Aspectos da Responsabilidade Civil do Estado

Autor: Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz
Desembargador Federal do TRF da 4ª Região
Publicado na Edição 21 - 19.12.2007

A partir de 1946, adotou-se, no Brasil, no que concerne às entidades de direito público, a responsabilidade objetiva com fulcro na teoria do risco administrativo, sem, no entanto, adotar a posição extremada dos adeptos da do risco integral, em que a Fazenda Pública responderia sempre, mesmo presentes as excludentes da obrigação de indenizar (CF de 1946, art. 194 e seu § único; CF de 1967, art. 105 e seu § único; CF de 1969, art. 107 e seu § único e CF de 1988, art. 37, § 6º).

A Suprema Corte, em mais de uma oportunidade, fixou o exato alcance do comentado dispositivo constitucional. Assim o fez no RE nº 68.107-SP, julgado pela 2ª Turma, verbis:

"(...)
II. A responsabilidade objetiva, insculpida no art. 194 e seu parágrafo único, da CF de 1946, cujo texto foi repetido pelas Cartas de 1967 e 1969, arts. 105-7, respectivamente, não importa no reconhecimento do risco integral, mas temperado.
(...)" (In RTJ 55/50).

Em seu voto, o relator, o eminente Ministro THOMPSON FLORES, ex-Presidente da Excelsa Corte, salientou, verbis:

"... embora tenha a Constituição admitido a responsabilidade objetiva, aceitando mesmo a teoria do risco administrativo, fê-lo com temperamentos, para prevenir excessos e a própria injustiça.

Não obrigou, é certo, à vitima e aos seus beneficiários, em caso de morte, a prova de culpa ou dolo do funcionário para alcançar indenização. Não privou, todavia, o Estado do propósito de eximir-se da reparação, que o dano defluíra do comportamento doloso ou culposo da vítima.

Ao contrário senso, seria admitir a teoria do risco integral, forma radical que obrigaria a Administração a indenizar sempre, e que, pelo absurdo levaria Jean Defroidmont (La Science du Droit Positif, p. 339) a cognominar de brutal. (...)" (In RTJ 55/52-3).

Outro não foi o entendimento adotado por um dos mais conceituados administrativistas do país, o eminente e saudoso Ministro THEMÍSTOCLES CAVALCANTI, ao votar no julgamento do RE nº 61.387-SP, verbis:

"(...)
Partindo da teoria da igualdade dos encargos e das finalidades essenciais do Estado, o clássico Tirard chegava à responsabilidade do Estado pela falta verificada no serviço (De la responsabilité du service publique, 1906).

Nesta particular, a variedade na aplicação dos casos é muito grande. Principalmente a jurisprudência francesa se detém no exame das hipóteses. É assim que são mencionados casos de responsabilidade, ou por não se ter evitado um perigo por meio de obras necessárias, como a construção de um parapeito na estrada; de não se ter impedido a circulação em um trecho perigoso; de não se ter retirado um obstáculo em um rio canalizado etc. ou por omissão material, por falta de sinalização, de abandono de trecho da estrada, abertura de trincheira em uma estrada etc.

Essa teoria não é talvez suficiente para prever todas as hipóteses de responsabilidade do Estado, mas a sua aplicação deve ser casuística para não envolver a responsabilidade do Estado em todos os casos em que age dentro de sua finalidade própria.

Assim, nem sempre se verifica essa responsabilidade, de acordo com a boa doutrina, quando há escassez de abastecimento de água, interrupção de energia elétrica, o mal calçamento de uma estrada. Depende sempre das circunstâncias.

(...)”(In RTJ 47/381. No mesmo sentido, RTJ 71/99, bem como julgado do extinto Tribunal Federal de Recursos no julgamento da AC nº 33.552, rel. Ministro CARLOS MÁRIO VELLOSO, in RDA 137/233).

Na doutrina nacional, a jurisprudência do Pretório Excelso é respaldada, como se verifica, entre outros, dos seguintes autores: HELY LOPES MEIRELLES, in Direito Administrativo Brasileiro. 14. ed., Rev. dos Tribs., 1989. p. 551; CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, in Responsabilidade Civil. 1. ed., Forense, 1989. p. 143. n. 105.

Da mesma forma, a idêntica solução é adotada na França, como leciona o clássico LAUBADÈRE, verbis:

"La jurisprudence a consacré, au-delá de la responsabilitè pour faute, une responsabilitè de l'administration pour risque; elle admet que, dans certains cas, les collectivités publiques sont tenues de réparer les dommages entrainés par leur activité même non fautive. La responsabilité pour risque est, rappelons-le, celle qui est engagée dès lors qu'est établie une relation de cause a effet entre l'activité de l'auteur du dommage et ce dommage lui même" (In ANDRÉ DE LAUBADÈRE, Traité Élémentaire de Droit Administratif. Libr. Générale, Paris, 1953. p. 490, nº 892. Igualmente, JEAN RIVERO, in Droit Administratif. Huitième édition, Dalloz, Paris, 1977. p. 274, nº 284).

Portanto, a teoria do risco administrativo, adotada pelas Constituições brasileiras, a partir de 1946, não implica o reconhecimento de que a Administração Pública tenha que indenizar sempre, mesmo quando presentes as excludentes dessa responsabilidade.

