Sumário: Introdução. 1 O princípio da segurança jurídica. 2 Da revisão dos atos ilegais praticados pela administração previdenciária. 3 Da existência de prazo específico para a administração previdenciária. 4 O prazo de revisão dos atos administrativos no sistema da Lei nº 8.213/91. Considerações finais. Referências bibliográficas
Introdução
O presente trabalho foi escrito em face da exigência estabelecida pela Escola da Magistratura Federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região para os participantes do Módulo V - Direito Constitucional - do Curso de Currículo Permanente. Na escolha do tema, levou-se em consideração a experiência profissional e de magistério do participante, bem como a relevância social da questão, a qual será examinada do ponto de vista dogmático-jurídico.(1)
Um dos corolários lógicos que emergem do fato de um estado de direito ser um estado constitucional é o dever de a administração pública revogar os atos ilegais que eventualmente tenham sido praticados.(2) De fato, na teoria do direito público brasileiro, a noção de que a Administração Pública – orientada pelo princípio da legalidade – pode e deve anular seus atos praticados ilegalmente, independentemente de provocação, devendo apenas oportunizar a apresentação de defesa pela parte afetada, adquiriu ares de sacralidade (Súmula 473 do STF).
O princípio da legalidade, cuja moldura ideológica do Estado Liberal tinha sido construída para limitar ao mínimo a interferência arbitrária do Estado na vida dos indivíduos, sofreu reformulações importantes ao longo do tempo de forma que, hoje, importantes autores defendem que a Administração Pública está subordinada, não apenas à lei, mas também ao Direito, dentro de uma posição principiológica e substancialista.(3)
No presente arrazoado, defenderei que há atos praticados pela administração pública, realizados com o objetivo de conceder benefícios previdenciários que, conquanto irregulares ou contaminados por vícios na sua gênese, após o decurso de lapso temporal significativo, em face da boa-fé dos seus destinatários e tendo em vista o caráter alimentar das prestações previdenciárias, devem ter os seus efeitos estabilizados. Além disso será examinada a vigência de disposição normativa específica cunhada para reger a administração previdenciária.
1 O princípio da segurança jurídica
Direito, na concepção aqui empregada, é um termo reservado à linguagem normativa, o qual reclama, para que possamos reconhecer a sua existência, um sistema de normas em face do qual poderá ser tutelado pela atuação de órgãos estatais ou internacionais.(4) Pela via do ordenamento jurídico, busca-se traçar um modelo de disciplinamento das relações sociais que permita a coesão da sociedade em torno de valores superiores, contribuindo para que os cidadãos tenham uma existência mais tranqüila e ditosa no seio da sociedade. Com efeito, o disciplinamento das condutas humanas colima proteger interesses individuais e coletivos, não apenas limitando a liberdade do homem, na medida do indispensável para a viabilização deste convívio, como também promovendo uma intervenção estatal efetiva com o escopo de equilibrar as desigualdades econômicas e sociais, aliás, como é expressamente positivado no Capítulo que alberga os princípios fundamentais da Carta de 1988 (inciso III do artigo 3º).(5)
Dentre os valores superiores que merecem ser destacados, a justiça e a segurança jurídica não poderiam deixar de ser referidos. Pode parecer surpreendente, mas é absolutamente verdadeira a constatação do jusfilósofo Luiz Recasen Siches de que, embora o direito deve encarnar os valores da justiça, da dignidade pessoal dos indivíduos (dignidade da pessoa humana) e que o direito não estaria justificado sem que sirva satisfatoriamente a tais finalidades, o Direito não nasceu na vida humana por virtude do desejo de homenagear a idéia de Justiça, mas para satisfazer a irrefutável urgência de segurança e de certeza na vida em sociedade. (6)
No seu desenvolvimento doutrinário e jurisprudencial a expressão segurança jurídica, a qual sempre foi uma das principais aspirações do ser humano, passou a designar um conjunto bem abrangente de conteúdos. Segundo o insigne constitucionalista Catedrático da Faculdade de Coimbra, o princípio da segurança jurídica estaria estreitamente associado ao da proteção da confiança, a ponto de alguns autores considerarem a proteção da confiança como um subprincípio ou dimensão específica da segurança jurídica.(7)
Na doutrina nacional, Almiro do Couto e Silva sustenta que, no curso do tempo, as idéias de boa-fé, segurança jurídica e proteção à confiança foram adquirindo nuances específicas. A segurança jurídica é compreendida pelo Mestre Gaúcho como um conceito ou princípio jurídico que se ramifica em duas partes, uma de natureza objetiva e outra de natureza subjetiva. Na faceta objetiva, assume relevo especial a questão dos limites da retroatividade dos atos do Estado, inclusive dos legislativos. Por sua vez, a perspectiva subjetiva significa a proteção à confiança que o cidadão deposita nos atos, procedimentos e condutas do Estado, nos mais diferentes aspectos de sua atuação. (8)
Não passou despercebido ao mestre da Universidade Federal do Rio Grande do Sul que, em razão de nossa tradição jurídica de constitucionalizar a proteção ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e a coisa julgada, até recentemente, não havia sido atribuída grande importância para a perspectiva subjetiva da proteção à confiança, sendo que apenas em 1999, a legislação federal (Leis nos 9.784/99, 9.868/99 e 9882/99) passou a referir a segurança jurídica como princípio, porém enfocada pelo seu lado subjetivo (proteção à confiança).(9)
A proteção da confiança atua como importante elemento para a aferição da legitimidade constitucional de leis e atos de cunho retroativo, até mesmo pelo fato de que a irretroatividade de determinados atos do Poder Público encontra o seu fundamento justamente na necessidade de proteger a confiança do cidadão na estabilidade de suas posições jurídicas e do próprio ordenamento o que tem levado ao reconhecimento, para além da salvaguarda dos direitos adquiridos, até mesmo de um certo grau de proteção das assim denominadas expectativas de direito, assim como da necessidade de estabelecer regras de transição razoáveis.(10)
O Estado de Direito apresenta princípios que podem ser aparente ou realmente antinômicos, tais como os princípios da legalidade da Administração Pública e o da segurança jurídica. Os princípios, como as demais normas, constituem uma espécie de instrumento forjado pelos homens com o desiderato de disciplinar determinado tipo de situação humana ou de conflito social, suscitada e condicionada em sua origem pelo contexto concreto que constitui a sua motivação.(11) Ao intérprete incumbe promover um diálogo com a vontade objetiva da lei, conferindo sistematicidade à norma e inserindo-a de forma harmônica no ordenamento jurídico.(12)
Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello,(13) esse princípio não pode ser radicado em qualquer dispositivo constitucional específico, uma vez que é da essência do Estado Democrático de Direito. Também Juarez Freitas deriva o princípio da segurança jurídica da noção de Estado Democrático de Direito, destacando-se o seu núcleo na estabilidade das relações jurídicas como condição para o cumprimento das finalidades do ordenamento.(14)
2 Da revisão dos atos ilegais praticados pela administração previdenciária
Perseguindo o escopo de controlar os atos da administração previdenciária, coibindo as fraudes, infelizmente, sempre presentes na trajetória do Estado brasileiro, o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, autarquia federal gestora do regime geral de previdência social ofertado aos trabalhadores da iniciativa privada – mantém programas permanentes de revisão dos atos de concessão e da regularidade da manutenção das prestações previdenciárias.
