polêmica sobre os efeitos do lançamento perante a relação obrigacional: "Alberto Xavier. Do lançamento. Forense, 1991; J. Souto Maior Borges. Lançamento tributário. Forense, 1981; Ruy Barbosa Nogueira. Teoria do lançamento tributario. Resenha Tributária, 1973.
30. MARTINEZ PÉREZ. El delito fiscal, p. 346-347.
31. MARTINEZ PÉREZ. El delito fiscal, p. 348.
32. AYALA GOMEZ. El delito de defraudación tributaria: artículo 349 del Código Penal, p. 322-323. Também esposa esse entendimento Muñoz Baños: "Parece evidente que en un sistema tributario donde la cuantificación de la cuota tributaria (y también, lógicamente, de la deuda) se realiza por el sistema de autoliquidaciones el sujeto pasivo eludirá el pago de tributos o bien no presentando sus declaraciones-liquidaciones, esto es por omisión, o presentándolas con enganos o falsedades" (MUÑOZ BAÑOS. Infracciones tributarias y delitos contra la Hacienda Pública, p. 435).
33. MANGIONE. L´atto d´accertamento tributario nel diritto penale, p. 206.
34. Para uma visão crítica da ilegitimidade dessa subordinação no regime constitucional brasileiro, remetemos o leitor ao excelente trabalho dos Procuradores da República Douglas Fischer e Luciano Feldens, intitulado "A decisão desconstitutiva do crédito tributário e a ação penal" e referido na bibliografia.
35. Vale referir que, na Espanha, há possibilidade de extinguir-se a punibilidade mediante a regularização voluntária da situação tributária, antes da notificação do começo da fiscalização ou, se não houve fiscalização, antes da denúncia (art. 305 do CP). Para os crimes contra a Seguridade Social, existe uma previsão similar no art. 307.3 do Código Penal.
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