Ilustrativo, a propósito, é o precedente julgado pela 3ª Turma desta Corte de que fui relator, verbis:

"CONSTITUCIONAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO PODER PÚBLICO. ART. 37, § 6º, DA CF/88. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. BACEN. FISCALIZAÇÃO DE CONSÓRCIO. CONDUTA OMISSIVA. EFEITOS.
1. Ao BACEN não é permitido gerir a instituição fiscalizada, não há como concluir que esse dever de fiscalizar chegue ao ponto de evitar a quebra da instituição fiscalizada, pois fiscalizar, de per si, não significa atuar, nem constitui garantia de que o efetivo exercício da fiscalização impediria a gestão inadequada da empresa de consórcio. Portanto, para se apurar a responsabilidade do BACEN, deve ser verificado se houve dolo ou culpa deste e, ainda, nexo causal, ou seja, se o prejuízo da parte autora advém diretamente da alegada falha na fiscalização.
2. Nessa condição de órgão fiscalizador, por si só, não torna o BACEN garante das instituições financeiras, já que a sua atividade visa prevenir prejuízos (TRF 4ª R., AC nº 90.04.09451-2-PR, in LEX-JSTF e TRF, v. 48/531-2).
Assim, tratando-se de responsabilidade por atos omissivos da Administração Pública, não é caso de responsabilidade objetiva, e sim subjetiva, somente podendo acarretar a responsabilidade do BACEN se comprovada a conduta dolosa ou culposa de seus agentes contribuindo, portanto, para a verificação do evento danoso.
Impende acentuar-se que a responsabilidade objetiva prevista no art. 37, § 6º, da Lei Maior não se aplica ao ato omissivo do Poder Público, nos termos da doutrina e da jurisprudência (CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO, Responsabilidade Extracontratual do Estado por Comportamentos Administrativos, in Revista dos Tribs., 552/13; TJMG, Ap. nº 76.928/1, rel. Desembargador OLIVEIRA LEITE, in Revista Forense, v. 305/202).
Outro não é o entendimento da doutrina, ao examinar a posição do Banco Central da França, em monografia escrita por DIMITRIS TRIANTAFYLLOU, verbis:
'Ayant à étudier la Banque de France comme autorité administrative on a parlè de ses prérogatives et de ses missions pour conclure sur ses actes, sans insister sur la responsabilité pouvant résulter de ces derniers. Dans la mesure où la Banque exerce un service public administratif, la mise en cause de sa responsabilité relève du juge administratif, même si elle est considérée comme personne de droit privé. Il est significatif que la Cour de cassation, statuant sur l'imunité de la Banque du Japon, quand celle-ci exerce sa mission de contrôle des changespour le compte de l'Etat dans 1'intérêt du service public et par des actes de puissance publique, ait utilisé les catégories de la responsabilité administrative pour cantonner 1'immbunité aux cas où en droit français les tribunaux administratifs seraient compétents, c'est-à-dire aux cas de faute de service. On peut présumer que faute lourde serait requise, en raison de la complexité de la matière (comme en matière fiscale) pour la mise en cause de la responsabilité de la Banque.'
(In L'Activité Administrative de la Banque Centrale, Libraire de la Cour de cassation, Paris, 1992, p. 72)

No mesmo sentido, manifesta-se HENRY LALOU, verbis:
'Pas davantage 1'Etat n'est responsable du détournement par un banquier de bons du Trésor er de titres de rente au préjudice d'un particulier qui les avait remis au banquier en vue des opérations de conversion prescrites par la loi du 17 septembre 1932: ce particulier, en effet, a déposé les valeurs dont s'agit dans un établissement de crédit qu'il avait libremnt choisi, en dehors de toute intervention de l'Administration, et, d'autre part, aucune disposition de loi ou de règlement n'imposait à 1'Administration l'obligation de fixer limitativement la liste des établissements admis à prêter leur entremise pour les échanges de titres rendus nécessaires en vue de la conversion (Cons. d'Et. 23 avr. 1937, Gaz. Pal. 14 sept. 1937)'. (In Traité Pratique de la Responsabilité Civile, 5ª ed., Dalloz, Paris, 1955, p. 915, nº 1524 bis.)

GEORGES VEDEL, ao examinar a questão, afirma, verbis:
'Mais la différence avec le droit civil subsiste sur un point très important: c'est que, lorsque certaines activités particulièrement difficiles à remplir sont en cause, seule la faute lourde est de nature à engager la responsabilité de la puissance publique.' (In Droit Administratif, Presses Universitaires de France, 1990, t. 1, p. 578 )
Ademais, no caso dos autos, não restou demonstrada a comprovação da omissão da fiscalização do BACEN para o efeito de acarretar a sua responsabilidade subjetiva, pois, do exame atento dos autos não é possível afirmar-se que a fiscalização da autarquia poderia ter evitado a liquidação extrajudicial da Coroa S/A-Crédito, Financiamento e Investimento.

Essa é a jurisprudência dos Tribunais ao apreciar idêntico caso dos autos: STJ, REsp. nº 43.102-6, rel. Min. MILTON PEREIRA, in DJU I de 05.06.95, p. 16.637; TRF da 4ª Região, in RTRF 8/169.
Ora, é certo que a responsabilidade civil do Poder Público, com o correr dos anos, tem sido informada, cada vez mais, pelos princípios que regem o direito público (v.g., SANTI ROMANO, in Corso di Diritto Amministrativo - Principi Generali. 3ª ed., CEDAM, Padova, 1937, p. 299/300, § 1º, n. 1), porém, admitir-se, como pretende a inicial, a responsabilidade objetiva do BANCEN pela omissão na fiscalização de instituição financeira, é interpretar-se equivocadamente o art. 107 da CF de 1969 – hoje art. 37, § 6º, da CF de 1988 –, que não se aplica ao ato omissivo do Poder Público.

É de acrescentar-se, ainda, que em nenhum momento restou comprovado que o dano sofrido pelos autores, ora recorrentes, decorreu da omissão do BACEN, ônus que lhes cabia, a teor do art. 333, I, do CPC.