A instituição de tais mecanismos de controle era prevista desde a redação original do artigo 69 da Lei Orgânica do Custeio da Seguridade Social, Lei nº 8.212/91, mas foi com a edição da Lei nº 9.528/97 que o programa se tornou permanente. O artigo 11 da Lei nº 10.666/03, no essencial, manteve o procedimento previsto no artigo 69 da Lei de Custeio, mas reduziu o prazo concedido ao segurado para a apresentação de defesa e dos documentos que possuir de 30 para 10 dias. (15) Assim como a redação originária dos Planos de Benefício e de Custeio da Previdência Social, os diplomas legais referidos nada dispuseram sobre o prazo dentro do qual a administração previdenciária poderia promover tais revisões.
Com o advento da Lei nº 9.784/99, a qual disciplina o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, ficou estipulado o prazo de cinco anos como marco fatal para o decaimento do direito da Administração de anular os atos administrativos que decorram efeitos favoráveis para os destinatários. Eis o referido dispositivo:
“Art. 54. O direito da administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.
§ 1º No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento.
§ 2º Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato.”
Em 19 de novembro de 2003, veio ao mundo jurídico a Medida Provisória nº 138, a qual acabou convertida na Lei 10.839, de 5 de fevereiro de 2004, introduzindo o artigo 103-A na Lei de Benefícios da Previdência Social. Indubitavelmente, a administração previdenciária passou a contar com um prazo específico para a anulação dos atos que produzam efeitos favoráveis aos seus beneficiários:
“Artigo 103-A O direito da Previdência Social de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os seus beneficiários decai em dez anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.
§ 1º No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo decadencial contar-se-á da percepção do primeiro pagamento.
§ 2º Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato.”
Seguindo a lógica do artigo 54 da Lei nº 9.784/99, o artigo 103-A da Lei nº 8.213/91 não permite a extinção do direito-dever de a Administração revisar os seus atos em caso de comprovada má-fe, como homenagem ao princípio da moralidade administrativa.(16) Porém, para os casos em que ocorreu um erro por parte da administração, até quando poderia a previdência social rever o ato concessório?
Imagine-se a situação de um segurado que, em 1987, quando já contava com cinqüenta anos de idade, requereu um benefício que acreditava que tinha direito. Muito tempo depois, realizando programas de auditoria, constata-se a existência de equívoco no procedimento administrativo e, em junho de 2004, o segurado é intimado para oferecer defesa. Comprovado o equívoco da administração previdenciária, seria razoável anular o ato administrativo de aposentação sem que tenha havido comprovação da má-fé do segurado? Observe-se que, neste exemplo, o benefício foi pago por mais de 15 anos e o segurado já ostenta 65 anos de idade e, portanto, a perspectiva de que ele possa retornar ao mercado de trabalho não é nada alentadora.
No entendimento dos Tribunais, a questão era mais facilmente resolvida pela aplicação retroativa do artigo 54 da Lei nº 9.784/99, como pode ser verificado pelo seguinte precedente:
“ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. PERCEPÇÃO DE PROVENTOS COM PARCELAS DE GRATIFICAÇÃO INCORPORADAS POR FORÇA DA PORTARIA Nº 474/87 - MEC. ANULAÇÃO DO ATO. DECADÊNCIA. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. SÚMULA Nº 83/STJ. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. QUANTUM. SÚMULA Nº 07/STJ. I – A Administração Pública tem o prazo de cinco anos para anular ato administrativo gerador de efeitos favoráveis para os destinatários, salvo se comprovada má-fé (art. 54 da Lei nº 9.784/99). II – In casu, o Parecer nº 203 da Advocacia-Geral da União, que considerou ilegal a forma de remuneração das funções gratificadas nos termos da Portaria nº 474/87, somente foi editado em 1999, quando escoado, há muito, o lustro decadencial. Precedente. III – ‘Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida’ (Súmula nº 83 do STJ). IV – O recurso especial não é a via adequada para se proceder à revisão do percentual de honorários advocatícios a que foi condenada a parte, pois demandaria reexame de matéria fática, vedado pela Súmula nº 7/STJ. Precedentes. Recurso não-conhecido.” (REsp nº 548526/RN, Felix Fischer, 5ª T., DJ 19.12.2003, p. 610)
Ocorre que as leis são editadas, em princípio, para regerem os fatos materializados após a sua edição. Por isso, não surpreende que, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, a orientação tenha restado modificada, afastando-se a retroatividade da Lei nº 9.784/99, como se percebe pelo seguinte precedente:
“AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. ANULAÇÃO DE ATO DA ADMINISTRAÇÃO. ART. 54 DA LEI Nº 9.784/99. PRAZO DECADENCIAL. TERMO A QUO. APLICAÇÃO IRRETROATIVA. Consoante o entendimento da Corte Especial deste Tribunal, prolatado no julgamento dos Mandados de Segurança nºs 9.112/DF, 9.115/DF e 9.157/DF, da sessão de 16.02.2005, a aplicação da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, deverá ser irretroativa. Logo, o termo a quo do quinquênio decadencial, estabelecido no art. 54 da mencionada Lei, contar-se-á da data de sua vigência, e não da data em que foram praticados os atos que se pretende anular. Agravo regimental desprovido.” (AGResp nº 679405/RS, Felix Fischer, 5ª T., DJ 13.06.2005, p. 337)
O simples fato de não reconhecer a retroatividade da Lei nº 9.784/99 não quer dizer que aceitemos a imprescritibilidade do direito de a administração pública rever os seus atos. Hely Lopes Meirelles já advogava que a prescrição administrativa e a judicial impediam a anulação do ato administrativo em face do interesse público na estabilidade das relações jurídicas entre o administrado e a Administração.(17) Por sua vez, Maria Sylvia Di Pietro, mesmo antes do advento da Lei do Procedimento Administrativo, sustentava que o prazo de a administração rever os seus atos seria o mesmo prazo da prescrição judicial, isto é, 5 anos.(18)
Respaldado no novo posicionamento jurisprudencial do STJ, como é expressamente admitido no Parecer MPS/CJ nº 3.509-AGU, de 26 de abril de 2005 - DOU de 28 de abril de 2005, o INSS passou a entender que o direito de anular os atos de que decorram efeitos favoráveis a seus beneficiários, quando praticados antes da Lei nº 9.784/99, decairia apenas a partir de 1º de fevereiro de 2009, quando se completam dez anos contados do início da vigência daquele diploma legal.