3. Precedentes da Corte.

4. Improvimento da apelação."
(TRF 4ª Região, 3ª Turma, AC nº 2004.70.03.004382-3/PR, Rel. Des. Fed. Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, julg. 13.02.2006, DJU 03.05.2006)

Quando integrante ainda do Ministério Público Federal, ao emitir parecer na AC nº 96.04.05226-8, examinei caso curioso versando os efeitos civis da sentença penal, verbis:

"1. Trata-se de apelações insurgindo-se contra a r. sentença de fls. 177/181 que condenou a União Federal ao pagamento de indenização em decorrência da morte do filho dos autores, ocorrida quando da prestação do serviço militar obrigatório.

2. É de se dar provimento ao apelo da União Federal.
Com efeito, consoante se constata da manifestação do Ministério Público Militar, acolhida pelo eminente Juiz-Auditor, determinando o arquivamento de Inquérito Policial Militar, decisão que transitou em julgado ( docs. de fls. 55/8 ), o óbito ocorreu por culpa exclusiva da vítima, que desobedeceu ordens superiores em sentido contrário.

3. Ora, no caso dos autos, incide o disposto no art. 1.525 do Código Civil, pois, de forma categórica, a decisão criminal reconheceu inexistir conduta criminosa nas ações do Tenente PHEULA e do Sargento VITOR HUGO ALVES LOPES, afirmando, verbis, que ‘se culpa houve, é esta unicamente, da responsabilidade do Sd. Vitimado’ (In fl. 57v ).

4. Assim, a decisão criminal que reconhece, peremptoriamente, inexistir conduta criminosa no procedimento do agente público e, mais ainda, afirmando que o evento deve-se, exclusivamente, à culpa da vítima, tal decisão, realmente, afasta o disposto no art. 67, I, do CPP, impondo-se no juízo cível ( art. 1.525, 2ª parte, da Lei Civil).

5. Em caso semelhante ao dos autos, deliberou o Egrégio Tribunal Regional Federal da 2ª Região, verbis:
‘DELEGADO DE POLÍCIA FEDERAL. DEMISSÃO ‘A BEM DO SERVIÇO PÚBLICO’. ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL (...)
As regras dos arts. 1.525 do CC e 63 a 68 do CPP, dizem respeito, especificamente, à área civil em sentido estrito, e não cível, em sentido largo. Irrelevância de tratar-se de ato de arquivamento, e não de sentença absolutória, dado que o primeiro opera preclusão, nos termos do disposto no art. 18 do CPP e do enunciado da Súmula STF nº 524. Não-incidência, na espécie, do estatuído pelo art. 67, I, do CPP diz respeito à não-obstaculização da ‘propositura da ação civil’. Aplicação analógica do prescrito pelo art. 409 do CPP, equivalendo o arquivamento, por não convencimento da existência do crime à improcedência da ação. O arquivamento corresponde ao reconhecimento da ausência de justa causa para a persecução penal: o fato continua punível, mas a pretensão punitiva fica neutralizada, salvo se houver a superveniência de novas provas. A absolvição criminal e o arquivamento, por seu turno, equivalem à pena zero com prescrição, inclusive retroativa, no máximo em dois anos, prazo mínimo. (...).’
(Ap. nº 33.628/RJ, rel. Des. D'ANDRÉA FERREIRA, in Revista Forense, 325/170)

6. Portanto, sendo unânime na doutrina a eficácia absoluta da sentença criminal no juízo cível, nos caso previstos no art. 1.525, 2ª parte, da lei civil, impõe-se o reconhecimento, no caso dos autos, da ocorrência da culpa da vítima pelo evento danoso, afastando, dessa forma, a responsabilidade objetiva da União Federal.

7. Nesse sentido, pronuncia-se a melhor doutrina, verbis:
Tandis que les jugements criminels influent, en principe, sur le civil, les jugements civils sont au contraire, en principe, sans influence sur le criminel.
(P. LACOSTE, in De La Chose Jugée en Matière Civile, Criminelle, Disciplinaire Et Administrative, Librairie Du Recueil Général des Lois et des Arrêts, Paris, 1894, p. 405, n. 1302 )
Nous ne nous occuperons pas, en principe, du problème inverse de l'autorité du civil sur le criminel. Problème peu intéressant d'ailleurs, puisqu'il est aujourd'hui unanimement admis que les décisions civiles sont dépourvues de toute autorité pour les juges criminels.’
(PIERRE HÉBRAUD, in L'Autorité de la Chose Jugée au Criminel sur le Civil, Librairie du Recueil Sírey Paris, 1929, p. 8 )

8. Tal princípio – a eficácia absoluta da sentença criminal – no juízo cível, uma vez reconhecidas as circunstâncias do art. 1525, 2ª parte, do Código Civil -, é explicitado por PIERRE HÉBRAUD, em sua citada obra, quanto ao seu efeito probatório, verbis:
Il faut définir la nature de cet effet probatoire; il faut montrer que nous sommes bien en présence d'une véritable autorité de la chose jugée. Elle possède, en effet, les deux caractères qui distinguent l'autorité de la chose jugée: d'abord elle constitue une preuve irréfragable, une ‘présomption juris et de jure’, qui s'impose de façon absolue au juge civil et contre laquelle aucune autre preuve ne saurait prévaloir; - ensuite, cette force probant, se tirant du jugement lui-même, est indépendante des preuves qui ont été produites dans l'instance pénale et sur lesquelles s'appuie le jugement doué de l'autorité de la chose jugée; leur insuffisance, leurs vices, leur disparition n'altère pas la force probante du jugement, son autorité de chose jugée: la décision est détachée de sa preuve.
(In L'Autorité de la Chose Jugée au Criminel sur le Civil, Librairie du Recueil Sirey, Paris, 1929, p. 263 )

9. Por conseguinte, a r. sentença recorrida violou o disposto no art. 1.525, 2ª parte, do Código Civil, que veda, às expressas, o juiz admitir a existência material do fato, ou a respectiva autoria, de modo contrário ao pronunciamento da jurisdição criminal.

10. E, mais ainda, vulnerou a própria coisa julgada, que CÍCERO afirmava ser um dos pilares da República, e contra a qual é impotente mesmo o legislador ordinário ( art. 5º, XXXVI, da CF de 1988 ).

11. Dessarte, demonstrada a inexistência de culpa no ato do servidor público, e, além disso, reconhecido na jurisdição criminal que o evento danoso ocorreu por culpa da vítima, afasta-se a responsabilidade objetiva da União Federal, eis que o disposto no art. 37, § 6º, da CF de 1988, adotou a teoria do risco administrativo, e não a do risco integral, excluindo a sua responsabilidade quando verificados o caso fortuito, a força maior ou a culpa da vítima.

12. Nesse sentido, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, verbis:
'Responsabilidade civil. Ação contra a União Federal. Culpa parcial da vítima. Redução da indenização.
II. A responsabilidade objetiva, insculpida no art. 194 e seu parágrafo, da Constituição Federal de 1946, cujo texto foi repetido pelas Cartas de 1967 e 1969, arts. 105-7, respectivamente, não importa no reconhecimento do risco integral, mas temperado.
III. Invocada pela ré a culpa da vítima, e provado que contribuiu para o dano, autoriza seja mitigado o valor da reparação.
Precedentes. Voto vencido.
Recurso não conhecido.’
(RE nº 68.107-SP, rel. Min. THOMPSON FLORES, in RTJ 55/50 )

13. Em seu voto, assinalou o eminente Relator, o Ministro THOMPSON FLORES, verbis:
‘(...) embora tenha a Constituição admitido a responsabilidade objetiva, aceitando mesmo a teoria do risco administrativo, fê-lo com temperamentos, para prevenir os excessos e a própria injustiça.
Não obrigou, é certo, à vítima e aos seus herdeiros em caso de morte, a prova da culpa ou dolo do funcionário, para alcançar indenização. Não privou, todavia, o Estado do propósito se eximir-se da reparação, que o dano defluíra do comportamento doloso ou culposo da vítima.
A contrário senso, seria admitir a teoria do risco integral, forma radical que obrigaria a Administração a indenizar sempre, e que, pelo absurdo levaria Jean Defroidmont (La Science du Droit Positif, p 339) a cognominar de brutal.’
(In RTJ 55/52-3 )

14. Assim, a r. sentença de fls. 177/181 violou o disposto no art. 1.525, 2ª parte, do Código Civil, bem como o art. 37, § 6º, da Carta da República."

Em outro precedente, apreciado pela mesma 3ª Turma, reconheceu-se a responsabilidade do Estado em razão do ato judicial, verbis:

"CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO EM RAZÃO DO ATO JUDICIAL. ART. 37, § 6º, DA CF/88.
1. Realmente, embora a matéria seja controvertida, entendo que a responsabilidade civil do Estado, prevista no art. 37, § 6º, da CF/88, compreende, também, os atos judiciais.
Em artigo de doutrina, intitulado “Responsabilidade do Estado por Atos Judiciais”, publicado na Revista Arquivos do Ministério da Justiça, a. 50, nº 189, jan./jun. 1988, concluí, a pp. 76/7, verbis:
‘A responsabilidade do Estado por atos judiciais funda-se na regra geral sobre responsabilidade da Fazenda Pública por prejuízos causados na organização ou no funcionamento do serviço público.
Ora, na medida em que o disposto no § 6º do art. 37 da Lei Maior enunciou o princípio da responsabilidade objetiva do Estado por ato de seus agentes, exercendo o Poder Judiciário um serviço público e sendo o magistrado o seu agente, é inarredável a conclusão de que os seus atos caem no âmbito dessa regra geral.
Com efeito, essa é a melhor exegese do art. 37, § 6º, da Constituição Federal de 1988, a que melhor atende à sua finalidade e ao próprio espírito da Constituição, o que não deve ser desprezado pelo intérprete.
Scire leges non est verba earum tenere, sed vim ac potestatem (Celso, Dig., 1, 3, 7).
Nesse sentido, ademais, é a distinção no direito constitucional americano entre a interpretação em sentido estrito e a construction, na clássica lição de Thomas Cooley, verbis:
Construction, on the other hand, is the drawing of conclusions, respecting subjects that lie beyond the direct expressions of the text, from elements known from and given in the text; conclusions which are in the spirit, though not within the letter of the text.
Da mesma forma o ensinamento de William Blackstone, verbis:
(...) the most universal and effectual way of discovering the true meaning of a law, when the words are dubious, is by considering the reason and spirit of it.
Assim, face ao disposto no art. 37, § 6º, da Constituição Federal de 1988, incumbe ao Estado responder perante o jurisdicionado lesado pelo ato judicial danoso, o que, por sua vez, resguarda a independência do magistrado. Por outro lado, a responsabilidade pessoal do juiz, que há de ser levada a cabo pelo Estado mediante ação regressiva, estará caracterizada apenas nos casos dos arts. 133 do CPC e 49 da Loman.
Não se pretende, evidentemente, a responsabilidade do Estado em termos tão amplos de modo a comprometer a independência funcional dos juízes, sem a qual estes viveriam em permanente sobressalto ante o receio de serem responsabilizados civilmente, em ação direta ou por via regressiva, a chamado da Fazenda Pública.
De forma que, não obstante a persistência das idéias que sustentam a imunidade do Estado-juiz, notadamente na jurisprudência, vai pouco a pouco perdendo terreno a tese da irreparabilidade dos danos originários do mau funcionamento do serviço da justiça, podendo-se concluir com Ardant que ‘de même que pour l’élaboration de la responsabilité administrative, la voie sera longue qui aboutira à la systématisation de la responsabilité de l’État-juge. Mais ici, il y aura l’exemple de la fonction jumelle, les difficultés rencontrées se retrouveront à nouveau. Il faudra tirer la leçon des échecs ou des insuffisances des devanciers. (...) La jurisprudence est encore inconsciente de son erreur, bien que les premières hesitations annonciatrices de la perception de la lumière semblent se manifester. L’irresponsabilité de l’Etat du fait de la fonction juridictionnelle est un faux principe. Sur quelles bases peut-on bâtir cette responsabilité? Les discussions sont possibles et un grand pas sera déjà fait lorsque elles s’ouvriront.
É o caso em exame.
2. No caso dos autos, restou configurada a violação ao disposto nos arts. 5º, LXXV, e 37, § 6º, da CF/88, ensejando a procedência da ação, como reparação do dano moral sofrido pelos apelantes.
Em precioso estudo, intitulado “Il Danno Morale (Contributo alla teoria del danno extracontrattuale)”, publicado na Rivista di Diritto Civile, anno III, 1957, parte prima, CEDAM, pp. 332/3, assinalou Renato Scognamiglio, acerca dos critérios de indenização do dano extrapatrimonial, verbis:
L’altra soluzione – che è stata anche di recente esplicitamente difesa [Knöpfel, op. cit. p. 152 ss. (anche per gli argomenti successivi in favore della teoria)] – appare senza dubbio meglio rispondente alla idea del risarcimento. Si assume in proposito che tra le circostanze del caso, cui la valutazione equitativa fa capo, sicuramente rientra qui la colpa del reo: in particolare la violazione della personalità umana (e quella connessa del sentimento di giustizia) – che nell’ipotesi si consuma – risulterebbe tanto piú grave, quanto maggiore sarà l’entità della colpa. Né varrebbe l’agevole obiezione che il moderno diritto civile non tiene alcun conto, ai fini della responsabilità, del grado della colpa, poiché questo principio potrebbe applicarsi in pieno soltanto al risarcimento vero e proprio. Ma deve replicarsi: quest’ultima considerazione non appare solidamente fondata se si riflette che il nostro legislatore fa menzione anche qui del risarcimento e dunque sono da applicare all’intera materia gli stessi principi generali. In ogni caso poi il criterio suggerito non sembra rispondente alla natura del nostro istituto: se difatti si tratta di risarcimento e non di pena – come senz'altro si ammette - non si spiega perché debba tenersi conto, ai fini del risarcimento, essenzialmente della gravità della colpa. Vi potrà essere senza dubbio una coincidenza in tal senso perché, a colpa piú grave potrà corrispondere un torto piú grave e maggior dolore, ma non piú di questo. L’unico criterio, in definitiva, che possa con sufficiente sicurezza adottarsi è quello – soltanto fondato sulla ratio del nostro istituto – che fa capo alla intensità del dolore sofferto. Posto che tale è il danno che viene preso in considerazione – e si tratta di attribuire alla vittima adeguate soddisfazioni compensative (non di punire il reo) – agevolmente si spiega che debba aversi riguardo essenzialmente alla entità delle sofferenze psichiche, quale può desumersi, tra l’altro, dalle circostanze principali del caso. La obiezione che cosí si rischia di cadere in un pericoloso sentimentalismo, per la eccessiva considerazione della sensibilità di ciascun soggetto, non va sopravalutata [Contro questo pericolo ammonisce di recente Cass., 30 giugno 1954, n. 2261, in Resp. civ., 1954, p. 450.]. I1 pericolo non sussiste perché, per la ben nota impossibilità di misurare il dolore, si rimane sempre nel campo della valutazione equitativa, che è 1’oggetto dell’attuale indagine. Il riferimento al dolore subito opera cosí come criterio di base dell’apprezzamento del giudice, il quale, nel pronunziarsi in definitiva secondo il suo prudente arbitrio, non mancherà di tener presente – per meglio contemperare fra l’altro le opposte esigenze – sopratutto quella che può essere, nella fattispecie, la sensibilità al dolore dell’uomo medio. Soluzione che consente tra l’altro – a quanto ci sembra – di realizzare risultati abbastanza costanti, evitando il pericolo di eccessive fluttuazioni della giurisprudenza. Ed appare poi di agevole applicazione pratica: poiché già l’accertamento, che in ogni caso deve farsi, della ricorrenza del danno morale fornirà un criterio abbastanza approssimativo di orientamento circa l’entità del dolore.
In casu, é patente o dano moral sofrido pelos apelantes, consoante bem examinado no parecer do MPF antes transcrito, impondo-se, portanto, a sua fixação no valor de 150 salários mínimos, a cada um dos autores, segundo o seu valor na época dos fatos, devidamente atualizado, nos termos da Súmula 562 do STF, acrescido de juros de mora, desde a citação no presente feito, e honorários advocatícios, que fixo em 10% sobre o valor da condenação.
No caso em exame, descabe a denunciação da lide do Magistrado, eis que não configurados os pressupostos dos arts. 133 do CPC e 49 da LOMAN.
3. Apelação conhecida e parcialmente provida."
(TRF 4ª Região, 3ª Turma, AC nº 2000.71.00.007252-0/RS, Rel. Des. Fed. Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, julg. 30.09.2003, DJU 22.10.2003)

Com efeito, consoante reiteradamente tem decidido a Suprema Corte, o disposto no art. 37, § 6º, da CF, caracteriza a teoria objetiva da responsabilidade civil do Estado, sob a modalidade do risco administrativo, entretanto, com temperamentos (RE nº 68.107-SP, rel. Min. THOMPSON FLORES, in RTJ 55/50; RE nº 116.658-SP, rel. Min. FRANCISCO REZEK, in RTJ 131/417).