Não podemos, de forma alguma, concordar com essa conclusão. Não é razoável aceitar que o Estado, em quaisquer circunstâncias, possa modificar, em qualquer tempo, os atos por ele praticados que produziram nos administrados uma crença de legitimidade na sua atuação. Neste ponto, cabe trazer à colação a lição preciosa do professor Ingo Sarlet de que um autêntico Estado de Direito é sempre também um Estado de segurança jurídica, pois, do contrário, mesmo o “governo das leis”, sendo expressão da vontade política de um grupo, poderia resultar em um despotismo no qual fosse praticada toda sorte de iniqüidades.(19) Ora, reconhecer a inexistência de prazo para a administração anular os atos praticados antes do advento da Lei nº 9.784/99, ou mesmo que, por exemplo, um ato praticado em 1980 tenha o termo inicial para a sua desconstituição em 1º de fevereiro de 1999, é frontalmente incompatível com o princípio da segurança jurídica. Além disso, como pretendo demonstrar, em matéria de benefícios previdenciários do regime geral, até o advento da MP nº 138, o prazo para a revisão dos benefícios concedidos com irregularidade era de 05 anos em virtude de previsão legal específica.
A orientação da Autarquia encontra embasamento nos seguintes pressupostos: a) antes da Lei 9.784/99, a Administração podia rever os seus próprios atos, quando eivados de nulidade, tendo a Lei 8.112/90 dispositivo expresso no artigo 114; b) com o advento da Lei 9.784/99, o prazo decadencial passou a ser de 05 anos, art. 54 da Lei nº 9.784/99, mas, para os atos a ela anteriores, começaria a correr apenas a partir de 1º de fevereiro de 1999, data da vigência de tal diploma; c) especificamente para os atos da Previdência Social relativos à matéria de benefício, praticados antes do advento da Lei nº 9.784/99, o prazo decadencial teria sido estendido para dez anos (Medida Provisória nº 138, de 19.11.2003, convertida na Lei nº 10.839, de 05.02.2004) e, da mesma maneira, só começaria a ocorrer a partir de 1º de fevereiro de 1999; d) em conclusão, o direito da Previdência Social de anular os atos de que decorram efeitos favoráveis a seus beneficiários, quando praticados antes da Lei nº 9.784/99, decairia apenas a partir de 1º de fevereiro de 2009, quando se completam dez anos contados do início da vigência daquele diploma.
Em primeiro lugar, deve ser destacado que esse raciocínio, na prática, acaba por consagrar a imprescritibilidade do direito de revisão do ato pela própria administração. Ora, ainda que escudado no princípio da legalidade, este cânone não pode ser guindado à condição de princípio absoluto, pois não podemos esquecer que os institutos da decadência e da prescrição buscam estabelecer um ponto de equilíbrio entre o princípio já referido e o da segurança jurídica. A segurança jurídica não é apenas um princípio de direito administrativo, mas um princípio constitucional que, desde 1999, recebeu importantes concretizações legislativas, além do diploma legal aqui enfocado (Leis nº 9.868, de 10 de novembro de 1999, e nº 9.882, de 03 de dezembro de 1999),(20) as quais expressamente previram a manutenção de atos administrativos e legislativos inválidos.
Na busca de uma composição mais eqüitativa entre os interesses em jogo e examinando com mais vagar a evolução da legislação previdenciária anterior ao advento da Lei nº 8.213/91 – e não podemos esquecer que muitas pessoas que hoje titularizam um benefício, depois de longo tempo afastados de atividades laborais, não apenas não tinham conhecimento mínimo dos requisitos legais a serem implementados e comprovados, como atualmente não ostentam nenhuma condição de retornarem ao mercado de trabalho – constato que nunca houve uma ausência de um prazo decadencial para a administração previdenciária. Se até no Direito Penal, que tutela os bens jurídicos mais caros ao corpo social, os efeitos do tempo também fulminam a pretensão estatal de punir os delitos mais graves qual a justificativa para perpetuar o direito de a administração pública desconstituir os seus atos? De fato, quando a ordem jurídica pretende imprescritível algum direito, o diz de maneira expressa (CF, arts. 5º, XLII; 182, § 3º e 191, parágrafo único). Quer dizer, a prescritibilidade é a regra, e a imprescritibilidade, a exceção.
Nesta quadra, cabe transcrever a iluminada contribuição de Couto e Silva para a solução da questão afeta à anulação de atos administrativos editados pela Administração Pública Federal antes do início da vigência da Lei nº 9.784/99:
“Entenda-se bem: não se está postulando a atribuição de eficácia retroativa ao prazo do art. 54 da Lei de Processo Administrativo da União. O que estamos afirmando é que essa lei, ao instituir prazo de decadência do direito à invalidação, em regra, inspirada no princípio da segurança jurídica, introduziu no nosso sistema jurídico parâmetro indicador do lapso de tempo que, associado a outras circunstâncias, como a boa-fé dos destinatários do ato administrativo, estaria a recomendar, após o seu transcurso, a manutenção do ato administrativo inválido.
Contudo, nas hipóteses anteriores ao início da vigência do art. 54 da Lei nº 9.784/99, diante do caso concreto, da situação fática objetivamente considerada e da ponderação dos princípios da legalidade e da proteção à confiança poderá o aplicador desses princípios entender que, malgrado o transcurso de cinco anos, não seria a confiança do destinatário digna de proteção, em virtude da intercorrência de outros fatores, que não se relacionam com a boa-fé dos destinatários, mas sim, digamos, com o interesse social ou com a relevância de valores jurídicos feridos, entendendo, em conclusão, que o princípio a ser aplicado seria o da legalidade, e não o da segurança jurídica.” (21)
3 Da existência de prazo específico para a administração previdenciária
Em segundo lugar, mas não menos importante, deve ser apontada a grave omissão perpetrada pelo estudo consubstanciado no Parecer MPS/CJ Nº 3.509-AGU, relativamente à análise de norma insculpida no art. 7º da Lei nº 6.309/75, consolidado no art. 214 da CLPS/76, e, posteriormente, no art. 207 da CLPS/84: “Art. 207 - O processo de interesse de beneficiário ou empresa não pode ser revisto após 5 (cinco) anos contados de sua decisão final, ficando dispensada a conservação da documentação respectiva além desse prazo.”
Consultando o Ementário eletrônico do Superior Tribunal de Justiça, no portal da Justiça Federal, com a expressão “207 CLPS”, são encontrados seis precedentes.(22) Em um rápido exame das ementas, podemos ser induzidos à conclusão de que essa Egrégia Corte entende não ser cabível a aplicação do art. 207 da CLPS/84 quando os atos da autarquia previdenciária foram praticados com ilegalidade. Contudo, se aprofundarmos o estudo, examinando não apenas as ementas, mas os casos que foram submetidos à apreciação da Corte Especial, é possível perceber, concretamente, por qual motivo as generalizações no direito podem ser muito perigosas. Com o intuito de avaliar de maneira mais adequada a concretização jurisprudencial, destacarei os argumentos que fundamentaram estas decisões. Começo reproduzindo a decisão mais recente encontrada quando a pesquisa foi realizada (texto sem grifo no original):
“PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. PREQUESTIONAMENTO. BENEFÍCIO. FRAUDE. SUSPENSÃO. PROCESSO ADMINISTRATIVO. PRESCRIÇÃO. ART. 207, DECRETO 89. 312/84. SÚMULA 473/STF. I – Não se conhece do recurso especial quanto à questão que não foi especificamente enfrentada pelo e. Tribunal a quo, dada a ausência do necessário prequestionamento. Necessidade de se opor embargos declaratórios para prequestionar a matéria, mesmo em se tratando de questões surgidas no v. acórdão vergastado (Súmulas 282 e 356/STF//RSTJ 30/341). II - A revisão do processo de aposentadoria efetuada pela autarquia previdenciária não consubstancia mera faculdade, mas um poder-dever da autoridade pública de revisar seus próprios atos quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos, não sendo cabível a aplicação do prazo previsto no art. 207 da CLPS/84. Precedentes desta Corte e do Pretório Excelso. Recurso não conhecido.” (STJ, REsp. nº 361024, Rel. Min. Felix Fischer, 5ª T., DJ 22.09.2003, p. 352).