Nesse sentido deliberou o Pretório Excelso, verbis:

"Responsabilidade civil do Estado. Dano decorrente de assalto por quadrilha de que fazia parte preso foragido vários meses antes. A responsabilidade do Estado, embora objetiva por força do disposto no art. 107 da Emenda Constitucional nº 1/69 (e, atualmente, no § 6º do art. 37 da Carta Magna), não dispensa, obviamente, o requisito, também objetivo, do nexo de causalidade entre a ação ou a omissão atribuída a seus agentes e o dano causado a terceiros.
Em nosso sistema jurídico, como resulta do disposto no art. 1.060 do Código Civil, a teoria adotada quanto ao nexo de causalidade é a teoria do dano direto e imediato, também denominada teoria da interrupção do nexo causal.
Não obstante aquele dispositivo da codificação civil diga respeito à impropriamente denominada responsabilidade contratual, aplica-se ele também à responsabilidade extracontratual, inclusive a objetiva, até por ser aquela que, sem quaisquer considerações de ordem subjetiva, afasta os inconvenientes das outras duas existentes: a da equivalência das condições e a da causalidade adequada.
No caso, em face dos fatos tidos como certos pelo acórdão recorrido, e com base nos quais reconheceu ele o nexo de causalidade indispensável para o reconhecimento da responsabilidade objetiva constitucional, é inequívoco que o nexo de causalidade inexiste, e, portanto, não pode haver a incidência da responsabilidade prevista no art. 107 da Emenda Constitucional nº 1/69, a que corresponde o § 6º do art. 37 da atual Constituição. Com efeito, o dano decorrente do assalto por uma quadrilha de que participava um dos evadidos da prisão não foi o efeito necessário da emissão da autoridade pública que o acórdão recorrido teve com causa da fuga dele, mas resultou de concausas, com a formação de quadrilha, e o assalto ocorrido cerca de vinte e um meses após a evasão.
RE conhecido e provido."
(RE nº 130.763-PR, rel. Min. MOREIRA ALVES, in RTJ 143/270)

No mesmo sentido, a doutrina estrangeira, conforme o magistério de ROGER O. DALCQ, verbis:

"Ainsi a-t-il jugé que la commune n'est pas responsable de l'attentat commis lorsque le caractère soudain et imprévisible de celui-ci, qui a été perpétré la nuit, a empêché l'autorité de le prevenir et d'en connaître les auteurs. - Gand, 23 févr. 1955, Rev. comm., p. 234; Bull. Ass., p. 427; - cf. Brux., 14 déc. 1937, Rev. de l'adm., 1938, p. 138."
(In Traité de la Responsabilité Civile, 2ª ed., Maison Ferdinand Larcier Editeurs, Bruxelles, 1967, I, p. 503, n. 1523)

Quanto à apreciação da faute de service, pertinente a lição de RENÉ SAVATIER, verbis:

"La personne morale de droit public ne saurait répondre que d'une faute de service. L'expression est souple; elle signiffie essentiellement que la faute des services publics ne peut être appréciée sous le même angle, et selon le même barême, que la faute des personnes privées, seules soumises aux art. 1382 et s C. civ.
(...)
On mesure donc l'absence complète de rigidité de cette notion de faute de service. Le Conseil d'Etat cherche à y combiner les exigences essentielles de l'équité avec les nécessités de la raison d'Etat. Il fait ainsi dépendre la responsabilité, en même temps, de la gravité de l'acte commis, et de la relative immunité s'attachant, selon les cas, à la bonne gestion du service public. Dans cette dernière appréciation, il tient compte, à la fois, de l'importance du service, des ses difficultés particulières de fonctionnement, de ses dangers."
(In Traité de la Responsabilité Civile, 2ª ed., Libr. Générale, Paris, 1951, t. I, pp. 264-6, nº 211)

Dessa forma, ausentes quaisquer dos pressupostos que autorizam a responsabilidade objetiva do Estado, impõe-se a improcedência da ação visando a reconhecer tal responsabilidade.

Por outro lado, a absolvição com fundamento na legítima defesa vincula o juízo cível, para o efeito da responsabilidade civil, segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RE nº 88.029-RJ, Rel. Min. DJACI FALCÃO, in RTJ 83/649).

Ademais, o disposto no art. 37, § 6º, da CF/88 consagra a teoria objetiva da responsabilidade civil do Estado, sob a modalidade do risco administrativo, porém, com temperamentos, consoante reiteradamente tem decidido a Suprema Corte (RE nº 68.107-SP, Rel. Min. THOMPSON FLORES, in RTJ 55/50; RE nº 116.658-SP, Rel. Min. FRANCISCO REZEK, in RTJ 131/417).