Na hipótese em foco, a decisão foi correta, pois, embora a ementa não traduza com clareza todos os elementos considerados no precedente, tratava-se de concessão da prestação previdenciária viabilizada mediante fraude. De fato, no voto do referido acórdão, extraído do site do STJ, constou:
“A estabilidade que adquire o benefício após cinco anos, no entanto, não abrange as hipóteses em que a sua concessão se deu mediante fraude, como no caso em tela, no qual, segundo se apurou, foram apresentados documentos falsos.
Caso se admita que o INSS não pode, em hipótese alguma, rever o benefício após o qüinqüênio do art. 207 do Decreto 89.312/84, corre-se o risco de recair na esdrúxula situação em que o benefíciário mantém intocável o direito ao benefício, mas, ao mesmo tempo, tem contra si deflagrada persecução penal por conta de crime cometido exatamente na sua obtenção. A revisão do processo de aposentadoria efetuada pela autarquia previdenciária não consubstancia mera faculdade, mas um poder-dever da autoridade pública de revisar seus próprios atos quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos, não sendo cabível a aplicação do prazo previsto no art. 207 da CLPS/84.”
Nesse acórdão, um dos arestos que inspirou a decisão acima transcrita apresentava a ementa com a seguinte redação:
"PREVIDENCIÁRIO - APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO - REVISÃO - PRESCRIÇÃO - SUSPENSÃO - ART. 207, DEC. 89312/84 - SÚMULA 473 DO STF. 1 - Na hipótese de suspensão de benefício previdenciário obtido mediante fraude, não se aplica o prazo prescricional qüinqüenal previsto no art. 207 do dec. 89312/84, devendo incidir, na espécie, a Súmula 473 do supremo tribunal federal, eis que ato nulo não produz efeitos. 2 - Seria esdrúxula a hipótese de se considerar ocorrida a prescrição, impedindo a administração pública de rever o processo de aposentadoria nos moldes em tela, e, mesmo assim, entender viável a persecutio criminis do pretenso fraudador. 3 - Recurso não conhecido." (REsp 78.703/RS, Rel. Min. Anselmo Santiago, DJU de 22.06.98).
Da mesma forma, foi assentado na Ementa do REsp nº 437.845, julgado pela 6ª Turma do STJ:
“PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. SUSPENSÃO. PRESCRIÇÃO. ART. 207, DECRETO 89. 312/84. - A revisão do processo de aposentadoria efetuada pelo INSS não consubstancia mera faculdade, mas um poder-dever da autoridade pública competente, no zelo pelo erário público e pela lisura dos procedimentos administrativos. - Precedentes do STF e STJ. - Recurso especial conhecido e provido.” (STJ, REsp nº 437845/RJ, Rel. Min. Vicente Leal, 6ª T., DJU de 07.04.2003).
Pela ementa, mais uma vez, exsurge uma idéia de ampla discricionariedade na revisão dos processos de aposentadoria, descabendo a invocação ao art. 207 da CLPS/84. Contudo, no corpo do voto, ficou registrado:
“Sustentou o INSS, nas razões do recurso, que, sendo o caso de fraude, o ato é nulo de pleno direito, não sendo atingido pelo instituto da prescrição. Tenho que a irresignação merece prosperar. Ora, a questão posta em debate não merece maiores considerações, visto que a revisão do processo de aposentadoria efetuado pelo INSS não consubstancia mera faculdade, mas um poder-dever da autoridade pública competente, no zelo pelo erário público e pela lisura dos procedimentos administrativos.”
Em outro dos precedentes encontrados, agora no corpo da ementa, mais uma vez, percebemos que a fraude perpetrada contra a Administração Pública foi o elemento determinante da anulação do ato administrativo:
“PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA. REVISÃO. FRAUDE. SUSPENSÃO. PRESCRIÇÃO. ART. 207 DA CLPS/84. SÚMULA 473-STF. A Administração tem o poder-dever de revisar seus próprios atos, anulando-os se eivados de vício, não se aplicando o prazo do art. 207 da CLPS/84. Súmula 473-STF e precedentes do STJ. Recurso conhecido, mas desprovido.” (STJ, Resp nº 294352/RS, Rel. Min. Gilson Dipp, 5ª T., DJU de 04.02.02, p 474).
Depois de um rápido exame da concretização judicial operada pelo Superior Tribunal de Justiça, passamos a avaliar a orientação consagrada pelos Tribunais Regionais Federais. Favoravelmente à aplicação do art. 207 da CLPS, encontramos as seguintes decisões na 2ª, na 3ª e na 5ª Regiões:
“PREVIDENCIÁRIO - BENEFÍCIO – SUSPENSÃO DO PAGAMENTO – MANDADO DE SEGURANÇA - PRESCRIÇÃO ADMINISTRATIVA – OCORRÊNCIA – DECRETO 89.312/84, ART. 207 – INTEMPESTIVIDADE DA APELAÇÃO – O INSS NÃO POSSUI A PRERROGATIVA DA INTIMAÇÃO PESSOAL. 1 - A intempestividade da apelação do INSS, argüida nas contra-razões, é procedente, uma vez que os procuradores autárquicos não possuem a prerrogativa da intimação pessoal nos processos em que atuam (EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NA REsp 184310 – Rel.: Min. Hamilton Carvalhido – 6ª Turma do STJ – DJ 15.12.2003). 2 - Independentemente da regularidade ou não da garantia de defesa dada ao segurado, o INSS não poderia, após o decurso do prazo de 5 (cinco) anos do início do benefício, cessar o seu pagamento, por motivo de irregularidade no ato da concessão, em face da prescrição administrativa qüinqüenal. 3 - A aposentadoria por tempo de serviço do impetrante foi concedida em 10 de maio de 1982 e cessada em 07 de maio de 1998. Após decorridos cerca de 16 (dezesseis) anos, o INSS cancelou o benefício dele, sob a alegação de que, revendo a concessão, encontrou irregularidade no cômputo de tempo de serviço. 4 - O segurado não está obrigado a guardar os documentos por período tão longo. Previsão legal no Decreto nº 89.312/84, cujo art. 207 estabelecia o prazo de 05 (cinco) anos para revisão, desobrigando o segurado de guardar os documentos após este prazo. 5 – Apelação não conhecida e remessa ex-officio improvida.” (TRF 2ª R., AMS nº 199902010534560/RJ, Rel. Antônio Cruz Neto, DJU 17.01.05, p. 62)
“PREVIDENCIÁRIO. PRINCÍPIO DE AUTOTUTELA. REVOGAÇÃO E CANCELAMENTO DE BENEFÍCIO. DEVIDO PROCESSO LEGAL. SENTENÇA MANTIDA. I - O benefício foi concedido em 01 de janeiro de 1983 e suspenso em 19 de março de 1998, quinze anos após. II - As informações sustentam que o procedimento anulatório da autarquia foi correto, uma vez constatada fraude na postulação do benefício. III - Relações jurídicas foram constituídas e a anulação do ato concessivo do benefício apenas poderia ter ocorrido sob contraditório, em tempo útil não alcançado pela prescrição. IV - O ato concessivo tem a presunção de legitimidade e sua executoriedade deve ser garantida pelos gestores da Previdência Social, sem obstáculos, cumprindo-lhes em seus atos observar o devido processo legal contemplado no art. 5º, LIV, da Constituição Federal, o que certamente inclui obediência aos lapsos precricionais (Lei n° 6309/75, art. 7º, CLPS, art. 207, aprovada pelo Decreto n° 89.312, de 23.01.84). V - Apelação e remessa oficial improvidas.” (TRF 3ª R., AMS nº 199961030031871/SP, Rel. Batista Gonçalves, DJU 18.11.02, p.563)
“PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE BENEFÍCIO. O PODER-DEVER DE REVISÃO DA ADMINISTRAÇÃO PREVIDENCIÁRIA DE BENEFÍCIO ENCONTRA OBSTÁCULO NO PRAZO DE CINCO ANOS, NOS TERMOS DO ART. 207 DA CLPS. APELAÇÃO E REMESSA IMPROVIDAS.” (TRF 5ª R., AMS nº 8905062695/SE, Rel. Petrucio Ferreira, DOE 30.10.1989)
No sentido inverso têm sido as decisões proferidas pelos Tribunais Regionais Federais da 1ª e da 4ª Regiões:
“CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. REVISÃO DE BENEFÍCIO CONCEDIDO ANTES DA ATUAL CARTA MAGNA E NA VIGÊNCIA DA LEI 6.423/77. DECADÊNCIA. ART. 207 DA CLPS. INAPLICABILIDADE. RENDA MENSAL INICIAL. ATUALIZAÇÃO DOS SALÁRIOS-DE-CONTRIBUIÇÃO. GRATIFICAÇÃO NATALINA. VALOR. ART. 201, § 6º, DA CF/88. AUTO-APLICABILIDADE. URP DE FEVEREIRO/1989 (26,05%). INDEVIDA. SÚMULAS 23 E 28/TRF - 1ª REGIÃO. 1. Não decai do direito de pedir revisão de benefício o segurado que deixa de fazê-lo dentro do prazo previsto no art. 207 da CLPS (cinco anos), visto que essa regra se dirige apenas à administração, não aos benefícios, por ser incompatível com a imprescritibilidade prevista no art. 98 do mesmo diploma legal. Se o benefício pode ser requerido a qualquer tempo, a sua revisão, que é parte dele, é exercitável sempre. (Cf. TFR, AC 0121568/RJ, Primeira Turma, Min. Dias Trindade, DJ 12.03.1987) (...)” (TRF 1ª R., AMS nº 9301216000/MG, Rel. João Carlos Mayer Soares, DJU 03.10.02, p. 197)
“PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS INFRINGENTES. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. AUTOTUTELA ADMINISTRATIVA. RESTABELECIMENTO. ENTREVISTA ADMINISTRATIVA. TERMO DE HOMOLOGAÇÃO FIRMADO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. 1. O art. 207 da CLPS não deve ser considerado recepcionado pela CF/88, pois, tendo esta última constitucionalizado a subsunção da Administração Pública ao dogma da legalidade (art. 37), não há que se falar em decadência ou prescrição administrativa como óbices à aplicação da súmula 473 do STF. 2. Com efeito, segundo a inteligência que se extrai do referido enunciado, in casu, havendo dúvida razoável demonstrada pelos elementos colhidos no procedimento de revisão encetado pela autarquia – e não mero reexame de provas ou mudança superveniente de interpretação –, revela-se não só possível, mas devida, a suspensão ou o cancelamento do benefício, ainda que transcorrido um lustro, sem que a isso possa-se imputar malferimento à estabilidade das relações jurídicas. 3. A homologação da declaração de exercício de atividade rural pelo Ministério Público, em período anterior à vigência da Lei 9.063/95, aliada à eficácia relativa que deve ser emprestada à entrevista administrativa em que o segurado comparece perante o Instituto, conforme precedentes deste Colegiado, fazem prova plena do exercício do labor campesino discutido nos autos.” (TRF 4ª R., EIAC nº 200104010147784 /RS, Rel. Victor Luiz dos Santos Laus, 3ª Seção, publicado na RTRF-4ª 51/2004/301)
O argumento empregado na primeira decisão é equivocado porquanto iguala duas situações absolutamente diferentes: o direito ao benefício previdenciário e o direito de a administração pública anular os atos praticado com ilegalidade, desconsiderando que, justamente, pela sua peculiar natureza, o legislador expressamente disciplinou de forma diversa. Como é cediço, a analogia pressupõe silêncio da lei, (23) não sendo cabível quando a disciplina divergente decorre de escolha efetuada pelo legislador. Demais disso, como ensinava Carlos Maximiliano: “em se tratando de dispositivos que limitam a liberdade, ou restringem quaisquer direitos, não se admite o uso da analogia.” (24)
Cabe registrar, por relevante, que o enunciado normativo do caput do artigo 98 da CLPS/84 abarcava a mesma regra insculpida hodiernamente no caput do artigo 103 da LBPS. Não há, nem pode haver, prescrição de fundo de direito quanto ao benefício previdenciário (direito fundamental) não reclamado. A esse respeito, cabe transcrever o magistério de Marcus Orione Gonçalves Correia sobre o artigo em foco:
“Na verdade, ele não leva à conclusão da extinção do benefício, ou sua prescrição e decadência, como preferem alguns. A mim ele não sugere isso, embora muitos, inadvertidamente, entendessem dessa forma. No entanto, se essa for a forma entendida, ela não poderia ser convalidada, por um motivo muito simples: benefícios previdenciários (uma pensão ou aposentadoria, v.g.) estão ligados ao próprio direito à vida e são direitos sociais que compõem o conceito de previdência, ou seja, o direito fundamental previdenciário. Então, obviamente, seja porque estão ligados a um direito fundamental individual, seja porque estão ligados a um direito fundamental social, esses benefícios jamais poderiam ser atingidos na sua essência, deixando de existir por ausência de seu exercício por um decurso de prazo. O máximo que se admitiria, e ainda com reservas enormes, é a prescrição de parcelas, porque, na verdade, não se pode atingir a essência de direitos fundamentais por decurso de prazo. Aliás, como é de todos conhecido, os direitos humanos são imprescritíveis. Obviamente que o direito à pensão, o direito à aposentadoria, enquanto componentes do direito fundamental previdenciário, jamais poderiam ser atingidos na sua essência, havendo imprescritibilidade.” (25)
Para a 3ª Seção do Egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região, o artigo 207 da CLPS/84 não teria sido recepcionado pela Constituição Federal. Ousamos discordar. Como a nova Constituição não deve representar um rompimento absoluto, desconsiderando inteiramente o sistema legal preexistente, por razões pragmáticas, busca-se aproveitar toda a legislação federal, estadual e municipal que for compatível, a qual conservará a eficácia, porém, sob um novo fundamento. Ainda que inexista regra expressa a validar as normas anteriores compatíveis, situação de nossa atual Carta de Princípios, o princípio da continuidade é uma realidade necessária. Esse fenômeno é denominado pelo mestre de Viena de “recepção”. Através da recepção, há um processo abreviado de criação das normas jurídicas.