Pertinente, no caso, o já citado magistério do Mestre da Faculdade de Direito de Montpellier, ANDRÉ DE LAUBADÈRE, verbis:

"La jurisprudence a consacré, au-delá de la responsabilitè pour faute, une responsabilitè de l'administration pour risque; elle admet que, dans certains cas, les collectivités publiques sont tenues de réparer les dommages entrainés par leur activité même non fautive.
La responsabilité pour risque est, rappelons-le, celle qui est engagée dès lors qu'est établie une relation de cause a effet entre l'activité de l'auteur du dommage et ce dommage lui même. Elle ne peut être levée que par la preuve soit de la faute de la victime, soit de la force majeure; elle ne l'est pas par le simple cas fortuit c'est-à-dire la circonstance que la cause de l'accident est inconnue; ce dernier trait distingue le système du risque du système de la présomption de faute, dans lequel la responsabilité est écartée aussi bien par le cas fortuit que par la force majeure."
(In Traité Élémentaire de Droit Administratif, Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence, Paris, 1953. p. 490-1, nº 892, § 20)

Ao julgar o RE nº 78.569-PR, em que foi relator o eminente Ministro FIRMINO PAZ, deliberou o Pretório Excelso, verbis:

"A responsabilidade objetiva de pessoa jurídica de direito público, prevista na Constituição Federal, não significa seja o Estado responsável, sempre, por dano causado a terceiro por seus órgãos presentativos. Não se adotou, no sistema jurídico brasileiro, em tema de responsabilidade civil, a teoria do risco integral.
- Se o acto jurídico ilícito do policial fora praticado em legítima defesa, não pertencem ao Estado o dever e a obrigação de indenizar a vítima.
- RE não conhecido."
(In RTJ 99/1.155)

Em seu voto, assinalou o eminente Relator, verbis:

"(...)
3. Admitindo-se, porém, o mais favorável às recorrentes, que o policial tenha agido ao exercício da função, ainda assim, não se pode ter o Estado por responsável, se comprovada e indiscutível fora a prática do ato contra a vítima, em legítima defesa.
4. A responsabilidade objetiva da pessoa jurídica de direito público, prevista no art. 105 da Constituição Federal de 1967, quanto no art. 107 da Constituição de 1969, não significa seja o Estado responsável, sempre, por dano causado a terceiro por seus órgãos presentativos. Não se adotou, no sistema jurídico nacional, em tema de responsabilidade civil, a teoria do risco integral.
Nesse sentido, é copiosa a jurisprudência desta Suprema Corte (Exemplo: Recurso Extraordinário nº 74.554-SP, 1ª Turma, AC de 30.8.1974. Relator: Ministro Rodrigues Alckmin)." (In RTJ 99/1.157)

Por conseguinte, tendo o servidor público agido em legítima defesa, resta afastada a incidência do comando previsto no art. 37, § 6º, da CF.

No que concerne ao reconhecimento da responsabilidade objetiva do Estado em razão da contaminação verificada em hospitais públicos, a matéria, também, já é objeto de estudos tanto na doutrina como na jurisprudência.

Na doutrina, colhem-se os seguintes ensinamentos, verbis:

"No plano da responsabilidade civil do Estado, refere Teresa Ancona Lopez que a responsabilidade pelos danos sofridos em hospitais públicos, bem como naqueles que têm convênio com o INSS, deverá ser informada pela teoria objetiva, pois se trata de responsabilidade de agente do Poder Público, a teor do art. 107 da Constituição de 1969: acórdão pioneiro, publicado na RF 89/178, datado de 16.09.41, estabeleceu a responsabilidade do Estado pela cegueira conseqüente de infecção adquirida por pessoa internada em hospital mantido pelo Estado."(YUSSEF SAID CAHALI, in Responsabilidade Civil do Estado, 2ª ed., Malheiros Editores, 1995, p. 327, nº 60)

"Dans l'organisation générale du service hospitalier ou à propos des soins hospitaliers ordinaires sans caractère médical, toute faute dans l'organisations ou dans le fonctionnement engage la responsabilité du service public." (PHILIPPE LE TOURNEAU, in La Responsabilité Civile, 2ª ed., Dalloz, Paris, 1976, p. 407, n. 1182)

"Un principe de responsabilité contractuelle a été retenu à la charge soit du principal d'un collège en ce qui concerne les objets du trousseau de ses élèves détruits par incendie (Trib. civ. Arras, 7 mai 1930, Gaz. Pal. 30 juin 1930), soit de l'Assistance publique pour maladie vénérienne contractée par une enfant reçue saine dans un hôpital." (HENRI LALOU, in Traité Pratique De La Responsabilité Civile, 5ª ed., Dalloz, Paris, 1955, p. 375, nº 485)

"Quel est, en effet, le contenu du contrat passé entre le malade ou sa famille et celui, médecin ou non médecin, qui hospitalise le malade (directeur de clinique, de maison de santé, d'asile d'aliénés, de maison de repos, etc)? La situation est ici différente de celle de l'hôtelier. Du fait de son état, le malade n'a plus la liberté dont jouit le client d'un hôtel, et il ne veut plus l'avoir: il s'en remet entièrement à la clinique du soin d'assurer sa sécurité; il se confie à elle. Il exige qu'auncun accident ne se produise; il ne lui suffit pas que celui qui le loge - et le nourrit promette de prendre toutes les précautions nécessaires. Seule la preuve de la cause étrangère libèrera donc celui qui hospitalise un malade en cas d'accident dû à l'établissement d'hospitalisation." (HENRI MAZEAUD et LEON MAZEAUD, in Traité Théorique - Et Pratique De La Responsabilité Civile Délictuelle Et Contractuelle, 4ª ed., Libr. Du Recueil Sirey, Paris, t. 1º, p. 182, nº 159-2)

No mesmo sentido, ainda, ROGER O. DALQ, in Traité De La Responsabilité Civile, 2ª ed., Maison Ferdinand Larcier Editeurs, Bruxelles, 1967, t. I, pp. 392/3, ns. 1129/1130, e AGUIAR DIAS, in Da Responsabilidade Civil, 7ª ed., Forense, 1983, v. I, pp. 349/350, nº 150.
Outro não é o entendimento adotado pela jurisprudência, verbis:

"Responsabilidade civil de hospital. Ato de enfermagem praticado por empregado seu (enfermeiro), em doente internado no estabelecimento, ocasionando perda parcial de membro superior. Efeitos.II. Na indenização inclui-se o dano moral (mutilação).(...)".(RE nº 73.788-GB, rel. Min. THOMPSON FLORES, in RTJ 62/255)