Jorge Miranda, nessa trilha, dá um passo adiante, sustentando que a superveniência de uma nova Constituição representa uma ‘novação’, pois haveria uma mudança de fundamento da validade dessas normas, ainda que formalmente intocadas, acarretando as seguintes conseqüências:
“a) Os princípios gerais de todos os ramos de Direito passam a ser os que constem da Constituição ou os que dela se infiram directa ou indirectamente, enquanto revelações dos valores fundamentais da ordem jurídica acolhidos pela Constituição;
b) As normas legais e regulamentares vigentes à data da entrada em vigor da nova Constituição têm de ser reinterpretadas em face desta e apenas subsistem se conformes com as suas normas e os seus princípios;
c) As normas anteriores contrárias à Constituição, mesmo que contrárias a normas programáticas, não podem subsistir - seja qual for o modo de interpretar o fenômeno da contradição.” (26)
Ora, não há incompatibilidade entre o artigo 207 da CLPS e a Constituição Federal. Ele é absolutamente harmonizável com o princípio da segurança jurídica, acolhido por nossa Constituição, como é universalmente reconhecido pelos tratadistas. Tanto assim que o artigo 54 da Lei nº 9.784/99 reproduziu o mesmo prazo previsto no enunciado normativo do artigo 207 da CLPS/84.
Por sua vez, cabe destacar a recente tendência do Supremo Tribunal Federal de valorizar o princípio da segurança jurídica nas relações entre administrado e Administração. No julgamento do MS nº 24.268/MG, ao examinar ação proposta por pensionista contra ato do TCU, que cancelou o pagamento de sua pensão especial concedida há dezoito anos – ao fundamento de que a adoção não restara comprovada por instrumento jurídico adequado, embora a ação tenha sido decidida com base no entendimento de desrespeito ao contraditório e à ampla defesa e não tenha havido manifestação conclusiva sobre o artigo 54 da Lei nº 9.784/99 –, assim pronunciou-se o Ministro Gilmar Mendes sobre a questão da segurança jurídica:
“Considera-se, hodiernamente, que o tema tem, entre nós, assento constitucional (princípio do Estado de Direito) e está disciplinado, parcialmente, no plano federal, na Lei n 9.784, de 29 de janeiro de 1999 (v.g. art. 2).
Como se vê, em verdade, a segurança jurídica, como subprincípio do Estado de Direito, assume valor ímpar no sistema jurídico, cabendo-lhe papel diferenciado na realização da própria idéia de justiça material.” (27)
4 O prazo de revisão dos atos administrativos no sistema da Lei nº 8.213/91
As situações pretéritas já consolidadas, como manifestação evidente do princípio da segurança jurídica, não podem ser afetadas pela lei nova. Por conseguinte, não resta dúvida de que os benefícios deferidos na vigência da Lei nº 6.309/75 – que começou a vigorar no primeiro dia do segundo mês seguinte ao de sua publicação (16.12.75) – não poderiam ser revisados após 5 anos da sua concessão.
Mas até quando essa norma produziu efeitos? Embrionariamente, poderia se pensar que a irradiação dos seus efeitos cessou em 24 de julho de 1991, porquanto em 25 de julho de 1991 foi publicada a Lei nº 8.213/91 (cujo artigo 156 revogou as disposições em contrário). Se essa premissa for considerada correta, apenas os benefícios concedidos até 24 de julho de 1991 continuariam podendo ser revisados dentro de um lustro.
Seria adequado entender que os benefícios concedidos após o advento da Lei de Benefícios da Previdência Social – LBPS – não estariam submetidos a nenhum prazo decadencial até a entrada em vigor da Lei nº 9.784/99? A norma veiculada pelo artigo 7º da Lei nº 6.30975 não é contrária ao sistema protetivo da LBPS – e como visto, está em consonância com o princípio da segurança jurídica –, tendo o referido prazo, com o advento da Lei nº 9.784/99, sido restabelecido.
Destaco que algumas disposições do sistema anterior foram mantidas, seja pela via de regras de transição, seja pela determinação de que fossem aplicadas subsidiariamente normas do sistema anterior. Inicialmente, citem-se os Decretos que tratavam das atividades consideradas para fins de aposentadoria especial, os quais foram recepcionados por força do comando normativo do artigo 152. Outro exemplo era o artigo 151, cujo preceito normativo previa uma lista de doenças que permitia, independentemente de carência, a concessão de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez ao segurado que, após filiar-se ao Regime Geral de Previdência Social, fosse acometido de tais moléstias. O preceito legal só perdeu sua relevância, nos termos do inciso II do artigo 26, com a edição da Portaria Interministerial MPAS/MS nº 2.998, publicada no DOU de 24 de agosto de 2001.
Com relação ao artigo 114 da Lei nº 8.112/90, que trata do regime jurídico dos Servidores Públicos Civis, este enunciado normativo em nada modificou a situação do regime previdenciário dos trabalhadores da iniciativa privada, porquanto se trata de norma específica, não podendo ser-lhe atribuída uma aplicação geral.(28) Aliás, o que ocorre é justamente o contrário. As normas do regime geral é que são aplicadas para os regimes próprios, de maneira subsidiária, como expressamente prevê o § 12 do artigo 40 da CF/88.
E a partir da vigência da Lei nº 8.213/91, qual seria então o prazo que a administração previdenciária teria para anular as suas decisões? É certo que o Plano de Benefícios não consagrou enunciado normativo expresso, entretanto, como nos ensina Juarez Freitas, o princípio da proteção da confiança recíproca entre administrado e Administração é uma das vigas mestras do Direito Administrativo, informando e desempenhando um papel infungível na hermenêutica das relações de administração.(29) Por isso, na busca de uma harmonia relativizadora, o princípio da legalidade estrita pode não ser considerado o mais relevante em todas as situações.
Demais disso, como não poderia deixar de ser em face do princípio do contraditório, restou assentado que nos processos de interesse dos beneficiários caberia recurso administrativo na forma do Regulamento (art. 126 da LBPS). A disposição tem grande relevância não apenas para futuros beneficiários que podem ter o seu pleito indeferido, como também pelos benefícios já concedidos que podem ser revisados consoante a previsão do artigo 69 da Lei de Custeio, programa que inclusive foi tornado permanente pela Lei nº 9.528/97 e que seguiu sendo objeto de outras normas como a Lei nº 10.666/03.
No Decreto nº 357 de 07 de dezembro de 1991, encontramos a seguinte regra (sem grifo no original):
“Art. 299. As disposições contempladas no Regulamento dos Benefícios da Previdência Social, aprovado pelo Decreto nº 83.080, de 24 de janeiro de 1979, com as alterações introduzidas pelo Decreto nº 87.374, de 08 de julho de 1982, não constantes deste Regulamento, aplicam-se subsidiariamente, no que couber, até que seja publicada a Consolidação dos Regulamentos dos Benefícios da Previdência Social.”
Por sua vez, no Decreto nº 611, de 21.07.92, encontramos o mesmo preceito agora no artigo 295:
“Art. 295. As disposições contempladas no Regulamento dos Benefícios da Previdência Social, aprovado pelo Decreto nº 83.080, de 24 de janeiro de 1979, com as alterações introduzidas pelo Decreto nº 87.374, de 08 de julho de 1982, não constantes deste Regulamento, aplicam-se subsidiariamente, no que couber, até que seja publicada a Consolidação dos Regulamentos dos Benefícios da Previdência Social.”
Em que pese o artigo 261 do Decreto nº 2.172, de 05 de março de 1997, tenha expressamente revogado os anexos I e II do Regulamento de Benefícios da Previdência Social, aprovado pelo Decreto nº 83.080/79, a Consolidação dos Regulamentos dos Benefícios da Previdência Social só ocorreu com o Decreto nº 3.048, publicado em 07 de maio de 1999.(30) Antes disso, porém, veio ao mundo a Lei nº 9.874, cujos efeitos começaram a ser produzidos em 1º de fevereiro de 1999.
Em suma, ainda que não seja conferido caráter retroativo à Lei nº 9.784/99, entendo que o prazo para a administração previdenciária revisar os seus atos, mesmo no período transcorrido entre a edição da Lei nº 8.213/91 e a Lei nº 9.784/99, é de cinco anos, contados da data em que foram praticados, pelo menos, até a edição da Medida Provisória nº 138, de 19 de novembro de 2003.
Considerações finais
A investigação concretizada no presente estudo buscou demonstrar que, embora essencial que a administração previdenciária intensifique o controle da legalidade dos seus atos, não é possível concordar que esta possa rever os atos praticados com irregularidade antes de 1º de fevereiro de 1999, sem que tenha havido má-fé dos segurados, até 1º de fevereiro de 2009.
Se o Plano de Benefícios não consagrou enunciado normativo expresso, o princípio da segurança jurídica, ao lado do caráter alimentar das prestações previdenciárias, destinadas a garantir um mínimo de dignidade aos trabalhadores que já não ostentam mais capacidade de inserção no mercado de trabalho, determina que não seja atribuída preponderância absoluta ao princípio da legalidade. Ademais, não é adequado desconsiderar a regra expressa veiculada pelo artigo 7º da Lei nº 6.309/75, a qual consagrava o mesmo prazo de cinco anos para a revisão dos atos de concessão de benefícios previdenciários. Esse prazo vigorou até a edição da Medida Provisória nº 138, publicada em 19 de novembro de 2003.
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Notas:
1. Segundo o magistério de FERRAZ Jr. os enfoques dogmáticos distinguem-se dos zetéticos, sendo que toda investigação tem sempre os dois, embora entre ambos não exista uma divisão radical: “O enfoque dogmático revela o ato de opinar e ressalva algumas das opiniões. O zetético, ao contrário, desintegra, dissolve as opiniões, pondo-as em dúvida. Questões zetéticas têm uma função especulativa explícita e são infinitas. Questões dogmáticas têm uma função diretiva explícita e são finitas. Nas primeiras, o problema tematizado é configurado como um ser (que é algo?). Nas segundas, a situação nelas captada se configura como um dever-ser (como deve-ser algo?). Por isso, o enfoque zetético visa a saber o que é uma coisa. Já o enfoque dogmático se preocupa em possibilitar uma decisão e orientar a ação.” (FERRAZ Jr., Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação, p.41).
2. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, p. 240.
3. FREITAS, Juarez. O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. 2. ed. p. 60.
4. Consoante preleciona PECES-BARBA, os direitos têm uma raiz moral que se indaga pela fundamentação, mas não são tais sem pertencerem ao ordenamento, o que lhes possibilita serem eficazes na vida social. Em suas palavras: “Nos direitos fundamentais, o espírito, a força e a moral estão entrelaçadas e a separação os mutila, os faz incompreensíveis”. (PECES-BARBA Martinez, Gregório. Curso de Derechos Fundamentales: Teoria General., p. 104).
5. “III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;”
6. SICHES, Luis Recasens. Introducción al estudio del derecho. p.112.
7. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, p. 250.
8. SILVA, Almiro do Couto. O princípio da segurança jurídica (proteção à confiança) no direito público brasileiro e o direito da administração pública de anular seus próprios atos administrativos: o prazo decadencial do art. 54 da Lei do Processo Administrativo da União (Lei nº 9.784/99). Disponível em: . Acesso em: 07 fev. 2006.
9. SILVA, Almiro do Couto, Idem.
10. SARLET, Ingo. A eficácia do direito fundamental à segurança jurídica: dignidade da pessoa humana, direitos fundamentais e proibição do retrocesso no direito constitucional brasileiro. p. 97.
11. SICHES, Luis Recaséns. Introducción al Estudio del Derecho. p. 121.
12. FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do direito. p. 57.
13. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. p. 92.
14. FREITAS, Juarez. O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. 2. ed. p. 75.
15. “Art. 11. O Ministério da Previdência e Assistência Social e o INSS manterão programa permanente de revisão da concessão e da manutenção dos benefícios da Previdência Social, a fim de apurar irregularidades e falhas existentes. § 1º Havendo indício de irregularidade na concessão ou na manutenção de benefício, a Previdência Social notificará o beneficiário para apresentar defesa, provas ou documentos de que dispuser, no prazo de dez dias. § 2º A notificação a que se refere o parágrafo anterior far-se-á por via postal com aviso de recebimento e, não comparecendo o beneficiário nem apresentando defesa, será suspenso o benefício, com notificação ao beneficiário. § 3º Decorrido o prazo concedido pela notificação postal ou pelo edital, sem que tenha havido resposta, ou caso seja considerada pela Previdência Social como insuficiente ou improcedente a defesa apresentada, o benefício será cancelado, dando-se conhecimento da decisão ao beneficiário.”
16. Como anota o Professor Juarez Freitas: “De fato, nunca soou razoável invocar a primazia da segurança das relações jurídicas para afrontar, de modo letal, a moralidade administrativa.” FREITAS, Juarez. Processo Administrativo Federal: reflexões sobre o prazo anulatório e a amplitude do dever de motivação dos atos administrativos. p. 97. In: As Leis do Procedimento administrativo (Lei Federal 9.784/99 e Lei Paulista 10.177/98).
17. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro, p.189.