"Responsabilidade Civil - Infecção hospitalar. A obrigação médica não é evidentemente obrigação de resultado, o mesmo devendo ser dito da instituição hospitalar. Não se exige que assuma o dever de curar, de remediar todos os males, de vir a responder pela própria vida do paciente. Mas é evidente obrigação de meio de não abandonar o paciente, sequer sem assistência doméstica ou ambulatorial." (TJSP, 8ª C., 3.3.88, rel. FONSECA TAVARES, verb. 38009, p. 218, in ADCOAS 1988)

"ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. OPERAÇÃO CIRÚRGICA. ANESTESIA. ACIDENTE. CASO FORTUITO. NEXO DE CAUSALIDADE. I. É obrigação do Estado indenizar o dano resultante do ato lesivo que foi causador, se a vítima não concorreu para o dano. II. O caso fortuito nem sempre elide a responsabilidade do Estado, se existiu nexo causal entre o comportamento estatal e o dano. III. Responde o Estado pelo acidente ocorrido durante uma anestesia, em seus hospitais, ainda que não tenha o médico agido com negligência, imperícia ou imprudência, desde que tenha ocorrido nexo de causalidade entre o ato lesivo e o dano."(TRF da 1ª Região, AC nº 93.01.33571-9/GO, rel. Juiz TOURINHO NETO, in LEX 56/420)

"RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO - CEGUEIRA CONSEQÜENTE À INFECÇÃO ADQUIRIDA EM HOSPITAL. O Estado responde pela cegueira conseqüente à infecção adquirida por pessoa internada em hospital por ele mantido. Fazenda do Estado versus Josina Lopes Ap. nº 13.239 - Relator: DESEMBARGADOR MÁRIO GUIMARÃES Ac. unânime da 2ª Câmara Civil do Trib. de Ap. de São Paulo, em 16 de setembro de 1941." (Revista Forense nº 89/178)

Ademais, não há que se falar, pois, em fato fortuito. Aliás, mesmo que se admitisse aqui tal indagação, ver-se-ia, segundo a melhor doutrina, que o fortuito é indiferente para a aferição da responsabilidade objetiva do Estado, quando, como é o caso em exame, se demonstra o mau funcionamento de seus serviços.

É o que salienta ANDRÉ DE LAUBADÈRE, Mestre de Montpellier, em sua conceituada obra, verbis: "Quant au dommage dû au cas fortuit on rappelle que, s'il est consécutif à une activité de l'administration, il lui demeure imputable et que dès lors il engage sa responsabilité mais seulement lorsque s'applique le système du risque, non lorsque joue le système de la faute ou de la présomption de faute." (In Traité Élémentaire de Droit Administratif, Libr. Générale de Droit et de Jurisprudence, Paris, 1953, p. 499, nota nº 4)

Nesse sentido, ainda, em precedente específico acerca da matéria, deliberou a "Cour de Cassation" da França, verbis:

"Le contrat d'hospitalisation et de soins liant un patient à un établissement de santé privé met à la charge de ce dernier des obligations diverses, dont les plus importantes concernent l'obligation: - de mettre à la disposition des patients un personnel qualifié; - de leur fournir des locaux adaptés et des appareils sans défaut et ayant fait l'objet des mesures d'asepsie imposées par les données acquises de la science; - de leur procurer des médicaments répondant par leur nature et leur qualité au but poursuivi; - de leur donner les soins hospitaliers adaptés à leur état et de surveiller le comportement de ceux pouvant avoir des réactions de nature à nuire à eux-même ou à autrui. Un arrêt du 9 novembre 1999 (Civ. 1, arrêt nº 1715 D, pourvoi nº J 97-15.392) met particulièrement l'accent sur ce devoir de surveillance en précisant qu'il s'agit d'une obligation de prudence et de diligence dont les exigences varient suivant l'état du patient." (In Cour de Cassation - Rapport 1999, La Documentation Française, Paris, 2000, p. 396).

De tudo que foi exposto, conclui-se que a responsabilidade civil do Estado, nas últimas décadas, tem sido cada vez mais informada pelos princípios que regem o Direito Público (v.g. Santi Romano, in Corso di Diritto Amministrativo Principi Generali, 3ª ed., CEDAM, Padova, 1937, pp. 299/300, § 1º, n. 1), o que não acarreta, contudo, que o Poder Público seja responsável sempre por dano causado a terceiro por ato de seus agentes, pois as nossas Constituições, desde a de 1946, adotaram a teoria do risco administrativo, entretanto, com temperamentos.

Nesse sentido, para encerrar, recorde-se o voto proferido pelo Ministro THOMPSON FLORES quando do julgamento do RE 68.107-SP, verbis:

"... embora tenha a Constituição admitido a responsabilidade objetiva, aceitando mesmo a teoria do risco administrativo, fê-lo com temperamentos, para prevenir excessos e a própria injustiça.

Não obrigou, é certo, à vitima e aos seus beneficiários, em caso de morte, a prova de culpa ou dolo do funcionário para alcançar indenização. Não privou, todavia, o Estado do propósito de eximir-se da reparação, que o dano defluíra do comportamento doloso ou culposo da vítima.

Ao contrário senso, seria admitir a teoria do risco integral, forma radical que obrigaria a Administração a indenizar sempre, e que, pelo absurdo levaria Jean Defroidmont (La Science du Droit Positif, p. 339) a cognominar de brutal. (...)" (In RTJ 55/52-3).

Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023: 2002/ABNT):
. Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n. , dez. 2007. Disponível em:
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Acesso em: .