18. "Também em caso de ter ocorrido prescrição judicial desaparece o poder de rever o ato de ofício porque, nesse caso, a revisão constituiria ofensa à estabilidade das relações jurídicas que o legislador quis proteger com a fixação de prazo prescricional. O reconhecimento de um direito, nessas circunstâncias, significaria liberalidade da Administração em face de um interesse público do qual ela não pode dispor. Pela mesma razão, no silêncio da lei, o prazo para que a Administração reveja os próprios atos, com o objetivo de corrigi-los ou invalidá-los, é o mesmo em que se dá a prescrição judicial. Reconhecemos que a matéria é controvertida, no que diz respeito a esse prazo. (...) Ficamos com a posição dos que, como Hely Lopes Meirelles (1996:589), entendem que, no silêncio da lei, a prescrição administrativa ocorre em cinco anos, nos termos do Decreto n° 20.910/32. Quando se trata de direito oponível à Administração, não se aplicam os prazos do direito comum, mas esse prazo específico aplicável à Fazenda Pública; apenas em se tratando de direitos de natureza real é que prevalecem os prazos previstos no Código Civil, conforme entendimento da jurisprudência. Desse modo, prescrita a ação na esfera judicial, não pode mais a Administração rever os próprios atos, quer por iniciativa própria, quer mediante provocação, sob pena de infringência ao interesse público na estabilidade das relações jurídicas. Na esfera federal, a questão ficou pacificada com a Lei n° 9.784/99, cujo artigo 54 veio estabelecer que 'o direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo se comprovada má-fé'. Pela norma do § 1° do mesmo dispositivo, 'no caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento'." (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, 17. ed., São Paulo: Atlas, 2004, pp. 633-634)
19. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia do Direito Fundamental à segurança Jurídica: dignidade da pessoa humana, direitos fundamentais e proibição do retrocesso social no direito constitucional brasileiro. p. 90. In: ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. A Constituição e segurança jurídica: direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada.
20. Estes diplomas legais tratam, respectivamente, sobre a ação direta de constitucionalidade, ação direta de inconstitucionalidade e a argüição de descumprimento de preceito fundamental.
21. SILVA, Almiro do Couto. O princípio da segurança jurídica (proteção à confiança) no direito público brasileiro e o direito da administração pública de anular seus próprios atos administrativos: o prazo decadencial do art. 54 da Lei do Processo Administrativo da União (Lei nº 9.784/99). Disponível em: < http://www.direitodoestado.com/revista/REDE-2-ABRIL-2005-ALMIRO%20DO%20COUTO%20E%20SILVA.pdf >. Acesso em: 07 fev. 2006.
22. Disponível em: . Acesso em: 05 fev. 2006.
23. Reza o art. 4. da LICC: “Art. 4º Quando a Lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito.”
24. MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do Direito, p. 213.
25. CORREIA, Marcus Orione Gonçalves. A interpretação do direito da segurança social. p. 265 a 266.
26. MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. 3. ed. T. II, p. 276-7.
27. “EMENTA: Mandado de segurança. 2. Cancelamento de pensão especial pelo Tribunal de Contas da União. Ausência de comprovação da adoção por instrumento jurídico adequado. Pensão concedida há 20 anos. 3. Direito de defesa ampliado com a Constituição de 1988. Âmbito da proteção que contempla todos os processos, judiciais e administrativos, e não se resume a um simples direito de manifestação no processo. 4. Direito constitucional comparado. Pretensão à tutela jurídica que envolve não só direito de manifestação e de informação, mas também o direito de ver seus argumentos contemplados pelo órgão julgador. 5. Os princípios do contraditório e da ampla defesa assegurados pela Constituição aplicam-se a todos os procedimentos administrativos. 6. O exercício pleno do contraditório não se limita à garantia de alegação oportuna e eficaz a respeito de fatos, mas implica a possibilidade de ser ouvido também em matéria jurídica. 7. Aplicação do princípio da segurança jurídica, enquanto subprincípio do Estado de Direito. Possibilidade de revogação de atos administrativos que não se pode estender indefinidamente. Poder anulatório sujeito a prazo razoável. Necessidade de estabilidade das situações criadas administrativamente. 8. Distinção entre atuação administrativa que independe da audiência do interessado e decisão que, unilateralmente, cancela decisão anterior. Incidência da garantia do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal ao processo administrativo. 9. Princípio da confiança como elemento do princípio da segurança jurídica. Presença de um componente de ética jurídica. Aplicação nas relações jurídicas de direito público. 10. Mandado de Segurança deferido para determinar observância do princípio do contraditório e da ampla defesa (CF art. 50 LV).” ( STF, MS nº 24.540/MG, Rel. p. AC. Ministro Gilmar Mendes, Pleno, DJU 17.09.04).
28. “Art. 114. A administração deverá rever seus atos, a qualquer tempo, quando eivados de ilegalidade.”
29. FREITAS, Juarez. Estudos de Direito Administrativo. p. 30.
30. Corroborando este entendimento, veja-se o que dispõe o art. 3º desse Decreto: Ficam revogados os Decretos nºs 33.335, de 20 de julho de 1953, 36.911, de 15 de fevereiro de 1955, 65.106, de 5 de setembro de 1969, 69.382, de 19 de outubro de 1971, 72.771, de 6 de setembro de 1973, 73.617, de 12 de fevereiro de 1974, 73.833, de 13 de março de 1974, 74.661, de 7 de outubro de 1974, 75.478, de 14 de março de 1975, 75.706, de 8 de maio de 1975, 75.884, de 19 de junho de 1975, 76.326, de 23 de setembro de 1975, 77.210, de 20 de fevereiro de 1976, 79.037, de 24 de dezembro de 1976, 79.575, de 26 de abril de 1977, 79.789, de 7 de junho de 1977, 83.080, de 24 de janeiro de 1979, 83.081, de 24 de janeiro de 1979, 85.745, de 23 de fevereiro de 1981, 85.850, de 30 de março 1981, 86.512, de 29 de outubro de 1981, 87.374, de 8 de julho de 1982, 87.430, de 28 de julho de 1982, 88.353, de 6 de junho de 1983, 88.367, de 7 de junho de 1983, 88.443, de 29 de junho de 1983, 89.167, de 9 de dezembro de 1983, 89.312, de 23 de janeiro de 1984, 90.038, de 9 de agosto de 1984, 90.195, de 12 de setembro de 1984, 90.817, de 17 de janeiro de 1985, 91.406, de 5 de julho de 1985, 92.588, de 25 de abril de 1986, 92.700, de 21 de maio de 1986, 92.702, de 21 de maio de 1986, 92.769, de 10 de junho de 1986, 92.770, de 10 de junho de 1986, 92.976, de 22 de julho de 1986, 94.512, de 24 de junho de 1987, 96.543, de 22 de agosto de 1988, 96.595, de 25 de agosto de 1988, 98.376, de 7 de novembro de 1989, 99.301, de 15 de junho de 1990, 99.351, de 27 de junho 1990, 1.197, de 14 de julho de 1994, 1.514, de 5 de junho de 1995, 1.826, de 29 de fevereiro de 1996, 1.843, de 25 de março de 1996, 2.172, de 5 de março de 1997, 2.173, de 5 de março de 1997, 2.342, de 9 de outubro de 1997, 2.664, de 10 de julho de 1998, 2.782, de 14 de setembro de 1998, 2.803, de 20 de outubro de 1998, 2.924, de 5 de janeiro de 1999, e 3.039, de 28 de abril de 1999.
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